Lúcio Emílio Paulo Macedônico – Plutarco

PLUTARCO – VIDAS PARALELAS

Biografia de Lúcio Emílio Paulo, de cognome o Macedônico, em latim Lucius Aemilius Paullus Macedonicus, (c. 230 – 160 a.C.), genera e cônsul da República Romana.

SUMÁRIO DA VIDA DE PAULO EMÍLIO

  • I. Considerações de Plutarco.
  • III. Antiguidade e nobreza da família Emiliana.
  • IV. Nascimento de Paulo Emílio.
  • V. Primeiros cargos.
  • VI. Seus talentos militares.
  • VII. Casa-mentos.
  • IX. Seu primeiro consulado. Guerra na Ligúria.
  • X. Sua inclinação pelas artes e ciências.
  • XI. Guerra contra Per-seu rei da Macedónia. Origem das guerras entre os macedônios e os romanos.
  • XIV. Segundo consulado de Paulo Emílio. É encarregado de dirigir a guerra contra Perseu.
  • XIX. Avareza de Perseu. XX. Habilidade de Paulo Emílio.
  • XXI. Fontes de água no monte Olimpo.
  • XXII. Opiniões sobre a origem das nascentes de água.
  • XXIV. Paulo Emílio faz penetrar seu exército na Macedónia através do monte Olimpo. Audácia de Cipião Nasica.
  • XXV. Altura do Olimpo.
  • XXVII. O medo de Perseu.
  • XXVIII. Paulo Emílio examina o exército inimigo.
  • XXIX. Disposições para a batalha.
  • XXX. Cipião Nasica inicia o combate.
  • XXXI. Intrepidez de Paulo Emílio.
  • XXXII. Perseu abandona o campo de batalha.
  • XXXIII. Emílio constata a ordem do exército macedônico.
  • XXXIV. Ordenada a infiltração no campo adversário.
  • XXXV. Intrepidez de Catão, filho de Catão, o Censor. Vitória de Paulo Emílio.
  • XXXVII. Fuga de Perseu.
  • XXXVIII. Preocupação de Perseu: salvar seus tesouros. Refúgio na ilha de Samotrácia.
  • XXXIX. Toda a Macedónia submetida a Paulo Emílio, em dois dias. Rapidez com que a notícia é levada a Roma.
  • XL. Exemplos antigos e recentes a respeito da rapidez das notícias.
  • XLII. Prisão de Perseu.
  • XLIII. Homenagens que lhe rende Paulo Emílio. Sua dor diante da desgraça do rei.
  • XLIV. Conduta desprezível desse rei.
  • XLV. Exortações de Paulo Emílio a seus comandados sobre a instabilidade das coisas humanas.
  • XLVI. Paulo Emílio percorre a Grécia, alivia o povo e reorganiza o govêmo.
  • XLVII. Novos regulamentos para a Macedónia. Sua liberdade.
  • XLVIII. Liberalidade e grandeza de alma de Emílio.
  • XLIX. Emílio penetra no Spiro com ordem do Senado para consentir no saque das cidades. Finanças do Épiro.
  • L. Regresso à Itália.
  • LI. Sérvio Galba intenta receber as honras do triunfo.
  • LIII. Servílio vinga essa afronta.
  • LV. Outorgam-se as honras a Emílio. Magnificência de seu triunfo. Riquezas de ouro e prata.
  • LVII. Luto em casa de Paulo Emílio.
  • LVIII. Sua constância e sua moderação.
  • LLX. Morte de Perseu. Sorte de seus filhos.
  • LX. Abolição de impostos em Roma. Diferença de conduta entre Paulo Emílio e seu filho Cipião.
  • LXI. Paulo Emílio é nomeado censor.
  • LXII. Sua morte. Honras que lhe são tributadas. Sua pequena fortuna.

Do ano 526 ao ano 588 da fundação de Roma; 166 A. C.

PAULO EMÍLIO (1)

Quando comecei a escrever a história destas vidas, eu o fiz, a princípio, para proveito daqueles que viessem a conhecê-las. Em seguida, porém, perseverando, procurei também beneficiar-me a mim mesmo, olhando-as como num espelho e esforçando-me no sentido de reconstruir minha vida, tomando como modelo as qualidades de caráter desses ilustres varões. O fato é que, buscando conhecer seus costumes a fim de estar em condições de levar a bom termo a tarefa que me propus, fui como que obrigado a conviver intimamente com eles, como se os hospedasse em minha casa, um após outro, quando então pude vivamente apreciar os marcantes acontecimentos de suas vidas, considerar as virtudes que possuíam e o que havia de grande e admirável na história de cada um deles. Dessa forma fui selecionando o que era digno de nota, em suas palavras e em suas ações.

Ó deuses! Que maior prazer poderia haver no
mundo (1ª) do que este, proporcionado ao homem para reformar seus costumes?

O filósofo Demócrito, escrevendo que devemos orar para que a sorte nos apresente sempre visões benéficas e agradáveis e para que ao nosso encontro venha somente aquilo que seja conveniente à nossa natureza e não as imagens sinistras e más que erram no espaço, introduziu na filosofia uma doutrina falsa e perigosa, que pode levar a humanidade à adoção de princípios supersticiosos, quando admite a existência dessas influências boas e más, com o poder de transmitir aos homens a impressão do bem e do mal e assim incliná-los ao vício ou à virtude.

(1) O Prefácio e a Comparação mostram que Plutarco pôs i vida de Paulo Emílio antes da de Timoleon, e que êle não tinha estabelecido como lei inviolável colocar o Grego antes dq Romano. (Nota da trad. fr.).

II. Quanto a mim, com a oportunidade que me foi dada, de ler essas antigas narrações e extrair delas o que estou registrando por escrito, ao mesmo tempo que retenho na memória o que há de notório nos feitos desses grandes vultos do passado, vou me instruindo a mim mesmo e aprendendo a repudiar toda a maldade, toda a desonestidade, toda a ação vil e desprezível, diante de tão sublimes e edificantes exemplos.

Continuando, apresento agora as histórias de Timoleon, coríntio e Paulo Emílio, romano, os quais não somente souberam viver com a intenção e a vontade bem dirigidas, como também foram favorecidos pela Fortuna, prosperando e sendo bem sucedidos em seus empreendimentos. Ficamos, entretanto, em dúvida, quando procuramos conhecer a causa de seus sucessos, se eles foram beneficiados pela prudência com que se conduziram ou pela sorte, que os protegeu.

(1a) Verso da tragédia perdida de Sófocles: «Os tocadores de tamboril».

III. Não resta a menor dúvida de que a casa dos Emílios tenha pertencido à mais antiga nobreza romana, com o que concorda a maioria dos historiadores. Que o primeiro dessa família, porém, tenha sido um Marcos (2) filho do sábio Pitágoras, o qual teria sido cognominado Emílio devido à suavidade e graça de sua linguagem, conforme alguns têm escrito, isto somente é referido por aqueles que atribuem a Pitágoras a educação do rei Numa. De qualquer maneira, quase todos os que pertenceram a essa casa alcançaram honra e boa reputação. E que souberam eles escolher o caminho da virtude, encontrando com esta a prosperidade. Houve, é verdade, uma exceção, que foi Lúcio Paulo (3), que morreu na batalha de Canas. A sua infelicidade, porém, mais realçou seu valor e sua prudência, pois quando verificou ser impossível dissuadir seu colega de consulado, que teimava em travar aquela batalha, êle participou da peleja, mesmo contra sua própria vontade, lutando firme e valentemente até o último suspiro, enquanto fugia covardemente o outro que havia provocado o combate.

(2) Um Mamerco.
(3) General romano, morto em 216 A. C.

IV. Lúcio Paulo deixou uma filha chamada Emília, que se casou com o grande Cipião. Seu filho, Paulo Emílio, cuja vida estamos escrevendo, tendo nascido e tendo sido educado numa época florescente, rica de exemplos edificantes deixados por homens ilustres, fêz também sobressair seu nome, seguindo pela mesma senda gloriosa. Não procurou, porém, imitar o procedimento dos jovens de seu tempo, que se compraziam em exercitar a eloqüência cm causas particulares e se deixavam enlevar pelas saudações afetadas, afagos e bajulações daqueles que mendigavam seus favores, embora por esse meio muitos deles viessem a ganhar fama e popularidade, fazendo-se serviçais e obsequiosos. A Emílio também não faltava essa habilidade, mas êle preferiu como coisa mais apreciável a glória que acompanha a reputação do homem de bem. O valor próprio, a honestidade e a lealdade, eis as virtudes que o colocam logo na vanguarda, entre os seus contemporâneos.

V. O primeiro cargo que ocupou foi o de edil, sendo escolhido entre doze outros concorrentes, os quais possuíam igualmente aptidão e qualidades, pois cada um deles alcançou mais tarde o consulado. Paulo Emílio foi também eleito para o sacerdócio, o que entre os romanos tinha o nome de augure, sob os cuidados de quem se achavam as adivinhações e presságios feitos por meio do canto e do vôo das aves, como também pelos sinais do ar e do céu. Nesse mister êle se aprofundou tanto no estudo dos costumes religiosos e usanças dos romanos, procurou tão diligentemente observar suas cerimônias e ritos, que o sacerdócio, parecendo a muitos ter valor apenas como título honorífico, ambicionado pelo prestígio que conferia ao seu portador, tornou-se para êle uma das principais e uma das mais elevadas ciências dentre as que pudessem merecer sua atenção, como um motivo de honra a seu povo e a sua cidade. Fazendo igualmente proclamar e confirmar a verdade já anteriormente sustentada por alguns filósofos, que "a religião é a ciência de servir a Deus", quando desempenhava algum ato relativo ao sacerdócio, isto era feito com o maior critério, com a mais ativa diligência e com as mais vivas provas de experiência. Não deixava, de forma alguma, que sua mente fosse tomada por pensamentos estranhos nos momentos em que oficiava, nada omitia das antigas cerimônias e nem permitia qualquer inovação. Muitas vezes conferia com seus colegas detalhes mínimos, mau grado a suposição corrente, segundo a qual os deuses eram fáceis de se contentar e perdoavam prontamente as faltas cometidas por negligência. Da mesma forma, quando tinha que tratar dos negócios públicos, não deixava passar qualquer omissão ou transgressão da lei, por pequena que fosse, considerando muito justamente o fato de que a observância e a guarda dos principais fundamentos de uma organização estatal dependem do cuidado com que são acatadas as bases que a sustentam.

VI. Assim, igualmente, mostrou-se observador severo e rude executor da disciplina militar, não buscando conquistar a simpatia dos soldados somente para os comprazer, como era costume de muitos naquela época, nem tão pouco manobrando para conquistar um segundo lugar vantajoso por se ter mostrado benevolente e agradável no primeiro. Àqueles que desobedeciam os regulamentos militares, êle mesmo tratava de lhes fazer ver, ponto por ponto, o que a disciplina ordenava, agindo criteriosamente, como um sacerdote ao dirigir as cerimônias sagradas, onde estava acostumado a não desprezar um só detalhe. Declarando-se austero e rigoroso para com os transgressores e desobedientes, cuidava manter a salvo a coisa pública, considerando que vencer o inimigo pelas armas não era mais do que um acessório, por assim dizer, da tarefa de bem dirigir e tornar aguerridos e bem disciplinados os cidadãos.

Como estivessem então os romanos empenhados em guerra contra Antíoco, o Grande, no Oriente, para onde tinham sido enviados todos os grandes capitães de Roma, foi Paulo Emílio mandado à Espanha como pretor, aliás, investido também da autoridade consular, pois em vez de seis machados conduzia doze, com o objetivo de sufocar as rebeliões que ali se estavam verificando. Naquela distante província, teve ocasião de provar suas grandes qualidades como estrategista militar, pois venceu os Bárbaros duas vezes. Este feito, que culminou com a exterminação de trinta mil insurretos, foi uma conseqüência de sua habilidade, ao escolher tempo e lugar apropriados, atacando o inimigo na travessia de um ribeiro, o que muito facilitou a vitória aos seus. Conquistou nessa campanha duzentas e cinqüenta cidades, que espontaneamente se lhe submeteram. E, deixando completamente pacificada a província após receber o juramento de fidelidade que lhe foi reafirmado, regressou a Roma sem ter ajuntado ao que possuía, uma só dracma. Êle era, aliás, um tanto negligente quando se tratava de tirar proveito para si mesmo em qualquer situação semelhante e até gastava muito liberalmente o que era seu, sendo isto confirmado após sua morte, quando se verificou quão pequena foi a herança recebida por sua mulher.

