Capítulo I – A Partida – D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

corte brasileira

D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

CAPITULO I

A PARTIDA

Retirando-se para a América, o príncipe regente, sem
afinal perder mais do que o que possuía na Europa, escapava a todas as
humilhações sofridas
por seus parentes castelhanos, depostos a força, e além de dispor de todas as probabilidades
para arredondar à custa da França e da Espanha inimigas o seu território
ultramarino, mantinha-se na plenitude dos seus direitos, pretensões e
esperanças. Era como que uma ameaça viva e constante à manutenção da integridade do
sistema napoleónico. Qualquer negligência, qualquer desagregação seria logo
aproveitada. Por isso é muito mais justo considerar a trasladação da corte para
o Rio de Janeiro como uma inteligente e feliz manobra política do que como uma
deserção covarde.

De resto não foi ela adotada repentinamente como um
recurso extremo e irrefletido, e não assumiu mesmo desde começo a feição
definitiva por que veio a realizar-se. A fraqueza de Portugal no meio de tantas
potências
incomparavelmente superiores e em face das repetidas complicações europeias, já
havia feito conceberem aquele pensamento o maior diplomata e o maior estadista do
reino depois da restauração, D. Luiz da Cunha e Pombal. Ainda antes, a ida para o Brasil
fora aconselhada ao prior do Crato por ocasião da irresistível invasão do duque
dAlba, e tinham
Dom João IV,
a rainha
Dona Luiza de Guzmán e o padre António Vieira acariciado semelhante idéia diante da
persistente guerra de reivindicação espanhola. Pode dizer-se que era um alvitre
amadurecido, porquanto invariavelmente lembrado em todos os momentos difíceis atravessados pela independência
nacional. A partir então da crise jacobina e depois napoleônica, esteve tal plano diariamente na tela
da discussão.

Em 1803, por exemplo, dirigia D. Rodrigo de Souza
Coutinho ao príncipe regente uma
memória sobre a mudança da sede da monarquia na qual se
encontram as seguintes judiciosas palavras: "Quando se considera que Portugal por si
mesmo muito defensável, não é a melhor, e mais essencial parte da monarquia;
que depois de devastado por uma longa e sanguinolenta guerra, ainda resta ao seu soberano,
e aos seus povos o irem criar um poderoso império no Brasil, donde se volte a
reconquistar, o que se possa ter perdido na Europa, e onde se continue uma guerra eterna
contra o
fero inimigo, que recusa reconhecer a neutralidade de uma potência, que mostra desejar
conservá-la…"; e como para D. Rodrigo a idéia de retirada andava associada com a
da mais vigorosa e tenaz resistência contra a tirania francesa, não se peja de
denominar nobre e resoluta determinação o que é vulgarmente tido por um
movimento de pânico: "Quaisquer que sejam os perigos, que acompanhem uma tão nobre, e
resoluta determinação, os mesmos são sempre muito inferiores aos que certamente hão de seguir-se da entrada dos
franceses nos portos do reino, e que ou hão de trazer a abdicação de V. A. R. à sua real coroa, a
abolição da monarquia, ou uma opressão fatal, qual a que geralmente se diz, que experimentam os napolitanos e a
dilaceração dos vastos domínios da coroa de V. A. R. nas ilhas contíguas a
Europa, na América, na África, e na Ásia, procurada pelos ingleses, para se
indenizarem da falta de comércio com Portugal e para se apropriarem das
produções de tão interessantes domínios ultramarinos, que temerão os
franceses queriam fazer seus, e assim o exijam de um soberano, que conservarão
preso, e pelo qual farão sancionar tudo, o que quiserem, e lhes convier, ou dirão que
assim o fizeram, ainda que não
possam conseguir semelhantes concessões."17

Externando-se desta maneira, D. Rodrigo fazia até
gala de uma conversão comprobatória da sua inteligência, a qual prontamente assimilara
as
vantagens de uma idéia que, ao ser-lhe desvendada de chofre dois anos antes, sorrira tão pouco
no primeiro momento ao seu coração de ferrenho português que, irritado, a
acusava de haver saído da roda estrangeira do duque de Lafões, o seu duende.
Não devia, segundo ele desde então opinava, um tal alvitre ser executado, para honra
mesmo da nação, senão depois de
bem provada a inutilidade da resistência militar.

O espírito superior de D. Rodrigo estava aliás longe de
ser o único a perfilhar
uma idéia que, por ser imediata e salvadora, acudia a muitas mentes e achava repetidas
manifestações. D. Pedro, marquês de Alorna, igualmente a formulou, pelo tempo em
que ainda a não abrigara D. Rodrigo, ao escrever ao príncipe regente sobre os
preparativos da guerra contra a Espanha e a França em 1801 e pôr em relevo a
fraqueza e desorganização dos recursos
militares de Portugal. Na Beira havia apenas 8.000 homens, não
contando as praças de Almeida e Monsanto, e no Alentejo não passavam as forças de 6 a
7.000 homens. Reputando nestas condições impossível a defesa e querendo
recordar ao regente que não mais existiam as razões, datando do século XVI, pelas quais os franceses
nutriam maior interesse
na conservação de Portugal e sobretudo no abatimento da Espanha, Alorna explicava com
energia e precisão o seu pensar: "A balança na Europa está, tão mudada que
os cálculos de há 10 anos saem todos errados na era presente. Em todo o caso o que é
preciso é que V. A.
R. continue
a reinar, e que não suceda à sua coroa, o que sucedeu à de Sardenha, à de Nápoles e o
que talvez entra no projeto das grandes potências que suceda a todas as coroas de
segunda ordem na Europa. V. A. R. tem um grande império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca
agora com tanta
vantagem, talvez que trema, e mude de projeto, se V. A. R. o ameaçar de que se dispõe a ir ser
imperador naquele vasto território adonde pode facilmente conquistar as
colónias espanholas e aterrar em pouco tempo as de todas as potências da
Europa. Portanto é preciso que V. A. R. mande armar com toda a pressa todos os seus navios de
guerra, e todos os de transporte, que se acharem na Praça de Lisboa — que meta neles a princesa, os seus
filhos, e os seus tesouros, e que ponha tudo isto pronto a partir sobre a Barra
de Lisboa, e que a pessoa de V. A. R. venha a esta fronteira da Beira aparecer aos seus
povos, e acender o seu entusiasmo. Talvez que esta aparência imponha ao inimigo. Se não
impuser, e nos atacarem, apesar de tudo brigaremos como desesperados; talvez
que por excesso
de furor cheguemos a ser vitoriosos, apesar de nos faltarem os meios — mas se formos
vencidos, sempre podemos cobrir a retirada de V. A. R., e então V. A. R. parte com toda a
sua família para os seus estados do Brasil,
e a nação portuguesa sempre ficará sendo nação portuguesa, porque ainda que estas cinco províncias padeçam
algum tempo, debaixo do jugo
estrangeiro: V. A.
R. poderá criar tal poder que lhe seja fácil resgatá-las, mandando aqui um
socorro, que junto com o amor nacional se liberte de tudo. Dizem que é mal visto todo o
homem que aconselhe isto a V. A.
R. mas como assento que é a melhor coisa que lhe posso dizer, digo-lha. E V. A. R. fará de mim o que
quiser, porque em tudo e por tudo
sou seu, e se V. A. R. tomar este partido, o que lhe posso
segurar é, que se me não matarem nesta guerra, deixarei tudo quanto cá tenho, e
para lá o vou servir."18

