ERVAS QUE SÃO FRUCTO, ERVAS PARA MEZINHAS, ERVAS CHEIROSAS, CANAS – Fernão Cardim

Fernão Cardim (1540? – 1625) – Tratados da Terra e Gente do
Brasil

X

DAS
ERVAS QUE SÃO FRUCTO E SE COMEM

 

Mandioca O
mantimento-ardinario desta terra que serve de pão se chama mandioca, e são humas raizes
como de cenouras, ainda que mais grossas e compridas. Estas deitão humas varas, ou
ramos, e crescem até altura de quinze palmos. Estes ramos
são
muito tenros, e têm num miolo branco por dentro, e de palmo em palmo têm certos nós. E desta
grandura se quebrão, e plantão na terra em huma pequena cova, e lhes ajuntão terra ao pé, e f icão mettidos tanto
quanto basta para se terem, e dahi a seis, ou nove mezes têm já raizes tão grossas que
servem de mantimento.

Contém esta mandioca
debaixo de si muitas espécies, e todas se comem e conservão-se dentro na
terra, três, quatro, e até oito annos, e não he necessário celeiro, porque não fazem senão tiralas, e
fazer o mantimento fresco de cada dia, e quanto mais estão na terra, tanto
mais grossas se fazem, e rendem mais.

Tem
algumas cousas de notas, sc, que tirado o homem, todo animal se perde por ella
crua, e a todos engorda, e cria grandemente, porém se acaba de expremer, beberem
aquella água só por si, não têm mais vida que em quanto lhe não chega ao estômago. Destas
raizes exprimidas, e raladas se faz farinha que se come; também se deita de
molho até apodrecer, e depois limpa, expremida, se faz também farinha, e huns
certos beijús como filhos, muito alvos, e mimosos. Esta mesma raiz depois de cortida
n’agua feita com as mãos em pilouros se põe em caniços ao fumo, onde se enxuga e seca de maneira que se
guarda sem corrupção quanto querem e raspada do fumo, pisada em huns pilões grandes, e
peneirada, fica huma farinha tão alva, e mais que de trigo, da qual misturada em certa
tempera coma crua se faz uma farinha biscoitada que chamão de guerra, que
serve aos índios, e portuguezes pelo mar, e quando vão á guerra como biscoito. Outra
farinha se faz biscoitada da mesma água da mandioca verde se a deixão coalhar e
enxugar ao sol, ou fogo; esta he sobre todas alvissi-ma, e tão gostosa, e
mimosa que não faz para quem quer. Desta mandioca curada ao fumo se
fazem muitas maneiras de caldos que chamão mingáos, tão sadios, e delicados que se dão aos doentes de
febres em lugar de amido, e tizanas, e da mesma se fazem muitas maneiras de
bolos, coscorões, fartes, empenadilhas, queijadinhas d’açucar,&., e
misturada com farinha de milho,- ou de arroz, se faz pão com fermento, e
levedo que parece de trigo. Esta mesma mandioca curada ao fumo he grande remédio contra a peçonha,
principalmente de cobras. Desta mandioca ha huma que chamão aipim que contém também debaixo de si
muitas espécies. Esta não mata crua, e cozida, ou assada, que he de bom gosto,
e delia se faz farinha,e beijús, &.. Os Índios fazem vinho delia, e he tão fresco e
medicinal para o f igado que a elle se attribue não haver entre elles doentes do
figado. Certo gênero de Tapuyas come a mandioca peçonhenta crua sem
lhe fazer mal por serem criados nisso.

Os ramos
desta erva, ou arvores são a mesma semente, porque os paos delia se plantão, as folhas, em
necessidade, cozidas servem de mantimento.

