Seminário sobre o jusnaturalismo e a Revolução Francesa

Seminário
sobre o jusnaturalismo e a Revolução Francesa

Ernani Fernandes *

Bolsista do PRP-Institucional/USP e articulista do Blog Escola Filosófica RFC http:// blog.escolafilosoficarfc.org/

Prefácio

     Deve-se observar, para que a explanação se dê
início, que as críticas realizadas foram restritas à leitura dos capítulos
recomendados, não à obra completa dos autores.

     Dada a necessidade de síntese, diversas
discordâncias pontuais da análise do autor não foram abordadas por menor
relevância, além da superficialidade analítica. Permitiu-se a contextualização
com outros autores e campos do saber.

     A Revolução Francesa, movimento de massa em que
predominou a ideologia jusnaturalista, utilizou-se do pensamento dos mais
diversos filósofos iluministas como um modo de legitimação racional de
aspirações de classe, com o uso de ideologia que representou tendências
contemporâneas, mesmo contra-ideológicas, apesar de se ter reduzido, com a
estagnação dos levantes, a cessões pouco sensíveis às camadas populares.

     Os usos da ideologia pela burguesia permitiram
a manipulação de massa, que, debilitada em suas mínimas condições, teve
acentuada a tendência à violência, relacionada, também, à maior facilidade e
tensão decorrente do êxodo rural, em que convém a análise de Elias Canetti, em Massa
e Poder
, segundo o qual as tensões sociais seriam proporcionais à densidade
das massas urbanas, tanto do ponto de vista subjetivo e biológico, como também
em relação ao potencial decorrente da possibilidade de rápida mobilização, além
da permissividade quanto à agregação irracional de corpos, que seriam atraídos
não só pelo pragmatismo material, mas também pela necessidade de satisfações
anímicas individuais, como necessidades da personalidade (proporcionais,
segundo o autor, à violência exercida contra o indivíduo por superiores, não necessariamente
sob o ponto de vista físico, como no caso do aguilhão).

     Pode-se citar, entre outros, as demandas ídicas
do indivíduo, como a necessidade de supressão da superestrutura cerebral (destacando-se
a análise de Le Bom, psicólogo social francês, citado por Freud em Psicologia
das Massas e Análise do Ego
, também com a abordagem da unificação
proveniente de tal supressão, unificando as vontades e atitudes individuais,
com um retorno à instabilidade, intensidade e sensível perda cognitiva e mesmo
lógica, de modo a se guiar pela impulsividade e irritabilidade, com o domínio
do inconsciente), fonte de tensões desagradáveis (em que constaria aplicação do
princípio hedonista enquanto meio primário de definição de causalidade biológica),
além da busca de satisfação não apenas da vontade de poder nietzscheana,
mas da vontade de sentir poder, dada a ausência de pragmatismo (sob óptica
utilitarista), figurando como instinto reativo alheio a necessidades físicas, o
que conflui para a determinação do alheamento do id ao físico.

     Dessa forma, pode-se destacar a necessidade de
coerência mínima, mas não substantiva, da argumentação ideológica, de modo a
evitar repressões da razão (ou mesmo do superego) a instintos subjacentes, ou
depreciar a estabilidade de demandas ídicas sociais determinadas pelo concurso
positivo de todos os seus atores, consubstanciando, como meio de evitar
questionamentos, o tabu e a repressão a posições contrárias ou duvidosas. A
base moral seria, sob óptica quantitativa, mantida quando da conveniência
anímica ou somática para o indivíduo, ou quando determinante, por
condicionamento em molde pavloviano.

     Nesse caso, foi expressiva a atuação de
Robespierre e do Terror, de modo a reprimir manifestações em contrário, com a
busca de “estabilidade” por parte do governo, que atuou como o leão
maquiaveliano. A instabilidade derivada da mobilização de massa culminaria na
derrocada de sua posição de controle quanto ao poder físico, em especial pelo
caráter violento e expansivo da massa aberta, que lhe valeu a comparação, por
Canetti, ao fogo. Dessa forma, Robespierre atuaria sob a chamada paranóia do
detentor do poder, derivada de polarização do indivíduo contra a massa
subjugada (mesmo que pelo uso de ideais).

     A burguesia, agindo não só pela vontade de
poder, como também de forma reativa contra os abusos absolutistas, legitimados
pelas proposições hobbesianas e de Jacques Bossuet, com destaque para Luís XIV,
o “Rei-Sol”, além da busca do maior lucro, que era atenuado por tributos
utilizados em guerras e na manutenção do primeiro e segundo estados, classes
ociosas e nocivas à sociedade sob a perspectiva da Economia Clássica,
preponderante quando do conveniente apoio burguês.