No estrangeiro enxergava-se o futuro sob um aspecto
idêntico, como portador das mesmas exigências. Em 1806, as demonstrações hostis da
França contra Portugal tornando-se muito evidentes, foi despachado para o reino em missão especial lord Rosslyn, acompanhado de lord St. Vincent e do general
Simcoe, levando instruções de Fox, então à testa dos negócios estrangeiros, para
apontar o perigo iminente ao gabinete de Lisboa, o qual até esse momento
assegurara sua neutralidade à força de dinheiro e à custa de favores à importação das lãs
francesas, e oferecer auxílio para a defesa sob a forma de gente, dinheiro e
munições. Caso Portugal não quisesse decidir-se por uma vigorosa e eficiente resistência,
lord Rosslyn
deveria sugerir a mudança para o Brasil, prometendo a Grã-Bretanha ajudar o projeto.19

Desprezando Portugal qualquer dos alvitres,
restava à Inglaterra agir pela força, desembarcando tropas sob o comando do
general Simcoe, que ocupassem as fortalezas do Tejo ao mesmo tempo que a
esquadra britânica apresasse os navios portugueses. Tudo se faria com a declaração de
que não se
tratava de conquista e sob pretexto de tratar-se de auxílio, porquanto não era lícito à
Inglaterra perder esse terreno único para a sua luta continental, nem sobretudo consentir
que se tornasse infensa ao seu poderio naval e mercantil a costa portuguesa.

A invasão não estava porém ainda nesse momento,
que se soubesse pelo menos, decidida pelo imperador dos franceses, e os
preparativos de guerra contra Portugal não apareciam adiantados como o acreditava e queria fazer crer o governo
britânico; pelo que a corte de Lisboa, com as maiores instâncias (at the earnest
entreaty)
diz Mrs. Graham, conseguiu que tropas de desembarque e esquadra
de socorro fossem retiradas do Tejo. Prosseguia o entremez da neutralidade e da adesão
ao bloqueio continental até
erguer-se o pano para o primeiro ato da tragédia da ocupação.

Entretanto ia sazonando a idéia de trasladação. Numa
memória confidencial
entregue a Canning, quando pela primeira vez secretário distado dos Negócios
Estrangeiros, por D. Domingos de Souza Coutinho, a 10 de setembro de 1807, para
protestar contra qualquer idéia de ocupação da ilha da Madeira — desígnio que
transpirara e foi com efeito executado a 24 de dezembro do mesmo ano — critica o
representante português na corte de St. James a oportunidade de semelhante
medida, na ocasião justamente em que o príncipe regente de Portugal estava
cogitando de abandonar o país natal e ir fundar um novo Império (to evacuate
his native
country and found a new empire). A incerteza versava apenas sobre
a realização
imediata do projeto. Lord Holland, escrevendo a D. Domingos (Funchal)
interessantes e afetuosas cartas íntimas, perguntava-lhe por essa época se
seria afinal levado ou não a cabo o pensamento, e se teria o príncipe regente tempo de
efetuar sua retirada como soberano — segundo veio a acontecer — ou como fugitivo.20

A idéia da trasladação passou nos últimos tempos
por duas fases distintas. Ao precipitarem-se os acontecimentos em 1807, o Conselho distado reunido na Ajuda a
30 de setembro deliberou, por proposta de Thomaz António Villanova Portugal,
chanceler-mor e valido do príncipe regente, que fosse para o Brasil o príncipe da
Beira com as infantas e tropas de defesa a preparar a aposentação da corte, a qual
seguiria o mesmo rumo quando se perdessem todas as esperanças de paz. A presença entre os brasileiros do herdeiro
da coroa teria, julgava-se com algum acerto, o condão de despertar o entusiasmo
colonial, apelando para a lealdade desses súditos até aí criados longe da
dinastia. Obstar-se-ia assim a um fácil golpe de mão britânico, idêntico ao
que não havia muito se verificara em Buenos Aires,
e a qualquer tentativa de ocupação francesa no futuro, empresa bem mais problemática
mas tanto mais tentadora quanto era o Brasil uma base de operações ideal para o
ataque dos ingleses, no caminho da Ásia
pelo Cabo da Boa Esperança.

Outras razões militavam em favor do projeto aventado.
Entendiam uns
ser mais cómoda e expedita a viagem do príncipe da Beira — que porventura viria a ser a
única a efetuar-se — do que a remoção imediata de toda a família real, com uma
demente, um chefe mais apático do que ati-vo de génio, e um bando de
crianças. Pensavam outros que seria esse o melhor meio de reconciliar o
regente com a travessia, logo que chegasse o momento oportuno, fazendo o filho
predileto vezes de chamariz. Re-ceiavam ainda outros que a súbita e completa
trasladação da corte descontentasse e amotinasse a população do reino, ao passo
que, presenciada aos poucos, a ela melhor se acostumariam ou mais depressa se resignariam
os desertados. A acreditarmos em Mello Moraes,21 a proclamação aos
habitantes do Brasil referente à ida do príncipe da Beira chegou a ser redigida, ainda que não distribuída.

A idéia nunca fora de resto do agrado do príncipe
regente, que a princípio a julgou ou fingiu julgá-la uma traição praticada no intuito de
salvar a dinastia mediante a sua imolação aos franceses. Thomaz António quase
por isso perdeu para sempre o seu valimento. Ouvidos por ordem da coroa a respeito os
juízos de vários desembargadores e procuradores, do fiscal da junta dos três
estados e do da real fazenda do ultramar, consideraram uns recomendável o
alvitre; lembraram outros como lugar de refúgio, pela menor distância, a
ilha Terceira; opinaram finalmente outros pela inconveniência do recurso e
mesmo sua ilegalidade, proibindo as leis do reino a saída do herdeiro da coroa. Com o
parecer destes últimos foi que
concordou Dom João porque era o que ele próprio desejava irem ou ficarem todos, principalmente irem depois que se con vencera de que seria rematada
loucura ficai esperando a deposição e o cativeiro. Como bem escrevia Hipólito
no seu famoso periódico… 22 "se não tivesse o vasto
império do Brasil, deveria [o príncipe] ir para fora, ainda que fosse para as
Berlengas, ainda que se conservasse no mar sobre a vela, em suas esquadras;
fora das garras dos tiranos, em qualquer parte que se ache, e o soberano de
Portugal, sem se ver obrigado a assinar os documentos de renúncias nulas, que
para salvar as vidas assinaram os soberanos da Espanha".

