Atanásio de Alexandria. (295-373) – Por Paula Ignacio
Viveu 78 anos.
Cresceu em
Alexandria, no Egito e não recebeu formação filosófica.
Converteu-se ao
cristianismo ainda jovem, e aos 23 anos já era diácono do bispo de Alexandria.
Dedicou pouco tempo aos estudos, mas muito aos estudos das Escrituras, as quais
eram sua principal fonte de saber e conhecia profundamente.
O arianismo
estava sendo difundido na época.
Ário, que era
padre de uma importante igreja Alexandrina, havia concluído dos ensinamentos de
Orígenes (que não afirma nada, essa foi uma leitura ariana) que Jesus Cristo
não participa da mesma substância de Deus. (Contra o dogma da Trindade). Só por
metáfora deveríamos entender que Jesus é filho de Deus, ele é o filho de Deus
na moralidade. Ário separava então o Filho do Pai. Segundo ele, se houve um
tempo em que Jesus não existia, então não podem coexistir Pai e Filho, Jesus e
Deus. Jesus é uma criatura sublime, mas sua essência não é idêntica a do Pai.
Como o arianismo
se expandiu, muitas controvérsias surgiram. O imperador Constantino, preocupado
com essa divisão da ortodoxia cristã, convocou então um concílio para a cidade
de Nicéia, com o objetivo de resgatar a unidade política.
Atanásio era
diácono quando acompanhou o bispo Alexandre ao Concílio de Nicéia, que
aconteceu em 325 e durou cerca de três meses. O imperador Constantino foi o
mediador, apesar de não ter nenhuma formação teológico-religiosa. Ele
objetivava unir as igrejas do Oriente e do Ocidente.
No Concílio
de Nicéia foram tratados:
– O cisma meleciano:
seguidores de Melécio, que cismava em não readmitir na comunidade cristã os
cristãos que haviam abjurado da fé durante as perseguições que duraram nove
anos, de 303 a 312.
– Questão
Pascal: os bispos utilizavam a Páscoa para transmitir novas doutrinas.
– Teses
arianas: nas quais se discutia se o Pai era diferente do filho na
substância.
Nesse concílio,
somente os bispos poderiam discursar, e, apesar de ainda diácono, Atanásio
conseguiu “driblar a burocracia”, e mostrou-se um ótimo orador, eloqüente e
persuasivo. Ele tinha talento para as discussões teológicas e conhecia
profundamente as Escrituras.
Foi ele a
principal figura do Concílio e quem contribuiu para que a Igreja adotasse a
doutrina da Trindade, a consubstancialidade do Pai com o Filho, onde ele
afirmava que Pai e Filho participam sim, da mesma substância.
No final do
Concílio, foi então decidido a favor de Atanásio e Ário foi exilado.
Com a morte do
bispo de Alexandria, Atanásio assumiu o bispado. Seu episcopado durou 46 anos,
período durante o qual ele foi muito perseguido e exilado cinco vezes. Ele
entrou em conflito diversas vezes contra os arianos, melecianos e contra alguns
imperadores.
Em 330, dois
anos depois da consagração como bispo, o imperador Constantino queria que
Atanásio entrasse em comunhão com Ário, que havia retornado do exílio. A irmã
de Constantino era a favor do arianismo e pediu a um padre de confiança para
que falasse em favor de Ário para o imperador. Este concedeu então a retirada
da sentença de exílio.
Mas Atanásio
manteve-se firme e não quis aceitar Ário na comunidade ortodoxa. Por
promulgação do imperador, Ario seria admitido em 336 na catedral de
Constantinopla, mas morreu no mesmo dia, de “circunstâncias estranhas”.
Atanásio
tornou-se muito popular, e passou a ser objeto de intrigas entre seus
opositores arianos e melecianos. Estes espalharam boatos sobre Atanásio,
difamando seu nome, o que ocasionou um Sínodo em Tiro, no qual ele conseguiu
provar sua inocência, porém seus opositores disseram ao imperador que Atanásio
havia cortado o fornecimento de trigo para Roma, o que fez com que Constantino
o enviasse ao exílio pela primeira vez. (335-337). Ficou exilado na Gália e lá
conheceu a vida monástica.
Quando
Constantino morreu em 337, seus filhos tornaram-se imperadores, Constâncio
ficou com o Oriente, e apesar de sustentar a tese ariana, permitiu o retorno de
Atanásio, mas os arianos conseguiram condenar Atanásio novamente em um Sínodo em 339, dois anos depois, onde foi substituído por Gregório de Capadócia. Ele foi
para Roma, onde foi recebido pelo papa Júlio, que o apoiava.
Gregório de
Capadócia morreu em 345 e Constante, o imperador do Ocidente, convenceu
Constâncio a readmitir Atanásio.
Após a morte de
Constante, Constâncio tornou-se imperador do Oriente e Ocidente, e adotou
definitivamente a causa do arianismo. Atanásio foi exilado pela terceira vez.
Com a morte de
Constâncio, Juliano, seu primo, assumiu o poder, e afim de demonstrar uma
política tolerante, readmitiu Atanásio. Mas o que ele queria mesmo era
restabelecer novamente a antiga religião, o paganismo.
