UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Curso sobre
Heidegger:
Kant e o
Problema da Metafísica
Material Enviado por José de Medeiros Machado Jr.
2o.
semestre de 2004
Professor Bento Prado Jr.
ÍNDICE
Material Enviado por José de Medeiros Machado Jr.
Data da aula
- 01/10/2001
- 08/10/2004
- 15/10/2004
- 12/11/2004
- 19/11/2004
- 26/11/2004
- 03/12/2004
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03/12/2004
Mas o fato é que
o livro é grande, o nosso itinerário foi ziguezagueante e nós chegamos mais ou
menos livremente, mais ou menos arbitrariamente, a percorrer textos d outros
livros anteriores e posteriores ao Kant e o problema da metafísica.
Depois de falar do Kant e o problema da metafísica, nós consagramos uma
aula ao Die Frage nach dem Ding que é de 35-36 e depois nós voltamos, na
última aula, a um texto anterior, de um curso de um ano anterior ao Kant e o
problema da metafísica. Eu lembro que todos esses livros são na verdade
resultados de cursos ministrados. Normalmente, você tem o manuscrito do
Heidegger pra cada um desses cursos e depois tem a nota dos alunos que permitem
corrigir ou complementar o texto do Heidegger. Porque o Heidegger escrevia X e
depois acrescentava observações que foram acrescentadas às edições pelas notas
dos alunos. Enfim, nós circulamos do Kant e o problema da metafísica até
o Das Ding e voltamos à interpretação fenomenológica da Crítica da
razão pura que é um curso cujo conteúdoé o mesmo do curso do ano seguinte Kant e o problema da metafísica mas expresso de maneira bem diferente.
Talvez mais analítica, mais próxima ao texto do Kant, mais chegada ao texto do
Kant, menos livre, especulativa do que o Kant e o problema da metafísica,
não tenho muita certeza. Nós fizemos esse vaivém e a nossa expectativa era
percorrer de ponta a ponta Kant e o problema da metafísica, mas não foi
possível. Nós comentamos alguns parágrafos. Como eu disse pra vocês, um aluno
meu reclamava há milênios atrás que eu tinha um medo pânico do assunto e ficava
numa introdução perene, guiando a entrada no assunto e tal etc. Não foi bem o
caso porque nós entramos no assunto de maneiras diferentes. Agora, como
encerrar? Não dá pra continuar comentando parágrafo por parágrafo ou alguns
parágrafos cruciais do Kant e o problema da metafísica. Então eu resolvi
voltar, pra encerrar, ao livro anterior, ao curso do ano anterior A
interpretação fenomenológica da Crítica da razão pura e eu decidi encerrar
o curso comentando os dois últimos parágrafos desse livro onde há uma espécie
de rememoração do sentido da dedução transcendental e no último parágrafo a
maneira pela qual o Heidegger instrumentaliza essa dedução transcendental e a sua
leitura da dedução transcendental. (…) Em todo caso, podemos mergulhar
diretamente… Pra encerrar o nosso curso, eu vou comentar com vocês cinco
páginas. Hoje tem que comentar tudo mesmo que seja de maneira ligeira. Tem uma
introdução que se chama A Crítica da razão pura como a refundação da
metafísica como ciência. É uma espécie de introdução à sua leitura do Kant,
o desvio que ele dá aa leitura tradicional do Kant, isto é, a Crítica da
razão pura como esboço de uma ontologia fundamental. Uma idéia com a qual
eu acho que vocês já estão mais ou menos familiarizados. Uma primeira parte, a
estética transcendental; uma segunda parte, analítica dos conceitos na lógica
transcendental; uma segunda secção, a interpretação fenomenológica da análise
transcendental dos conceitos. Aí tem a exposição, a reinterpretação
fenomenológica etc. Enfim, trata-se de uma exposição da Crítica da razão
pura em sua estrutura e em seu desenvolvimento e depois tem uma
interpretação fenomenológica da analítica transcendental dos conceitos. Quer