Os rumores da viagem em
projeto, confirmados pelos constantes preparativos da esquadra nacional,
chegaram naturalmente à França e antes disso à Espanha, cujos governos trataram
de persuadir os diplomatas portugueses junto a eles acreditados que semelhante
resolução era desnecessária. D. Lourenço de Lima, embaixador em Paris, a quem o
imperador já anunciara o rompimento em Fontainebleau com uma das suas frases
concisas e bruscas, veio a mandado de Talleyrand para insinuar aos ministros do
príncipe regente que Napoleão se contentaria com uma aparência do sequestro e
que as negociações prosseguiriam: na verdade o enviaram engogado para ganhar
tempo e permitir a chegada à fronteira das tropas aliadas. Outro tanto veio
contar ao conde da Ega, embaixador em Madri, também iludido pelo príncipe da
Paz e pelo embaixador francês Beurnon-ville.

António de Araújo —
que por isso foi mais tarde acusado de traidor, pretendendo seus desafetos
fazê-lo partilhar do absoluto desfavor em que caíram D. Lourenço e Ega,
compelidos até a viver pobremente no estrangeiro —, ao expedir as ordens para o
sequestro dos bens britânicos que ele aliás projetava de fato ilusório, chegou,
queimando os últimos cartuchos diplomáticos, a despachar para Paris o marquês
de Marialva. Conta-se23 que o novo embaixador partira carregado de
plenos poderes e de diamantes com que serenar Napoleão e até solicitar, em
prova de boa amizade, a mão de uma filha de Murat para o príncipe real,
efetuando-se o consórcio quando os noivos chegassem à idade própria. Marialva
regressou porém de Baiona na impossibilidade de cumprir a sua missão, pois de
perto permanecia inflexível a atitude imperial. Ao governo português cumpria
não vacilar mais, e na verdade havia-se entretanto chegado às resoluções
definitivas.

D. Rodrigo, com a
sua natureza irrequieta e transbordante de atividade, tinha estado urgindo para
que se preparasse uma solução qualquer, já que a debilidade do reino, em
contraste com a robustez militar do inimigo, não permitiria pensar numa guerra
senão infeliz. Não era vergonha alguma, escrevia ele numa das inúmeras memórias
com que costumava expressar seus abundantes pensamentos, ausentar-se um
soberano temporariamente dos seus Estados.

De fato, se
lançarmos os olhos para a Europa de 1807, veremos um extraordinário espetáculo:
o rei da Espanha mendigando em solo francês a proteção de Napoleão; o rei da
Prússia foragido da sua capital ocupada pelos soldados franceses; o Stathoúder,
quase rei da Holanda, refugiado em Londres; o rei das Duas Sicílias exilado da
sua linda Nápoles; as dinastias da Toscana e Parma, errantes; o rei do Piemonte
reduzido à mesquinha corte de Cagliari, que o génio de publicista do seu embaixador
na Rússia, Joseph de Maistre, bastava entretanto para tornar famosa; o Doge e
os X enxotados do tablado
político; o czar celebrando entrevistas e jurando amizade para se segurar em
Petersburgo; a Escandinávia prestes a implorar um herdeiro dentre os marechais
de Bonaparte; o imperador de Sacro Império e o próprio Pontífice Romano
obrigados de quando em vez a desamparar seus tronos que se diziam eternos e
intangíveis.

Os Braganças não podiam
decerto pretender fatos mais clementes. Careciam de olhar friamente para o
futuro, tão pouco propício que se estava revelando às velhas casas reinantes. A
inação tornara-se um recurso impossível: não a permitiria a marcha do ciclone.
Indispensável se fizera adotar uma dada norma de proceder — que não podia ser
senão a remoção para outra parte da monarquia, já que esta tinha a felicidade
de possuir domínios ultramarinos — e tratar com tempo da sua execução, para se
não cuidar de tudo à ultima hora e com precipitações prejudiciais.

O conselho de D. Rodrigo não
deixou de ser oportunamente seguido. Nem de outra forma se explica que tivesse
havido tempo, numa terra clássica de imprevidência e morosidade, para depois do
anúncio da entrada das tropas francesas no território nacional, embarcar numa
esquadra de oito naus, quatro fragatas, três brigues, uma escuna e quantidade
de charruas e outros navios mercantes, uma corte inteira, com suas alfaias,
baixelas, quadros, livros e jóias. Era um sem número de "efeitos assim
públicos como particulares, que se não devem deixar expostos à rapacidade do
inimigo" (frase de D. Rodrigo), mas que mesmo com a maior rapidez de
processos de hoje não se enfardam e carregam de um momento para outro.

Basta dizer, pelo que toca
à propriedade real, que vieram para o Brasil todas as pratas preciosíssimas
cinzeladas pelos Germain; toda a formosa biblioteca organizada por Barbosa
Machado, milhares de volumes reunidos com inteligência e amor, que
constituiriam o núcleo da nossa primeira livraria publica; ate o prelo e tipos (estes
verdade e que dizem estavam ainda por desencaixotar) mandados vir de Londres
para uma imprensa destinada ao serviço do ministério de Estrangeiros e Guerra e que António de Araújo trouxe consigo na nau Medusa.-4

Apesar dos repetidos protestos de honestidade com que
Junot acompanhava a remessa, de Lisboa para a mulher, em Paris, de colares de
pedras
preciosas que, dizia não serem produto da pilhagem de guerra mas comprados com o seu
dinheiro, vê-se que não foi pequeno o seu desapontamento ao encontrar vazios e
bem vazios os cofres do Paço. "Quanto aos diamantes brutos e talhados
da coroa de Portugal", escrevia ele à duquesa, "levaram tudo, até
um pedaço de cristal que te recordarás de haver visto no gabinete de história
natural de Lisboa, lapidado à imitação perfeita do famoso diamante de Portugal".2S

Não há dúvida que o embarque foi apressado pela invasão,
que até à
última se procurara evitar ou pelo menos postergar, tanto que só pouco antes da partida se
transportou a família real de Mafra para Lisboa com parte do pessoal dependente
da corte. Havia longo tempo que a partida estava, senão divulgada,
planeada, assente em princípio e até certo ponto preparada, dependendo
naturalmente a sua execução da atitude do governo imperial. Se alguma
precipitação houve na realização do projeto, foi porque eram sempre fulminantes
as resoluções de Napoleão e, no caso de Portugal, tentou-se embair a dinastia para obstar
à sua deslocação para outro continente. Um Christiano Muller, que poucos
meses antes
tinha sido encarregado de fazer o inventário dos papéis, livros, mapas e
estampas de António de Araújo, escrevendo de Lisboa para Londres a D. Domingos de Souza Coutinho,26
conta-lhe que na noite de 25 para 26 de novembro o foram acordar para
mandar encaixotar imediatamente todo o pertencente à Secretaria d’Estado, ao que ele
procedeu, remetendo no dia imediato 37 caixotes grandes para bordo da Medusa, debaixo
da chuva copiosa
que caracterizou o tempo proceloso da partida da família real.