Naná Esta erva he muito commum, parece-se com erva babosa, e
assi tem as folhas, mas não tão grossas e todas em redondo estão cheia de huns
bicos muito cruéis; no meio desta erva nasce huma frueta como’pinha,
toda cheia de flores de varias cores muito formosas, e ao pé desta quatro, ou
cinco olhos que se plantão; a frueta he muito cheirosa, gostosa, e huma das boas
do mundo, muito cheia de sumo e gostoso, e tem sabor de melão ainda que
melhor, e mais cheiroso: he boa para doente de pedra, e para febres muito prejudicial.
Desta frueta fazem vinho os índios muito forte, é de bom gosto. A casca gasta muito o ferro ao aparar, e
o sumo tira as nodoas da roupa. Ha tanta abundância desta fructa que se cevao os
porcos com ella, e não se faz tanto caso pela muita abundância: também se fazem em
conserva, e cruas desenjoao muito no mar, e pelas manhãs com vinho são medicinaes.

Pacoba — Esta he a figueira que dizem de Adão, nem he arvore,
nem erva, porque por huma parte se faz muito grossa, e cresce até vinte palmos em
alto; o talo he muito molle, e poroso, as folhas que deita são formosíssimas e algumas
de comprimento de huma braça, e mais, todas rachadas como veludo de Bragança, tão finas que se
escreve nellas, tão verdes, e frias, e frescas que deitando-se um doente
de febres sobre ellas fica a febre temperada com sua frialdade; são muito frescas
para enramar as casas e Igrejas. Esta erva deita em cada pé muitos filhos,
cada um delles dá hum cacho cheio de huns como figos, que terá às vezes duzentos,
e como está de vez se corta o pé em que está o cacho, e outros vão crescendo, eassi vão multiplicando in infinitum; a fructa se põe a madurar e
fica muito amarella, gostosa, e sadia, maximé
para os enfermos de febres, e peitos que
deitarão
sangue; e assadas são gostosas e sadias. He fructa ordinária de que as
hortas estão cheias, e são tantas que he huma fartura, e dão-se todo o anno.

Maracujá Estas ervas são muito formosas, maximé nas folhas; trepão pelas paredes,
e arvores como a hera; as folhas expremidas com verdete he único remédio para chagas
velhas, e boubas. Dá huma fructa redonda como laranjas, outras á feição do ovo, huns
amarellos, outros pretos, e de outras varias castas. Dentro tem huma substância de pevides e
sumo com certa teia que as cobre, e tudo junto se come, e he de bom gosto, tem
ponta de azedo, e he fructa de que se faz caso.

Nesta terra
ha outros gêneros muitos de fructas, como camarinhas pretas, e vermelhas, batatas,
outras raizes que chamao mangará, outra que chamao cará, que se parece com nabos, e
tuberas da terra. Das batatas fazem pão e varias cousas doces; têm estes índios outros
muito legumes, se, favas, mais sadias e melhores que as de Portugal, e em
grande abundância, muitos gêneros de abóboras, e algumas tão grandes que fazem cabaças para carretar água que levarão dous aimudes,
ou mais:feijões de muitas castas, são gostosos, e como os de Portugal.
Milho de muitas castas, edelle fazem pão, vinho, e se come assado e com elle engordão os cavallos, porcos, gallinhas, &
.,
e humas tajaobas, que são como couves, e fazem purgar, e huma erva por nome
Jambig, único remédio para os doentes de figado e pedra; também ha muitos gêneros de
pimentas, que dão muito gosto ao comer.

XI

DAS ERVAS QUE SERVEM PARA MEZINHAS

Tetigcucú — Este he o
Mechoacão das Antilhas; são humas raizes compridas como rabãos, mas de bôa grossura, serve
de purga; toma-se esta raiz moida em vinho, ou agua para febres, toma-se em
conserva de açúcar como marmellada, coze-se com gallinha, faz muita
sede, mas he proveitosa, e obra grandemente.

Igpecacóaya — Esta erva he proveitosa para câmaras de sangue:
a sua haste he de comprimento de hum palmo, e as raizes de outro,ou mais; deita
somente quatro ou cinco folhinhas, cheira muito onde quer que está, mas o cheiro he
fartum e terrível; esta raiz moida, botada em huma pouca d’agua se põe a serenar huma
noite toda, e pela manhã se aquenta a água com a mesma raiz moida, e coada se bebe somente a água, e logo faz
purgar de maneira que cessão as câmaras de todo.

