O ARTIGO DA DEUTSCHE REVUE E O ATAQUE ANÔNIMO DE A IMPRENSA

O ARTIGO DA DEUTSCHE REVUE E O ATAQUE ANÔNIMO DE A IMPRENSA

Oliveira Lima

1’ondo de lado o que há de intencionalmente agressivo e deslealmente concertado no longo artigo anônimo saído n’A Imprensa ile 26 de julho e mandado reproduzir nos "a pedidos" do Jornal a\o Comércio de 29, relativo ao meu artigo da Deutsche Revue sobre as duas Américas, publicado em francês no Le Brésil e em português no Estado de S. Paulo — quero dar-me ao trabalho de comentar rapidamente seus tópicos de acusação. Qualquer golpe deve ser aparado, e nem é difícil tarefa desmanchar a intriga. Apenas, se não conseguir ser grosseiro, é porque cada um dá o que tem e se manifesta literariamente conforme sua educação.

1.° — Indiquei, é verdade, minha preferência pelo candidato civilista na recente eleição presidencial, a qual, seja dito entre parênteses, não é a primeira a ter sido disputada no Brasil, pois que o Marechal Deodoro foi eleito por 124 votos contra 97 dados a Prudente de Morais.

Entendia que o Dr. Rui Barbosa, pelo seu luminoso passado político, a primeira mentalidade, como o reconhecem no seu país, representante de idéias liberais que são as minhas, merecia a consagração suprema do voto nacional. Estava no meu pleno direito de assim o expressar, como qualquer outro cidadão brasileiro ainda não escorraçado do seio da sua comunidade pela excomunhão de A Imprensa, que, revivendo velhos tempos, me quer pôr fora da lei, no exagero do seu zelo.

Contra o Sr. Marechal Hermes, propriamente, nada escrevi, nem podia haver escrito. Minha ardente simpatia política pelo seu adversário não tinha que me levar a injuriá-lo. Quando Sua Excelência veio de Bruxelas, antes do seu reconhecimento, pus, contudo, nas suas mãos entreter ou não relações comigo, porquanto em carta reiterei francamente meus sentimentos no caso no que aliás não havia então, como não houvera antes, ofensa pessoal. Tanto assim o compreendeu o Sr. Marechal Hermes que me respondeu do modo mais cavalheiresco. A correspondência trocada por essa ocasião foi remetida ao Ministério das Relações Exteriores e não é desconhecida, pois que o correspondente do Jornal do Brasil a telegrafou em substância, independente de informação minha.

Se a verdade fosse outra e eu soubesse "lançar pontes com tanta arte", não seria tão peco diplomata como o quer fazer crer A Imprensa.

2.° — Nunca publiquei uma série de telegramas falsos da votação de primeiro de março. Na falta de informações oficiais, para esclarecimento das numerosas pessoas que vinham à legação procurar informações, dei publicidade ao único telegrama que recebera, mencionando seu caráter particular. Disto foi também informado o nosso Ministério.

3.° — Se escrevi que os Estados Unidos nutrem menos desprezo pela porção da América do Sul, onde houve menos cruzamento com o negro (não com índio, o que nos Estados Unidos não é julgado humilhante), a culpa cabe ao Sr. Roosevelt que, ao receber cm Washington a oficialidade de um navio de guerra argentino, declarou que era a Argentina a nação do continente meridional onde se desenvolvia essencialmente a civilização representada pela raça branca. Talvez por isso merecesse o Sr. Drago"a honra insigne de ser escolhido pelos Estados Unidos para seu árbitro na questão das pescarias, honra que da parte da República norte-americana, apesar de toda a distinção com que nos tratam, não foi dispensada a brasileiro algum depois do Imperador D. Pedro II.

4.° — Se é antipatriotismo não considerar o seu país o mais adiantado, progressivo e perfeito do mundo, e se é crime apontar para outra república, a Argentina por exemplo, como em alguma coisa superior, antipatriota e criminoso foi o ilustre brasileiro Quintino Bocaiúva quando escreveu seus famosos artigos "Olhemos Para o México".