São dignas de registro as peripécias que precederam de
perto o embarque
para o Brasil. A esquadra britânica sob o comando do afamado marinheiro sir Sidney
Smith saiu de Cawsand Bay, com carta de prego e envoltos seus movimentos no
maior sigilo, na manhã de 11 de novembro de 1807, chegando à foz do Tejo, ao que se diz,
com uma maravilhosa viagem.27 Ai foi o almirante primeiro informado
do encerramento dos portos portugueses às procedências inglesas, medida hostil com a qual
no entanto
se acomodou a Inglaterra, reconhecendo a impossibilidade para Portugal de
resistir à terrível pressão do imperador dos franceses. Sabemos que, fiel a
tradicionais compromissos e mais agradecido ao rei Jorge pela sua condescendência, o
príncipe regente de Portugal não queria absolutamente ir além daquela medida de
uma animosidade pode dizer-se negativa, nem sobretudo juntar sua esquadra às esquadras
francesa e espanhola.
Sabemos também que força lhe fora, não obstante, prosseguir no caminho por onde o
arrastavam as exigências imperiosas de Napoleão e iniciar contra os súditos
ingleses as violências pessoais, ordenando sua detenção e o sequestro dos seus bens.

António de Araújo, cuja situação era aflitiva mesmo porque, apesar de todos os prenúncios e
antecedentes, o tratado de Fontainebleau constituiu uma surpresa para a
imprevisão nacional, pretendeu ainda continuar a política forçada de
tergiversação, propondo que se aderisse ao sequestro, indenizando-se porém às
ocultas os ingleses que dele fossem vítimas. A anemia do Tesouro não podia
todavia fazer face à sangria que tal evasiva determinaria de pancada, e
entretanto crescia a confusão, clamando os conselheiros da facção inglesa pela guerra
patriótica, abandonando os ingleses um país onde já não enxergavam garantias, e
subindo a trinta por cento o desconto do papel-moeda. Por seu lado o enviado britânico, lord Strangford, acentuava o
rompimento retirando as armas inglesas do palácio da sua residência e
transferindo-se a 18 de novembro para bordo do London, navio almirante da
esquadra de sir Sidney Smith, a qual então estabeleceu o bloqueio da capital portuguesa.

Chegavam ao mesmo tempo a Lisboa as primeiras
notícias da passagem das tropas napoleónicas pela fronteira do reino, que
alguns conspiradores de tendências francesas quiseram, segundo se conta, esconder do príncipe regente,
interceptando as comunicações dos comandantes da fronteira com o palácio de Mafra,
onde acampavam aqueles traidores, no intuito de fazerem surpreender a família real pelo
general Junot.28 Fatos ocorridos pouco tempo antes confirmam amplamente a
suposição de deslealdade da parte de algum do pessoal que cercava Dom João, sobre o qual
exercia
fascinação a glória, ou apelo a corrupção do imperador dos franceses. Os despachos do
governo inglês, mandados de bordo por sir Sidney Smith a 22 de novembro, tiveram
contudo a propriedade de tirar as últimas ilusões ao príncipe regente, que à vista
deles decidiu de repente passar para a Ajuda. Em menos de cinco minutos, escreve
O’Neill com um exagero bem irlandês, setecentas carroças carregadas estavam a caminho de Lisboa, onde iam ter
lugar os Conselhos d’Estado que decidiram a trasladação.

O gabinete
de St. James levou adiante o seu jogo. À frente da repartição dos negócios estrangeiros achava-se Canning,
cuja ulterior carreira prova à saciedade que era o homem das resoluções oportunas
e acertadas. A
mudança da família real portuguesa para o Brasil estava em princípio decidida havia tempo,
mas pode dizer-se que foi Canning quem verdadeiramente a induziu na ocasião
precisa. Por ordem do seu chefe baixou lord Strangford à terra no dia 27, com
bandeira de parlamentar e tendo previamente solicitado uma audiência do príncipe
regente, para repetir diretamente a este o que já, dias antes, comunicara ao governo
português, a saber,
que os dois únicos meios de fazer levantar o bloqueio seriam a entrega (surrender) da
esquadra portuguesa à Inglaterra ou a sua utilização em transportar a corte para o Rio
de Janeiro. Da alternativa era esta segunda parte a que o governo britânico acolheria
com maior gosto, e a que se achava de antemão assegurado o apoio das suas forças
navais.29

Na entrevista com lord Strangford deliberou o príncipe
regente muito avisadamente
aderir ao segundo alvitre que as circunstâncias de resto lhe impunham inadiavelmente.
Para mais afirmava-lhe o enviado britânico que o seu rei protegeria a retirada
da dinastia de Bragança, esquecendo por completo os atos de hostilidade de Portugal,
uma hostilidade passageira ainda que não aparente apenas, visto haver-se até
desguarnecido de tropas o interior do país para guarnecer a costa, com receio dos ingleses.
Por jsso, diz Mrs. Graham que acharam os franceses desocupados os desfiladeiros portugueses.

Ao fazer-se pública em Lisboa a partida iminente
da família real para o Brasil, foram grandes a ânsia e a confusão, conforme
relata o oficial da marinha britânica 0’Neill, testemunha ocular posto que não inteiramente digna de fé desse
acontecimento memorável. Não faltariam decerto cenas dilacerantes. Muita
gente quis embarcar a força, falando 0’Neill na sua imaginosa narração em
senhoras de distinção que se afogaram ao entrarem pela água adentro para alcançarem botes
que as transportassem para bordo
dos navios de guerra, onde não havia aliás mais lugar para os fugitivos. O que deve ser verdade é que muita
gente, não tendo tido o mesmo ensejo
que a família real de preparar-se para a longínqua viagem, partia com a roupa
do corpo, e que os navios estavam tão abarrotados que dos dependentes dos
fidalgos da comitiva, o maior número não encontrava sequer onde dormir. Teria o dispersar sido tal que se conta
que o príncipe regente, ao chegar ao cais com o infante espanhol e um criado, num carro fechado e sem libré da corte, como lhe
fora aconselhado para evitar as
demonstrações do sentimento popular avesso à retirada, não encontrou
para o receber personagem algum e, a fim de não patinhar na lama, teve que atravessar o
charco sobre pranchas mal postas, sustentado por dois cabos de polícia.

Estes pormenores do embarque de Dom João são dados
pela duquesa de Abrantes, cujo depoimento não é contudo completamente merecedor
de crédito, e contrastam com a versão de uma gravura inglesa coeva, a qual reveste a partida
de toda a solenidade, destacando-se o coche do Paço entre magotes de gente da
corte e do povo que com respeito o circunda. Além da madeira e do cobre receberem sem
protesto quaisquer buriladas, os ingleses eram interessados nesta variante porquanto o seu governo fora no momento
decisivo o mais forte advogado da trasladação.

