Os Sofistas – por Émile Bréhier

Traduzido pela oficina de traduções Consciência. Veja o Original em Francês

OS SOFISTAS

Émile Bréhier – História da Filosofia

Os últimos filósofos que iremos abordar [neste capítulo] viveram em meio a uma extraordinária efervescência espiritual que marca o fim das Guerras Médicas; a Grécia estava livre da ameaça bárbara; o império marítimo ateniense envolve parte das ilhas do Egeu e a Jônia, velha terra da civilização. Péricles (morto em 429 a.C) introduz em Atenas a constituição democrática. Uma agitação moral bastante profunda, que se transfere para o teatro: enquanto Ésquilo (morto em 456 a.C) representava em suas peças o perigo da imoderação e os crimes que consistem em transgredir a justiça divina, Eurípedes (morto por volta de 411) não para de indicar o caráter humano, provisório e convencional das leis da justiça. Do outro lado, a comédia ática, guardando as velhas tradições, zomba – porque teme – das idéias novas que são introduzidas pela ciência jônica e também pelos ensinamentos dos sofistas.

A sofística, ocorreu nos últimos cinquenta anos do século V, não se configura como uma doutrina, mas antes como uma forma de ensinar. Os sofistas são professores que vão de cidade em cidade procurando audiência e que, por um preço conveniente, ensina-a a se destacar, através de lições de ostentação e de vários cursos e métodos cujo objetivo é tornar vencedora uma tese que eles querem que seja aceita. A pesquisa e promulgação da verdade é substituída pela busca do sucesso, baseando-se na arte de convencer, de persuadir e de seduzir. É a época onde a vida intelectual – cujo centro está na Grécia continental, toma a forma de competição e de jogo – uma forma polêmica, muito familiar à vida grega. Tratam-se apenas de teses defendidas ou combatidas pelos antagonistas, os quais um juiz soberano – quase sempre o publico – determina um preço. Aristófanes nos mostra este debate entre a tese justa e injusta acontecendo . “Quem é ?” , pergunta o justo. – Uma tese. – Certo, mas inferior à minha. – Você se pretende superior a mim, mas eu tenho a vitória. – Que habilidade você tem, então? – Invento razões novas.” Eurípedes descreve em Antíope este debate sobre o ideal de vida entre o amigo das musas e o homem político. Platão por outro lado, nos mostra Sócrates se esquivando destas competições; no Protágoras Hipías tenta, em vão, promover um debate deste gênero entre Sócrates e Protágoras; no Górgias Cálicles, que mais adiante pronuncia um discurso em favor da justiça natural, se queixa que Sócrates quebra as regras do jogo ao não respondê-lo e fazendo um outro discurso (1). Havia ali uma preocupação da audiência, que conhecíamos mal até agora. O filósofo não revela mais a verdade, mas a sugere e se submete de antemão ao veredito do auditório. Este é um aspecto que permanece: depois da época dos sofistas, tenta-se a missão de definir o filósofo em oposição ao orador, ao político, ao sofista – ou seja, a todos que se dirigem ao público.(2)

Nestas condições, o principal valor intelectual é a erudição que o homem de posse de todos os conhecimentos úteis a seu propósito reúne e a virtuosidade que lhe permite escolher seus temas com o propósito de apresentá-los de maneira cativante. Daí duas características essenciais do sofista: por um lado são os técnicos que se vangloriam de conhecer e ensinar todas as artes úteis ao homem; por outro são mestres da retórica que ensinam como capturar a simpatia da platéia.