Atanásio
retornou a Alexandria, mas lutou contra a restauração do paganismo, o que
causou a ira do imperador, e ele foi exilado pela quarta vez. Dessa vez foi
para o deserto do Egito. (362).
Um ano depois o
imperador morreu e assumiu o poder um católico ortodoxo, que deu fim ao exílio
de Atanásio, mas este também morreu um ano depois, e quem assumiu foi
Valentino, que era favorável ao arianismo, e Atanásio foi exilado pela quinta
vez. Ficou dois anos novamente no deserto, e retornou em 366, quando reassumiu
seu lugar como bispo até o fim da vida. Morreu em 373.
Obras
A maior parte
das obras está ligada à defesa da Consubstancialidade do Pai e do Filho e à
Divindade do Verbo.
As obras mais
significativas são:
– Apologia
contra os arianos : três livros, onde ele narra as perseguições que sofreu
e fala sobre a doutrina ariana.
– Epístola
Sobre o Decreto do Concílio de Nicéia: defesa da consubstancialidade do Pai
e do Filho.
– A Vida e a
Conduta de Santo Antão: biografia de Santo Antão e defesa da vida monástica
como regra para boa vida religiosa. (Agostinho também fala de Santo Antão nas
Confissões)
– Obras
Exegéticas (interpretações bíblicas) : só restam alguns fragmentos, dos
quais o mais importante é uma carta a Marcelino, onde ele comenta a utilização
dos salmos na vida das pessoas e seu sentido profético.
– Cartas a
Epíteto e a Máximo: devemos adorar Jesus Cristo como o verdadeiro Deus.
– Contra os
Pagãos / A Encarnação do Verbo: Contra o paganismo e a defesa mais
importante da consubstancialidade do Pai e do Filho. A natureza e a geração do
Verbo Divino.
Atanásio
defendeu sua fé durante toda a sua vida, lutou contra todos os opressores e
opositores da sua fé, defendeu a independência da Igreja contra as autoridades
políticas, sempre em defesa da fé cristã.
Ário negava a
consubstancialidade do Pai e do Filho, afirmando que Jesus era inferior a Deus.
Para falarmos sobre o Atanásio, é inevitável comentar o arianismo.
Ário era aberto
à filosofia, mais culto. Ele defendia a tese de que Jesus e Deus não
participavam da mesma substância, que o Filho era fruto da vontade do Pai,
apesar de ter vindo para resgatar os homens de seus pecados. Ele escreveu pouco
e desse pouco só restam alguns fragmentos, fica difícil fazer uma verdadeira
leitura do que foi essa doutrina originariamente, mas sabemos que ela partiu de
um axioma, de que Pai e Filho não eram coexistentes. Para Ário, Jesus Cristo é
filho de Deus no sentido moral. O verdadeiro Deus o adotou como filho, mas isso
não implica em dizer que Jesus tem participação essencial e substancial com a
divindade.
Em um sermão,
Ário simplificou sua tese:
“Por isso é que
há três substâncias: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Deus, que é justamente
causa de todos os seres, é de maneira absoluta o único sem princípio. O Filho,
gerado pelo pai fora do tempo antes de todas as coisas, somente Ele foi criado
pelo Pai único. Ele não é eterno, nem coeterno e não partilha o fato de não ser
gerado como e com o Pai. Ele não tem existência com o pai, como dizem alguns de
um e de outro, afirmando dois princípios não gerados. Mas como unidade e
princípio de tudo, Deus é antes de todas as coisas. Por isso Ele também é antes
de Cristo… Na medida, pois, em que seu ser, sua vida e sua glória, e tudo o
que lhe foi conferido lhe vêm de Deus, Deus é o seu princípio. Ele lhe é
superior como seu Deus.”
Esse Deus uno de
Ário remete a um neoplatonismo plotiniano, para quem o Bem é o Uno a que todas
as coisas remetem, portanto não poderiam existir dois ou três bens. Plotino era
contemporâneo seu, e egípcio.
Essa resposta
sobre as relações entre o Pai e o Filho é racionalista. Mas devemos questionar
até que ponto esse racionalismo não remetia de certa forma à heresia, já que
estava em questão a divindade cristã.
Atanásio partia
da fé para afirmar sua tese da consubstancialidade do Pai com o Filho. Se Jesus
foi gerado pelo Pai, e tudo aquilo que é gerado carrega consigo a mesma
substância daquilo que o gerou, então Jesus carrega a divindade de Deus.
Os homens foram
gerados do nada, somente Jesus Cristo foi gerado de Deus. Ele é a manifestação
corporal do Verbo Divino, que é o ser.
Deus – Verbo –
Ser
O Verbo se
manifestou num corpo humano para salvação da humanidade.
Deus criou a
matéria, por isso o chamamos de criador. Ele não recusa a existência de nada,
porque Ele é bom, e recusar a existência de algo corresponde ao ódio. Ele nos
deu a existência e apiedou-se de nós, criando os homens à Sua imagem, para que
participássemos do Verbo.
Os homens, ao
afastarem-se de Deus, voltaram-se para o nada.
