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21/09/2005 às 11:17 #80138Miguel (admin)Mestre
Oi Renan,
Agora eu entendi a sua dúvida em relação à negação do eu. Vou tentar explicá-la.
O que é 'eu'? Imaginemos que nosso corpo é apenas um recipiente para algo que é permanente em mim mesmo, esse algo, essa essência de mim mesmo é 'eu'. Buda dizia, porque ele teve a iluminação e percebeu coisas além da percepção comum, que esse 'eu' que acreditamos existir, na verdade não existe de fato, em essência. Nosso 'eu' não é algo permanente, nem único, nem essencial. Por isso que ele dizia que todas as coisas são não-eu, porque ele queria dizer que não há nada nelas que seja eterno, permanente.
Se imaginássemos que o Universo (e toda a existência) fosse construído com blocos básicos (os átomos originais), cada bloco desses seria esse 'eu'. Buda diz que não existem blocos básicos para a existência e que as coisas são interações de tudo com tudo.
Para que você entenda melhor o que quero dizer, recomendo que leia o livro 'O Tao da física', do Fritjof Capra. Nele ele explica como a ciência física mais moderna está descobrindo o que a sabedoria oriental já sabia há muito tempo, que as coisas são interdependentes e que não há nada que se possa chamar de essencial, que tudo é essencial. E ele também fala da incapacidade de tentar explicar com palavras (com a linguagem) essas descobertas feitas pela física moderna, a mesma dificuldade encontrada pelos iluminados em explicar a verdade que eles atingiram.Que bom que concordamos sobre Maldade e Bondade.
O objetivo de uma ação é que faz ele ser boa ou má. Talvez, a intenção de uma ação é que faça ela ser boa ou má, também. Pois, mesmo que uma determinada ação não tenha gerado os resultados esperados, a intenção foi boa, então a ação foi boa também. Você concorda?Quanto a uma revolução ser boa ou não, por querer ajudar muitas pessoas em detrimento de uma minoria, essa questão é mais complicada pois não podemos trabalhar com quantidades de vidas. Toda a vida é importante por igual, ou seja, um amigo meu, por exemplo, não é somente tão importante quanto eu, mais é tão importante quanto todo o resto da vida, entendeu? 'Matematicamente' falando, 1 é tão importante quanto o infinito.
Que Deus Ilumine teu caminho…
Abraço meu amigo…21/09/2005 às 17:06 #80139Miguel (admin)MestreOlá Rodrigo,
Agora entendi muito melhor a questão da negação do eu, obrigado pelas explicações.
É semelhante a Jean-Paul Sartre, quando este diz que não existe natureza humana. E também lembra um pouco Heráclito, quando este afirmava que tudo está em constante transformação. Mas apesar das semelhanças, eu sei que a filosofia oriental tem métodos diferentes, e que o entendimento de Buda é diferente do entendimento racional da filosofia ocidental. Até mesmo o conceito de empirismo é diferente entre ocidentais e orientais.
A visão de Buda também se assemelha a de David Hume.Mas eu acho que há diferenças entre a intenção ser boa e a ação ser boa. A intensão é res cogitans (pensamento/espírito) e a ação é res extensa (matéria). Das duas, somente a segunda interfere na matéria.
É uma questão complicada, a classificação de bem e mal. Talvez nossa cultura maniqueísta nos force a pensar sempre na existência de duas forças antagônicas numa batalha. Talvez não seja necessariamente assim. O yin-yang, por exemplo, é excelente para mostrar que essas forças antagônicas formam uma única força maior, e que uma completa a outra. Ou seja, o bem e o mal não estão em batalha, mas em equilíbrio.
Talvez seja assim, talvez não.Concordo que 1 vida é tão importante quando infinitas vidas. Aliás, não vejo diferença entre vida humana e vida animal. Ambas são formas de vida, e todas devem ser respeitadas.
Infelizmente, às vezes matamos muitos insetos (baratas, cupins, formigas, mosquitos… sem contar as bactérias que matamos com antibióticos, e os vírus nas vacinas).
São assassinatos que os humanos cometem a toda hora. Por exemplo, matar um mosquito que está sobrevoando a comida, ou sobrevoando um bebê. Mas como seria complicado, se não fosse assim…E os predadores? Será justo o leão matar um antílope para se alimentar? Ou seria justo o leão morrer de fome?
Os animais não tem senso de justiça ou ética. Para eles, o fato de matar (mesmo que seja um filhote, o que geralmente acontece)não precisa de justificativa ou explicação. Simplesmente acontece.