Os cronistas portugueses guardam sobre os transes
da partida da corte um silêncio curioso. Lamentam-na todos, censuram-na muitos,
desculpam-na alguns raros, mas calam no geral as peripécias que a acompanharam.
Uma descrição quase única feita pelo visconde do Rio Seco, particular do
regente e a quem este incumbira especialmente dos aprestos da travessia, não
deixa entretanto dúvidas sobre os genuínos sentimentos da população da capital e
abonam a versão Abrantes em detrimento da versão inglesa. "O muito nobre e
sempre leal povo de Lisboa, não podia familiarizar-se com a idéia da saída
d’El-Rei para os Domínios Ultramarinos… Vagando tumultuariamente pelas
praças, e ruas, sem acreditar o mesmo, que via, desafogava em lágrimas, e imprecações a
opressão dolorosa, que lhe abafava na arca do peito o coração inchado de suspirar: tudo para
ele era
horror; tudo mágoa; tudo saudade; e aquele nobre caráter de sofrimento, em que tanto tem
realçado acima dos outros povos, quase degenerava em desesperação! Era neste
estado de frenesi popular, que ele [o visconde do Rio Seco] no seu regresso para o
cais de Belém foi envolvido em uma nuvem de verdadeiros filhos, que desacordadamente
lhe pediam contas
do seu chefe, do seu príncipe, do seu pai, como se ele fora o autor de um
expediente, que tanto os flagelava! A nada se poupou para serenar a multidão; desculpas
oficiosas, protestações sinceras de que ele nada influíra para tais sucessos,
preces, rogos, tudo era perdido para um povo, que no seu excesso de dor o
caracterizava de instrumento do seu martírio, sem se abster de o sentenciar de
traidor! Ele não foi para o seu quartel: levou-o a torrente; e no meio dos
impropérios avistou a guarda que lhe fora destinada; e reclamando a sua proteção tratou
de serenar o povo, protestando-lhe que tanto era inocente do que lhe acumulavam que lhe
assegurava de não embarcar visto acabar de ser nomeado quarteleiro de Junot…"30

A 27 de novembro anuíra o
príncipe regente às instâncias de lord Strangford, o qual parece ter querido aproveitar-se das angústias do momento — que ele
porventura não antecipara tamanhas — para fazer, muito à inglesa e
provavelmente por conta própria, o seu bocado de diplomacia assustadora. Aparentou, ao
que consta, o enviado britânico só querer consentir na retirada do príncipe
regente se este prometesse abrir logo ao comércio os portos do Brasil, ceder um
à Inglaterra e estabelecer uma tarifa aduaneira insignificante para as
mercadorias. Se o não conseguiu, foi em parte porque António de Araújo se não deixou
intimidar e reagiu contra a cilada, e em parte também porque se encontrava no porto de Lisboa
numa esquadra russa comandada pelo almirante Siniavin. Esta esquadra, não obstante a aliança
existente entre os dois impérios, recusou todavia mais tarde, a acreditarmos nas
queixas de Junot, fornecer-lhe auxílio para combater a insurreição portuguesa
patrocinada pelos ingleses, sem no entanto conseguir escapar à captura pela esquadra
inglesa quando o porto de Lisboa deixou de ser pelo governo britânico considerado neutro.

A 28 publicava o príncipe regente de bordo a sua
declaração e a 29 singrava a esquadra para o Brasil, assistindo à partida,
refere o despacho do almirante sir Sidney Smith, a força francesa que no mesmo dia
ocupara a capital e se apinhava nos morros para contemplar, raivosa e impotente, a desaparição no horizonte da presa mais cobiçada.

O’Neill insere na sua relação um incidente ao qual não teria por certo faltado vibração
dramática, mas que, não se achando confirmado em história alguma ou por outro
compilador de memórias da época, nem mesmo pela prolixa e bisbilhoteira duquesa de
Abrantes, deve ser considerado
fruto da sua fantasia céltica. Narra o irlandês que Junot, vindo as marchas forçadas adiante do grosso das suas
tropas, chegara a Lisboa a tempo de
obter do regente uma audiência que se teria realizado a bordo da nau Príncipe
real,
na manhã de 28 de novembro, com a assistência de D. Rodrigo de Souza Coutinho, a quem a aproximação política da Inglaterra ia restituir o valimento. À pergunta de
Junot sobre as razões do embarque da
corte e à sua estranheza da desconfiança que semelhante ato denunciava, Dom João haveria respondido que
não podia deixar de nutrir
desconfianças de quem assim mandava invadir o seu país, e encarregado Junot de declarar ao imperador dos
franceses que o regente de Portugal
desdenhava a aliança ambiciosa e a proteção traiçoeira daquele que não
trepidava em duramente qualificar de dishonourable man (a expressão fica
em inglês porque corre exclusivamente por conta do conde Thomas
O’Neill).

A esquadra
britânica esperava fora da barra a fim de comboiar a esquadra nacional, e de muito lhe valeu no temporal
que logo à saída do porto momentaneamente a dispersou. Serenado o mar, os ingleses forneceram os navios
portugueses do muito indispensável que ainda lhes faltava; executaram-se alguns
reparos urgentes de avarias causadas pela borrasca; destacou-se para
Inglaterra uma das naus por incapaz, indo no seu lugar a Martim de Freitas e
acompanhando aquela à chalupa Confiance, comandante Yeo, despachada pelo
almirante para levar ao governo britânico as notícias da partida.31

Lord
Strangford acompanhou a frota anglo-lusa até o dia 5 de dezembro, na altura entre Madeira e Açores, voltando
então para a Inglaterra, donde
pouco depois embarcaria diretamente para o Rio de Janeiro. Também sir Sidney Smith somente partiria mais tarde, a
13 de março no Foudroyant,
seguido pelo Agamemnon, chegando
ao Rio a 17 de maio de 1808.

Apesar da assistência inglesa, as incomodidades a
bordo dos navios portugueses foram, como era natural, consideráveis, sobretudo
para as senhoras. É suficiente referir que a bordo do Príncipe Real iam
1.600 pessoas no cálculo de O’Neil. Descontando-se mesmo metade, pode-se imaginar a balbúrdia que
reinaria na nau. Muita da gente dormia no tombadilho, o que em latitudes tropicais não é um positivo
desconforto, mas o pior estava em que eram
poucos os víveres. Relatando estes pormenores, o oficial britânico encarece repetidamente a atitude do príncipe
regente que as informações
ministradas lhe pintaram muito deliberado, calmo e assente em tudo, como quem media perfeitamente o
alcance do ato que estava
praticando. Este ato com efeito não era apenas de segurança pessoal: traziam importantíssimas consequências
políticas.

Para o Brasil o resultado da mudança da corte ia ser, em
qualquer sentido,
uma transformação. A política estrangeira de Portugal, que era essencialmente europeia
no caráter, tornar-se-ia de repente americana, atendendo ao equilíbrio político do
Novo Mundo, visando ao engrandecimento territorial e valia moral da que desde então deixava
de ser colónia para assumir foros de nação soberana. E à nova nacionalidade que assim se constituía, foi o ato do
príncipe regente no extremo propício pois que lhe deu a ligação que faltava e com
que só um forte poder central e monárquico a poderia dotar.