Ser (Deus)
Jesus
Homem
Nada (Mal)
A natureza
divina não poderia deixar que algo à sua semelhança tendesse para o nada, e por
sua filantropia quis salvar a humanidade. Ao afastar-se de Deus, o homem
tornou-se corruptível tendendo ao nada. A Manifestação do Verbo aconteceu para
que os homens pudessem ser salvos de sua tendência natural ao nada e
voltarem-se novamente para o Ser Pleno, que é Deus. Ou seja, o homem é
corruptível porque transgrediu os mandamentos e saiu do estado para o qual Deus
o criou. Ao contrário de Jesus Cristo, o homem foi criado do nada e tende
naturalmente ao nada. Jesus foi criado de Deus e tende naturalmente a Ele.
Portanto, a
Encarnação do Verbo acontece para salvar o homem da sua natureza corruptível. O
homem deveria compartilhar da semelhança que tem com Deus, e assim desviar sua
tendência natural, que é o mal, o não ser.
O Verbo de Deus
é incorpóreo, incorruptível e imaterial, mas criou-se do amor divino pelos
homens, afim de salvá-los. O homem, dentro da sua incapacidade de conhecer o
imaterial, já que é matéria, precisava de algo também material para conhecer a
Deus em sua plenitude. Deus é a razão pela qual os homens existem, a compaixão
divina já existe quando Ele cria os homens, pois temos uma razão pela qual
existir, procurar aquele que nos criou. Deus, ao criar o homem, queria fazer-se
conhecer, e por essa razão os fez à sua imagem, mas somente com Jesus Cristo o
homem seria capaz de aperceber-se disso. Do conhecimento de Deus resulta a
felicidade. Sobre os antigos, eles sabiam que havia Deus, mas desviavam esse
conhecimento porque eram impelidos para o nada, a adorarem deuses que na
verdade eram criaturas , e não o criador. Somente o verdadeiro Ser deveria ser
adorado. Os antigos só desconheciam a sua imagem, e a manifestação do Verbo
através da encarnação auxiliou os homens a conhecerem a imagem do que deveriam
ser. Moral Cristã traz as leis divinas.
Ele diz:
“Assim, o Verbo,
querendo devidamente socorrer os homens, deveria residir na terra como homem,
tomar corpo semelhante ao deles, e agir através das coisas terrenas, isto é,
por obras corporais. Desta forma, os que não haviam querido reconhecê-lo por
causa de sua providência e seu domínio universais, reconheceriam pelas obras
corporais o Verbo de Deus encarnado, e por Ele, o Pai.”
O verbo baixou
até tornar-se visível e corpóreo.
Deus – Ser-
Verbo
Jesus Cristo
Homem
Nada (não ser)
As próprias
obras de Jesus Cristo, apesar de terem sido realizadas corporalmente, mostram
que ele difere dos homens. Suas obras indicam sua divindade. Jesus Cristo é
sabedoria, o conhecimento de Deus.
Na verdade, tudo
está repleto do conhecimento de Deus, mas o homem é incapaz de enxergar, por
causa da sua tendência ao nada. Então Jesus Cristo nos coloca em contato com a
sabedoria divina. Para Atanásio, Jesus Cristo não é a revelação de um homem,
mas a revelação do Verbo de Deus.
O Verbo, que é
ser, contém todas as coisas, mas não é contido por elas. Ele opera sobre tudo,
mas nada opera sobre Ele. O Verbo não é apenas encarnação, mas plenitude da
salvação universal.
O Verbo de Deus
domina a parte corpórea para viver como homem, mas, sendo Verbo, dá vida a
todos os seres e não está junto a um corpo, pois junto só está do Pai. É
natural que o enxerguemos enquanto homem, já que se nos mostrou através dessa
forma, mas é através da percepção da divindade contida nas obras dele que se
mostrou divino. Quem realizava os milagres era o Verbo Divino. Somente o Verbo
seria capaz de purificar os humanos, curar doenças e fraquezas, transformar
água em vinho. Somente o criador da água poderia modificar sua substância. E
ele o fez para que não duvidassem de que ele é o Filho de Deus. O Verbo,
portanto, se revelou ao homem por meio das suas obras divinas.
O corpo de Jesus
Cristo nunca esteve sujeito à corrupção, pois ele não tendia ao nada. Somente
Ele veio de Deus, então sua tendência natural era para Deus, enquanto o homem,
que veio do nada, tendia ao nada. Seguir a moral cristã elevaria o homem
novamente a Deus.
A Igreja
Católica adotou a santíssima trindade de Atanásio para evidenciar a fé em Jesus Cristo. A postura ariana colocava em questão a divindade cristã. Quanto ao Espírito
Santo, Atanásio diz que aquilo que conferia divindade a Cristo só poderia ser
divino também, por isso o Pai, o Filho e o Espírito Santo participam da mesma
substância.
O que é colocado
aqui é mesmo uma questão de fé, enquanto Ário diz que Jesus é derivado de Deus,
mas não é absoluto como Ele, afirmava que o Verbo é inferior ao Pai, Atanásio
parte da sua fé absoluta na divindade Cristã.
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