Nos humanos é diferente, pois temos cultura e ética. Mas se reparamos bem, na prática somos tão selvagens quanto os animais.
O capitalismo selvagem, as crianças morrendo de fome, a violência generalizada, as guerras, etc.
O animal mata para sobreviver. E o homem? também. Mas às vezes, o homem vai além, e mata sem justificativa. O homem pode ser ético, pode ser selvagem e pode ser pior que selvagem.É uma questão complicada. É polêmico.
Uma revolução que vise acabar com a injustiça e a fome pode ter boas intenções. Mas pode ser corrompida, ou mesmo que não seja, pode trazer muitas mortes no seu decorrer. Não sei se é válido. Não sei se a intenção sendo boa, valida a prática material.
A intenção é boa, e a maioria seria beneficiada. Na verdade, todos seriam benficiados, essa é a verdadeira intenção, mas é utópico crer que numa revolução ninguem vá morrer. As forças que se opõem a revolução causariam a morte de vários, (não a revolução em si).Para complicar mais ainda, vou trazer a questão para o plano pessoal:
Você mataria alguém para se defender (se não houvesse como fugir)?
Você mataria alguém que ameaça a vida de sua mãe ou esposa, ou irmã (se não houvesse outra opção, como apelar para a proteção policial)?Não precisa responder, é uma questão apenas para ser pensada. E pense nisto também: os muçulmanos morrem por um ideal. Eles acreditam que a vida de suas famílias corre risco com a invasão da cultura e economia ocidental. Além disso, eles crêem que morrer por Alá é recompensador. E a única saída que eles têm para tentar deter o avanço do capitalismo é o terrorismo. O terrorismo não é um ataque ao mundo ocidental, é uma reposta do mundo islâmico a todas atrocidades que o ocidente já fez e faz no oriente. Quem está certo, quem está errado? Quem é mal?
Não defendo nenhum lado, mas não acredito que nesse caso exista certo e errado. Ou melhor, ambos estão errados. Mas julgar o certo e o errado é uma visão simplista que omite razões históricas, políticas, sociais e econômicas.
A vida é como uma rapadura: é doce, mas não é mole não!
Obrigado novamente, e aguardo novas mensagens.
Um grandee abraço!!!!22/09/2005 às 11:28 #80140Miguel (admin)MestreOi Renan,
Ainda bem que pude ser mais claro em relação à questão do 'não-eu'. Sobre Heráclito, tem um mestre Iluminado chamado Osho (acho que já mencionei ele em algum lugar) que afirma ser Heráclito uma pessoa Iluminada também, por todas as afirmações que faz Heráclito, em seus fragmentos. Se eu não me engano, o livro do Osho sobre isso se chama 'A Harmonia Oculta'. Garanto para você que a leitura deste livro irá iluminar sua mente, tanto para Heráclito quanto para a Iluminação.
“Mas eu acho que há diferenças entre a intenção ser boa e a ação ser boa. A intensão é res cogitans (pensamento/espírito) e a ação é res extensa (matéria). Das duas, somente a segunda interfere na matéria.”
Temos uma questão importante a ser debatida. Todos os mestres Iluminados que eu tive conhecimento, que eu li algum texto, afirmam que o pensamento influencia sim na matéria. Pois eles não vêm diferença entre matéria e pensamento/espírito. 'Tudo é uma coisa só', para eles (apesar de que está frase 'tudo é uma coisa só' não conseguir expressar a realidade, mas eles não tem muitas opções para tentar dar uma idéia das coisas).
Realmente, na questão yin-yang, a intenção não é acabar com o mal, mas formar um equilíbrio dinâmico entre o Bem e o Mal.Vida e Morte.
Já fui vegetariano e, num determinado momento, comecei a tentar achar uma ética que sustentasse meu vegetarianismo. No final, não consegui. Desisti do vegetarianismo.
Mas vamos guardar essa e as outras questões sobre revolução para mais tarde.Eu me lembrei de uma história budista mais ou menos assim :
'Vivia um mestre iluminado numa cidade que, num determinado dia, foi atacada por ladrões assassinos. O mestre estava em sua casa, e foi avisado por uns amigos sobre os assassinos, mas apenas dizia para eles irem embora.
Foi quando um dos assassinos entrou na casa do mestre. Este estava sentado em posição de lótus ao chão. O assassino ficou surpreso com a calma daquele homem e disse: “Homem! Sabes que posso te matar com a maior tranquilidade?”.