VII. Em primeiras núpcias, Paulo Emílio desposou Papíria, filha de Papírio Masso, alta autoridade consular. Após o convívio de muitos anos, o casal divorciou-se, não obstante ter Papíria dado a Emílio três belas crianças. Um desses filhos foi o célebre Cipião, o segundo desse nome e o outro foi Fábio Máximo. Quanto à causa da ruptura do laço matrimonial, não chegou até nossos dias qualquer documento escrito a respeito. Aliás, parece-me que há grande verdade naquela história do cidadão romano, que após tèr se separado de sua esposa, foi abordado por alguns amigos, que lhe perguntaram: — O que achaste em tua mulher que fosse digno de censura? Não era fisicamente bem conformada? Não era bela? E não te deu lindos filhos?" O marido divorciado encarou seus companheiros e, estendendo o pé, disse-lhe: — Não é bem feito este sapato? Não é bonito? Não é novo? No entanto nenhum de vós será capaz de me dizer onde êle me aperta".

O fato é que nessa questão de incompatibilidade conjugal, as grandes falhas geralmente são descobertas, mas ninguém fica sabendo, muitas vezes, das pequeninas impertinências, dos sorrisos repetidos com ironia ou quaisquer outras insignificâncias motivadas pela diferença de temperamento que os de fora não conhecem, e.que na sucessão dos tempos vão engendrando tão grande alienação da vontade entre as pessoas, que lhes torna impossível a vida em comum.

VIII. Tendo repudiado sua primeira esposa, Emílio casou-se com outra, que foi mãe de duas crianças do sexo masculino, as quais conservou a seu lado. Os dois primeiros, entretanto, do primeiro casamento, deu-os em adoção a duas das mais nobres, ricas e poderosas famílias daquele tempo: o mais velho foi para a casa de Fábio Máximo, aquele que por cinco vezes foi cônsul e o segundo, colocou-o na família dos Cornélios, tendo sido adotado pelo filho do grande Cipião, o Africano, que era seu primo, e foi também chamado Cipião. Quanto às mulheres, o filho de Catão desposou uma, casando-se a outra com Élio Tuberon, varão honrado que se mantinha mais honestamente em sua pobreza, que qualquer outro romano. Possuía êle dezesseis parentes próximos, todos da família dos Élios, que não tinham senão uma casa na cidade e uma herdade no campo, onde viviam todos juntos com suas mulheres e filhos. Entre aquelas jovens casadas achava-se a filha de Paulo Emílio, que apesar de ter um pai que por duas vezes tinha sido cônsul e duplamente havia recebido as honras do triunfo, não se envergonhava da situação do marido. Pelo contrário, tinha até grande admiração por suas virtudes, razão talvez de sua pobreza. Ali, onde vivem irmãos e parentes de hoje, se não estivessem eles afastados uns dos outros pela distância, se não houvesse rios que os separassem uns dos outros e muralhas limitando e dividindo suas porções, bem como espaços vagos entre seus terrenos, é possível que estivessem altercando e se guerreando entre si. Estes são os belos exemplos que a História põe diante dos olhos daqueles que os queiram considerar, para tirar deles ensinamentos úteis para bem viver e bem se dirigir.

IX. Emílio, sendo eleito cônsul, (4) foi guerrear os ligurianos, que habitam ao longo dos Alpes, também chamados ligustinos. São homens audaciosos, aguerridos e se achavam bem preparados para combater os romanos, dos quais eram vizinhos, pois viviam na extremidade norte da Itália, na parte confinante com os grandes Alpes, ocupando também aquela região desses montes cuja base atinge o mar da Toscana (5), em frente à costa norte da África. Ali o inimigo se achava mesclado com os gauleses e os espanhóis, seus aliados, sulcando todo o Mediterrâneo até as colunas de Hércules com as suas pequenas embarcações corsárias, estorvando o tráfico e solapando o comércio. Preparando-se Emílio para encontrá-los, foi enfrentado com um exército de quarenta mil combatentes, ao passo que os romanos não dispunham senão de oito mil ao todo, ficando assim o encontro assinalado pélas proporções de cinco contra, um. No entanto, não obstante sua superioridade numérica, os ligurianos foram levados de vencida até que se viram encerrados dentro de suas próprias cidades. Em tal situação, quando naturalmente deviam esperar o castigo imposto aos vencidos, ao contrário de semelhante desfecho, fizeram os romanos acolhedoras propostas de paz. É que não lhes interessava a exterminação daquele inimigo, pois era êle uma espécie de baluarte oposto aos movimentos dos gauleses, que continuamente ameaçavam cair sobre a Itália. Renderam-se, pois, os ligurianos e ainda puseram suas cidades e seus navios à disposição de Paulo Emílio. O hábil romano mandou apenas demolir as muralhas das cidades, mas, quanto às naves, apoderou-se de todas, deixando em poder do adversário somente os batéis de três remos (6). Libertou todos os prisioneiros, entre os quais encontrou muitos estrangeiros e até romanos.

(4) Ano 572 da fundação de Roma. Emílio entrou na guerra o ano seguinte.
(5) Mar Tirreno.

X. São estes os principais acontecimentos de seu primeiro consulado. Mais tarde êle desejou reeleger-se e chegou mesmo a apresentar sua candidatura, sendo porém preterido. Diante disto, resolveu dedicar-se inteiramente aos deveres religiosos e zelar pela educação dos filhos, cuidando de proporcionar-lhes uma educação completa, mandando ensinar-lhes tudo quanto se referia a sua pátria, bem como à civilização grega. Providenciou professores, não só de gramática, retórica e dialética, mas também de pintura e escultura, domadores de cavalo e mestres de caça. Êle mesmo, quando não se achava ocupado, procurava sempre estar presente a essas instruções, provando ser assim, entre seus concidadãos, um pai exemplar, que bem conhecia os deveres assumidos para com os filhos.

XI. Estavam os romanos, nessa época, empenhados na guerra contra o rei Perseu, da Macedónia. (7) Os generais que dirigiam a campanha começaram a ser acusados de que, por lhes faltar a coragem e o valor necessários, sua atuação era de tal modo vergonhosa, que o inimigo é que estaria se beneficiando com a situação, pois a conduta dos militares de Roma, tal como se verificava, conferia maiores oportunidades ao rei macedônio do que aquelas que os romanos poderiam auferir nessa luta. Tal estado de coisas não poderia perdurar. Pouco antes, os exércitos romanos tinham rechassado para além do monte Taurus o rei Antíoco, chamado o Grande, fazendo-o abandonar tudo quanto havia conquistado na Ásia e contendo-o nos limites da Síria. Este rei deu-se ainda por muito feliz em poder negociar a paz com o pagamento de quinze mil talentos. Não fazia muito tempo tinham também derrotado na Tessália o rei Filipe, cuja conseqüência foi a libertação dos gregos da servidão imposta pelos macedônios. E a grande vitória de Roma contra Aníbal, com o qual nenhum outro rei ou príncipe daquela época podia ser comparado, nem com relação ao poderio militar nem quanto ao ardor combativo?

(6) No grego: «de três bancos de remadores.» (Trad. fr.).
(7) A guerra contra Perseu tinha começado no ano 583 da fundação de Roma. (Id.)

Não era possível, pois, aos romanos, aceitar resignadamente uma luta sem proveito como a que se feria contra Perseu e nem tão pouco concordar que se prolongasse indefinidamente tal empresa, como se o seu opositor fosse digno e estivesse à altura de competir com a poderosa Roma. Entendiam ainda ser injustificada tal demora, em vista de estar Perseu lutando com os remanescentes das tropas derrotadas de seu pai. Entretanto, não sabiam que Filipe, em virtude mesmo das derrotas sofridas, tinha deixado um exército aguerrido e forte, mais preparado do que anteriormente. Mas, não deixemos de nos lembrar que estamos escrevendo resumidamente, olhando do alto os acontecimentos.

XII. Antígono (8), que entre os generais de Alexandre, o Grande, foi o que alcançou maior poder, conquistando para si e seus descendentes o título de rei, deixou um filho de nome Demétrio (9) que por sua vez foi o pai de um segundo Antígono (10) de sobrenome Gonata. Seguindo a mesma linha sucessória, veio a reinar um filho do precedente, também chamado Demétrio, (11) o qual, após dirigir os destinos de seu povo por um pouco de tempo, morreu, ficando seu filho Filipe ainda muito pequeno. Nessa ocasião os príncipes e maiorais da nação macedónica, considerando que o país não devia permanecer sem a suprema autoridade de um chefe, decidiram chamar Antígono, primo do rei morto, dando-lhe em casamento a viúva, mãe do pequeno Filipe, e os títulos de regente e capitão geral. Habilmente, porém, Antígono imprimiu uma segura direção aos negócios do reino, até que conseguiu enfeixar nas mãos a realeza. Foi êle cognominado Doson (12), isto é, aquele que promete muito para dar pouco.

(8) Antígono, o Ciclópico, também chamado Caolho. Morreu na batalha de Ipso, em 301 A. C.
(9) Demétrio, o Tomador de Cidades, 337 a 283, A. C.
(10) Nasceu em Gonoi, na Tessália. Começou a reinar em 277 A. C, sendo destituído por Pirro, rei do Êpiro, voltando a governar somente depois da morte desse príncipe. Morreu em 239.

(11) Demétrio H, o Etólio. Morreu em 229 A. C.

XIII. Em seguida vem o reinado de Filipe, que na sua mocidade deu maiores esperanças que qualquer outro rei. Assim, aguardavam os macedônios que êle reconduzisse o país a sua antiga glória e fosse capaz de reprimir o poder dos romanos, que se levantava ameaçadoramente sobre o mundo. Tendo sido, porém, derrotado por Tito Quíncio Flamínio nas proximidades da cidade de Escctusa, curvou sua cabeça sob o jugo, após negociar a paz com o pagamento de uma pequena multa. Daí por diante, porém, caiu em profundo abatimento moral, considerando uma indignidade continuar reinando na dependência e pela piedade dos romanos, pois isto era próprio de escravos e não de um homem valente e íntegro. Resolveu reagir e buscou estudar, com todo o empenho, as artes militares, fazendo seus preparativos para a desforra, em segredo e o mais depressa possível. Usou de uma tática inteligente para não provocar a desconfiança de Roma. Deixou desamparadas as cidades do litoral e aquelas cortadas pelas grandes vias de comunicação, que ficaram isoladas, sem qualquer fortificação e-mais ou menos despovoadas. Nesse ínterim, foi concentrando forças em locais distanciados das estradas mais movimentadas, acumulando dinheiro e fazendo provisões de armas e recrutando bons guerreiros. Conseguiu assim ajuntar armamento suficiente para trinta mil combatentes e oito milhões de minas (13) de trigo, guardados em praças fortes bem afastadas, assim como vultosa reserva econômica, bastante para sustentar e manter dez mil legionários estrangeiros pelo espaço de dez anos, para defender o país.

(12) Reinou de 229 a 221, proporcionando à Macedónia um período de paz.

O destino, porém, não lhe permitiu realizar os planos, pois antes de poder pô-los em execução, veio a morrer de desgosto, ao ter conhecimento de que havia feito condenar injustamente o mais querido de seus filhos, chamado Demétrio, pelo fato de ter levado em conta uma acusação de Perseu. Este, sucedendo ao pai no trono, herdou também o ódio aos romanos. Mas faltava-lhe a indispensável ombri-dade para sustentar tão grande empreendimento, sendo êle um indivíduo sórdido, covarde e mesquinho e cuja avareza era sem limites, para não falar em outros vícios e defeitos que caracterizavam sua pessoa. Dizia-se também que não era herdeiro legítimo do trono, pois fora recolhido ainda pequenino pela mulher de Filipe, que o fizera passar por filho, sendo sua verdadeira mãe uma costureira de nome Gnati-nia, natural da cidade de Argos. Crê-se que foi esta a verdadeira causa pela qual êle procurou, por todos os meios, provocar a morte de Demétrio, julgando que este não deixaria de investigar mais tarde sua origem.

Todavia, covarde como era e dotado de sentimentos baixos e vis, encontrando preparadas as forças militares de seu reino, não trepidou em ir ao encontro dos romanos numa guerra que sustentou por muito tempo, derrotando diversos generais, que além de guerreiros, eram também autoridades consulares em seu país. Rechaçou poderosas forças, tanto em terra como no mar, alcançando, entre as vitórias conseguidas, aquela em que foi derrotado Paulo Licínio, o primeiro a entrar na Macedônia e que foi vencido com sua poderosa cavalaria, perdendo duzentos e cinqüenta mil soldados escolhidos, além de seiscentos prisioneiros. Ainda mais, achando-se a esquadra romana fundeada em frente à cidade de Oréia, Perseu atacou-a de surpresa, aprisionando vinte navios carregados, cinqüenta e quatro galeras de cinqüenta remos e fazendo afundar o resto com as provisões que continha. O segundo dos generais consulares que combateu, foi Hostílio, o qual expulsou, quando este tentava forçar a entrada de suas tropas na Macedónia, seguindo o caminho da cidade de Elímia e, outra vez, quando o mesmo general procurava penetrar pela Tessália, ocasião em que recusou o combate oferecido pelo rei macedónio.

