A DIPLOMACIA DO DÓLAR

 

A DIPLOMACIA DO DÓLAR

Oliveira Lima

"Diplomacia do dólar" é uma expressão inventada pelo atual se-creretário de Estado americano, Sr. Knox, que assim timbrou em designar a feição por êle pessoalmente impressa à política exterior dos listados Unidos. No fundo significa mais ou menos aquilo que no meu último artigo preconizei sob o título de "Diplomacia Econômica".

Se quiséssemos mais uma vez imitar os americanos, agora no leu amor do termo preciso e pitoresco, chamar-lhe-íamos "Diplomacia do tostão". Entre eles, porém, as coisas assumem logo proporções maiores, tanto assim que os resultados obtidos pela descoberta prática do Sr. Knox, nos dois anos que conta de aplicação, são simplesmente espantosos.

Acham-se tais resultados expostos numa brochura apresentada à Câmara dos Representantes e denominada Esboço da Organização e Operação do Departamento d’Estado. Utilizando dois magros créditos de 100.000 dólares cada um, que não foram aliás senão parcialmente gastos, o secretário d’Estado do Presidente Taft tem logrado obter, para financeiros e construtores americanos, contratos c concessões no valor de mais de 200 milhões de dólares.

Discriminando estes maravilhosos resultados daquilo que o Departamento chama a extensão aos quatro cantos do mundo do prestígio comercial americano, veremos que o contrato para o equipamento naval argentino representa 23 milhões de dólares, sem falar dos seus inevitáveis efeitos políticos sobre a aproximação mais íntima dos dois países; que a participação de banqueiros americanos no empréstimo Hukuang para construção de estradas de ferro chinesas soma 30 milhões de dólares; que a participação de banqueiros americanos no empréstimo chamado de reforma da circulação monetária chinesa soma 50 milhões de dólares; finalmente, que a construção por uma firma americana de úm sistema de vias férreas na Ásia Menor envolve, com as concessões atinentes à construção, uma quantia entre 100 e 150 milhões de dólares.

Nem fique sem menção que as reclamações apresentadas nos últimos dois anos e mandadas ao estudo do consultor jurídico do Departamento sobem a nada menos de 200 milhões de dólares, e que o Departamento alcançou que governos estrangeiros pagassem a cidadãos americanos indenizações no valor de 2.315.000 dólares.

Nestas condições, bem poderia dar-se ao Departamento distado americano o título de Ministério dos Lucros Exteriores, o que para o país é com certeza infinitamente mais agradável e vantajoso que se êle fosse apenas o Ministério das Despesas Exteriores.

Pois se até as conquistas deixaram de ser guerreiras para serem econômicas! Em vez de mutilarem-se violentamente, como outrora os países vencidos, toma-se brandamente conta deles financeiramente e a anexação política perfaz-se… sem dor. Agora mesmo, em Guatemala, estiveram competindo pelos favores do Governo dois grupos: um alemão e outro americano. O americano, que se apóia nos milhões do ex-Senador Clarke, o grande ricaço de Montana, rei do cobre, levou de vencida o sindicato rival e colocou sob sua dependência todos os recursos daquela republica, a qual depois de haver sido explorada por uma série de déspotas vai agora passar a sê-lo em proveito do referido grupo financeiro.

A assembléia nacional de Guatemala já aprovou a concessão extraordinária pela qual o sindicato americano obtém exclusivo direito de dispor de todas as vias fluviais, vias férreas, pontes, telégrafos, telefones, etc, ficando reservados ao Estado 10 por cento dos lucros. Comenta o Daily Mail, ao publicar esta notícia, que semelhante exemplo de um país, mesmo da América do Sul, assim hipotecando tudo quanto possui, não conhece provavelmente precedente. Nem pode haver maior recomendação ou maior triunfo para a "diplomacia do dólar".

Uma das grandes qualidades do americano — tenho sempre dito — é a coragem das suas opiniões, indo ao ponto de proclamá-las mesmo quando em desarmonia com o ambiente moral. Querem ao dólar, e exaltam-no. Nós procedemos diferentemente. Não desprezamos absolutamente o dinheiro; pretendemos até ganhá-lo com sofreguidão, mas peja-nos admitir que assim seja. Fazemos garbo de parecer grands Seigneurs, aparentando indiferença ao que entretanto mais solicita nossa cobiça. Neste capítulo haveria casos particulares dos mais interessantes a relatar.