Destarte o mostrou compreender perfeitamente, com o senso
filosófico que distingue os historiadores alemães, o professor Handelmann, na Universidade de Kiel, ao
ponderar no seu excelente trabalho32 que até então representava o Brasil nada
mais do que uma unidade geográfica formada por províncias no fundo estranhas umas às
outras; agora porém iam essas províncias fundir-se numa real unidade política,
encontrando o seu centro natural na própria capital, o Rio de Janeiro, onde passavam a
residir o rei, a corte e o
gabinete.

Observam as memórias do almirante sir Sidney Smith que,
para o governo
francês, um motivo havia de fazê-lo estimar a trasladação da família de
Bragança e compensar, no seu conceito, o despeito de vê-la escapar à sorte comum das
caducas casas reinantes: pelo menos se obstava com tal deliberação a que as
colónias portuguesas caíssem nas mãos da Grã-Bretanha. O almirante é o
primeiro a reconhecer que essas colónias estariam de fato perdidas para a
metrópole se Dom João não emigrasse para o Brasil. Os ingleses ocupá-las-iam sob pretexto
de as defender e, quando isto não acontecesse, a independência da América
Portuguesa se teria efetuado ao mesmo tempo e com muito menos resistência do
que a da América Espanhola. Retirar-se o príncipe regente para bordo da
esquadra portuguesa
ou britânica e daí contemplar o desenrolar dos acontecimentos, não resolvia
absolutamente o problema que as circunstâncias da Europa convulsa lhe tinham criado. Cada
nova invasão do reino — e foram três — daria origem a uma nova retirada, que já
seria uma fuga, e entretanto 0 Brasil se anarquizaria, sem governo que o fosse e sem
razão determinante para do seu
seio brotar um governo próprio. Dom João fez pois a única coisa que podia e
devia fazer.

Ao pisar em terras brasileiras, com o pessoal e os
acessórios que o acompanhavam, o príncipe regente exclamou sem ambages que nelas vinha fundar um novo
império. Dados o cenário e os atores, que espécie porém de monarquia podia ele
criar entre nós? Aquela somente a que com efeito deu nascimento, uma
monarquia híbrida, misto de absolutismo e de democracia: absolutismo dos
princípios, temperado pela brandura e bondade do príncipe, e democracia das maneiras,
corrigindo o abandono bonacheirão pela altivez instintiva do soberano. Foi esta
a espécie de realeza levada ao seu auge e tomando em consideração a diversidade
do meio político, pelo imperador Dom Pedro II, personagem em muitos traços parecidos com o avô.

De Dom João VI se não podia na verdade esperar coisa diferente, visto por um lado o orgulho da
aristocracia transplantada, mais intimamente ligada com a família real, cujos
sofrimentos compartilhara e cuja confiança gozava, educada nas máximas do
direito divino e machucada pela sua atual relativa modéstia de recursos em
contraposição à gente abastada da terra; e dada por outro a despretensão,
que não excluía urbanidade nem delerência, gerada no intercurso menos
cerimonioso e mais direto dos graúdos locais com os vice-reis representantes da suprema
autoridade da metrópole. Os brasileiros estavam pois inconscientemente preparados para a monarquia
constitucional, assim como os portugueses tinham por seus sentimentos e interesses que se
manter instintivamente aferrados à monarquia absoluta. Quando anos depois, ao cabo do
reinado americano de Dom João VI, se deu o movimento geral e impetuoso de adesão do reino
ultramarino ao programa revolucionário de Lisboa, encarnado legal e
ordeiramente nas cortes de 1820, os brasileiros ainda seriam arrastados pela
quimera
liberal, ao passo que os portugueses eram instigados pelo ideal da recolonização. Desde a
chegada entretanto da corte que, antes de degenerar num conflito político, uma
hostilidade teórica se fora levantando onde as circunstâncias tinham cavado um fosso de antipatia pessoal.

Os acontecimentos levavam disso a maior culpa, sendo contudo inevitável o seu efeito.
Dantes, em pleno período colonial, eram raríssimos os titulares, de que só se
conheciam os do velho reino, que vinham ocupar cargos da administração: por isso
mesmo mais se os respeitava. Agora, a distribuição de mercês imaginada pelo príncipe regente
em obediência aos
impulsos do seu coração generoso e aos ditames dos seus cálculos de governo, despertando
ambições e concorrências, servilismos e invejas, ia alterar sensivelmente a
situação, e com ela os costumes.

Os indivíduos enobrecidos, agraciados com hábitos
e comendas, entenderiam
não lhes quadrar mais comerciar, sim viver das suas rendas ou, melhor ainda, obter
empregos do Estado. Avolumar-se-ia desta forma o número dos funcionários
públicos, com grande despeito e pronunciado rancor dos emigrantes burocratas
do reino, que tinham acompanhado a família real ou chegavam seduzidos por essas colocações
em que as fraudes
multiplicavam os ganhos lícitos, muito pouco remunerados.33

Neste terreno e no militar, observa o historiador inglês
— um dos mais sérios
e penetrantes comentadores dos sucessos do Brasil — é que os ciúmes dos
portugueses encontrariam os melhores motivos para fazer explosão. No exército,
todavia, atenta a superior qualidade das suas tropas disciplinadas e aguerridas, conservariam
eles a supremacia e continuariam monopolizando todos os postos acima de capitão, o que
por seu turno era de natureza a provocar descontentamento entre os brasileiros.

Tinha
o rei por sina, ao que se podia jurar, arrostar situações difíceis, oriundas
de uma época essencialmente de transição, e como tal de aguda
perturbação. A benemerência de Dom João VI aos
nossos olhos consisste em ter envidado os seus esforços mais sinceros
e, é lícito dizer, mais felizes para encaminhar para seus novos
destinos soberanos e que se devaneavam gloriosos, a grande terra, a colónia
vasta e amorfa que lhe dera asilo.

O fundador do Reino
Unido não podia por si mesmo revelar-se em toda a força da palavra um criador,
pois que não era um espírito que de iniciativa própria regulasse seus atos por
ideais preconcebidos, e destes não discrepasse, zelando com energia a sua
originalidade. De fato, porém, assim se tornou, pela natural perspicácia e
sensato oportunismo com que soube, num meio estranho ao que lhe era familiar,
adaptar-se, a si e às instituições, às condições predominantes. Nem a sua obra,
sujeita à análise, difere extraordinariamente da que emanaria de um reformador
nato.

Um autor houve no século XVIII que, por sofrer agora um certo desdém,
não deixou de representar um papel importantíssimo na orientação das idéias
renovadoras daquele século gerador das transformações modernas. Foi ele o abade
Raynal, cujo nome anda ofuscado pelos de Diderot, Montesquieu e Rousseau, mas
que tanta influência quanto estes exerceu sobre as imaginações do seu tempo. As
considerações de Raynal aparecem especialmente refletidas em todas as
publicações que tratam de assuntos coloniais; a sua marca imprimiu-se
particularmente em todas as inteligências preocupadas, nos próprios começos do
século XIX, com a iminente
emancipação política do Novo Mundo. Em Linhares, o estadista, como em Armitage,
o historiador, como em Tollenare, o viajante de comércio,34
poderíamos facilmente traçar a ascendência espiritual do abade filósofo.