(13) Medida de capacidade para secos, usada antigamente em vários pontos da Europa. Na França valia 78 litros.

E como se esta guerra não lhe fosse ainda tarefa bastante ou como se estivesse disposto a zombar do puder dos romanos, resolveu marchar contra os dardanos (14), destroçando dez mil dentre esses bárbaros, dos quais recolheu despojos de grande valia. Em seguida, considerando estar no tempo de buscar algum aliado, solicitou o auxílio dos gauleses que viviam ao longo do Danoue (15), conhecidos pela denominação de bastemos, homens belicosos e temíveis cavaleiros. Semelhantemente, convidou os escla vônios (16), na pessoa do seu rei Gentio (17), conseguindo que todos entrassem com êle na guerra contra os romanos. Espalhou-se logo a notícia da aliança com esses bárbaros, os quais deviam cair sobre a Itália, passando pelas alturas da Gália e atacando pela costa do Adriático.

XIV. Assim que os romanos se tornaram cientes dessa informação, concluíram que não era mais tempo de se iludirem a si mesmos com alguns combates graciosos e sim, que deviam, pelo contrário, convocar um homem de honra que fosse ao mesmo tempo hábil e prudente guerreiro para poder conduzir-se bem nessa árdua tarefa, um homem, enfim, como Paulo Emílio (18) que, embora estivesse já com sessenta anos de idade, era ainda forte e robusto e possuía grande influência social não só pelo número de filhos, genros e outros parentes, como também pelas incontáveis amizades que desfrutava entre pessoas de prestígio. Todos estes, amigos e parentes, foram unânimes em aconselhá-lo a atender os apelos para voltar ao consulado. A princípio recusou-se terminantemente a acatar a solicitação e chegou mesmo a desdenhar da ânsia e desejo do povo ao lhe ser proposta semelhante honra, afirmando que não queria mais aceitar tais encargos. Vendo, porém, que a comunidade insistia de maneira tão veemente que uma grande multidão vinha aglcmerar-se diariamente à porta de sua casa, terminou por se deixar persuadir. Quando assomou, então, à frente daqueles que o conclamavam e pediam sua investidura no cargo, pareceu ao povo que não era propriamente o consulado que estava aceitando, mas sim, que já se achava a caminho da vitória certa para sua pátria, na guerra em que esta se empenhava. E foi dessa forma que, pela vontade livre de seus patrícios, inspirando um novo sentimento de segurança a todos, se viu eleito cônsul pela segunda vez (19).

(14) Naturais da Dardania, região situada na parte central da península balcânica.
(15) O Danúbio.
(16) Habitantes da Esclavônia, designaçãq que abrangia outrora todos os povos eslavos. É a Iugoslávia de hoje.
(17) Genthius.
(18) No original grego: «Este homem era Paulo Emílio»,

Logo que assumiu a responsabilidade do cargo, não permitiram, conforme era costume, que se tirasse a sorte entre dois daqueles magistrados para saber qual deles iria arcar com a responsabilidade de solucionar o caso da Macedónia, mas atiraram inteiramente sobre Emílio, em votação unânime, os encargos da guerra, decidindo que êle tinha sido eleito cônsul para, objetivamente, dirigir a campanha contra o rei Perseu. Após a cerimônia de sua segunda investidura, foi conduzido, com todas as honras, pela multidão, até a porta de sua casa. Quando se aproximavam, saiu-lhe ao encontro a filhinha, de nome Tercia, que vinha chorando. Recebendo-a nos braços, Emílio perguntou-lhe o que havia acontecido. Ela, beijando-o, exclamou: — Mas você não sabe, papai, que está morto o nosso Perseu?" Referia-se a um cãozinho que ela criava. Emílio, consolando-a, respondeu: — Em boa hora, minha filha. Vou aceitar o presságio." Este fato é citado por Cícero em suas dissertações sobre a adivinhação.

(19) Ano de Roma, 586.

XV. Havia um costume, seguido por aqueles que ascendiam ao consulado, pelo qual deviam se dirigir ao povo num discurso, logo após a proclamação, a fim de agradecer a honra a eles tributada. Seguindo a praxe e estando a multidão reunida para ouvi-lo, Paulo Emílio tomou a palavra e disse que havia pedido, da primeira vez, aquela posição, levado pelo seu amor próprio e porque desejava consideração à sua pessoa, tendo mesmo sentido necessidade de tal honra. Daquela vez, porém, consentira em ser apresentado, por amor de seu povo, o qual estava provando e sentindo a falta de um comandante. Assim, nenhuma gratidão ficava devendo àqueles que o escolheram e, aliás, se julgassem que algum outro, melhor que êle, poderia conduzir a guerra, estava pronto a desistir, cedendo o lugar. Entretanto, se de fato depositavam confiança em sua atuação, estaria disposto a corresponder. Pedia, porém, que não se imiscuíssem nas suas atribuições, não comentassem os acontecimentos e não procurassem se encarregar de coisa alguma referente aos seus deveres como comandante, mas que se ocupassem em executar, silenciosamente, o que de sua parte fosse ordenado, considerando as necessidades de sua tarefa, pois se cada um se julgasse com direito de se intrometer no comando, como a princípio se fazia, isto os tornaria ainda mais ridicularizados do que estavam sendo naquela guerra.

XVI. Estas palavras valeram como um incentivo aos romanos, fazendo com que tributassem a Emílio uma grande admiração e se dispusessem a obedecê-lo, ao mesmo tempo que acalentavam viva esperança no futuro. Outrossim, sentiram-se alegres por terem tido a prudência de excluir aqueles elementos que, por ambição, aspiravam o cargo, escolhendo um varão de forte personalidade que, com a devida coragem, lhes dizia franca e livremente todas as verdades. Eis porque o povo romano, sabendo sempre pender para o lado da razão e da virtude, tornou-se apto para dirigir os outros e se fêz o maior e o mais poderoso do mundo (20).

(20) Tamanha era a submissão do povo romano ao império da virtude, para conquistar para si mesmo o império do mundo. (Trad. fr.).

XVII. Paulo Emílio, partindo para a guerra, começou sob bons auspícios, pois fêz uma viagem sem incidentes, atribuindo ao favor da fortuna tal evento. Chegou, pronta e seguramente, ao campo da luta, considerando que os seus sucessos poderiam ser atribuídos, parte à rapidez com que tomava suas decisões e parte à prudência com que agia, não olvidando também a diligência e cooperação de seus amigos, que souberam cumprir seus deveres e o serviram lealmente. Julgava também dever seus triunfos à firme resolução e ao sentido de segurança que mantinha diante do perigo, como ainda ao fato de ter sabido adotar a atitude conveniente diante dos acontecimentos. Não se deve, assim, acreditar tanto na propalada proteção da sorte, cem referência aos seus sucessos, o mesmo acontecendo quando se analisa a infelicidade dos outros generais, a não ser que se considere como "boa sorte" uma fatalidade tal como a avareza de Perseu, pois este, levado pelo medo de perder seu dinheiro, foi o causador da ruína total dos negócios de sua pátria, os quais se encontravam com perspectivas tão animadoras e seu povo tão cheio de esperanças no futuro.

XVIII. Acudindo ao chamado da Macedónia, dez mil cavaleiros pertencentes às milícias dos baster-nos e dez mil infantes, todos acostumados às artes da guerra e afeitos à luta, ignqrantes entretanto de tudo quanto se relacionasse com a lavoura e a navegação, nada entendendo do pastoreio de animais, bem como de comércio ou qualquer outra atividade, sabendo apenas guerrear e vencer aqueles que diante deles se apresentassem no campo de batalha, eis ali se achavam eles, os denodados companheiros de armas do rei Perseu. Incorporando-se às tropas aliadas, assentaram seu acampamento na região de Médica (21). Quando os soldados e o povo macedônicos contemplaram aqueles homens de elevada estatura, bem exercitados no manejo das armas, espalhafatosos na maneira de falar, cheios de bravata, sentiram-se possuídos de vivo entusiasmo, acreditando que os romanos nem ao menos se animariam a entrar em combate e desistiriam logo, somente com a presença de tão perigoso adversário. De fato eram terríveis aqueles combatentes de fero semblante, que gesticulavam de modo espetacular e assustador.

Perseu, certificando-se da coragem e do entusiasmo agora demonstrados por sua gente, logo que os bárbaros solicitaram o pagamento antecipado de mil peças de ouro para cada capitão, desorientado com a soma total que teria de pagar, dispensou o socorro pedido e recusou seus serviços, como se sentisse a obrigação de poupar dinheiro em favor dos próprios romanos que combatia, ou como se tivesse de lhes prestar conta dos gastos. Entretanto, era justamente o inimigo que lhe estava indicando o caminho a seguir, atendendo ao fato de que dispunha, além do aparelhamento bélico, de nada menos que cem mil combatentes, reunidos e prontos a entrar em ação quando fosse necessário. E êle, empreendendo resistir a um tão formidável poderio e sustentar uma guerra, para cuja vitória final os romanos não estavam medindo despesas, mantendo forças mais do que as necessárias, deu de medir e economizar seu ouro, guar-dando-o avaramente, como se tivesse medo de tocá-lo ou como se fosse alheio. Agindo por essa forma estava em completo desacordo com a conduta dos reis da Lídia e da Fenícia, que se gloriavam de seus grandes tesouros, embora afirmassem possuir, por hereditariedade, alguma coisa das virtudes de Alexandre e de Filipe, os quais blasonavam que as vitórias devem ser conseguidas com o dinheiro e não o dinheiro com as vitórias, sendo esta a razão de seus sucessos em todo o mundo. Eis porque se dizia que não era Filipe e sim o seu dinheiro que tomava as cidades da Grécia. Ainda com relação a este assunto, lembraremos que Alexandre, ao encetar a conquista das índias, verificando que os macedônios vinham conduzindo as riquezas da Pérsia, o que tornava difícil e pesado o percurso, a primeira coisa que fêz foi mandar atear fogo à carruagem real onde transportava sua bagagem, persuadindo também aos outros que fizessem o mesmo, a fim de ficarem desembaraçados para a viagem.

(21) Na Trácia, perto da Macedonia. (Trad. fr.).

XIX. Perseu, entretanto, agindo de forma contrária, mesmo para salvar sua pessoa, seus filhos e seu reino, não quis despender nada do que possuía, preferindo ser levado como prisioneiro rico, para mostrar aos romanos o quanto havia economizado. Porque, não somente despediu os gauleses (22) sem cumprir o que lhe prometera, como tendo induzido Gentio, rei da Esclavônia a entrar com ele na guerra, assumindo o compromisso de pagar-lhe trezentos talentos (23), chegou a contar o dinheiro para entregar aos portadores enviados para recebê-lo. Enquanto isto se dava, Gentio praticou um ato desastrado e infeliz, mandando prender os embaixadores que Roma lhe enviara. Ciente do que acontecia, Pcrseu concluiu que não precisaria mais pagar para conservar aquele aliado, o qual tinha de ser, dali por diante, forçosamente, um inimigo dos romanos, como conseqüência do ato inamistoso. Não devia, portanto, efetuar o pagamento combinado, pois o procedimento de Gentio para com os embaixadores obrigava-o a continuar hostil, não podendo mais voltar atrás na atitude assumida. Ainda mais, friamente, não fêz um gesto sequer de defesa em favor de seu antigo aliado, ao saber que o mesmo havia sido preso, com sua mulher e filhos e arrancado de seu reino, como de um ninho, pelo pretor Lúcio Anício, enviado contra êle.

(22) Estes gauleses são os mesmos também denominados baster-nos por Plutarco. Diodoro da Sicília chama-os igualmente de gauleses. (Trad fr.)

(23) Moeda usada entre os gregos, cujo valor em ouro ou prata era equivalente ao peso de um talento. Éste, como peso, variava de um país para outro e era usado também no Egito, na Caldeia, etc. Valia mais ou menos 26 quilos na Grécia antiga.

