Seminário sobre o conceito de liberdade e aplicações jurídicas

Seminário
sobre o conceito de liberdade e aplicações jurídicas

Ernani Fernandes *

Bolsista do PRP-Institucional/USP e articulista do Blog Escola Filosófica RFC http:// blog.escolafilosoficarfc.org/

Prefácio

     Para que se dê início a explanação, deve ser feita a
observação de que, apesar de focar a argumentação dos autores recomendados,
tomou-se a liberdade de, mesmo que de forma efêmera e mesmo superficial, dado o
caráter de resenha, comentar o pensamento de autores de expressão na abordagem
do problema.

     A superficialidade, decorrente da síntese, pode dar
margem a dúvidas quanto a posturas ou conceitos aqui demonstrados, de modo que
o autor fica à disposição para maiores esclarecimentos, caso necessários.

Resenha

     Para que se tenha entendimento do pensamento
kelseniano, deve-se, primariamente, esclarecer os conceitos de causalidade e
imputação.

     A causalidade apresentaria caráter natural, sendo
baseada em leis concretas, enquanto a imputação teria caráter normativo, de
modo a classificar-se como moral ou jurídica. Desse modo, a distinção residiria
em que, na causalidade, a relação entre o pressuposto, como causa, e a
conseqüência, como efeito, não seria estabelecida por regras sociais humanas,
como a moral, mas seria independente de toda intervenção desta espécie. A
relação normativa diferiria justamente no fato de que tal relação seria baseada
em alguma norma.

     Além da distinção primária, Kelsen demonstrou o caráter
interminável da cadeia de causa e efeito, de modo que o evento concreto seria o
ponto de intercepção de um número em princípio limitado de séries causais,
enquanto a imputação se limitaria ao ato imediato, desconsiderando a causa
remota e as mediatas subseqüentes – caso a norma o despreze – e conseqüências,
criando um ponto terminal, claramente tipificado. Desse modo, teria caráter
limitado, desconsiderando o fato de que o ato imediato, quando da análise
natural, seria apenas um fato de uma cadeia interminável.

      Kelsen desenvolve a sua argumentação com foco na
refutação das proposições de contemporâneos que dele divergiam, de discurso
ético ou moralista, provavelmente por influência kantiana, afirmando o
pressuposto de que apenas a liberdade do homem, entendida como o fato de ele
não estar submetido à lei da causalidade, tornaria possível a responsabilidade
ou a imputação. Para Kelsen, tal alegação estaria em total desacordo com os
fatos da vida social, de modo que a própria instituição de uma ordem normativa
reguladora da conduta dos indivíduos (por meio da imputação, ligação de uma
conduta humana com o pressuposto sob o qual ela é prescrita ou proibida em uma
norma) seria baseada no fato de que a vontade individual seria causalmente
determinável, dado o caráter coativo, não sendo, assim, livre. Ao criar motivos
para a atitude de acordo com o prescrito, como proposto, por exemplo, por
Beccaria, como regra para o equilíbrio social: os indivíduos agiriam de modo
egoísta, (ou, como afirma Kelsen, buscando o máximo de próprio prazer), o
Estado busca a obediência, atuando como causa considerada na determinação da
vontade que agiria conforme a essa norma.

     Assim, Kelsen rebate a argumentação kantiana, a qual
desprezaria a funcionalidade e a implicação causal da norma para focar atitudes
estritamente morais, ao afirmar que a dita autonomia da vontade seria a base de
todas as leis morais, sendo a própria uma condição da liberdade e diferenciando,
na Crítica da Razão Prática, os sentidos positivos (legislação própria) e
negativos (mera independência) de liberdade, com a defesa, de provável herança
cristã, de que os impulsos naturais seriam patológicos e não conformes com a
razão e a vontade. A lei moral, de pretensão universalista, apenas exprimiria a
autonomia da vontade sobre os impulsos, a manifestação da razão pura, sendo intrinsecamente
ligada à liberdade, como um meio de regular uma vontade somatotipicamente
imperfeita. Para Kelsen, de herança cientificista e positivista, apesar de não
frisar a diferenciação entre determinismo e indeterminismo, via o determinismo com
origem leibniziana e ainda mais acentuado, por desconsiderar a autonomia, como
em proposições de literatos naturalistas, como Émile Zola, ao defender a idéia
de prevalência da causalidade.