dizer, qual é a recepção fenomenológico-heideggeriana daanalítica
transcendental. Eu vou me deter, esse livro tem 26 parágrafos, no vigésimo
sexto parágrafo, é a Exposição da possibilidade do conhecimento ontológico que corresponde mais ou menos àquela segunda parte que nós estávamos começando
a comentar do Kant e o problema da metafísica. É o mesmo assunto. Mas
essa Exposição da possibilidade do conhecimento ontológico tem 4 partes:
uma 1a. Apresentação sistemática por Kant da dedução
transcendental das categorias, da relação do entendimento com os objetos
em geral e da possibilidade de conhecê-los a priori. Isso nós vamos
deixar de lado. Pra nos limitarmos a B e C que são as últimas páginas do livro
e que têm como título A possibilidade dos juízos sintético a priori e
a possibilidade do conhecimento ontológico, quer dizer, na linguagem do
Kant, a possibilidade dos juízos sintéticos a priori, na interpretação
heideggeriana, a possibilidade do conhecimento ontológico. E C, o parágrafo final, A significação da doutrina kantiana do esquematismo. Do esquematismo,
isto é, daquele procedimento através do qual o entendimento pode se aplicar à
intuição mediante esquemas cuja origem se encontra na imaginação
transcendental. Aquele elemento mais ou menos presente, ausente na Crítica
da razão pura entre o entendimento e a sensibilidade que o Kant, segundo o
Heidegger, vislumbra, mas oculta ao mesmo tempo e que o Heidegger quer trazer à
luz. Então, a conclusão desse livro é mais ou menos o começo do Kant e o
problema da metafísica, pelo menos da 2a secção que a gente
‘tava trabalhando. Então, para dar o aspecto de um fechamento sistemático à
nossa exposição, que foi bastante esquemática e cheia de lacunas, vamos dar uma
aparência de sistematicidade comentando palavra por palavra essas cinco últimas
páginas. O penúltimo parágrafo, B, 3a parte da última secção
chama-se A possibilidade dos juízos sintéticos a priori e as
possibilidade do conhecimento ontológico. “Consideremos o que acaba de
ser dito como resultado da dedução transcendental como a iluminação da essência
ontológica das categorias.” Bom, já tem uma tradução. Quer dizer, você
passa da esfera epistemológica pra esfera ontológica. A dedução do sistema das
categorias a partir do funcionamento dos juízos não é simplesmente a exposição
dos mecanismos de objetivação do conhecimento, mas tem uma dimensão ontológica,
ou seja, uma dimensão que define a relação do sujeito ou do homem, como nós
veremos adiante, do Dasein como ente e com o ser do ente e, indiretamente,
com o Ser. Então são dois níveis que se superpõem. Ele pergunta: “O que que
se ganhou com essa solução do problema da dedução transcendental em relação ao
problema diretor da Crítica em seu conjunto?” Querdizer, depois de
ter percorrido toda a Crítica da razão pura, ele se pergunta o que que
nós ganhamos, afinal. Qual é o resultado do nosso itinerário, qual foi o ganho,
se é que houve ganho no que se refere ao problema diretor da Crítica,
isto é, a questão essencial evocada ou levantada pela Crítica. Porque,
no fundo, o problema do Heidegger é saber, é se perguntar qual é a questão
fundamental da Crítica da razão pura à qual ele oferece uma resposta
diferente da tradicional. Ele diz “A Crítica questiona a
possibilidade da metafísica tradicional como ciência ôntica do supra-sensível.” Aí não tem problema nenhum. Lembrem-se da exposição do Vinícius, isto é, a
analítica transcendental é uma espécie de resposta à ontologia leibniziana,
wolffiana, baumgartiana dogmática que postula uma ciência ôntica do
supra-sensível. A objeção fundamental do Kant ao Leibniz, ao Wolff, ao
Baumgarten é dizer: bom, não existe intuição inteligível, existe um abismo