5.° — Mal se compreende que o meu artigo seja a um tempo contrário à América do Norte e à America do Sul, como pretende A Imprensa. Ou é isto, ou aquilo, ou então não é compreensível e não merece ser contestada. A verdade é que admiro muito os Estados Unidos e que na minha bagagem literária, de fato "pesada", se inclui um livro de simpatia por esse país. Processos seus de política externa é o que tenho eventualmente criticado, como em 1891, no momento da guerra com a Espanha os criticava "em revistas americanas" o próprio, embaixador do México em Washington D. Matias Romero, enquanto ocupava seu posto que tanto honrou e no desempenho do qual faleceu. Respondeu-lhe pela imprensa o senador americano Money, mas ninguém verberou sua atitude no seu país, nem no país onde se achava acreditado.

6.° — Se é crime de lesa-patriotismo não querer imitar em tudo os Estados Unidos, criminoso é então o eminente Sr. Barão do Rio Branco por ter assinado a dedicatória de um retrato como el salvage unitários. Relembrando assim o conhecido epíteto das proclamações de Rosas, exprimia êle decerto sua opinião, discordando do sistema federativo copiado da América do Norte. De resto ser unitarista, parlamentarista ou monarquista não é absolutamente incompatível com ser bom brasileiro: assim pelo menos me ensina meu credo de tolerância, sem ranço jacobino. Ninguém tem servido melhor seu país do que o Sr. Conselheiro Antônio Prado, se bem que sem renunciar a suas predileções políticas.

7.° — Não é verdade que eu haja jamais ridicularizado Joaquim Nabuco como escritor: meu estudo da Revue de 1 de agosto, também publicado em português no Estado, e a parte que lhe é atribuída na Anthologie, a sair por estes dias, aí estão para provar o contrário. Divergimos não no modo de apreciar o Sr. Barão do

Rio Branco, que julgamos igualmente, como êle o merece, mas no que toca ao pan-americanismo, tendencia a que Joaquim Nabu-<> a meu ver, dava as proporções próprias do seu temperamento I niiisiasta e da sua feição oratoria.

Neste ponto achava-me eu de resto de perfeito acordo comoi Sr. Barão do Rio Branco, a julgar pelo seu discurso de abertura da conferência pan-americana do Rio de Janeiro, o qual subscrevo tio sem reservas que por motivo dele lhe dediquei meu volume Van-Americanismo. O saudoso Eduardo Prado escreveu a Ilusão Americana, libelo totalmente infenso às tendências da nossa chancelaria, o que não impediu que o Sr. Barão do Rio Branco o chorasse como um filho.

8.° — Ninguém pode de boa-fé contestar que o militarismo haja sido a maior praga da América Latina em geral. Quando se lala. em militarismo trata-se, é claro, de administração de caráter militar, não de guerras estrangeiras em que cabe ao Exército a principal e gloriosa função. Por isso é inteiramente descabida a defesa dos nossos feitos do Paraguai. Ataques contra o militarismo no nosso meio, escreveu-os na Europa e em revistas européias Eduardo Prado, e até, se é verdadeira a fama, com colaboração de escólio que não tira, quer ao autor, quer aos seus colaboradores, a qualidade de dignos patriotas. Ainda A Imprensa se não arvorara em artigos, árbitro do patriotismo de cada membro da família brasileira.

9.° — Se é ridículo achar mais refinamento nas sociedades latino-americanas do que na norte-americana, os culpados são os próprios viajantes americanos que em grande número o propalam, como culpado é também, por exemplo, o Sr. Pierre Denis, autor do melhor trabalho moderno sobre o Brasil, que não há muito escreveu e repetiu nos Estados Unidos semelhante afirmação.

Num discurso, pronunciado creio que na Havana, o Sr. Roosevelt pôs justamente em relevo que numa época em que faltava ainda aos Estados Unidos ensino universitário, entre outras demonstrações de adiantamento, possuía a América Espanhola focos de cultura como a Universidade de Lima e as imprensas do México. O ex-presidente assim prestava homenagem idêntica à minha, à prioridade neo-latina da civilização superior no Novo Mundo, portanto, ao seu polimento tradicional.