XX. Era este o inimigo que Emílio tinha de enfrentar, aportando nas terras da Macedónia. É verdade que não levava em conta a pessoa desse rei mas não podia deixar de considerar bem o aparelhamento e as forças com que contava, pois estavam no campo adversário quatro mil cavalarianos e mais de quarenta mil soldados de infantaria. E, com todo este poderio, Perseu se encontrava guardando a costa marítima ao pé do monte Olimpo, em local difícil de ser transposto e defendido com trincheiras e fortificações de madeira. O macedónio julgava-se bem seguro e pensava poder eliminar Emílio com o prolongamento, por muito tempo, da campanha e com o conseqüente dispêndio que isto lhe acarretaria. Paulo Emílio, por sua vez, não estava inativo e procurava um meio de resolver a situação, estudando a maneira mais prática de enfrentar o inimigo. Vendo, porém, que os soldados começavam a dar mostras de impaciência com aquela inação, chegando mesmo a fugir de suas atribuições para sugerir planos de ataque, intervindo assim na esfera do comando, êle os repreendeu severamente, dizendo-lhes que não deviam se intrometer nas coisas que não lhes diziam respeito e que não cuidassem de mais nada senão de estar sempre a postos, com as armas aparelhadas para valentemente se servirem delas e usarem a espada à maneira dos romanos, quando seu capitão lhes indicasse o tempo e o local. E, para fazê-los ainda mais atentos, ordenou que as sentinelas não deviam se utilizar de suas lanças a fim de poderem estar mais cuidadosas e pudessem melhor resistir ao sono e aniquilar o adversário, ante a iminência de um ataque.

XXI. Ora, o que mais estava atribulando o exército romano era a carência de água, pois a que Foi encontrada era salobra, distando pouco do mar. Emílio observou, entretanto, que se achavam nas faldas do Olimpo, elevado e coberto de florestas e concluiu, ao contemplar as árvores verdes e frescas lá no alto, que deviam existir ali correntes subterrâneas. Mandou abrir poços no sopé da montanha e estes ficaram imediatamente cheios de água límpida e pura, em tal abundância, que as correntes pareciam estar retidas e apertadas de tal forma, que a água pôde ser levada por meio de canais que formou naturalmente, a outros locais onde a concavidade do terreno facilitou o seu represamento.

XXII. Há, entretanto, aqueles que negam a existência, no interior da terra, de águas que dão ori-gem às nascentes e dizem que essas fontes formadas na superfície não são ocasionadas pela ruptura do solo com a pressão da mesma água acumulada ali no local, mas sim que ela se forma e se condensa no momento mesmo em que flui, sendo pois matéria transformada em água, e que essa matéria é um vapor úmido que se resfria debaixo da camada de terra, ranto que se torna fluída e corre para baixo, assim como, dizem eles, os seios das mulheres não estão cheios de leite já formado como se estivesse em reserva, mas sim que a alimentação é a matéria que se converte em leite, derivando depois para os bicos dos seios. Assim, os lugares frescos da terra onde há nascentes, dão origem às fontes, não pela água ali acumulada, nem por meio de concavidades ou receptáculos capazes de fornecê-la de momento, como se a tivesse em reserva, produzindo arroios e rios caudalosos, mas pela frialdade natural e pela umidade, que se condensa e se comprime até converter-se em água.

Eis porque os lugares onde se cava e onde se abre a terra, formam e arremessam mais água pelo contacto, como acontece com os seios das mulheres, que produzem mais leite quando são comprimidos e sugados e por isso se enchem, por assim dizer, pelo vapor que está dentro, o qual se converte em humor líquido e corrente. Ao contrário, na terra, nos lugares onde não se faz escavação, pelo fato de não haver abertura, torna-se difícil formar água, pois não houve aquele movimento e aquela compressão que é a causa da formação do líquido.

XXIII. Todavia, os que têm essa opinião dão azo aos que apreciam discussões, de opor uma opinião contrária, segundo a qual também os animais não têm o sangue no corpo, mas que este é formado quando há um ferimento, pela transmutação de qualquer elemento ou transformação da carne em líquido corrente. Estes são refutados, entretanto, ordinariamente, pelo fato de que, nas escavações das minas,

nas quais, quando são bem aprofundadas, são encontrados, nas entranhas da terra, correntes estas que são verdadeiros rios, cuja água não pode ser forma da aos poucos, como devia acontecer se devesse sua origem a qualquer movimento ou compressão do ter reno. Observa-se também muitas vezes, que, golpean do-se uma montanha, ou fendendo-se uma rocha, dali irrompe, instantaneamente, uma grande caudal.

XXIV. Basta, porém, de falar neste assunto. Vamos retornar à nossa história. Emílio permaneceu alguns dias inativo e diz-se que nunca se viram dois exércitos tão poderosos, tão próximos um do outro, em repouso tão prolongado. Entretanto, o romano meditava na situação procurando solucioná-la de modo hábil. Assim se passava o tempo, quando foi advertido de que havia uma entrada para a Macedônia, na região de Perrebia, no local onde se achava o templo chamado Pition, não estando fortificada a rocha onde o mesmo se erguia, havendo pois esperança de que ali se pudesse passar e que não parecia guardado pelo inimigo, justamente porque era julgado inacessível, dadas as dificuldades que se anteporiam ao caminho daqueles que o tentassem escalar. O caso foi levado à consideração do conselho, onde Cipião Nasica, genro de Cipião, o Africano, que se tornou mais tarde um personagem influente e foi a primeira e principal autoridade no Senado, logo se apresentou disposto a comandar a tropa e assaltar o inimigo por aquela via de acesso. Também Fábio Máximo, primogênito de Emílio, ofereceu-se. Era êle ainda muito moço e contudo se apresentou com tal entusiasmo que o pai ficou satisfeito e pôs à sua disposição não tanta força como refere Políbio, mas aquela mesma que o próprio Nasica menciona em uma carta escrita a certo rei, na qual relata a história dessa expedição. Cerca de três mil italianos alistados dentre os da Itália que não faziam parte das legiões romanas, estavam formados à direita e, do lado esquerdo, cerca de cinco mil combatentes, entre os quais Nasica colocou duzentos homens entre can-diotos e trácios misturados, sob o comando de Har-palo. Com essa tropa marchou beirando a costa marítima e acampando nas proximidades do templo de Hércules como se tivesse deliberado fazer a volta por mar para depois ir cercar o campo do inimigo. Mas, logo que os soldados se alimentaram e desceu a noite, êle chamou os seus capitães e revelou-lhes o seu verdadeiro propósito, levando os soldados, a seguir, em direção oposta ao mar, chegando assim à parte inferior do templo de Pition onde alojou sua gente e a deixou descansar da caminhada.

XXV. Neste local o monte Olimpo tem a altura de dez estádios, (24) o que forma meia légua e meio quarto, (25) conforme se deduz de uma inscrição feita por quem a mediu e que diz:

O monte Olimpo, onde foi levantado De Pítio Apolo, o templo, foi tomado De seu cume, no alto, o quanto distava Até a base que se encravava Embaixo no plano. Assim o gravou Xenágoras, filho d’Eumelo e achou Mil e duzentos e setenta passos. A ti, Apolo, levantando os braços E pedindo licença, a ti, Senhor De implorar e rezar em seu favor.

Entretanto, segundo a opinião dos geómetras, nem a maior altura das montanhas, nem a profundidade do mar ultrapassa dez estádios. A nosso ver, porém, Xenágoras tomou essas medidas, não apenas calculando aproximadamente, mas de acordo com as regras da arte e empregando instrumentos usados em geometria.

(24) O estádio "olímpico" (esta medida variava de denominação e de dimensão conforme o país ou região onde era adotada) equivalia a 192m27. A altura do monte era. pois, de 1.922m70.

XXVI. Nasica passou a noite no local e enquanto o rei Perseu observava Emílio à sua frente, vendo que êle não se arredava do lugar onde se achava, não suspeitou da aproximação dos romanos. Mas, um traidor candioto, que se desgarrara ocultamente da tropa durante a caminhada, revelou-lhe o plano, que assustou muito o rei macedónio. Mesmo assim,não resolveu desalojar sua gente do campo em que se encontrava, apenas enviou um de seus capitães de nome Milon com dez mil estrangeiros e dois mil ma cedônios, recomendando-lhe energicamente que usasse de todos os meios possíveis para defender o alto da montanha. Políbio diz que os romanos atacaram o inimigo, mas Nasica afirma que houve um encontro renhido no alto da montanha e que êle mesmo deu cabo de um soldado trácio que contra êle se arremetia, com um golpe de lança no estômago, o qual tombou morto por terra e que, finalmente, o inimigo cedeu, fugindo vergonhosamente o próprio capitão Milon, que abandonou no local as armas, e desceu, precipitadamente, conduzindo sua tropa, até achar lugar seguro na planície.

(25) Esta expressão não se encontra no original grego. (Trad. fr)..

XXVII.Diante do acontecido, Perseu tratou de levantar seu acampamento, a toda pressa e se retirou horrorizado, confuso e sem esperança, sem mesmo saber onde se encontrava. Era entretanto, necessário aguardar nova arremetida em frente à cidade de Pidna, onde tentaria novamente enfrentar o inimigo, ou teria que dividir suas tropas e distribuí-las pelas cidades e praças fortes, aceitando a guerra dentro de seu país. É que, uma vez invadido este, não podia mais livrar-se, sem que se dispusesse a aceitar o sacrifício de uma grande efusão de sangue. Seus próprios amigos o aconselharam a aceitar os riscos da batalha, fazendo-lhe ver a superioridade numérica com que contava e, bem assim, que os macedônios não deixariam de pelejar com denodo e de fazer todo o esforço que lhes fosse possível, sabendo que iriam combater para salvar suas mulheres e seus filhos e também pelo fato de contarem com a presença do rei, vendo que êle, em pessoa, estava combatendo. Diante dessas considerações, Perseu preparou-se para provar a sorte no combate. Estabeleceu o arraial de suas tropas, estudou as vizinhanças do local e distribuiu os diversos encargos aos seus capitães, com a deliberação de enfrentar valorosamente o inimigo, assim que este se aproximasse. O local era apropriado para uma batalha com tropas de infantaria, que demandava um campo raso e plano, mas tinha também elevações seguidas, como se fossem sulcos abertos, o que não deixava de ser vantagem para um combate com armas ligeiras, que permitisse uma retirada rápida quando necessária e assim envolver o inimigo. Corriam ali dois riachos, o Eson e o Leuco, que embora não muito profundos, porque era então o fim do verão, não deixariam de se opor, como obstáculo, aos romanos.

XXVIII. Quanto a Emílio, logo que se reuniu a Nasica, tratou de marchar direito contra os mace-dônios mas de longe percebeu a boa ordem com que o inimigo se havia organizado, verificando também sua superioridade em número. Ficou até maravilhado com o que via e suspendeu a marcha de seus soldados para pensar no que devia fazer. Mas os jovens que compunham suas falanges, desejando, com o ardor próprio da mocidade, combater logo, chegaram-se a êle e pediram-lhe que não se detivesse, chefiados por Nasica, que se achava confiante devido ao sucesso alcançado no primeiro encontro. Sorrindo, Emílio respondeu a este: — "Se eu tivesse a tua idade, naturalmente procederia assim como desejam todos. Mas, as vitórias que ganhei no passado ensinaram-me quais as faltas cometidas pelos vencidos e isto é o que me impede de ir afoitamente enfrentar um inimigo descansado e bem organizado, sem primeiro fazer repousar minha gente." E, tendo dado esta resposta, ordenou que as primeiras tropas, que já se achavam à vista dos adversários, se pusessem em forma, de maneira a dar a impressão de que ia ser iniciado o combate. Quanto aos da retaguarda, mandou que ocupassem seus lugares em ordem e fortificassem o acampamento. Assim, foram voltando atrás, um a um, silenciosos, os que se achavam próximos às fileiras da frente, não dando a impressão de que estava desfeita a formação anterior. Essa gente foi localizada dentro do campo fortificado, tudo isto sem barulho e sem qualquer tumulto, de modo que o inimigo não se apercebeu. Logo que caiu a noite, após a ração, quando os soldados se entregavam ao repouso e ao sono, a lua, que era cheia nessa noite e já estava alta, começou a escurecer e a cambiar em todas as cores, perdendo a claridade até que se eclipsou e desapareceu completamente (26). Nesse ponto os romanos começaram a fazer barulho com as bacias e outros recipientes de metal, conforme acreditavam e era costume quando se dava tal fato, cuidando que, com o som produzido, fariam voltar a luz, ao mesmo tempo que erguiam ao céu tochas de fogo e tições ardentes. Os macedônios, ao contrário, nada fizeram em seu acampamento mas foram tomados de indescritível horror e logo correu, com rapidez, surda murmuração entre o povo, que o sinal do céu significava também o eclipse do rei.