entre o domínio do lógico, do analítico e do intuitivo, portanto, não há
intuição intelectual, não há ontologia do supra-sensível. O supra-sensível está
para além do entendimento. Embora, como o próprio Vinicius disse na sua
primeira conferência, na dialética transcendental, de alguma maneira,a relação
da razão como entendimento não é puramente negativa. Porque a interpretação
tradicional é, bom, o entendimento conhece objetos, a razão se perde em
ilusões. Ora, o Vinicius apontou para uma certa positividade da razão. Pelo
menos regulativa, pelo menos totalizante. “Ora, uma ciência ôntica, uma
ciência dos seres na sua singularidade, na sua regionalidade, se funda
primariamente no conhecimento ontológico da constituição do ser, da região de
objetos, a cada vez próprio à ciência ôntica concernida.” Bom, aqui nós
voltamos ao Husserl. Quer dizer, você tem ontologias regionais, assim por
diante… O ser físico, o ser biológico, o ser psicológico, o ser cultural e
tal etc. cada uma dessas regiões ônticas pressupõe um horizonte definido
essencialmente, ele diz “uma essência” do psicológico, uma essência do
biológico que define o horizonte dos entes psicológicos, biológicos etc. Bom,
acima disso, tem a questão do Ser.
No caso do
Husserl, ele fala da diferença entre uma ontologia formal e das ontologias
regionais. O que o Heidegger vai dizer… Ele vai modificar levemente essa
coisa e vai dizer: bom, o ontológico se distingue do ôntico não como o formal
se distingue do material. Porque “ontologia formal” o que que é? Não é lógica, mathesis
universalis, como se houvesse uma espécie de leibnizianismo. É bem verdade
que o Husserl diz: bom a ontologia formal não é propriamente uma lógica da
verdade, é uma lógica formal.
ALUNO: Quer
dizer, é uma tábua. Não é uma tábua das categorias, mas é uma tábua dos entes,
né?
Não sei. Eu acho
que não porque a mathesis universalis é pura lógica. É uma lógica da
consistência, uma lógica da não-contradição, não é uma lógica da verdade.
Quando você fala em entes, você ‘tá falando em entes diferentes, aí você tem
ontologias regionais. O que que é uma coisa, o que que é uma vivência, o que
que é um objeto cultural. Então, no fundo, é como se no caso do Husserl
houvesse uma teoria da consciência transcendental capaz de dar estrutura lógica
ao mundo e a fenomenologia começasse com as ontologias regionais. Não sei se o
que eu ‘tô dizendo é muito correto. Enquanto que no caso do Heidegger existe
essa inovação na tradição da fenomenologia que é dizer: a pergunta pelo Ser.
Que, de uma certa maneira é uma démarche reacionária, uma démarche que volta ao Aristóteles, que volta à escolástica. O transcendental tal como
entendido nos… O que que é o transcendental entendido pela filosofia
escolástica? São aqueles predicados do ser que escapam às régios categoriais.
Verdade, inverdade, beleza… O que você pode dizer de coisas espirituais e
materiais etc mas nunca num sentido próprio, sempre num sentido analógico, mais
ou menos vazio. No fundo, eu acho que isso remete ao bom e velho Platão que dizia
que a idéia de Bem, de Verdade e de Justiça estava para além da essência.
(???), para além da essência, que não pode se objetivar. É condição de
objetivação. Da mesma maneira, no Aristóteles, vocês vão ter a idéia de que o
estatuto da metafísica é complicado, quer dizer, ou ela é teologia, é uma
ontologia regional, ou ela é um discurso sem objeto definido porque ela tem que
falar equivocamente sobre tipos de seres dos quais se fala univocamente em cada
uma das ontologias. Ora, o que o Heidegger quer é devolver consistência à
questão pelo Ser, à questão ontológica. “Que significa o conhecimento
ontológoico?” O que nós ‘tamos responder aqui ele se pergunta a si mesmo.