Cayapiá Esta erva ha pouco que he descoberta, he único remédio para pe-çonha de toda
sorte, maximé de cobras, e assi se chama erva de cobra, e he tão bom remédio como
unicornio de Bada, pedra de bazar, ou coquo de Maldiva. Não se aproveita
delia mais que a raiz, que he delgada, e no meio faz hum nó como botão; esta moida,
deitada em água e bebida mata a peçonha da cobra; também he grande remédio para as feridas de frechas ervadas, e quando algum
he ferido fica sem medo, e seguro, bebendo a água desta raiz; também he grande remédio para as
febres, conti-nuando-a, e bebendo-a algumas manhãs; cheira esta erva á folha de
figueira de Espanha.

Tareroquig — Também esta erva he único remédio para câmaras de sangue: as raizes são todas
retalhadas, os ramos muito delgadinhos, as folhas parecem de alfa-vaca, as
flores são vermelhas, e tirão algum tanto roxo, e dão-se nas pontinhas. Desta ha muito
abundância,
quando se colhe he amarella, e depois de seca fica branca; toma-se da própria maneira que
a precedente. Com esta erva se perfumão os índios doentes para não morrerem, e para certa enfermidade que he commum
nesta terra, e que se chama doença do bicho, he grande remédio, serve para matar os bichos
dos bois, e porcos, e para postemas. Esta erva toda a noite está murcha, e como
dormente, e em nascendo o sol torna a abrir, e quando se põe torna a fechar.

Goembegoaçú Esta erva serve muito para fluxo de sangue, maximé de mulheres; as
raizes são muito compridas e algumas de trinta, e quarenta braças. Tem huma
casca rija, de que se fazem muito fortes cordas, e amarras para navios, e são de muita dura,
porque n’agua reverdecem; esta tomando-a, se a casca della, e defumando a
pessoa em a parte do fluxo, logo estanca.

Caáobetinga Esta erva he
pequena, deita poucas folhas, as quaes começa a lançar logo da terra, são brancas, de banda de baixo, e de cima verdes, deitão huma. flor do
tamanho de avelã; as raizes, e folhas pisadas são excellente remédio para chagas
de qualquer sorte, e também se usa da folha por pisar, a qual posta na chaga pega
muito e sara.

Sobaúra Esta erva
serve para chagas velhas, que já não têm outro remédio: deita-se moida e queimada na chaga, logo come todo
o câncer,
e cria couro novo; também se põe pisada e a folha somente para encourar.

Erva
santa
Esta erva santa serve muito para varias enfermidades,
como feridas, catarros, &., e principalmente serve para doentes da cabeça, estômago e
asmati-cos. Nesta terra se fazem humas cangueras de folha de palma cheia desta erva seca, e pondo-lhe o fogo por huma
parte põem a outra na boca, e bebem o fumo; he huma das
delicías, e mimos desta terra, e são todos os naturaes, e ainda os portuguezes perdidos
por ella, e têm por grande vicio estar todo o dia e noite deitados
nas redes a beber fumo, e assí se embebedão delle, como
se fora vinho.

Guaraquigynha — Esta he a erva moura de Portugal, e além de outras bondades
que tem como a erva moura,
tem somente que he único remédio para lombrigas, e de ordinário quem as come
logo as lança.

Camará — Esta erva se
parece com silvas de Portugal: coze-se em água, e a dita água he único remédio para sarnas, boubas, e feridas frescas, e quando as
feridas se curao com as folhas de figueira de que se disse no titulo das
arvores, se lava a ferida com a água desta erva, cuja flor he formosíssima, parece
cravo amarello, e vermelho, almiscarado, e destas se fazem ramalhetes para os
altares.