À primeira vista, a sofística pode ser considerada a primeira afirmação auto-consciente da superiodade da vida social, fundada sobre as técnicas desde os ofícios mais humildes até a arte mais elevada que os sofistas se vangloriam de ensinar, a virtude política(3). Esta é a marca comum aos quatro grandes sofistas, que conhecemos pelo retrato que deles fez Platão, na geração seguinte: Protágoras de Abdera, que floresceu por volta de 440 a.C. e escandalizou os atenienses por sua indiferença em relação à religião, Górgias de Leôncio, que em 427 a.C. foi embaixor de sua cidade em Atenas e morreu quase centenário por volta de 380 a.C., e cujos alunos atenienses não são filósofos, mas escritores, como Isócrates e Tucídides e, enfim, Pródico de Ceos e Hippias de Elis.

Deste humanismo, que está presente em toda a arte e cultura, acreditou no famoso início do tratado de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não, enquanto não são”. É tão somente das coisas humanas que o homem deve ocupar-se. “Dos deuses não posso saber nem se são e nem se não são. Muitos obstáculos se apresentam, a obscuridade do assunto e a brevidade da vida”(4). Havia um programa completo que aspirava a uma cultura humana e racional; a pesquisa do homem em geral. É Hippias que, segundo Platão, considera todos os homens como “pais, vizinhos, concidãos segunda a natureza ou a lei” (5). É Protágoras que, num mito famoso, conta como Zeus salvou a humanidade, que ia perecer por falta de meios naturais de defesa, dando a todos os homens a justiça e o decoro, virtudes naturais e inatas, que lhes permitiu fundar as cidades e procriar ao ajudarem-se uns aos outros – magnífico elogio da vida social (6). O sofista está sempre pronto a defender as artes. Assim é Hippias, que se vangloria, segundo Platão, de ser independente, já que elas permitiram-lhe fabricar todas as roupas que vestia. Assim é sobretudo o anônimo Elogio da Medicina, na coleção de Obras de Hipócrates. Ele mostra, contra seus detratores, a utilidade dos médicos, e começa com estas palavras tão característica do espírito de progresso daqueles tempos:” Muitas pessoas insistem em desacreditar as artes … Mas o verdadeiro propósito de um espírito
bom é o de encontrar coisas novas ou o de aperfeiçoar aquelas que já existem”.(7)

Neste meio, as questões morais devem ser resolvidas. Pródico de Céos, pem particular, parece ser o moralista do grupo: no seu nome Xenofonte expõe a famosa fábula de Hércules, que escolheu entre o prazer e a virtude – a qual os belos espíritos da época se opunham, para defendê-la, e Páris prefere a deusa Afrodite à Atena e Hera. Estes temas morais, como o tema pessimista do caráter transitório dos bens da vida terrena, são responsáveis por verdadeiras pregações que doravante seguem. (8)

Mas é sobretudo na política que os sofistas afirmam o poder e a autonomia do homem: a lei é uma invenção humana e, em certa medida, artificial e arbitrária. É o que indica o fato de legisladores da época, seja em Atenas, seja nas colônias, retomam a todo instante o trabalho da constituição desde o início; Protágoras dá as leis à Turios, assim como Parmênides havia feito com Eléia. A lei, como uma obra artificial, se opõe, então, à natureza. Existem, é claro, leis não escritas, costumes tradicionais que tem um valor não-religioso, mas não pesam em nada na ponderada obra do legislador. Este é o ponto de vista de Antífon, o sofista, nos fragmentos que foram recentemente descobertos. Ele não se exime de opor a justiça artificial das leis à justiça natural. Por exemplo a lei, ao obrigar o homem a declarar a verdade no tribunal, obriga-nos com frequência a prejudicar quem não nos fez mal algum, ou seja, contradizer o primeiro preceito da justiça. Mas neste caráter convencional das leis, Antífon parece ver uma superioridade.(9)