10.° — Sobre a política americana do Sr. Roosevelt, externei meu juízo num livro que não suscitou reparo algum do Ministério de que dependo, e que não era também trabalho oficial. Não há aleive nem agravo no que então escrevi, nem o que escrevi agora. Compare-se minha maneira de considerar seus atos públicos com o que escrevem o Evening Post, a Nation, o Standard e outros periódicos sérias dos Estados Unidos e da Inglaterra. Não entro em conjecturas Jfôbre sua terceira eleição, a qual a cisão do Partido Republicano torna muito problemática.

11.° — A mediação dos Estados Unidos, Brasil e Argentina, muito em honra dos três países, no conflito iminente entre Equador

e Peru, é fato posterior ao meu artigo, escrito em março: na" podia mencioná-lo. No caso Alsop os Estados Unidos, para saírem de uma má postura, valeram-se dos bons ofícios do Brasil, muito oportunos com efeito, da mesma forma que a Inglaterra se valeu dos bons ofícios de Portugal na questão da Trindade, para emendai o mau passo que dera e de que a convencera a energia do falecido Carlos de Carvalho.

O último fait-divers da política americana"5á não é, porém, aquela mediação, tão depressa caminha o mundo: é o malogro da extensão da Doutrina de Monroe, proposta na conferência de Buenos Aires. Pelo que diz respeito à minha opinião sobre a utilidade prática de tais conferências, estou disposto a modificá-la sem vacilação se esta última fôr de natureza a justificar a mudança.

12.° — Costumo escrever desassombradamente sobre assuntos de política nacional e internacional abstraindo quanto possível de personalidades, porque a qualidade de diplomata não deve apagar o discernimento nem reduzir o cidadão a um eunuco da inteligência, quando a possui. Até agora o não estranhou o Ministério de que sou funcionário e cujo critério é <f único que reconheço. Não seria natural que procedesse diversamente o preclaro Sr. Barão do Rio Branco, que nos deu o exemplo da independência, protestando oficialmente, quando enviado extraordinário em Washington, contra a ordem de emprego da fórmula "saúde e fraternidade", como sendo expressiva de uma crença sectária.

Convém ainda notar que o artigo da Deustche Revue não foi firmado pelo ministro do Brasil cujas opiniões têm de ser as do seu Governo, sim pelo membro da Academia Brasileira, cujas opiniões devem ser livres num país livre.

Não alcancei seguramente ser grosseiro, porém creio ter ficado contraditado todo o aranzel, excetuado o que nele se diz da minha literatura, qualificada de "reles". Neste ponto, não me pertence contrariá-lo: os outros que encampem ou repudiem essa opinião. Como toda a gente tem, porém, o seu fundozinho de imo-déstia, confesso que a não acho, vamos lá tão completamente ruim. Se mal há nesta persuasão, cabe a culpa aos que a engendraram com palavras e atos de que me desvaneço.

De nenhuma demonstração me orgulho tanto como do voto com que na Academia Brasileira corroborou o ilustre Sr. Barão do Rio Branco a moção de louvor proposta pelo Sr. Mário de Alencar pela minha propaganda do Brasil intelectual na Europa. Esta propaganda, a pretendeu converter A Imprensa, sem que fosse chamada a terreiro nem ofendida em ação ou pessoa sua, numa propaganda antibrasileira.

Docr-me-ia o epíteto se o não considerasse tão despropositado que nem merece ser repelido. Não cuido de defender-me: qualquer defesa seria supérflua; apenas de pôr em relevo a falsidade de um ataque que me abstenho de qualificar, por não poder chamá-lo gratuito. O tiro deve, é evidente, ferir o alvo que visa e não cair aquém ou, o que pior é, ir além: mas para tanto é mister ter prumo na pontaria. Falta todavia o prumo onde falta a serenidade iiiir empresta a convicção. A agressão d’A Imprensa é muito exagera-da para ser sincera.

Bruxelas, 21 de agosto de 1910

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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