     O caráter liberal burguês é percebido, por
exemplo, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que foca a
propriedade e a liberdade, usando-se da premissa de que, para a utilidade
comum, seriam necessárias as distinções sociais. Os direitos “naturais e
imprescritíveis”, segundo o Art. 2º, seriam a liberdade, a prosperidade a
segurança e a resistência à opressão. Nota-se influência rousseauniana, que
subentende resistência da população enquanto massa coesa contra a tirania, e
lockeana, ao abordar a prosperidade como um direito do homem (mesmo genérica,
subentende a propriedade). O fato de a soberania residir na nação (o populus
romano) e não no povo (plebs), demonstra um sutil, mas sensível desvio
na concepção igualitária da soberania popular, de modo a agregar divisões na
concepção de ideal social, o que culminaria, posteriormente, mesmo que
acentuado por mudança discursiva superveniente, nos nacionalismos e na Segunda
Guerra.

     O Art. 6º demonstra com clareza o fim das
distinções de nascimento (em caráter nominal), para a incorporação do
pensamento meritocrático, mesmo que questionável quando da análise do direito
sucessório e da desigualdade decorrente de oportunidades que demandem poder
econômico, como a educação. Dessarte, a igualdade nominal seria contraposta
pela limitação de oportunidades, tornando vazio o conceito de que não haveria
“outra distinção que não a das suas virtudes e de seus talentos” entre os
cidadãos, no que se nota o pensamento smithiano, caracterizado pelo
a-historicismo (para Marx, o fato de alguns indivíduos gozarem de maior riqueza
que outros seria decorrente de um processo histórico de acumulação de capital
aliado a substantivas políticas estatais, não propriamente de suas virtudes e
esforço). A afirmação demagógica de que a lei seria a mesma para todos, para a
proteção ou punição, ignora a vantagem do uso do poder econômico para a
manipulação da burocracia estatal, com o uso do pragmatismo individual, além da
vantagem decorrente da maior instrução e conhecimento de direitos, aliada a
contatos sociais e possibilidade de pagamento a especialistas, enquanto os
pobres seriam relegados à própria sorte, figurando vulneráveis, por exemplo, a
manipulações exegéticas.

     Nota-se, no âmbito jurídico e mesmo penal
(incluindo-se o processual), a influência de Beccaria, quando da elaboração da
“humanização” das penas, com a proposição métodos legalistas de barreira ao
despotismo governamental, com a declaração de que nenhum cidadão poderia ser
acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com
as formas por ela prescritas, além da consideração (Art. 9º) de que todo
acusado seria considerado inocente até ser declarado culpado.

     No aspecto tributário, inverte-se a isenção
para as classes privilegiadas, para adotar a proporcionalidade à renda. Por
essa forma, as classes populares são libertas da sobretaxação anterior (sob perspectiva
sociológica geral), um meio de obtenção de apoio popular, análogo, por exemplo,
aos populismos do século XX e contemporâneo.

     O caráter universalista e absoluto é
apresentado, na declaração, pelo Art. 16º, que estabelece que a sociedade em
que não estivesse assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a
separação dos poderes não haveria Constituição. A influência de Montesquieu é singular,
dada a sua ampla aceitação nos setores determinados a derrocar o Antigo Regime
e o relativo sucesso no freio às arbitrariedades.

    O Art. 17º, ao proclamar a propriedade como um
direito inviolável e sagrado, afirmando categoricamente que ninguém dela
poderia ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente
comprovada o exigisse e sob “condição justa e prévia indenização”, denota a
guinada conservadora e subordinada ao interesse burguês, intelectualmente
forjado por Locke, o que negaria qualquer possibilidade de igualdade de
condições (aspiração popular), trocando, enfim, títulos nobiliárquicos por
certidões de propriedade.

     A criação do conceito posterior de liberdade,
genérico e passível de enquadramento nas mais diversas necessidades subjetivas,
surgiu como um meio de frear ações radicais. Parte-se de premissas não
trabalhadas com profundidade para posterior defesa de teses já embasadas em
pressupostos.