O mestre nem abriu os olhos, apenas respondeu : “E você sabe que posso deixar que você me mate com igual tranquilidade?”. O assassino ficou perplexo e saiu sem fazer nada.'A história original deve ser um pouco diferente, mas acho que a 'mensagem' é a mesma.
Um grande abraço pra ti.
23/09/2005 às 3:11 #80141Miguel (admin)MestreOlá Rodrigo,
Obrigado pela dica de leitura!
Sobre o pensamento e matéria serem uma coisa só, acho que isso depende do contexto que nos referimos.
Quando falamos em iluminação, por exemplo, acho que o pensamento, a matéria e o espírito são uma coisa só.
Já no caso da filosofia social e política, acho que a matéria (prática material) é o que interfere no meio, e não a consciência. Mas isso é assunto para outro tópico.Acho que não entendi a relação que você fez entre: “vida e morte”, “vegetarianismo” e “revolução”. Se puder explicar novamente…
Gostei muito dessa história budista também. Sempre que se lembrar de mais histórias como esta, poste aqui, por favor.
Você já leu as outras coisas que eu escrevi neste fórum, antes de você entrar?
Escrevi sobre meditação, budismo, os três macacos, yin-yang, Confúcio, Koans e outras coisas. Se tiver algum comentário sobre isso, posta também.Valeu e obrigado por mais essa oportunidade de me aprofundar no conhecimento da filosofia oriental e de várias outras coisas.
Um abraço.23/09/2005 às 11:14 #80142Miguel (admin)MestreOi Renan,
Concordo com você quanto 'matéria e pensamento serem uma coisa só' depender do contexto. O contexto que utilizei foi exatamente o de iluminação (já que o tópico tem a ver). O que você disse foi perfeito. É que eu entendo mais de 'iluminação' do que de filosofia social e política (espero que possamos debater isso também um dia, para eu aprender mais sobre o assunto).
Quanto à questão 'vida e morte' eu poderia falar com você em outros meios (por e-mail por exemplo), já que não caberia neste tópico falar sobre isso.Vou ler todo o tópico e depois eu comento mais, ok?
Abraço forte!
05/10/2005 às 18:22 #80143Miguel (admin)MestreO seguinte poderia ser postado em vários outros tópicos, como irracionalismo, Deus, etc. Por algum motivo, resolvi postar aqui.
Do livro Fédon, de Platão:
Contexto: Sócrates havia sido condenado a morte e passara alguns dias no calabouço, aguardando a execução da sentença. No dia da execução, Sócrates recebe a visita de vários de seus discípulos, e durante as horas que antecipam sua morte, Sócrates lhes fala sobre a imortalidade da alma.
Após argumentar em favor da imortalidade da alma, alguns de seus discípulos contestam a sua argumentação. Sócrates então, antes de responder, dirige-se a Fédon.Sócrates disse: Em princípio, temos que evitar uma grande desgraça: a de sermos misantropos. Porque o maior de todos os males é detestar a razão, e a misologia possui a mesma origem da misantropia. De onde vem, a misantropia? Do fato de alguém ter confiado em um homem sem nenhuma análise prévia e após havê-lo considerado sempre honesto, sincero e fiel, descobre que ele era mentiroso e mau. Depois de numerosas experiências semelhantes, ao se ver enganado pelos que acreditava serem seus melhores amigos, por fim se cansa de haver sido lesado durante tanto tempo e passa a odiar todos os homens da mesma maneira e convence-se de que não existe ninguém sincero.
….a única semelhança que existe é que, quando se aceita um raciocínio como verdadeiro, sem conhecer a arte de raciocinar, acontece que, depois de algum tempo, o raciocínio parece falso, sendo falso ou não, e totalmente diferente. Mas quando possuímos o hábito de sempre discutir os prós e os contras, julgamo-nos dotados de grande habilidade e de sermos os únicos a compreender que nem nas coisas nem nos raciocínios existe algo que seja certo, nem seguro, que tudo está num fluxo e refluxo contínuo…
…Não será, por conseguinte, uma desgraça deplorável, Fédon, quando existe um raciocínio consistente, verdadeiro, passível de ser compreendido, que por haver estudado esses raciocínios, onde tudo parece certo, e às vezes falso, em vez de acusar a si mesmo dessas dúvidas ou falta de compreensão, atribua a culpa à razão…….?
…pensemos antes que somos nós que não temos firmeza, e esforcemo-nos para tê-la.