O quadro por este
autor célebre esboçado do futuro grandioso do Brasil e dos meios indicados para
realizá-lo, merece ser lembrado porque, se Dom João VI-
o não cumpriu exatamente, fez muito para se aproximar do programa
traçado; fez quanto ao seu temperamento timorato, de decisão lenta e ao seu
respeito pelas normas tradicionais da administração portuguesa era dado fazer
nesse caminho. Eis como escrevia, com bastante ignorância dos detalhes mas
grande majestade de frase, o abade Raynal: "O Brasil converte-se-á num dos
mais formosos estabelecimentos do globo (nada para isto lhe falta) quando o
tiverem libertado dessa multidão de impostos, desse cardume de recebedores que
o humilham e oprimem; quando inúmeros monopólios não mais encadearem sua
atividade; quando o preço das mercadorias que lhe trazem não mais for duplicado
pelas taxas de que andam sobrecarregadas; quando os seus produtos não paga-rem
mais direitos OU não os pagarem mais avultados que os dos seus concorrentes;
quando as suas comunicações com as outras possessões nacionais se virem
desembaraçadas dos entraves que as restringem; quando lhe tiverem aberto as
índias Orientais e permitindo extrair do seu próprio seio o metal que exigiria
esta nova ligação…"

A receita económica
formulada em seguida sabe a todas as teorias de livre indústria e livre câmbio
do século de Turgot e Adam Smith, e Ray-nal, misturando lúcidas considerações
sociológicas com erradas informações de fatos, a-condimenta com sábios
conselhos para abolir a Inquisição, reduzir a influência do clero, a que ele
pertencera, distribuir em sesmarias as terras da Coroa, e abrir o país à
imigração estrangeira, em vez de apelar somente para o natural crescimento da
população e para uma muito problemática catequese dos selvagens: "Um meio
mais seguro de aumentar o volume da produção seria receber, no Brasil, todos os
estrangeiros que quisessem dedicar-se à sua cultura. Uma infinidade de
americanos, ingleses, franceses, holandeses, cujas plantações se acham
esgotadas, e muitos europeus devorados da mania, tornada tão comum, de fazer
fortuna rápida, para lá transportariam sua atividade, sua indústria e seus
capitais. Estes homens empreendedores introduziriam na colónia um melhor espírito,
e dotariam novamente a raça degenerada dos portugueses coloniais (créoles) de
uma fibra que eles há muito perderam."35

Culpar Dom João VI de não haver sido mais do que um monarca bem
intencionado e tachar de modesta a sua obra reformadora, seriam duas graves
injustiças de que os brasileiros não podem assumir a responsabilidade, tanto
mais quanto no estrangeiro se teve imediatamente a compreensão nítida do valor
do empreendimento. Nas instruções do duque de Luxemburgo,36 ao ser
despachado para o Brasil, depois da segunda restauração dos Bourbons, como
embaixador do rei Luiz XVIII, menciona-se
a importância política granjeada pela antiga colónia, atribuindo-se ao governo
do Rio de Janeiro desígnios manifestos de levar a seção ultramarina da
monarquia a "ocupar na América Meridional o lugar que os Estados Unidos
ocupavam na do norte, e aproveitar-se dessa espécie de deslocação das colónias
do Novo Mundo para estabelecer sobre elas o seu ascendente”.

Quando o contrário
houvesse sido, que mesquinhos aparecessem autor e peça, a explicação estaria
talvez tanto na interpretação incolor dos comparsas quanto no limitado poder
imaginativo do dramaturgo. Matéria há que pela sua fluidez escapa facilmente
aos reagentes. Como seria possível ao rei, caso mesmo lho consentisse a
legítima altivez da coroa, renegar a sua arraigada concepção de governo
paternal, se, tendo-o por piloto, viera a nau do estado ancorar no meio de uma
sociedade acostumada a obedecer, atreita na sua generalidade à dependência e à
lisonja, ao
ponto de fincarem um joelho em terra os transeuntes ao aproximar-se a carruagem do vice-rei,
e se descobrirem ao lerem um edital ou passarem por uma sentinela? Como seria
dado ao soberano prosseguir uma política definida e liberal — se de um esforço
hercúleo e perseverante fosse capaz o seu caráter que um escritor de história do tempo muito
bem definiu bondoso e honesto mas fraco e crédulo (gutmuthig und redlich
aber schwach-
gemuthet und leichtglaubig)31 — num meio que afinal espreitava
toda condescendência
da sua parte para aventar exigências desencontradas e dar largas à sua discórdia, precursora da desagregação?

E como também deixaria de ser intrigante a nova corte
se, em adição aos defeitos transportados da metrópole, nela referveram a inveja
e o despeito entre as duas parcialidades, a reinícola e a nacional, sendo cada
graça do rei comentada, discutida e quase invariavelmente mal interpretada? Tão aberta e
violentamente se o fazia que, por ocasião das festas da exaltação de Dom João VI ao trono, escreveria o
cônsul-encarregado de negócios de França, coronel Maler: "Apesar de todas as
liberalidades de S. M. o número dos descontentes e queixosos é muito avultado, tendo durante a noite sido afixados
pasquins muito virulentos às portas da gente de posição e de alguns
estabelecimentos públicos, ridicularizando em versos latinos e portugueses a escolha
das pessoas favorecidas. É de presumir o descontentamento será mais vivo
ainda em Lisboa, porquanto o exército e este reino têm sido bem impoliticamente
esquecidos até agora na distribuição das honrarias e das recompensas, e os
portugueses não saberão, nem poderão ver a sangue-frio que eles não são sequer
considerados como os irmãos cadetes dos brasileiros, ou dos seus irmãos que habitam este hemisfério."38

O descontentamento seria em qualquer hipótese idêntico
porque repousava sobre uma antinomia irreconciliável e fundamental, não passando de um pretexto o ser
o monarca menos pródigo de mercês para com o velho reino numa dada ocasião,
ou mesmo o parecer da preferência ao Brasil em qualquer partilha. A
distribuição sem medida das honrarias foi aliás precisamente um dos modos
mais eficazes pelos quais Dom João involuntariamente democratizou ou talvez
melhor desprestigiou e enfraqueceu a realeza, franqueando este manancial e deixando-o
perder-se, numa terra em que o intercurso tinha por principal alicerce o favor dó que
mandava e
patriarcalmente fazia girar a sociedade em redor do pusólio, arrastando na sua órbita um cortejo de
aderentes.

Brasileiros e portugueses, exibindo igual afã na
cortesania, davam apenas expressão à sua íntima rivalidade, já não falando na poderosa
atração que
se desprendia da vida palaciana. Conta o ministro americano Sumter, o primeiro acreditado no Rio de
Janeiro, em Abril de 1809, e que chegou
ao Brasil em junho de 1810, que os fidalgos só aspiravam a cargos no Paço,
chegando a haver dificuldade no encontrar um ministro para mandar
para os Estados Unidos.