Aipo — Esta erva he o próprio aipo de Portugal, e tem todas as suas virtudes:
acha-se somente pelas praias, principalmente no Rio de Janeiro, e por esta razão he mais áspero, e não tem doce ao
gosto, como o de Portugal: deve ser por causa das marés.

Malvaisco

Ha grande abundância de malvaisco nesta terra; tem os mesmos effeítos, tem humas
flores do tamanho de um tostão, de hum vermelho gracioso, que parecem rosas de
Portugal.

Caraguatá — Este Caraguatá he certo gênero de cardos, dão humas fructas
de comprimento de hum dedo, amarellas; cruas fazem empollar os beiços; cozidas ou
assadas não fazem mal; porém toda mulher prenhe que as come de ordinário morre logo.

Ha
outros caraguatás que dão humas folhas como espadana muito comprida, de duas ou
três
braças,
e dão
humas alcachofras como o naná, mas não são de bom gosto. Estas folhas deitadas de molho dão hum linho muito
fino, de que se faz todo gênero de cordas, e até linhas para cozer e pescar.

Timbó — Timbó são humas ervas
maravilhosas, crescem do chão como cordões até o mais alto dos arvoredos onde estão, e alguns vão sempre
arrimados á arvore como era; são muito rijos, e servem de atilhos, e alguns ha tão grossos como a
perna de homem, e por mais que os torção não ha quebrarem; a casca destes he fina peço-nha, e serve de
barbasco para os peixes, e he tão forte que nos rios aonde se deita não fica peixe
vivo até onde chega com sua virtude, e destes ha muitas castas, e proveitosas
assí
para atilhos como para matar os peixes. Outras ervas ha que também servem para
medicinas, como são serralhas, beldroegas, bredos, almeirões, avencas, e de
tudo ha grande abundância, ainda que não têm estas ervas a perfeição das de Espanha, nem faltão amoras de silva
brancas, e pretas como as de Portugal, e muito bom perrexil pelas praias, de
que se faz conserva muito bôa, nem falta macella.

XII

DAS ERVAS CHEIROSAS

 

Nesta
terra ha muito mentrastos, principalmente em Piratininga: não cheirão tão bem como os de
Portugal; também ha humas malvas francezas de humas flores roxas, e graciosas que servem de ramalhetes. Muitos Lyrios,
não são tão finos, nem tão roxos como os do reino, e alguns se achão brancos.

 

Erva que dorme — Esta erva se dá cá na primavera, e parece-se com os Maios de
Portugal, e assi como elles se murcha e dorme em se pondo o sol, e em nascendo
torna a abrir e mostrar sua formosura. O cheiro he algum tanto fartum. Também ha outra arvore que dorme da mesma maneira, e dá humas flores graciosas, mas não cheirão muito.

 

Erva viva Estas ervas são de bôa altura, e dão ramos, humas folhas farpadas de hum verde gracioso; chamão-se erva-viva, porque são tão vivas e sentidas que em lhes tocando com a mão, ou qualquer outra cousa, logo se engelhão, murchão e encolhem como se as agravarão muito, e dahi a pouco tornão em sua perfeição tantas vezes lhes tocão, tantas tornam
a murchar-se, e tornam em seu ser como dantes.

Outras muitas ervas ha, como oregãos, e
poejos, e outras muitas floras varias, porem parece que este clima, ou pelas
muitas águas, ou por causa do sol, não inf lue nas ervas cheiro, antes parece que lho tira.

 

XII
DAS CANAS


Nesta terra ha muitas espécies de canas e tacoára; ha de grossura de huma coxa de hum homem, outras que têm huns canudos de comprimento de huma braça, outras de que fazem frechas e são estimadas; outras tão compridas que têm três ou quatro lanças de comprimento; dão-se estas canas por entre os arvoredos, e assi como ha muitas, assi ha muitos e compridos canaveaes de muitas léguas, e como estão entre as arvores vão buscar o sol, e por isso são tão compridas.

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