Pergunta a todos nós: o que é um conhecimento ontológico? “O conhecimento
ontológico é um conhecer real mas independente da experiência.” Um conhecer
que não é empírico. Isso é mais ou menos trivial no horizonte kantiano. Mas o
conhecimento ontológico não é só o conhecimento que não é empírico, é um
conhecimento que não é também ontológico regional, isto é, que não éôntico, que
não diz respeito a categorias de objetos, mas sobre o sentido de ser desses
objetos.
ALUNO: E um
sentido, ao contrário do Husserl, exterior à relação com a consciência também?
Eu tenho a
impressão que o Heidegger não utiliza o vocabulário do sujeito transcendental,
da consciência transcendental. Quer dizer, o lugar que era ocupado na
fenomenologia pelo sujeito transcendental, que não é mais transcendental porque
não existe colocação do mundo entre parênteses porque aquilo que nós chamamos
“sujeito” está sempre no mundo. Então antes de chamá-lo de sujeito, de
consciência, vamos chamá-lo de Estar-aí, de Estar, simplesmente. Eu lembro do
Lebrun protestando contra a exposição de um heideggeriano radicado no Brasil,
de origem européia que dizia: bom, ele dá uma versão behaviorista do Heidegger.
Mas tem uma certa verdade numa versão behaviorista do Heidegger. Não é o ego
cogito, ego sum. O sujeito da filosofia, o ponto de partida da filosofia é
o Dasein, um ser entre outros seres que tem a peculiaridade de ser
fundante de outros seres, mas como se eu falasse de fora dele, não de dentro
dele. Bom, mas ele traduz essa pergunta dele em termos de interpretação do
Kant: onde se encontra a possibilidade interna de um tal conhecimento puro a
priori? Quer dizer, pra ele o conhecimento ontológico (…) Há um
conhecimento antes que algum objeto se anteponha ao conhecimento. É aquilo que
ele chama do caráter intrínseco do conhecimento. Extrínseco é o conhecimento
que depende de algo que lhe é exterior, depende do conhecido. No limite, o
empirismo. Mas da onde vem essa possibilidade de um conhecimento puro a
priori? Como os juízos sintéticos a priori são possíveis? Enfim, ele
dá a volta na sua interpretação e termina na pergunta pela qual começa a Crítica
da razão pura. A Crítica da razão pura começa: como é que são
possíveis– na ingenuidade kantiana – nós começamos a perguntar como é são
possíveis juízos sintéticos a priori e demonstrar como são possíveis
juízos sintéticos a priori na matemática, o que nãoé tão problemático
porque todo mundo sabe que a matemática é a priori mas demonstrar,
contra a tradição, que os juízos a priori da matemática não são
analíticos, são sintéticos. O que é uma preparação pra dizer que o conhecimento
do mundo externo também é sintético mas sendo a priori. porque no
esquema tradicional, no esquema humeano, leibniziano, de uma certa maneira, a
priori = analítico – identidade, não-contradição e tal etc – e a
posteriori = sintético. O duro é fazer esse cruzamento aqui: como é que são
possíveis juízos sintéticos a priori. Essa é que é a questão. “Mas
mesmo se ela aí não foi fundada de maneira última (…).” Aí aonde? na Dedução
transcendental. No fundo, o que ele ‘tá dizendo é que a possibilidade do
conhecimento ontológico a possibilidade dos juízos sintéticos a priori não foi fundada de maneira última na Dedução transcendental. Bom, faltou
alguma coisa. Inclusive faltou aquilo, nós já sabemos, a raiz última dos
elementos do conhecimento, do entendimento e da sensibilidade, que reside na
imaginação e na temporalidade. “Mesmo se ela não foi aí fundada de maneira
última, a resposta a essas questões foi dada na Dedução transcendental.” De alguma maneira, sem ser de maneira última, o problema foi resolvida.