Quanto a Emílio, não ignorava o que era aquele fenômeno, sabendo perfeitamente que a causa era devida ao fato de que a lua, fazendo seu movimento em torno da terra, viria, em certo ponto, achar-se em tal posição que a sombra do nosso planeta se projetava sobre ela, obscurecendo assim a claridade recebida do sol. Sendo êle, entretanto, homem religioso e devotado aos deuses, tão logo a lua surgiu novamente, mandou sacrificar onze bezerros e, quando repontou o dia, ordenou novo sacrifício de bois a Hércules, continuando até completar vinte o número de animais sacrificados, sem que tivesse qualquer sinal de alguma coisa de bom. Mas ao vigésimo-primeiro sacrifício, certificou-se de que obteria a vitória.

(26) Plutarco colocou este fato no fim do verão, segundo a expressão de Tito Lívio, que deu para a data deste eclipse a noite de 3 ou 4 de setembro. Mas esse dia. segundo o calendário usado na época, corresponde ao dia 21 de junho, pelo calendário Juliano. E Tito Lívio não dá muito valor à estação, pois diz que se estava então no período mais quente do estio. Êle fala mesmo do solsticio do verão. É possível, pois, que haja o erro de alguns dias. O solsticio de verão, no tempo de Paulo Emílio e mesmo de César, não podia cair antes de 22 de junho do calendário Juliano. (Trad. fr.).

XXIX. Por isso, resolveu ofertar ainda mais cem bois a Hércules, sacrifícios estes acompanhados de jogos públicos e ordenou aos capitães de seu exército que tivessem sua gente em ordem, pronta para o combate. Enquanto isso, aguardava o declinar do sol após o meio-dia, a fim de que os romanos, que teriam de combater voltados para o Leste, não o recebessem de frente. Assim, aguardando o momento propício, sentou-se dentro de sua tenda, cuja abertura dava para a planície onde estava acampado o inimigo. Quando caiu a tarde, conforme dizem alguns, para incitar o inimigo, usou o seguinte ardil: mandou que soltassem na direção do acampamento dos macedônios um cavalo sem freio e atrás seguiram correndo alguns romanos, como que para o segurar, e isto foi o princípio da peleja. Outros dizem, que estando os soldados da Trácia sob o comando do capitão Alexandre, estes atacaram alguns criados dos romanos, que transportavam forragem para o acampamento, saindo logo em defesa deste, cerca de setecentos ligurianos e que assim, chegando auxílio de uma e outra parte, foi finalmente travada a batalha. Saiu então de sua tenda e percorreu o campo, alentando e exortando os soldados.

XXX. Nesse ínterim, Nasica dirigindo-se ao local da luta, percebeu o exército inimigo já em ordem de batalha, marchando a toda pressa. Os que vinham à frente eram os trácios, que lhe pareceram, conforme êle mesmo escreveu, medonhos: eram homens fortes, de elevada estatura, que conduziam reluzentes escudos de ferro, calçados de botas de armadura, vestindo túnicas negras e, pendentes do ombro direito, pesadas, longas e maciças espadas. Em seguida vinham os legionários estrangeiros, a soldo do rei, com indumentária e armamento diversos, porque era gente aliciada de vários lugares e com eles vinham misturados os peonianos. O terceiro esquadrão era de naturais da Macedónia: homens escolhidos, na flor da idade, cheios de audácia, deslumbrantes em suas roupagens de ouro e púrpura. Vinham depois, mostrando-se fora do campo, as velhas tropas conduzindo escudos de cobre, os quais encheram a planície com o clarão do aço e o brilho dos metais. Repercutia nas montanhas em torno o vozerio dos combatentes que, gritando, infundiam coragem uns aos outros. E nessa disposição marcharam com tal arrojo e tal ardor,’que os primeiros cadáveres tombaram no solo a meio quarto (27) de légua apenas do acampamento dos romanos.

XXXIEstava já o combate começado, quando Emílio, que correra à frente da luta, encontrou os capitães macedônios alcançando com suas lanças os escudos dos romanos, e de tal maneira que estes não podiam feri-los com suas espadas. Percebeu também que os outros macedônios, tendo arrancado de si seus boucliers, os quais traziam sobre os ombros, dirigiam suas lanças, todos de uma vez contra os romanos. Considerando o poder daquela força tão bem organizada e aquela massa de combatentes tão compacta que se tocavam uns nos outros, foi tamanho o horror que sentiu ao ver tal quantidade de armas em choque, que se sentiu assustado, pois não tinha visto ainda um espetáculo como aquele. Mais tarde contou o fato por diversas vezes e em vários lugares, confessando o pavor que tinha sentido. Entretanto, naquela hora, êle soube dissimular perfeitamente e saiu a cavalo, passando por entre as filas de combatentes, sem qualquer couraça, corpo e cabeça descobertos, mostrando a fisionomia sorridente para animar os que combatiam.

(27) "Dois estádios*’ no original. (Trad. fi./.

XXXII. O rei da Macedónia, agindo de maneira contrária, conforme escreveu Políbio, logo que a batalha começou, retirou-se para dentro da cidade de Pidna (28) sob a alegarão de que ia oferecer um sacrifício a Hércules. Mas este não recebe como agradáveis, sacrifícios oferecidos por covardes nem ouve as suas rogativas pelo fato de não serem razoáveis, pois não é de fato um critério muito justo permitir que alcance o prêmio aquele que tira um número branco, nem tão pouco alcançar a vitória o comandante que não permanece na frente de batalha, assim como tenha êxito em suas empresas quem nada faz e receba benefícios e seja próspero aquele que pratica o mal. Por isso, as rogativas de Emílio é que deviam ser atendidas pelos deuses porque ao pedir a vitória, êle tinha as armas empunhadas e ao pedir o auxílio da divindade, êle o fazia no próprio campo de batalha. Contudo, Possidônio, que se diz ter vivido naquele tempo e conhecia os fatos, escreveu uma história em diversos livros sobre a vida do rei Perseu, afirmando que este não se retirou da batalha por covardia, nem com a intenção de oferecer sacrifício a Hércules, mas porque no dia anterior êle tinha recebido o coice de um cavalo e que mesmo assim, embora não estivesse em condições, e mesmo com a reprovação de seus amigos, fêz questão de entrar no campo de batalha montando um cavalo que lhe haviam trazido, achando-se em pleno combate, inteiramente desarmado, sem qualquer proteção de couraça ou armadura. Dessa maneira se viu alvo de um número infinito de golpes das armas, que lhe passavam rentes, à direita e à esquerda, até que foi alcançado pelo golpe de um dardo de ferro, que não o feriu em cheio, mas resvalou pelo lado esquerdo.

Dada, porém, a violencia com que foi atirado, abriu-lhe a túnica e magocu-lhe a carne de tal modo que muito depois ainda se via o sinal da contusão. Eis como faz esse Possidônio a defesa e a ressalva do procedimento de Perseu.

(28) O nome de Pidna não se encontra no grego. Segundo Reiske, deve-se ler Pela. Mas esta Pidna, sem dúvida, que Políbio refere, estava perto da cidade onde Perseu se achava acampado, o que parece ser confirmado quando Plutarco diz mais tarde que êle fugiu de Pidna para a cidade de Pela. Tito Lívio também diz o mesmo. (Trad. fr.).

XXXIII.Estando os romanos empenhados, com todo o poder de que dispunham, na batalha macedónica, sem que entretanto pudessem forçar os resultados, um capitão dos pelígnios de nome Sálio, atirou a insígnia de seu pelotão de encontro ao inimigo. Diante disso, seus comandados, tomados de grande impetuosidade e ardor combativo, lançaram-se a uma só voz contra as hostes macedónicas, pois todos os italianos consideram um crime e uma vergonha abandonar a insígnia em poder dos inimigos. O resultado dessa façanha foi assombroso, pois de lado a lado o ímpeto foi terrível. Os pelígnios se esforçavam por alcançar com suas espadas as lanças dos macedônios e procurando segurá-las com as mãos. Mas os macedónicos, ao contrário, tendo suas lanças firmes nas mãos e vendo um a um os que se aproximavam, sem que os escudos e as armaduras pudessem resistir à violência do golpe, atiravam por terra os pelígnios e terracíneos (29) que, alucinadamente, como bestas enfurecidas, investiam de cabeça baixa ao encontro da morte certa. Assim, o primeiro embate foi desastroso para os romanos. Vendo os soldados que vinham logo atrás o que estava acontecendo, recuaram um pouco até alcançar o monte Olocro, sem que isto fosse, entretanto, uma fuga. Vendo Emílio o que acontecia, segundo afirma Possidônio, rasgou suas vestes, pois devido a esse recuo, os outros também, como que contagiados não ousavam enfrentar o inimigo, o qual estava bem protegido por todos os lados e fortalecido por uma verdadeira muralha de lanças que se apresentavam em todos os nítidos, impossibilitando a entrada naquele círculo de ferro e nem ao menos dele se aproximar. Tam-bém o fato de ser naquele local o terreno um tanto desigual, isto impossibilitava os soldados de man-terem os escudos bem juntos para melhor proteção. Era forçoso, então, que a frente inimiga se abrisse em diversos claros e em várias direções, como deve acontecer em todas as grandes batalhas, segundo os esforços dos combatentes, que numa parte avançam e noutra recuam, conforme a necessidade do momento, o que Emílio repentinamente compreendeu ser preciso fazer na ocasião. Repartiu sua gente em pequenos esquadrões, ordenando que se infiltrassem habilmente por entre os claros e vazios da frente contrária e atacassem, não desferindo uma carga única e contínua, mas diversas, em diferentes lugares.

(29) O grego traz: "palinianos e racinianos". Tito Lívio registra: "peiignianos e marrucianos". (Trad. fr.).

XXXIV. Emílio fez saber o plano aos capitães e chefes das falanges e estes, revelaram aos soldados a nova estratégia. Assim, os combates se dividiram imediatamente e trataram de ir entrando pelas brechas abertas e, isto feito, caíram com ímpeto sobre os macedônios, uns pelos flancos, nos locais em que estes se achavam desarmados e sem defesa, outros pela retaguarda, de tal maneira que a força do batalhão macedónico, cuja resistência se firmava na frente unida para atacar em conjunto, quando foi assim retalhada, caiu e se perdeu completamente. E quando o combate passou a ser de homem contra homem e de grupo contra grupo, os macedônios, com suas espadas curtas, vendo-se tolhidos em sua ação pelos escudos fortes dos romanos que os cobriam quase totalmente, até os pés, enquanto eles se protegiam com seus boucliers pequenos e frágeis, vendo-se frente a frente com as maciças e largas espadas romanas, que caíam pesadamente, manejadas por mãos firmes, destruindo as armaduras e penetrando na carne, não puderam resistir e se puseram em fuga desabalada.

XXXV. Mas quando combatia o esquadrão dos matreiros macedônios, no mais aceso da luta corpo-a-corpo, diz-se que ‘Marcos Catão, filho do grande Catão e genro de Emílio, perdeu a espada e, moço de valor que era e educado na boa disciplina do pai, sentindo-se no dever de não desmentir a coragem e as virtudes paternas, julgou coisa mais apreciável morrer do que consentir que o inimigo levasse o que lhe pertencia como parte de seus despojos. Decididamente, correu através das linhas romanas ao encontro de alguns amigos, aos quais contou o que havia acontecido e lhes pediu para o ajudarem a recobrar sua espada, no que eles concordaram. Foi formado um grupo de homens audazes e valentes, os quais romperam por entre o inimigo, sempre guiados por Marcos, com tal impetuosidade e valentia que forçaram a pressão, fazendo tal mortandade e derramando tanto sangue que abriram um grande claro nas fileiras inimigas. Isto feito, puseram-se a procurar a espada, que foram encontrar, depois de muito esforço, no meio de um montão de cadáveres e de armas, o que lhes proporcionou grande alegria. E, cantando um hino de vitória, caíram ainda mais furiosamente sobre alguns inimigos que ainda teimavam em resistir. Finalmente, os três mil macedônios de elite, combatendo valentemente, até o derradeiro suspiro, sem jamais abandonar seus esquadrões, foram todos despedaçados. Mesmo aqueles que fugiam foram alcançados, o que deu lugar a uma grande carnificina, ficando a planície coalhada de corpos, que se estendiam até o sopé das montanhas vizinhas. Na manhã seguinte quando os romanos atravessaram o rio Leuco, encontraram ainda as áejuas tintas de sangue. Afirma-se que morreram nesta batalha mais de vinte e cinco mil homens, sendo que do lado dos romanos pereceram apenas cento e vinte (30) segundo Possidônio e, pelo que escreveu Nasica, somente oitenta. Para isso concorreu a rapidez com que foram executados os planos, pois tendo começado o combate cerca das três horas da tarde, antes das quatro já a vitória estava assegurada, sendo que o resto do dia foi empregado na perseguição dos fugitivos, até a distância de sete léguas e meia, (31) bem distante já do local do encontro, de maneira que já ia bem adiantada a noite, quando os perseguidores regressaram.