Como povo, julgar-nos-íamos quase desonrados se, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores pusesse ao serviço dos interesses econômicos nacionais o mesmo ardor posto ao serviço dos interesses políticos internacionais. Apregoamos mais valerem as honras que dinheiro — nisto consiste a nossa fidalguia — quando de fato visamos este tanto quanto aquelas. No fundo é o bluff que determina o jogo das nossas atividades.

Não foi por acaso um bluff esse vistoso programa naval que levou à encomenda dos mais poderosos dreadnoughts do mundo antes de termos um quadro de oficiais inteiramente formados na técnica moderna — nem de outro modo se explicaria que viessem tantos à Europa estudá-la — e sobretudo uma base de marinhagem competente e disciplinada? O resultado é que, com dois magníficos vasos no porto, requerendo movimento, não podemos concorrer à revista naval de Spitshead, onde figurarão navios vindos de todos os mares. E tal ausência, que não seria reparada se não possuíssemos senão uma marinha insignificante, torna-se notória quando ninguém ignora que o Minas Gerais e o São Paulo eram há poucos meses (não sei se ainda o são neste momento) os mais formidáveis couraçados flutuantes.

Outro mal nosso, favorecido pelo bluff em questão, é o de con-tentamo-nos com palavras vãs, mesmo quando não correspondem a realidades precisas. Ficamos por exemplo, e neste caso com razão sobeja, satisfeitíssimos porque na Haia se revelou o Sr. Rui Barbosa, eu diria um expositor admirável da nossa cultura se não fosse aquele grande espírito tão superior à média que essa cultura repre-senta. Daí a imaginarmos que o Brasil dominou a Europa naquela assembléia não havia mais do que um passo, que à nossa prosápia, não custava dar.

Rui Barbosa ali foi primus inter pares, como sempre o será em qualquer lugar, mas não nos devemos esquecer de que a América Latina foi toda ela uma revelação para a Europa na aludida confe-rência, na qual a Argentina conseguiu que os Estados Unidos de algum modo perfilhassem a sua doutrina de Drago e onde Perez Triana e outros deram o melhor testemunho do adiantamento intelectual hispano-americano. A guiarmo-nos porém pela nossa vaidade, de Santos Dumont ao Sr. Barão do Rio Branco, o mundo tem tido tantas vezes que se prosternar diante do Brasil que já devia andar com calos nos joelhos.

Um outro exemplo, complicado como sempre acontece em casos tais com as pechas de ignorância c de ingratidão, é o que se está dando com o arbitramento. As dúzias de convenções que temos assinado não são mais do que a aplicação em espécie de um acordo geral celebrado na Haia e não representam de fato outra coisa, como já tive ensejo de escrever, senão promessas de arbitramento, pois que cada caso fica sujeito, no fundamento e nas condições, ao poder legislativo.

Acresce que as exceções possíveis são tantas — tudo quanto se relaciona com a soberania, integridade territorial, honra nacional, etc, — que o terreno arbitral fica reduzido, quando muito, ao das reclamações pecuniárias. Entretanto, nós já tivemos, firmado com os Estados Unidos, um tratado de arbitramento obrigatório no espírito dos que está agora celebrando, ou tratando de celebrar com aplausos do mundo inteiro, o Presidente Taft.

É claro que depois de organizado, com as duas conferências da paz, o aparelho da Corte Permanente, o Governo de Washington aí encontra um modo de regular a forma do arbitramento, fazendo intervir, para os casos difíceis, uma comissão de inquérito composta dos juízes dos dois países em litígio que figurarem nas listas da Haia. O tratado Blainc-Mendonça era mais simples nas suas linhas gerais. Nós o repelimos, uma vez negociado e assinado, com medo do desconhecido, e agindo talvez sob a sugestão do rifão de que "quando a esmola é grande o pobre desconfia".

Dia virá em que celebraremos tratado análogo que nos fôr apresentado em momento mais oportuno ou com mais ciência do reclamo, por quem quer que no poker diplomático se haja tornado senhor dos inesgotáveis recursos do bluff. Com relação mesmo aos Estados Unidos, não há sido decantada nos últimos anos uma chamada política de aproximação quando a situação de intimidade era

tal, há 20 anos passados, que permitia a conclusão de um trata de arbitramento obrigatório como aquele de 1891, favorecia a ce bração de um convênio de "reciprocidade" em que .os favor positivos não eram só de um lado, e autorizava o Sr. Salvador Mendonça a garantir "oficialmente" de antemão a nossa vitória litígio arbitral das Missões?

Bruxelas, junho de 1911,

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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