Incompletamente, mas foi resolvido na dedução transcendental. “Essa
dedução mostrou que a intuição pura do tempo e o pensamento puro se encontram a
priori numa relação necessária.” Aqui é preciso sublinhar. Bom, o
entendimento, o que que é? É aquela faculdade que dá a estrutura, apoiada na
intuição, ao mundo dos objetos possíveis. A razão ou o pensamento puro é aquele
que se relaciona ao entendimento sem se relacionar com a intuição e que está
meio desamparado de tal maneira que a dialética será uma exposição das ilusões da
razão, das antinomias da razão pura. Mas já o Vinícius apontava para uma
espécie de positividade mínima da razão pura quando mais não seja na dimensão
não cognitiva que é condição do conhecimento. O que que é uma dimensão não
cognitiva que no entanto é condição de conhecimento? Aparece na idéia dos
juízos que não são constitutivos mas que são reguladores, aqueles que, sem
determinar objetos, determinam horizontes onde objetos podem ser explorados.
Por exemplo a idéia de finalidade é irredutível ao princípio da causalidade.
Então ela não tem valor constitutivo. Mas não há biologia possível sem a idéia
de finalidade ou sem a idéia de função. Não há juízo estético possível sem
juízo reflexionante ou regulador. Assim como a ética também já não era possível
dentro dos limites do entendimento. Mas o que eu quero dizer é que aqui ele faz
uma ligação, já no interior da Dedução, entre intuição pura do tempo e o
pensamento puro. Quer dizer, é um ligação na direção diversa daquela da
exposição do Vinícius. Tem intuição, entendimento… Ele diz: na colaboração
entre entendimento e intuição você tem conhecimento objetivo. A razão, como não
se liga à intuição, ela é a estruturação intelectual da experiência. E,
portanto, na Dialética transcendental ela é capaz de pensamento que não
é objetivo, que transgride os limites do entendimento e que quer totalizar e
devolver a filosofia ao estatuto da ontologia dogmática. Agora, o que Heidegger
diz aqui é uma relação entre razão pura e tempo. Qual é a relação possível
entre pensamento puro e tempo? Aí eu acho que vale a pensa a gente se demorar
um pouquinho. Fazer um pouco de arqueologia sumária e caricatural. Porque se
nós pensamos Platão, por exemplo, ou até mesmo o Aristóteles, o que que
caracteriza o pensamento puro? É a sua relação com a eternidade. O que se
transforma, o que se modifica, está para além dos limites do pensamento puro.
Quer dizer, o tempo é impuro pra ele. É claro que existem tempos e tempos,
movimentos e movimentos. Existe o tempo da (???), da mudança de qualidade,
pensando no Aristóteles. A folha verde fica marrom etc. Bom, isso é do domínio
da mutação (inaudível). Mas o Platão diz – e próprio Aristóteles: existem
movimentos que são puramente locais que não são mudança de qualidade e que são
matematizáveis como os movimentos circulares dos astros. Daí eu posso prever. A
idéia do Thales. Thales já era capaz de antecipar, de prever um eclipse solar
(inaudível). (…) Justamente, a tarefa da filosofia é pensar a eternidade ou
aqueles movimentos que implicam temporalidade, sim, mas uma temporalidade
regular, digamos, da ordem da repetição regular que define algo como uma
imobilidade. (…) Platão tem essa bela imagem: o movimento circular da imagem
sensível da eternidade. Um movimento que praticamente não é um movimento. Tem
tempo, claro, mas é uma temporalidade regularizada, por assim dizer,
domesticada pela razão que simboliza aquilo que nós intuitivamente temos acesso
muito dificilmente que é a eternidade. A identidade do Ser consigo mesmo ou a
identidade da razão como Ser, mas que tem alguma coisa que ver com o imóvel,
com o intemporal e com o eterno. Bom, aqui nós vamos no caminho diverso…
Porque o pensamento puro tem alguma coisa que ver como tempo. Como é que é