(30) No original grego: "cem homens". (Trad. fr.).

XXXVI.Os que voltaram foram recebidos com grandes demonstrações de alegria pelos seus servidores, que permaneceram no campo e foram depois ao encontro dos combatentes, conduzindo grandes archotes, e guiando-os até as suas tendas, que se achavam festivamente iluminadas e adornadas com grinaldas e coroas de louro. Uma nota de tristeza, entretanto, em breve apagou o entusiasmo dessa alegria, porque um dos filhos de Emílio, que êle tinha trazido consigo, o mais moço deles, a quem êle mais amava, porque era, mais que os outros irmãos, corajoso e portador de excelentes qualidades, havia desaparecido. Emílio já o considerava perdido, pois, naturalmente, sem experiência da guerra e levado pelo ardor da mocidade, talvez tivesse sido arremessado no meio do inimigo. Quando circulou a notícia, os romanos estavam à mesa, celebrando a vitória. Levantaram-se todos, e correndo, ao clarão das tochas, dirigiram-se uns à tenda de Emílio, outros se espalharam pelo campo de batalha, procurando entre os mortos a ver se o reconheciam. Assim o acampamento se fêz, de um momento para o outro, triste e soturno, com a perspectiva de uma confirmação desagradável, naquela busca desesperada ao clarão dos archotes enquanto repercutiam nos arredores as vozes daqueles que chamavam Cipião. É que o jovem possuía as qualidades naturais requeridas em todo capitão e hábil dirigente dos negócios públicos, como nenhum outro jovem de seu tempo, o que mais aumentava o desejo de que todos se achavam possuídos, de que fosse encontrado.

Afinal, quando não restava mais nenhuma esperança de seu aparecimento, êle regressou em companhia de dois ou três dos seus amigos, todo ensanguentado e roto, pois como um cão de caça, havia ido atrás do inimigo, até muito longe, entusiasmado como estava com a vitória. Este é aquele Cipião que mais tarde destruiu as cidades de Cartago e Numan-cia e que foi o maior cabo de guerra e o mais valente capitão dos romanos em seu tempo, e o que teve mais autoridade e reputação.

(31) No grego: "cento e vinte estádios". (Trad. fr.).

XXXVII. Assim a sorte dilatou, para outra época, o aparecimento da inveja que despertou um tão nobre feito, permitindo nesse caso a Emílio saborear inteiramente o prazer da vitória. Quanto a Per-seu, fugiu precipitadamente da cidade de Pidna para a de Pela com a sua cavalaria, que ficou intacta. Percebendo a retirada, os soldados de infantaria, que também estavam fugindo desordenadamente, derrotados, saíram no encalço dos cavalarianos, chamando-os de traidores, covardes, e maltratando-os deliberadamente. Perseu, vendo isto, e temeroso de ser também atacado por aqueles amotinados, desviou o cavalo da estrada, despojou-se da cota de armas e das vestes de púrpura e tirou da cabeça o diadema real para que não fosse reconhecido por essas insígnias. Depois, para que pudesse mais facilmente falar a seus amigos pelo caminho, apeou e seguiu conduzindo o cavalo pela rédea. A alguns daqueles que se achavam a seu lado, êle procurou fazer crer que precisava consertar a correia do sapato, que se teria desligado, a outros que precisava lavar ou dar água ao seu cavalo, tanto que eles foram se retirando, um após outro e se foram, não temendo tanto pelo furor do inimigo como pela crueldade do seu rei, o qual com a perturbação de sua desgraça, procurava tirar de si a culpa e atirá-la sobre os outros. Ao anoitecer, estava êle entrando na cidade de Pela, ali encontrando dois dos seus tesoureiros e superintendentes das finanças: Eucto e Éudeo, que tinham chegado antes, os quais começaram a falar-lhe francamente, dizendo-lhe que êle tinha cometido muitos erros e aconselhando-o como proceder. O rei ficou tão irritado com a atitude de seus auxiliares, que os matou ali mesmo, com sua adaga. Isto foi causa de o abandonarem outros de seus servidores e amigos, não permanecendo a seu lado senão Evandro Can-dioto, Arquedamo Elotiano e Neon da Beócia. E quanto aos soldados somente o seguiram os candio tos, não por amizade, mas pela cobiça, pelo interesse no ouro e dinheiro do rei, como fazem as abelhas em derredor de suas colmeias por causa da cera e do mel que ali existem. Porque êle levava consigo uma grande fortuna em baixelas de valor e moedas de ouro e prata, estimada em trinta mil escudos, (32) que era o que estava excitando a cobiça daqueles homens, e que o rei deixou propositadamente que eles roubassem.

XXXVIII.Mas, chegado que foi à cidade de Anfípolis primeiramente e a Alepse depois, ao sentir diminuir um pouco o medo, êle caiu novamente nas garras daquela doença, que de longa data tinha criado raízes em sua alma: a avareza. Então começou a queixar-se aos que estavam ao seu lado, que havia abandonado, sem pensar, nas mãos dos soldados can-diotos, alguns vasos de ouro que tinham pertencido a Alexandre, o Grande, e a rogar insistentemente, com lágrimas nos olhos, a que eles concordassem em trocar essas relíquias por dinheiro. Os que conheciam bem sua natureza, perceberam imediatamente que isto não passava de uma astúcia e mentira candiota com que êle queria atrair os candiotos. Mas aqueles que acreditavam em suas palavras, acabaram devol-vendo-lhe o que possuíam da baixela e perderam tudo, pois êle não lhes pagou em dinheiro conforme havia prometido. E assim ganhou cerca de dezoito mil escudos, que seus inimigos pouco depois lhe haviam de tomar. E daí passou à ilha de Samotrácia, onde se refugiou no templo de Castor e Pólux.

(32) No grego: "cinqüenta talentos". (Trad. fr.),

XXXIX. Tem sido afirmado que, em toda a antiguidade, foram os macedônios o povo que mais naturalmente estimou seus reis. Mas agora, vendo faltar-lhes o apoio de que precisavam, assim de momento, resolveram eles se entregar sem luta a Emílio, que se viu senhor de toda a Macedónia em dois dias apenas, o que parece confirmar o dizer daqueles que atribuem os sucessos de Emílio ao favor da fortuna. Também parece confirmar essa opinião um incidente que se deu na cidade de Anfípolis, quando êle oferecia um sacrifício aos deuses, pois caiu um raio do céu sobre o altar, consumindo a lenha e completando e como que santificando o ato. Um outro acontecimento, sobretudo, que parecia ter como objetivo o prestígio do seu nome, como um milagre, deu-se em Roma, quatro dias depois da derrota de Perseu e da tomada da cidade de Pela. Estava o povo assistindo uma corrida de cavalos, quando começou a lavrar surdamente entre a assistência a notícia que Emílio tinha vencido Perseu numa tremenda batalha e tinha conquistado e subjugado toda a Macedónia. Esse rumor foi crescendo e se avolumando e em breve tomou conta da cidade, transformando-se os jogos do dia numa festa de regozijo público. Mas, ao ser procurada a confirmação da notícia, não se encontrou apoio para afirmar sua veracidade, pois todo o mundo dizia ter apenas ouvido falar a respeito e, assim, o entusiasmo se arrefeceu. Mas, poucos dias depois, chegaram cartas confirmando o fato anteriormente propalado, o que intrigou a população de tal maneira que era comum a indagação feita naqueles dias sobre quem seria o portador que havia antecipado a notícia, pouco depois inteiramente confirmada.

XL. Semelhantemente, na batalha travada na Itália, nas proximidades’do rio Sagra, (33) afirma-se que no mesmo dia o resultado tinha chegado ao Peloponeso e que um outro caso semelhante se deu na Ásia, na luta contra os Medos, diante da cidade de Micale, quando a notícia chegou no mesmo dia ao campo dos gregos, que se achavam em frente à cidade de Platéia. Também naquela grande jornada, quando os Tarquínios e o exército latino foram derrotados pelos romanos, logo após a vitória, foram vistos dois moços de bela aparência, porte elevado, que deixando o acampamento, levaram a nova da vitória a Roma, acreditando-se que os portadores eram Castor e Pólux. O primeiro que falou com eles, quando se encontravam diante da fonte, dando água aos cava los, os quais se achavam cobertos de suor, disse-lhes na conversa que estava admirado de como eles tinham podido trazer tão depressa a notícia. Os mensageiros, rindo, tocaram-lhe a barba com ambas as mãos e, naquele ponto, a barba, de negra que era, tornou-se loura. Este milagre deu ao seu principal personagem, conforme sua própria exposição do caso, o apelido de "Enobarbo", isto é — barba loura.

(33) Esta batalha teve lugar entre os locrianos e crotonianos. sendo estes últimos completamente derrotados. Ver Justino, 1. 20, c. 3. (Trad, fr.).

XLI.Um outro caso se deu já em nossos dias, o qual contribui para tornar dignos de crédito esses fatos. Quando Antônio se rebelou (34) contra o imperador Domiciano, a cidade de Roma se achou em grande alvoroço porque estava sendo esperada uma guerra de grandes proporções do lado da Alemanha. No meio dessa agitação, surgiu de repente, começando a princípio entre o povo, um rumor de vitória, correndo a informação, por toda Roma, que Antônio tinha sido morto e seu exército totalmente destruído, nada restando dele. O rumor tomou tais proporções que diversos entre os principais da cidade se reuniram e foram dar graças aos deuses e oferecer-lhes sacrifícios em agradecimento pela vitória. Mas quando se procurou saber quem tinha sido o primeiro a proclamar aquela nova, não pôde este ser encontrado, pois cada um apontava outro, em confusão, de maneira que o autor se perdeu naquela imensa multidão, nada podendo ser constatado. Entretanto, a notícia tinha circulado com rapidez através de toda a cidade de Roma, porém ninguém ficou sabendo como havia ali chegado. Domiciano, que se tinha posto a caminho, ao encontro dos insurretos, deu de frente com os mensageiros que lhe traziam a certeza da vitória, ficando positivado que esta tinha sido ganha justamente no dia em que a capital tivera conhecimento dela, apesar da distância de mil duzentas e cinqüenta léguas. (35) Não há ninguém, em nosso tempo, que ignore este fato.

(34) Ano de Roma 845 ou 92 da era cristã, (Idem).

XLII. Mas, vamos retornar à nossa história. Cneu Otávio, lugar-tenente de Emílio e comandante da esquadra, ancorou-a na ilha de Samotrácia e ali usou de certa benevolência com o rei Perseu, isto, porém, em consideração e como respeito aos deuses Castor e Pólux. Assegurou-se, entretanto, tomando as devidas precauções, de que êle não poderia escapar da ilha pelo mar. Contudo, o rei, que conseguira jeitosamente ganhar as boas graças de um candioto chamado Oroando, dono de uma pequena embarcação, combinou com êle a fuga para uma noite daquelas, quando conduziriam também os valores que o rei trazia consigo. Mas o candioto pregou-lhe uma peça bem digna de um cretense. Recebeu no barco, durante a noite marcada para o embarque, toda a prataria e demais riquezas em ouro, avisando-o de que êle, sua família e criados, deviam estar a postos para embarcar, no porto que ficava junto ao templo de Ceres, pois logo que o dia clareasse, começariam a velejar. Foi lamentável para o rei o que aconteceu. Passou a noite inteira, em vigília, olhando por uma abertura da muralha, não somente êle mas igualmente a mulher e as crianças, que não haviam passado jamais por experiência semelhante. Mais desagradável se tornou a situação quando lhe vieram trazer a notícia de que Oroando, o candioto, tinha sido avistado longe do porto, singrando em alto mar. Aliás, começava já o dia a raiar, quando Perseu, desesperado, como louco deu de escavar a muralha, tentando transpô-la, em companhia dos seus, quando foi percebido pelos romanos, ficando frustrada a sua fuga.

(35) É um erro. É preciso corrigir essas duzentas e cinquenta léguas. Antônio comandava na alta Germânia, onde se revoltou. (Trad. fr.).