     Para Kelsen, a normatividade e a causalidade não se
excluiriam, visto que a imputação que não interferisse na realidade seria
dispensável, como no exemplo da proibição da morte. A norma agiria como meio de
atuação social, agindo como causa de efeitos posteriores. Assim, a norma seria
destituída de sentido quando em déficit quanto à possibilidade de eficácia
causal, como quando a conduta conforme à norma fosse contrária à lei natural. A
proposição de que a vontade do homem é livre seria uma ficção jurídica
necessária para a imputação ético-jurídica, tornada supérflua quando da
percepção de que o conceito de liberdade seria independente da causalidade, mas
subordinado a um conjunto normativo.

     Os homens seriam imputáveis porque e na medida em que
as ordens morais e jurídicas prescreveriam apenas condutas humanas.

     Kelsen comenta, também, ordenamentos jurídicos modernos
que excetuariam certos casos de responsabilidade e da imputação pela não
admissão de vontade livre, com a justificativa de que não poderiam ser
conduzidos com eficácia à conduta prescrita através da representação de normas
jurídicas, considerando, por exemplo, a condição de sua consciência. Para
Kelsen, a dita coação irresistível seria apenas um caso da coação homônima,
pois toda coação efetivada apresentaria essa classificação, sendo a
causalidade, por sua própria essência, de tal caráter. Mesmo assim, faz a
ressalva de que nem todos os casos de coação irresistível dariam lugar à
imputação.

     Assim, o autor apresenta seu conceito de liberdade:
agir conforme a própria vontade, seja ela causalmente determinada ou não. A
imputabilidade tornaria o homem livre, não seria o homem sujeito à imputação
por ser livre. Seria o fato de ser a imputabilidade limitada a tal ato concreto
o determinante da liberdade humana.

     A determinabilidade causal da vontade tornaria possível
a imputação, não a indeterminação. Imputação e liberdade seriam intrinsecamente
ligadas, pois o homem seria livre, enquanto personalidade jurídica, porque se
lhe imputa algo, não o inverso. Desse modo, não haveria contradição entre a
causalidade da ordem natural e a liberdade sob a ordem moral e jurídica, dada a
diferenciação no âmbito do ser (natural) e do dever-ser e as implicações
factuais de uma conduta humana que se propõe a interferir na ordem natural por meio
da coerção, com raízes em uma ideologia previamente adotada pelo Estado ou pela
malta ou massa (em conotação canettiana) capaz de prescrever atitudes sobre
determinados indivíduos, forçando-os a desviar sua atitude primária, a qual
ocorreria, por exemplo, em suposto estado de natureza hobbesiano.

     Tércio Ferraz Júnior aborda o problema da
impossibilidade de extrair do conceito de liberdade um padrão ou medida
material, dada a concepção da liberdade por meio da negação, o que tornaria o
conceito vazio. Determina a necessidade de buscar o preenchimento natural de
tal conceito, como o uso das relações públicas ao enfrentar a mídia com seus
próprios meios, ou trazendo o pragmatismo, em especial o econômico, abandonando
o conceito ético de liberdade por uma ética de resultados, pautada pela relação
de custo benefício. Ao tratar, por exemplo, da liberdade de imprensa, refuta
conceitos de Dahrendorf, por considerá-los ineficientes pela inevidência da
relação entre os conceitos assertórico e problemático.