possível essa ligação entre pensamento puro e temporalidade e tempo puro
também, que eu acho que é a expressão que ele usa aqui. A intuição pura do
tempo e o pensamento puro estão conectados de maneira essencial na Dedução
transcendental. “Mas a relação da intuição e do pensamento é o que
define o conhecimento real.” Bom, aqui ele não fala de pensamento puro, ele
fala de pensamento. Aqui ele ‘tá repetindo a proposição “o conceito sem
intuição é vazio, toda intuição sem conceito é cega”. “A relação apriórica
pura da intuição pura e do pensamento puro é conhecimento real, sintético.” Na verdade, eu estava avançando um pouco demais quando eu ‘tava falando do
pensamento puro ao nível da razão. Ele fala pensamento puro no nível da
analítica. O juízo sintético a priori, isto é, o pensamento puro é
aquele que se exprime num juízo que não tem nada a ver com a experiência. O
pensamento puro se associa indissociavelmente, sem o que não há conhecimento, a
uma intuição pura. Isso é condição de possibilidade do juízo sintético a
priori. “O tempo como intuição pura é, em união com a apercepção
transcendental, a dimensão onde todas as determinações pensantes aprióricas da
intuição pura buscam ou captam a sua legitimidade.” Bom, aqui o esquema…
Bom, você tem a multiplicidade empírica, você tem o espaço e o tempo, você tem
o entendimento.
Eu já me referi
ao fato de que há uma espécie de hierarquia de sínteses. O múltiplo da
sensibilidade é sintetizado no horizonte espácio-temporal. Por sua vez, aquilo
que é recebido na forma do espaço e do tempo é sintetizado pelas categorias do
entendimento. Então tem uma síntese intuitiva da multiplicidade empírica, a
priori, tem uma síntese a priori das intuições puras. E depois você
tem o ich denke, o eu penso.
ALUNO: Eu não
conheço a seqüência do obras do Heidegger, mas essa mesma idéia, pelo menos ‘tá
me parecendo, é a idéia que ele encontra no Husserl, que ele vai dizer que a
grande descoberta do Husserl foi a noção de intuição categorial. Uma vez que há
essa intuição, você não precisa mais se prender ao a priori e pode-se
retomar o discurso sobre o Ser.
Não porque o
Kant aqui não ‘tá muito longe do Husserl. Intuição categorial, o que que é?
Intuição com conteúdos… Uma intuição dominada por categorias.
ALUNO: O tempo é
uma categoria…
Não, o tempo não
é uma categoria, é forma da intuição. Categorias são: necessidade,
possibilidade, causa e efeito, são as várias funções do juízo que são… A
tábua dos juízos vira a tábua das categorias que vira os princípios etc. Mas eu
acho que não é por aí que ele se aproxima ou se afasta do Husserl. Porque é
importante ver em que medida ele é husserliano e em que medida ele deixa de ser
husserliano. Aqui ele‘tá fazendo uma leitura husserliana do Kant. Mas talvez aí
essa sua aproximação não seja a mais… Mas o que eu queria sublinhar é esse
negócio dele ligar o ich denke ao tempo. Não à sensibilidade em geral,
masà forma temporal da apreensão a priori da experiência.
ALUNO: Aí, a
gente volta àquele problema do esquematismo…
É isso. É nessa
direção que a gente vai caminhar. “O tempo como intuição pura é, em união
apriórica com a apercepção transcendental a dimensão onde todas as
determinações pensantes aprióricas da intuição pura buscam, bebem a sua
legitimidade. O conhecimento sintético a priori é possível sobre a base da
unidade originariamente sintética da imaginação produtiva pura, isto é, sobre a
base da temporalidade”. Quer dizer, entre o ich denke e o tempo tem
a imaginação produtiva. Digamos – eu não sei se eu to sendo rigoroso com a
linguagem kantiana –, há antecipação da percepção. O que que é antecipação da
percepção? É dar espaço para uma percepção possível. Mas que não é intelectual
e que é intuitiva, mas que remete à idéia da imaginação. Portanto, imaginação
está ligado com antecipação, com pré-preensão. Qual era a palavra alemã?