XLIII. Quanto aos seus filhes, êle mesmo os havia entregue à guarda de um indivíduo chamado Ion, o qual em outros tempos lhe havia sido fiel, mas que agora praticara uma grande traição, pois entregara as crianças aos romanos. Isto foi a causa por que aquele infeliz, como que se transformando numa fera em procura dos filhotes, acabou por se entregar às mãos daqueles que se haviam apoderado dos meninos. Ora, Perseu, que parecia depositar mais confiança em Nasica, ao voltar prisioneiro, pediu que o procurassem, pois desejava falar-lhe. Responderam-lhe, porém, que Nasica não estava, dado o que, o desgraçado se pôs a lamentar a sua desgraça. Afinal, resignou-se em permanecer sob o poder de Cneu Otávio, dando a perceber assim, claramente, que havia nele um mal ainda mais baixo e vil do que a avareza, que era a covardia diante da morte, pela qual se privou a si mesmo da compaixão e comiseração dos outros, que é o único bem que a fortuna não pode arrebatar. Depois de muito rogar, foi levado à presença de Paulo Emílio. Este, ao recebê-lo, levantou de sua cadeira, quando o prisioneiro se aproximava e foi ao encontro dele e de seus amigos, com lágrimas nos olhos, ao ver diante de si um homem de tão elevada posição, que de um momento para o outro se encontrava, pela sorte da guerra ou pela vontade dos deuses, numa situação tão deplorável e calamitosa.

XLIV.Perseu, entretanto, portou-se de maneira vergonhosa e desprezível. Prostrou-se aos pés de Emílio, a cabeça inclinada para o chão e, abra-çando-lhe os joelhos, deixou escapar palavras tão baixas e tão indignas que Emílio não as quis ouvir e contrariado e arrependido da homenagem que lhe havia prestado, exclamou: — "Infeliz, teu procedimento está provando que não podes acusar a sorte pela tua desgraça, pois o que estás fazendo mostra que bem mereces o que te aconteceu e que és indigno da honra e do respeito que antes te eram tributados. E porque vens assim rebaixando a minha vitória, diminuindo a glória dos meus feitos, mostrando-te um homem tão covarde, não será mais grande honra o te haver vencido, atendendo que não eras digno de ser adversário dos romanos. A magnanimidade com qualquer inimigo, seja êle qual fôr, sempre foi um apanágio dos romanos, mas a covardia, seja ela determinada pela prosperidade ou pela desgraça, é sempre desprezada por todos." Não obstante estas palavras êle ainda teve consideração para com aquele inimigo e, tomando-o pela mão, o entregou a Tube ron, retirando-se depois para fora de sua tenda, ficando a êle reunidos seus filhos, genros e outras pessoas de valor, entre os quais grande número de jovens.

XLV. E, assentando-se, ficou por muito tempo profundamente pensativo, sem nada dizer, de maneira que todos os assistentes se preocuparam. Afinal começou a falar, discorrendo sobre a sorte e a incerteza das coisas humanas, dizendo: — "Haverá algum homem no momento, meus amigos, que tendo a sorte o ajudado, deva ficar orgulhoso, sentindo-se glorificado com a prosperidade de seus feitos por ter conquistado e subjugado uma província, uma cidade ou um reino e não mais recear a instabilidade das coisas?

Pois o que estamos vendo diante de nossos olhos é um impressionante exemplo da imbecilidade dos homens e nos faz pensar que não há nada firme nem perdurável neste mundo. Em todos os tempos deviam os homens agir com firmeza, pois quando eles se atiram uns contra os outros, deviam ter um certo receio das incertezas da sorte e assim poderem colocar, de permeio às alegrias do triunfo, a dúvida e a desconfiança, se quisessem sabiamente considerar o curso ordinário e fatal do destino, que continuamente volta favorecendo tanto a um como a outro. Vós acabais de ver como em um momento nós abatemos e pusemos sob os nossos pés a casa de Alexandre, o Grande, que foi o mais poderoso e o mais temido príncipe do mundo. Vós vistes há pouco tempo um rei que era acompanhado por milhares de combatentes a pé e a cavalo, agora reduzido a tal condição de miséria que precisará receber das mãos de seus inimigos, dia após dia, o pão que deve comer e a água que deve beber. Devemos então, nós outros, ter mais confiança na sorte para acreditar que ela nos será sempre favorável? Certamente, não. Portanto, considerai bem, vós que sois jovens: não será melhor vos humilhar, arrefecer esta alegria, este louco orgulho e esta soberba insolência que vós tendes mostrado pela conquista desta vitória? Não será melhor pensar sempre no futuro e considerar qual será o fim e qual será o resultado a que a sorte conduzirá o orgulho da prosperidade presente?"

XLVl.Assim falou Emílio refreando com estas exortações e outras semelhantes, a bravura insolente da mocidade, nem mais nem menos do que com o freio e as rédeas da razão.

Depois êle fêz alojar seu exército em seus acampamentos para o descansar e refazer. Enquanto isso, saiu a visitar a Grécia, proporcionando a si mesmo uma recreação honrosa, ao mesmo tempo humana e liberal, pois passando pelas cidades, consolava o povo, reformava a direção dos negócios públicos, fazia sempre algum presente, dando a uns o trigo que o rei Perseu havia acumulado para a guerra, a outros distribuía azeite, pois êle tinha tão grande provisão que logo faltou gente a quem dar e que quisesse receber, tal era a quantidade de provisões. Passando pela cidade de Delfos, êle viu ali um grande pilar de pedras brancas que havia sido construído para receber a estátua do rei Perseu, feita de ouro maciço. Mandou que em lugar da estátua do rei pusessem a sua, dizendo, "que era razoável os vencidos cederem e abandonarem o lugar aos vencedores". Na vila de Olímpia, visitando o Templo de Júpiter Olímpico, ali proferiu em voz alta estas palavras que se transformaram numa frase célebre: — "Verdadeiramente Fídias esculpiu Júpiter tal como Homero havia descrito".

XLVII. Depois quando chegaram os dez comis sários enviados para tratar com êle dos negócios da Macedônia, êle os enviou aos próprios macedônios e instituiu-lhes seu país e suas cidades, tornando-os livres, podendo viver com suas próprias leis, pagando somente cem talentos de tributo anual aos romanos, metade do que eles estavam acostumados a pagar aos reis. Fêz celebrar jogos de todas as espécies e suntuosos sacrifícios aos deuses onde todos tinham acesso, realizou magníficas festas cuja despesa fazia tirando do que Perseu havia ajuntado sem que nada fosse economizado. Deu ordem também para que fossem recebidos cortesmente todos os que chegavam, fazendo-os sentar à mesa de acordo com a dignidade de seu cargo-, dando-lhes honra e atenção segundo sua qualidade, o que foi tão cuidadosamente observado que os gregos se- admiraram de como êle empregava a sua solicitude nos pequenos detalhes naquelas horas de alegria, da mesma forma que ordenava as grandes coisas. E ainda queria ter cuidado, êle mesmo, observando como tudo era feito. Êle, porém, que devia estar satisfeito ao observar a precisão com que foi executado tudo o que ordenava, para o prazer dos convidados, parecia estar mais contente consigo mesmo, recreando-se na alegria íntima de que se achava possuído. Àqueles que se mostravam maravilhados com sua diligência e solicitude em tais coisas, êle dizia, "que era necessária a mesma prudência ao ordenar um festim e ao comandar uma batalha, a fim de se tornar, no combate mais temível aos inimigos e na festa mais agradável aos amigos."

XLVIII. Uma das qualidades mais estimadas e mais louvadas na sua pessoa eram a liberalidade e a magnanimidade, pois êle não quis ver somente o ouro e a prata, achados em abundância nos tesouros do rei, mas ainda os fêz escriturar pelos contadores e os consignar nas mãos de questores e tesoureiros para os levar aos cofres de Roma. Permitiu aos seus filhos, somente aqueles que amavam as letras, tomar os livros da livraria do rei e, distribuindo presentes e prêmios aos que se haviam portado bem na batalha, deu a seu genro Élio Tuberon uma taça com o peso de cinco marcos de prata. Este é aquele do qual dissemos antes que vivia com dezesseis outros parentes próximos em uma só casa, e da renda de uma pequena propriedade que possuíam nos campos. Afirma-se que foi este o primeiro utensílio de prata que entrou na casa dos Élios, mas entrou pelo caminho da honra e da virtude. Antes, porém, nem eles, nem suas mulheres tinham desejado possuir ouro ou prata.

XLIX. Depois de ter assim tão bem ordenado e disposto todas as coisas, finalmente despediu-se dos gregos e admoestou os macedônios a que não se esquecessem da liberdade que os romanos lhes tinham dado, a fim de se ccnrervarem em boa união, paz e concórdia uns com cs outros. Depois partiu para o país do Épiro, onde recebeu uma ordem de Roma, na qual ordenavam que êle abandonasse ao saque as cidades daquela região, aos soldados que haviam ajudado a destruir Perseu. Intentando surpreender os habitantes sem que desconfiassem, mandou ordem a cada uma daquelas cidades para que lhe enviasse, num dia marcado, dez de seus principais cidadãos aos quais, quando chegaram a sua presença, ordenou-lhes com energia que procurassem levar, em dia determinado, todo o ouro e prata que tivessem em suas casas, nos templos e igrejas. Mandou pôr às ordens de cada uma daquelas comissões um capitão e soldados como se fossem com a ordem de procurar e receber o ouro e a prata que êle havia requerido. Quando chegou o dia assinalado, os soldados, todos nos diversos locais e ao mesmo tempo se puseram a saquear e a perseguir os inimigos, de maneira que, por esse meio, num mesmo dia e na mesma hora, cento e cinqüenta mil pessoas foram presas e escravizadas e setenta cidades foram saqueadas. Entretanto, ao serem distribuídos no final os despojos desta destruição geral, não tocou a cada soldado mais que onze dracmas de prata, o que estarreceu e surpreendeu a todos, pois esperavam recompensa muito maior, em vista do esforço despendido com uma guerra cujo resultado foi a submissão de uma província inteira.

L. Emílio tendo executado esta ordem, contra sua vontade, pois que vinha de encontro à sua natureza, que era humana e sensível, desceu o Orico, onde embarcou com seu exército para passar à Itália onde, logo que chegou, subiu pelo rio Tibre numa galera de comando que pertencera a Perseu, de dezesseis remos por banco, a qual se achava magnificamente adornada com as armas do inimigo e com ricas peças de púrpura e outros despojos. Os romanos concorreram em massa até o local onde se encontrava a galera e marcharam lado a lado com ela, enquanto vogava triunfalmente tornando-se aquilo um motivo de regozijo público, ou melhor, uma honra triunfal antecipada ao vencedor. Mas os soldados, que esperavam, de acordo com as promessas feitas, melhor distribuição dos tesouros do rei vencido, quando verificaram que não lhes tocava mais nada além do recebido, começaram a manifestar descontentamento contra Emílio, não ousando, todavia, dizer abertamente o motivo. Deram de afirmar que éle tinha sido muito rude e austero naquela guerra e, por este motivo, não se sentiam na obrigação de mostrar entusiasmo e afeição por êle, assim como não faziam nenhum empenho em que fosse decretado o triunfo a seu favor.

LI. Sérvio Galba, que de longa data se havia inimizado com Emílio, ainda que tivesse tido mil homens sob seu comando naquela campanha, achou azado o momento para dizer em público, alto e bom som, que êle não era merecedor das honras do triunfo e deu de semear entre as classes armadas, calúnias e mais calúnias, procurando inflamar ainda mais a cólera e aumentar a malquerença dos soldados contra Emílio. Na sua arenga, requereu outro dia para poder concluir suas acusações, pois aquele não dava porque dispunha apenas de quatro horas diante de si (36). Os tribunos lhe responderam que falasse naquela hora se ainda tinha alguma coisa a alegar, porque não poderiam dar outra audiência. Assim, deu de produzir um aranzel difamatório cheio de toda a sorte de injúrias tão longo, que consumiu o resto do dia e, quando a noite caiu, os tribunos desfizeram a reunião. Na manhã seguinte os soldados, tornando-se mais audaciosos depois de ouvir o falatório de Galba, tendo combinado entre si, não faltaram no Capitólio, onde os tribunos tinham marcado sua assembléia.

(36) Quer dizer que tinha começado seu discurso às duas horas da tarde. (Trad. fr.).

LII. Quando raiou o dia seguinte, o assunto que preocupava a todos e que devia ser resolvido, era a questão dos festejos relacionados com o triunfo de Paulo Emílio. Submetido a votação, foi recusado totalmente pela primeira linha (36). A nova circulou rapidamente, chegando ao conhecimento do povo e do Senado. Foi grande o desgosto da plebe ao verificar que se preparava tal injúria a Emílio. Quanto à assembléia, ali não se fazia outra coisa senão comentar o descontentamento de todos, mas não se tomava qualquer outra providência. Os principais senadores, porém, considerando aquilo uma vergonha, incitavam-se uns aos outros, reprovando a audácia e a insolência dos militares, os quais acabariam por praticar toda a sorte de desatinos se fossem deixados à vontade, com o objetivo de privar seu comandante das honras da vitória. Reuniram-se e tomaram o rumo do Capitólio, onde intimaram os tribunos a suspender a votação até que se fizessem alguns esclarecimentos que eles desejavam prestar. Foram atendidos e prosseguiu a audiência, com calma e em silêncio.