     Critica, também, a amálgama criada entre conceitos de
liberdade de imprensa, desconsiderando a mídia atual como portadora do conceito
anterior de liberdade, de modo que a funcionalidade e serviço à sociedade teriam
sido substituídos pela banalização da realidade e criações de ficção para o
puro divertimento do público, chegando a criar uma dicotomia: uma realidade
seria a das ruas, outra a da mídia, ao citar Torquato e a argumentação de
Nêumanne. Apesar disso, não toma explicitamente um partido pelos motivos
supracitados, contentando-se em comparar as posturas do jornalista e do
advogado norte-americano para chegar à conclusão sobre a dissonância entre os
conceitos: a emergência de uma mudança de enfoque da relação mídia-direito,
sustentada pela ética da finalidade, não da convicção.

     Dworkin explana o seu conceito liberal a partir da
concepção primária de igualdade, em especial na crítica de casos práticos, do
utilitarismo e sua suposta tirania ao desigualar indivíduos pelo que seria uma
superioridade cultural e da prevalência de preferências externas, as quais
agiriam com opressão sobre a vontade do indivíduo. O autor rebate diversos
argumentos de defesa da liberdade, em especial da política, enquanto
proponentes da vontade do cidadão, usando, inclusive, da psicologia
contemporânea, com a proposição de Robert Laing, o qual argumenta que a
liberdade “em excesso” da modernidade seria um fator dispensável de tensão
destrutiva à personalidade individual.

     Nos autores apresentados, pode-se observar certa
limitação no ater-se à norma, à ideologia e à Constituição como imanentes e
mesmo absolutas, de modo a partir, discretamente, de premissas não trabalhadas
com profundidade para posterior defesa de teses já embasadas em pressupostos.

     Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, aborda, na Genealogia
da Moral
, o caráter puramente discursivo da moral, da ideologia e da
própria filosofia, em especial quando de bases que beiram à teologia. A
abordagem das relações de poder na sociedade, posteriormente aprofundada por
Foucault, em especial quando da análise do biopoder, revela a
parcialidade da defesa de valores éticos, morais, além da divinização de
conceitos primários aceitos passivamente, como a propriedade lockeana e a dita soberania
popular rousseauniana, bases do liberalismo. A criação de um conceito
artificial denominado liberdade e posteriormente difundido de forma vulgar para
as massas seria um meio de controle letárgico da vontade e dos instintos,
tornando a população ébria de supostos direitos que pouco influenciariam, de
modo positivo, a sua vida, ou a trocariam por uma metafísica previamente
elaborada, reduzindo o indivíduo ao mimetismo e à passividade enquanto
transformador autônomo e pragmático da realidade social.

    Da leitura dos autores recomendados, pode-se realizar
uma analogia com a leitura de Flávio Kothe, professor de literatura da
Universidade de Brasília, que aborda a tendência contemporânea de vontade de
destruição do objeto de análise, em especial nos autores que implantaram os
estudos dos mesmos objetos no pensamento ocidental: Freud, Marx e Nietzsche.

     Percebe-se tal postura na busca de mudança de discurso
efetuada por Dworkin, ao abordar o tema de igualdade em detrimento da liberdade
enquanto abstração e em Tércio, ao determinar a ausência de conceito concreto e
não dependente da liberdade, dado o caráter negativo do conceito, de modo a privilegiar
a discussão de novas abordagens, como a pragmática.

     Diante disso, o conceito torna-se aberto para
questionamentos quanto à sua natureza, de modo alheio a constituições e normas
anteriores, visto que a abordagem do problema transparece, de forma implícita,
o não questionamento dogmático. O desvio conceitual teria origem na necessidade
de defesa de valores anteriormente elaborados, por claras motivações políticas.
Por outro lado, a elaboração de um conceito e o desenvolvimento com maior
sensibilidade ou mesmo profundidade do tema foge ao objetivo do trabalho
designado, de modo que o autor se limita a tais proposições.

* Ernani Fernandes é acadêmico de Direito do Largo de São Francisco, USP. Escreve sobre filosofia, literatura, psicologia e outros. Para contato, [email protected]

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