O representante da
República do Norte viu desde a chegada bastante
claro para distinguir a feição transitória e o caráter europeu que a nobreza do reino pretendia emprestar sem remissão à nova corte, "contemplando-a
meramente como um ermo (wilderness) que tinha seu valor para ponto
ocasional de refúgio, mas era de todo indigno de ser feito sede do Império".39
No que Sumter se enganava a começo — e a curta estada de um
mês desculpa o seu erro — era em nutrir dúvidas sobre se esse sentimento
de hostilidade à terra chegava até o príncipe ou partia dele, colocando-o
em qualquer dos casos na triste conjuntura de estar cercado por súditos
animados de interesses divergentes. "Os europeus que com ele emigraram,
escrevia o ministro,40 dependem da sua munificência para uma
subsistência que só lhes pode ser fornecida às custas dos brasileiros. Os
validos já
são, ao que se diz, impopulares por este motivo e semelhante indisposição
de que são alvo poderá vir afetar a real família."

Todas estas eram
circunstâncias a concorrer para que o fermento do descontentamento depressa
corrompesse o respeito tradicional e alterasse Aquela primeira impressão de
vaidosa satisfação que Múnch41 tão bem condensou nas seguintes
palavras: "O regente e a família real encontram os brasileiros jubilosos
com uma mudança das cousas que à mãe pátria acarretava miséria e humilhação, mas a eles trazia importância e
florescência." Pelo prisma defeituoso do desagrado decompôs-se a visão risonha
dos fatos em cores desbotadas. Assim, temperar a vaidade inspirada pelos
progressos alcançados, pelo lustre da corte, pela presença dos estrangeiros,
surgiram os temores de extravagâncias, pouco habituais no estreito regime
colonial; pairaram os receios de dispêndios exagerados que arruinassem as
esperanças de prosperidade; condensaram-se os alarmes de complicações e ataques, que sacudissem o Brasil no vórtice europeu.

O sincero e
retribuído afeto do monarca, a satisfação de ter no seu seio o governo
do império, a consciência de todos os melhoramentos realizados,
a perspectiva de um grande futuro, não impediriam que aparecessem
saudades platônicas do tempo ido, em que nada vinha
perturbar a pacatez, a serenidade
e a confiança que também são encantos da existência tanto
individual como coletiva. O velho viver brasileiro tinha na verdade os seus atrativos. Uma das afirmações mais reproduzidas, mais exploradas e
mais falsas da nossa história é sem dúvida a da antiga opressão colonial, que
se diz ter sido pouco menos do que uma desalmada escravidão. O Sr. João Ribeiro
recompôs muito bem esta feição, suprimindo o que nela havia de
desproporcionado. Seguindo este escritor nacional,42 dotado de
personalidade de concepções e de um critério filosófico apurado na convivência
espiritual dos mestres alemães, a famosa tirania à qual esteve sujeita a
possessão brasileira não foi em nada maior do que a que pesou sobre a metrópole
mesmo. Numa e noutra vingavam pelo menos idênticas regalias e operavam
idênticas restrições. A época na Europa, posterior às descobertas e ao
Renascimento, pode chamar-se de despotismo político e, na própria América do
Norte, as tentativas para o seu estabelecimento por parte da mãe pátria — pois
que na organização privativa de cada uma das colónias não escasseavam traços de
intolerância, especialmente religiosa — foram que provocaram a resistência e
engendraram a separação.

Tanta razão assistia
ao Brasil para se queixar como a Portugal, e como prova de que o jugo da
metrópole não era tão consumado como se pretende fazer acreditar, basta
recordar o papel importante desempenhado na vida colonial pelos senados das
câmaras, os quais às vezes até substituíam nas capitais os governadores. É de resto
um axioma da história da civilização peninsular que na luta contra os fidalgos
a monarquia agiu de braço dado com o povo. "Os progressos do absolutismo
real favoreceram o bem-estar do Brasil em mais ampla medida do que o faria o
sistema feudal que nos primeiros tempos retalhou o país entre os absolutismos
minúsculos, mas dobradamente ferozes, dos donatários."

No Conselho
Ultramarino, expressão a mais acabada da administração centralizadora do trono,
recebiam os interesses coloniais o exame e sobretudo a proteção que tornavam
indispensável os abusos dos governadores e os atentados dos agentes subalternos
do poder, cometidos em sociedades ainda informes e varridas pelo sopro das
paixões mal contidas. Se no século XVIII quase se obliterou no Brasil a vida comunal, os motivos foram a
descoberta das minas e a consequente decadência da vida agrícola criando um
estado de instabilidade e de desordem, o avesso do de equilíbrio e legalidade
com que tinham podido medrar as liberdades municipais. Quando mais tarde estalaram
as revoluções emancipadoras, já não era a tradição nacional que se reatava, mas
sim etam idéias estrangeiras que se adotavam.

Estas idéias cosmopolitas e
humanitárias revestira contudo logo, pelas condições da sua aplicação, base
sobre que operavam — uma população comparativamente rústica e adstrita ao
exclusivismo político —, tendência mesmo do destino e tradições locais que
vieram encontrar e despertar da sua letargia, um aspecto particularista e pode
dizer-se acentuadamente nativista. Nem no Brasil se deu verdadeiramente um
encontro de sistemas, antes um embate de interesses, os dos brasileiros em
oposição aos dos portugueses: por outras palavras, os sistemas encobriam os
interesses.

Por interesse, não por
preconceito, tinham já sido anteriormente lavradas todas as proibições
industriais e comerciais que conservaram estacionária a possessão, cortando-lhe
o desafogo econômico e entregando-a ligada de pés e mãos aos monopolistas do
reino, na forma da concepção mercantil dominante, a que se não furtou a própria
Grã-Bretanha nas suas relações coloniais. A vinda da família real foi o
primeiro sinal de independência para o produtor brasileiro e conseguintemente —
pois que uma vez entrrado nesse
caminho não seria possível parar mais — o prenúncio da total autonomia, de que
ficara dado o rebate.

A lealdade dinástica teria contra si
tudo entre nós: raça, meio e momento e momento.
Estas influências combinadas decidiriam da orientação, pesando Afinal mais do
que a primeira sensação do enternecimento e desvanecimento. O eco da Revolução
repercutia no litoral brasileiro, o que quer dizer que se tinham abalado as
velhas crenças políticas e religiosas. Com o seu temperamento
escarninho, a população fluminense, entre a qual Dom João VI pessoalmente se quedaria para sempre gozando
da mais sincera estima, não se deixaria deslumbrar pela
pompa real. O afeto não toldaria, para os nacionais
capazes de se entusiasmarem pelas reformas sociais e de se porem à
frente de um movimento libertador, a visão inteligente dos sucessos e os toma-larguras
— nome pelo qual o povo foi logo batizando os fâmulos da acharia real, com suas casacas abertas de longas
abas pendentes – esses
experimentaram no ridículo que os envolveu, a força do espírito zombeteiro e demolidor que havia de constituir
nosso característico moral, foi o nosso bem e é a nossa fraqueza.


[1] [2] [3] [4]

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