ALUNO: Era Vorgriffen.
É, a pata da
águia, que no seu desenho autônomo antecipa o passarinho que ela vai captar. A
imaginação é produtiva na medida em que ela é antecipadora. Veja bem, aí eu tô
pensando independentemente do Heidegger, to comentando o texto dele, fazendo um
comentário espontâneo, especulativo. A imaginação produtiva, ao antecipar o não
dado, dá lugar, abre espaço para que algo seja dado, para que algo seja
percebido. Ou melhor, a imaginação transcendental é anfitriã do dado futuro.
Ela abre a porta e põe a mesa para recebê-lo. O dado que vai se apresentar como
ob-jecto. “Conhecimento sintético a priori é possível na base
originariamente sintética da imaginação pura, isto é, na base da temporalidade.
Mas [aqui é o Heidegger que fala, porque aqui ele tá comentando o Kant. Mas
ele põe uma adversativa: “Mas”] a temporalidade é a constituição fundamental
do Dasein humano”. Existe um certo tipo de ser que se caracteriza
por diferença a todos os outros. Há um ente que se caracteriza por oposição a
todos os demais entes de ser essencialmente… Ter a temporalidade como a sua,
como estância constitutiva do modo de ser de sua essência. Bom, é claro que os
pedregulhos vivem no tempo, que os animais existem dentro do tempo – os animais
nascem e morrem e tal etc. Mas eles não têm nenhuma relação com a temporalidade
que os envolve a todos. Isto é, o Dasein vive, por assim dizer
lucidamente, a temporalidade. Ele é um ser-para-a-morte. Ele vive no tempo. Assim como nós falamos que o Dasein não está dentro do
mundo, mas no mundo, da mesma maneira nós podemos dizer que o Dasein não
está dentro do tempo, como todos os entes, mas está no tempo. Ele
é temporal. Ou melhor, ele temporaliza, ele dá a dimensão temporal. Em termos
kantianos, o sujeito dá a dimensão temporal aos fenômenos. Em termos
heideggerianos, o Dasein dá a dimensão temporal ao mundo.“Na base da
sua constituição originária, algo como a pura compreensão do Ser, das
determinações do Ser, é possível para o Dasein”. Isto é, assim como nós
passamos do pensamento puro para a temporalidade no Kant, do pensamento puro
para a forma pura da intuição temporal, assim também aqui, nós passamos da
constituição originariamente temporal do Dasein à sua compreensão
originária do Ser. Quer dizer, pertence ao Dasein a capacidade de
pré-compreender o Ser, de antecipar o Ser. Assim como pertence ao sujeito
cognitivo kantiano antecipar no juízo a priori a experiência. “Sobre
a base da temporalidade do Dasein, constitui-se a compreensão do Ser em geral.” Estar no mundo é estar no tempo. E estar no tempo, não dentro do tempo, é
antecipar o sentido do Ser. “É somente porque essa compreensãoé possível que
o Dasein pode enquanto existente comportar-se em relação ao ente que ele
não é, ao mesmo tempo que em relação ao ente que ele é.” É por isso que o Dasein pode comportar-se em relação a si mesmo e ao outro. Antecipando os entes, ele
antecipa o lugar onde há si-mesmo e entes. “Embora Kant não tenha
desenvolvido de maneira tão fundamental o problema do conhecimento ontológico
(…).” Aqui ele ‘tá dizendo: aqui eu dei um passo adiante, quer dizer, eu
passei da ligação entre conhecimento puro, entre pensamento puro e intuição
pura do tempo e passei para a temporalidade do Dasein como condição da
pré-compreensão do Ser. O Kant não chega lá. “Embora Kant não tenha
desenvolvido de maneira tão fundamental o problema do conhecimento ontológico,
e não tenha levado bastante longe a sua solução radical, ele não deixa de
fornecer pelo menos uma indicação desse problema.” O Kant não chegou lá,
mas ele apontou. Assim como ele, sem dizer, a imaginação é o coração, mas ele