          Friedrich Nietzsche, filósofo alemão,
aborda, na Genealogia da Moral, o caráter puramente discursivo da moral,
da ideologia e da própria filosofia, em especial quando de bases que beiram à
teologia. A abordagem das relações de poder na sociedade, posteriormente
aprofundada por Foucault, em especial quando da análise do biopoder,
revela a parcialidade da defesa de valores éticos, morais, além da divinização
de conceitos primários aceitos passivamente, como a propriedade lockeana e a
dita soberania popular rousseauniana, bases do liberalismo. A criação de um
conceito artificial denominado liberdade e posteriormente difundido de forma
vulgar para as massas seria um meio de controle letárgico da vontade e dos
instintos, tornando a população ébria de supostos direitos que pouco
influenciariam, de modo positivo, a sua vida, ou a trocariam por uma metafísica
previamente elaborada, constando, também, a carência hermenêutica individual,
de modo a reduzir o indivíduo ao mimetismo e à passividade enquanto
transformador autônomo e pragmático da realidade social. Nesse caso, figura
sensível a predisposição individual à massa e o caráter irracional, suprimindo
a racionalidade apolínea e o egoísmo decorrente de metafísica formada de modo
subjacente, fator esse adicional para a vulnerabilidade individual a engodos
por parte dos manipuladores de massa.

        O reflexo de tal cultura no século XX foi
abordado, entre outros, por Ortega y Gasset, na Rebelião das Massas, quando
da análise das minorias, conteúdos especificamente qualificados, e das massas,
sem qualidade dotada de peculiaridade, mas não necessariamente inferiorizadas.
Para o filósofo, formar-se-ia o “homem-massa”, o indivíduo que não seria dotado
de valoração especial, representando um ator formado pelo mimetismo gregário,
de modo a agradar-se pelo fato de nada diferenciar-se dos demais. Culminância
relevante seria a “hiperdemocracia das massas”, em que essas gozariam de
sensível poder, não só ao estabelecer suas necessidades por pressões materiais,
como também seus gostos, atuando movidas pela subordinação à demagogia e
ignorância, a ponto de estabelecer um totalitarismo popular, no qual "quem
não for como todo mundo, quem não pensar como todo mundo, correrá o risco de
ser eliminado". Assim, a culminância dos ideais populares seria a sua
própria igualdade sob o sentido cultural e humano, quando da análise de massas
sob a óptica segregacional.

     Desse modo, imperaria o que foi denominado por
Nietzsche como o domínio da chandala, no que faz uso de analogia com o
sistema de castas hinduísta. A casta, enquanto dominante, atuaria pela
repressão aos superiores, com o concurso positivo para a coerção do indivíduo
em destaque, dada a confluência de impulsos psíquicos comuns, como a
degeneração ídica pela consciência de superioridade por comparação categórica, e
a conseqüente necessidade anímica de resposta pelo ódio e destruição, com a
implicação de decadência social e mesmo vital (no que há, de certa forma,
valoração subjetiva, mesmo que legitimada sob a análise das bases do superego
do indivíduo em massa coesa, mas não densa, e a perspectiva da natureza física,
quando da negação de metafísica para o prestígio ontológico, realizada pelo
filósofo alemão).

     Dada a necessidade de síntese, de forma a não
fugir ao objetivo designado, fica-se limitado a essas breves e superficiais
observações, para o que seria conveniente a leitura de outras resenhas no que
tange ao mesmo tema, incluindo-se a de Fausto e Devoto, com alguns pontos de
análise suprimidos para evitar a repetição desnecessária. Dessarte, observa-se
o caráter subjetivo e restrito a necessidade anímicas de personalidades dotadas
da valoração, mesmo inconsciente, de inferioridade, de modo a agir não por
pragmatismo social quando da participação em tais levantes e adesão ideológica,
mas pela busca da superioridade, seja ela pela redução do outro, seja pela
afirmação do contra-aguilhão sob óptica canettiana, em que não atuaria a
atitude guiada de modo teleológico e apolíneo, sob perspectiva utilitarista e
racional, mas o domínio do sentir, demonstrado, entre outros, pela destruição
de imagens e bens públicos não necessariamente intrínsecos ao regime anterior,
além do ódio a todo tipo de diferença e demonstração aristocrática, que
atuariam, também, na desagregação da crença massificada de igualdade,
supressora de inferiorização de ideais, além dos conflitos intra-massa que
atuariam contra o pragmatismo social, mas consonantes a necessidades
irracionais, destruições essas citadas, inclusive, por Comparato, o que seria,
para Canetti, uma manifestação inconsciente de demanda, pela massa, da
destruição do impedimento do seu poder, que atuaria pelo físico.

* Ernani Fernandes é acadêmico de Direito do Largo de São Francisco, USP. Escreve sobre filosofia, literatura, psicologia e outros. Para contato, [email protected]

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