….meu principal objetivo não é simplesmente convence-los…Do livro Mundo de Sofia, página 500:
“Todos os verdadeiros filósofos devem ter os olhos bem abertos. Mesmo que nós nunca tenhamos visto uma gralha branca, jamais podemos desistir de procurar por uma. E poderá chegar o dia em que até um cético como eu tenha de aceitar um fenômeno no qual não quis acreditar até então. Se eu não considerasse essa possibilidade, seria um dogmático. E não seria, portanto, um filósofo de verdade.”
Com isso, Alberto Knox, personagem do livro, dizia ser descrente em relação a algumas coisas como astrologia e espiritismo. Porém ele sabia que seria igualmente dogmático se ele, por um lado, acreditasse numa verdade sem investiga-la profundamente, e por outro, se ele se recusasse categoricamente em acreditar apesar de não ter provas ou razões para tal ceticismo.
No livro Fédon, Sócrates disse: “Os homens não sabem que os verdadeiros filósofos trabalham durante toda sua vida na preparação de sua morte, e para estarem mortos; por ser assim, seria ridículo que, depois de ter perseguido este único fim, sem descanso, recuassem e tremessem diante da morte.”
Deste modo, Sócrates justificava a sua coragem perante a morte. Quando ele disse que “os verdadeiros filósofos trabalham durante toda sua vida na preparação de sua morte…” Sócrates se referia ao comedimento. Segundo ele, o corpo tende ao erro, as paixões, a ganância, etc…
Sócrates, assim como Buda, e mais tarde, Jesus, ensinava o desapego das paixões terrenas.Observação:
Porém, para entender melhor o contexto ao qual Sócrates se referia em Fédon, e ao qual Alberto Knox se referia no Mundo de Sofia, é preciso ler os livros. Então fica a dica de duas excelentes leituras. Fédon é um livro muito pequeno, por se tratar de um único dia. Já o Mundo de Sofia é maior, por abordar a historia da filosofia desde a Grécia Antiga até os nossos dias.Com isso, Sócrates foi, de certa forma, precursor do kardecismo, ao se convencer de que os vivos nascem dos mortos, de que o apego demasiado à matéria nos afasta de nosso caminho, de que o objetivo da alma é evoluir….etc. Ele não falava nos mesmos termos de Kardec (desencarnar, reencarnação, etc) mas ele fala das mesmas coisas.
Todos eles: Buda, Sócrates, Jesus, e Kardec, cada um em seu tempo e a seu modo, pregavam o comedimento e desapego das paixões da carne. Cada qual com seu método próprio, mas o fim era o mesmo. Não se trata de acreditar numa recompensa divina que não sabemos se existe, nem se trata de ideologia para fazer de nós, zubis, tão pouco, uma moral alienadora capaz de fazermos renunciar a vida em prol de algo maior. O real objetivo desse desapego, é a busca do verdadeiro conhecimento, de buscar o real, de reconhecer que o corpo induz ao erro, à paixão, e nunca a razão. A busca pela verdade faz o homem evitar várias frustrações e sofrimentos que os desejos do corpo nos impõe. Por isso a filosofia poderia ser considerada a arte de bem viver. Como sempre dizia Alberto Knox: “a vida é um milagre, uma aventura fantástica, um truque de mágica acontecendo diante de nossos olhos.” Realmente o é. E a busca pela verdade faz o homem viver melhor e morrer melhor, pois talvez esse seja o único destino certo de todos nós: a morte.06/10/2005 às 4:12 #80144Miguel (admin)Mestre“No primeiro estágio, homem e espada tornam-se o mesmo. Até uma lâmina de grama pode ser uma arma letal.
No estágio seguinte, a espada reside não na mão, mas no coração. Mesmo sem uma arma, o guerreiro pode matar seu inimigo a 100 passos dele.
Mas o ideal máximo é quando a espada desaparece totalmente. O guerreiro envolve tudo ao seu redor. O desejo de matar não existe mais. Só resta a paz.”Essa fala brilhante, do belo filme chinês HERÓI, com Jet Li e produção de Quentin Tarantino, mostra grande sabedoria. Reflita sobre ela. Pense na dialética.
Passamos por crenças, duvidas, descrenças e cremos novamente. Sempre voltamos a mesma conclusão inicial, porém com outra visão a respeito do assunto.
28/06/2007 às 14:16 #80145jota erreMembroConsultar o tópico “Filosofia oriental?”
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