apontou nessa direção e ficou parado; aqui também ele apontou nessa direção mas
ficou parado. A nossa tarefa é ir adiante. “E essa indicação deve ser tanto
mais apreciada quanto o fenômeno do temo, contra o qual o Kant não pode deixar
de se chocar.” A idéia da temporalidade é uma idéia incontornável para o
Kant. Que ele deu uma indicação, isso está mostrado pelo fato de que a
incontornabilidade do tempo para o Kant não por ele compreendida como
temporalidade original. Aí é o limite do Kant. Quer dizer, ele chega pertinho
da função originária do tempo na constituição do modo de ser do Dasein,
ou do sujeito do conhecimento, do sujeito humano (inaudível), ele não chegou à
característica originária do tempo ou da imaginação, que é a mesma coisa. “Mas
quando Kant reconhece no entanto que o tempo é auto-afecção pura e que ele se
mantém numa conexão interna necessária com a imaginação produtora, ele chega bel
et bien, chega muito bem, malgrado a manutenção do conceito tradicional e
vulgar do tempo, a fazer, para além disto, uma avançada essencial.” Quer
dizer, o Kant não chega até o caráter originário da imaginação e da
temporalidade como pura, como origem, porque ele mantém a filosofia
tradicional. Mas quando ele liga a imaginação transcendental como tempo como
auto-afecção, como uma referência a si mesmo, como sentir-se a si mesmo,
auto-afectar-se é sentir-se a si mesmo, viver-se (?) a si mesmo, ele diz: ele
já ‘tá ultrapassando a concepção vulgar do tempo. A concepção vulgar do tempo é
a concepção aristotélica do tempo. Grosso modo, é a concepção
intramundana do tempo. Aqui é preciso fazer um parêntese. Ele é um pouquinho
injusto… No Ser e tempo ele termina por fazer uma espécie de história
doconceito de tempo, mas do conceito vulgar do tempo. (Inaudível) Dizer que o
Bergson tem uma concepção vulgar do tempo é um pouco demais… Mas tem também
um pouco de inveja do Bergson que era o melhor filósofo da época, era o grande
mestre. Mas, grosso modo, o que que é uma concepção vulgar do tempo? É a
concepção intramundana do tempo. É a concepção do tempo como sucessão. É a
concepção cosmológica do tempo, aristotélica. Onde o modelo da temporalidade é
cosmológico. Muito embora, em Aristóteles, você tem uma emergência da noção de
tempo que é um pouco diferente. O Aristóteles pensa o tempo em termos
físico-cosmológicos. Mas quando ele faz uma teoria da chrematística, que é a
teoria da moeda, ele fala do avaro que quer mais, quer mais, quer mais. Esse é
o mau infinito. É aquele negócio sem fim. O tempo grego é o tempo domesticado,
o tempo regularizado. Um tempo cujo modelo é o movimento circular da perfeição
que se aproxima da multiplicidade (?) Agora, acumular grana leva à idéia de uma
temporalidade que não tem fim, né? Mas em todo caso, o Heidegger – aí eu ‘tô
simplificando muito, caricaturando muito – no Ser e tempo, ele funda a
ontologia fundamental demolindo a concepção vulgar do tempo que predomina na
história da filosofia, segundo ele, através de toda a história da filosofia, do
Aristóteles até o Bergson, passando pelo Kant. Mas aqui ele ‘tá insistindo que
o Kant, embora prisioneiro da concepção vulgar de tempo, ele aponta na boa
direção. O que os outros não fazem, nem o Bergson, com grande injustiça. “O
conceito de tempo, iluminado a partir da idéia de auto-afecção pura e da
imaginação produtora, deve ser resolutamente tomado como fundamento desde o
instante em que se quer compreender a função que Kant na sua doutrina do
esquematismo dos conceitos puros do entendimento atribui ao tempo.
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