Este movimento de idéias tão importante teve um desenlace triste. Desemboca, no início do século IV, no cinismo político ou na virtuosidade. De um lado o cinismo político dos aristocratas atenienses, Crítias e Alcíbiades, que é relatado com frequência na História da Guerra do Peloponeso de Tucídides(10) e que Platão imortalizou no Cálicles do Górgias: é a depravação política e moral de Cálicles, para quem o poder é apenas uma maneira de satisfazer seus apetites, que leva ao ensino de retórica por Górgias. A outra consequência é a pura virtuosidade, aquela que já se encontrava no tratado do Górgias sobre o não-ser, onde, servindo-se dos métodos dialéticos do eleatismo, ele demonstra que nada existe; ou, se existe, é incognoscível; ou, se é cognoscível, é impossível de ser comunicado(11). Importância caracterizada pela importância pela importância atribuída à eloquência, ao ensinamento retórico de Górgias, aos trabalhos de gramática geral de Protágoras e às pesquisas de Pródico sobre os sinônimos. Virtuosidade que encontra sua fonte em pequenas obras como os discursos duplos que resumem esquematicamente duas teses antilógicas possíveis quando se aborda as questões morais. Enfim, virtuosidade que tem sua última manifestação na arte da disputa ou da erística, que Platão ridiculariza cruelmente no Eutidemo. A erística tem meios muito fáceis de submeter o adversário por dois ou três princípíos bastante simples tais como: o erro é impossível, qualquer refutação é impossível. (12)

Apesar do talento intelectual dos sofistas, estes eram os resultados de uma vida intelectual dirigida unicamente para o sucesso. No entanto este movimento, assim como seus precedentes, guarda algo de positivo: o naturalismo iônico, o racionalismo da Grande Grécia [Megálé Hellás, Magna Grécia], o espírito religioso de Empédocles e dos Pitagóricos, o humanismo dos sofistas, veremos tudo isso se reunir no mais respeitado dos filósofos gregos, Platão.

Notas
(1) ARISTOPHANE, Nuées (de l’année 423), v. 887 sq. ; EURIPIDE, fragm. 189, éd. Nauck ; DIOGÈNE LAËRCE, IX, 52 [‘timon¿], attribue à Protagoras l¿institution des joutes de discours ; PLATON, Protagoras, 338 a [¿conjure¿] ; Gorgias, 497 bc.

(2) Par exemple chez ARISTOTE, Problèmes, 30, 9 et 11.
(3) Comparer PLATON, Hippias, II, 368 b-d et Protagoras, 318 d, 319 e [‘politique’].
(4) DIOGÈNE LAËRCE, IX, 51 [‘mesure’]. (5) Protagoras, 337 c [¿XXIV.¿].
(6) PLATON, Protagoras, 320 c-323 a [‘XI.’]; cf. l¿article de Nasru, Philologues, vol, 70. p. 26-28.
(7) Cf. Gonnets, Die Apologie der Heilkunet, 1910.
(8) Comparer XENOPHON, Mémorables, II, 1, 21, sq, et pseudo-ARISTOTE, Éloges d’Hélène, chap. XX, où est soutenue aussi la supériorité de Thésée, le héros athénien sur Hercule GOMPERZ (Les Penseurs de la Grèce, t. 1, p. 458) lui attribue la pater¬nité des discours pessimistes de pseudo-PLATON, Axiochos.
(9)Sur la loi non écrite, cf. SOPHOCLE, Antigone, v. 450-455 ; fragm. d’Antiphon dans Oxyrinchus Papyri, tomes XI et XV. (A. CROISET, Revue des Études grecques, 1917).
(10) En particulier III, 83, 1 ; cf. Gorgias, 482c sq. et les citations d’un sophiste ano¬nyme dans JAMBLIQUE, Pratreptique, ch. xx. ).
(11)Sur le traité de Gorgias, cf. pseudo-ARISTOTE, Sur Gorgias, Xénophane et Mélissos, fin ; sur Protagoras, ARISTOTE, Rhétorique, III, 5 ; sur Prodicus, PLATON, Prota¬goras, 337 bc [‘XXIII’]. ).
(12) Cf. sur les rapports de la sophistique et de l’éristique, pseudo-ISOCRATE, Éloge d¿Hélène, introduction).

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