(36) Ou «pela primeira tribo.» (Idem).

LIII. Levantou-se então Marcos Servílio, varão consular, que já havia morto em duelo vinte e três inimigos e falou desta maneira: — Eu conheço, melhor que ninguém, quão grande e digno capitão é Paulo Emílio. Agora, que conseguiu tão belos e gloriosos feitos com um exército desobediente e cheio de maldade, eu me admiro como é que o povo, que se maravilhou com as vitórias e triunfos alcançados contra os esclavônios (37) e sobre os países da África, agora que êle vem coberto de glória, trazendo vivo um rei da Macedónia, quando se mostram publicamente as glórias dos reis Filipe e Alexandre, o Grande, transmutadas em prisioneiros das armas romanas, num momento como este, recusam-se a um tal homem as honras que merece. Por que razão, quando chegou há dias aquela notícia incerta segundo a qual nós tínhamos ganho a batalha contra Perseu, vós demonstrastes imediatamente tão grande alegria e gratidão aos deuses e agora, quando o vencedor aqui se encontra, em pessoa, prestando contas da missão de que vós mesmos o encarregastes, quando vos traz a vitória certa e segura, vós quereis impedir que êle receba o prêmio que lhe é devido e que o povo manifesta seu regozijo? Parece até que estais temerosos de ver, frente a frente a grandeza da vossa prosperidade ou, então que desejais perdoar ao rei que é agora nosso escravo e prisioneiro. Ainda seria lógico se o triunfo estivesse sendo negado por piedade ao prisioneiro, mas não por inveja de vosso general. Mas a maldade é tão audaciosa e insolente, que há homens que não receberam nunca um ferimento na guerra e que aqui estão como donzelas (38), criados na sombra, e no entanto se mostram tão audaciosos, que se atrevem a vir discursar diante de vós sobre questões militares e sobre o mérito do triunfo, quando vós mesmos tendes já, conscientemente, sabido discernir tão bem, em ocasiões semelhantes, qual a diferença entre um bom e valente general e um covarde e mau.

(37) O grego traz: «ganhas sobre os ilírios e os liguria-nos.» (Trad. fr.).
(38) Estas palavras não se encontram no original. (Idem).
(39) Os golpes e as feridas não poderiam ser para Galba objeto de riso, mas sim as contusões. (Trad. fr.).
(40) As tribos. (Idem).

LIV. Ao pronunciar estas palavras, êle abriu sua túnica na frente e mostrou à assistência as cicatrizes que lhe assinalavam o peito. Em seguida descobriu e expôs também aquelas outras partes do corpo que não se costuma exibir diante de outros e, vol-tando-se para Galba, exclamou: — "Tu estás rindo e mofando do que eu mostro, mas por isso eu me glorifico diante dos meus concidadãos, pois isto é o resultado de meus serviços à coisa pública, montando a cavalo continuamente, dia e noite, assim recebendo tantos golpes (39). Portanto, vamos recolher agora o voto de cada um e eu vou marcando quais são os ingratos e maus que desejam ser adulados e não comandados, como é próprio dos bons soldados."

LV. Estas palavras quebrantaram e surpreenderam tanto os soldados, que todos os outros (40) se puseram de acordo e outorgaram a Emílio o triunfo, cujo programa foi logo executado. Primeiramente, o povo todo o mundo ostentando roupagens ricas — fêz construir tablados, tanto nas liças onde se realizavam as corridas, a que os latinos chamam circo, como ao redor da praça e outros logradouros da cidade por onde devia passar o cortejo triunfal. Os templos foram abertos e magnificamente enfeitados c perfumados. Havia, em todos os quarteirões da cidade sargentos e outros oficiais, armados de bastões para fazer retirar logo os imprudentes que tentassem se pôr à frente das carruagens, os quais iam e vinham por toda a cidade, zelando para que as ruas ficassem vazias e limpas. As cerimônias foram divididas de modo a durar três dias. O primeiro apenas deu para mostrar ao povo, por meio da marcha, as imagens, quadros, pinturas e enormes estátuas, ocupando, com tudo o que foi tomado ao inimigo, nessa demonstração, cerca de duzentos e cinqüenta carros. No segundo dia foram transportadas sobre grande número de carruagens as mais belas e mais ricas armas dos macedônios, tanto de cobre como de ferro e aço, todas reluzentes por terem sido recentemente lustradas pelos artífices, de tal maneira que parecia terem sido elas atiradas confusamente, aos montões, sem que houvesse cuidado de as colocar em ordem e ali estivessem para dar a impressão que não era proposital o arranjo: os elmos sobre os escudos, as couraças sobre as botas, os grandes escudos dos candiotos, as targas tracianas, estojos, de flechas e calções entre freios e rédeas de cavalos, espadas nuas com as pontas para cima entre compridas lanças, todas estas armas acumuladas umas sobre as outras, de propósito, nem muito unidas, nem muito espalhadas. Assim, com o movimento dos carros, produziam um som impressionante, que inspirava terror aos espectadores. Após os carros seguia um contingente de três mil homens, conduzindo a prata recolhida, em setecentos e cinqüenta vasos que pesavam cerca de três talentos cada um e eram carregados por quatro homens, havendo outros ainda que transportavam copos de prata, taças, vasos feitos em forma de trombeta (41) em grande quantidade, outros conduziam potes, tudo isto formando um belo espetáculo, tanto pelo seu valor como pela singularidade e acabamento, além de outros admiráveis trabalhos em alto relevo.

LVI. No terceiro dia, pela manhã, começaram a marchar os trombeteiros, que tocavam, não como se estivessem numa parada festiva, mas no próprio campo da luta, (42) incitando os soldados ao combate. Em seguida vinham cento e vinte bois, gordos e refeitos, com os cornos dourados e trazendo coroas de flores na cabeça, os quais eram guiados por moços vestidos de faixas vistosas e assim conduzidos ao sacrifício. Outros rapazes, adolescentes, vinham trazendo belas jarras de prata e de ouro para as libações. Após estes vinham aqueles que conduziam setenta e sete vasos cheios de moedas de ouro, pesando cada um três talentos, como aqueles que continham a prata. Atrás destes era conduzida a grande ânfora sagrada que Emílio tinha mandado fazer, de ouro maciço, adornada de pedras preciosas e que pesava dez talentos, para a oferenda aos deuses. Marchavam depois outros que conduziam valiosas peças antigas que haviam pertencido ao rei da Macedónia, chamadas "antigônidas", outras denominadas "selêucidas", afinal toda a baixela de ouro usada pelo rei Perseu em seus ricos banquetes. Em seguida vinha o carro desse rei, conduzindo suas armas e por cima destas o seu diadema real. Surgiram depois, com pequeno intervalo, os filhos do rei, seguidos de seus camareiros, professores e oficiais, todos chorando e estendendo as mãos ao povo, que olhava, e ensinando os meninos a fazerem os mesmos gestos a fim de conquistarem a graça e a simpatia da multidão. Eram eles dois meninos e uma menina, os quais, na idade em que se achavam, nada sabiam a respeito de guerras e não podiam compreender a sua desgraça. Na sua inocência, nada compreendendo da mudança de sua sorte, isto os fazia ainda mais dignos de piedade. Tão atento se achava o povo, contemplando as três crianças, que o próprio Perseu passou despercebido. Para muitos, aquele espetáculo não foi senão uma epopéia mesclada de dor e de piedade e assistida com lágrimas, até se perder de vista. Perseu seguia logo após os filhos e estava vestido de preto, tendo nos pés sandálias à moda de seu país, demonstrando, apesar do domínio de sua vontade, que se achava desesperado, transtornado dos sentidos e da inteligência, pelo peso da desgraça que o atormentava. Seguiam-no seus familiares, oficiais e servidores domésticos, todos com a fisionomia pálida e desfeita, chorando e com os olhos fixos na pessoa de seu chefe. Cada um lamentava e deplorava sua própria sorte. Conta-se que Perseu tinha enviado alguns emissários a Emílio para pedir-lhe que se abstivesse de o levar à cidade, daquela maneira humilhante, como parte da demonstração de seu triunfo. O romano, porém, zombando, respondeu: — "Isto, antes estava e ainda está nas mãos dele" dando a entender que seria melhor para o rei ter escolhido a morte do que sofrer em vida tal ignomínia. É que Perseu não tinha ânimo para tomar tal decisão, devido a sua covardia. Parecia mesmo estar ainda alentado por alguma esperança indefinida, preferindo ser, êle mesmo, parte de seus despojos.

(41) O grego traz: «de cornos». Nos tempos antigos faziam-se deles vasos para beber, de onde sobreveio a Baco o apelido de Cornudo. (Trad. fr.).
(42) Plutarco não fala aqui de procissões ou festas religiosas. (Id.).

LVII. Depois de tudo isto passaram no cortejo quatrocentas coroas de ouro que as vilas e cidades da Grécia tinham enviado, por seus embaixadores, como sua parte nas honras da vitória. Logo em seguida vinha Paulo Emílio, imponente em seu carro triunfal, que se achava magnificamente adornado, Eira qualquer coisa de deslumbrante para se ver, pois mesmo que ali se encontrasse somente êle, separado daquela pompa e daquela majestosa manifestação, ainda assim constituiria um espetáculo digno da admiração do povo. Estava trajado com uma vistosa roupagem de púrpura riscada de ouro e conduzia na mão direita um ramo de louro, o que fazia igualmente o seu exército, dividido em turmas e companhias e seguindo a Carriola do chefe, onde alguns soldados iam entoando canções de vitória, como era costume em tais ocasiões, misturadas com insinuações e ditos espirituosos sobre o seu comandante (43). Outros cantos exaltavam e louvavam os fatos vitoriosos da vida de Emílio, o qual, assim honrado, abençoado e louvado publicamente por seu povo, não era invejado e nem odiado por homens de bem, a menos que haja algum deus cuja missão precípua seja tirar ou diminuir a prosperidade, misturando na vida do homem os sentimentos do bem e do mal a fim de que nenhum passe pelo mundo inteiramente livre de qualquer desgraça, confirmando o que diz Homero (44) quando afirma reputar estes ainda bem felizes, ao ter a sorte dosado em partes iguais, em suas vidas, o bem e o mal. Refiro-me a isto lembrando Emílio, que tinha quatro filhos: dois, êle havia dado para serem adotados por outras famílias e casas, que foram Cipião e Fábio, como antes falamos e mais dois do segundo casamento, os quais retinha junto a êle, em sua casa e estavam ainda crianças. Pois bem, um deles faleceu com a idade de catorze anos, cinco dias antes do triunfo de seu pai, e o outro morreu também três dias depois das pompas da vitória, com a idade de doze anos. Não houve coração por mais duro que fosse, em toda a cidade de Roma, que este acidente não causasse pena, e a quem esta crueldade da sorte não deixasse com medo e horror, tendo sido tão importuna, levando a uma casa em triunfo, cheia de honra e de glória, de sacrifícios religiosos e de alegria, um tão deplorável luto, e misturando o pesar e as lamentações da morte com os cânticos do triunfo e da vitória.

(43) Não está no grego. (Trad. fr.).
(44) Ilíada, 1. 224, v. 525 e seguintes. (Id.).

LVIII. Entretanto, Emílio, que recebia todas as. coisas dentro dos limites da razão, julgou que não devia usar de paciência e generosidade somente contra as espadas e lanças dos inimigos, mas também contra toda adversidade e hostilidade da sorte. Contrabalançou tão sabiamente a mistura de suas adversidades presentes com a prosperidade passada, que encontrou o mal apagado pelo bem e, para não privar o público, não diminuiu a grandeza nem maculou a dignidade de seu triunfo e de sua vitória. Sepultou o primeiro de seus filhos, e foi fazer sua entrada triunfante, como descrevemos. O segundo, falecendo logo após as festividades, êle fêz reunir toda a população romana em plena assembléia e discursou, não como homem que tivesse necessidade de ser consolado e animado mas, antes, que confortava seus concidadãos apaixonados e tristes pela desgraça que lhe sucedeu. São estas as suas palavras: — "Das coisas puramente humanas nunca tive medo de nenhuma; mas das divinas, sempre tive medo da sorte, na qual tive pouca confiança, por causa da sua inconstância e de sua mutável variedade. Mesmo nesta última guerra, quando fui continuamente favorecido, como o navio com o vento nela popa, esperei sempre algum refluxo, por assim dizer, e alguma mudança em sua proteção, pois atravessei, quando ia, o golfo (45) do mar Adriático (46) depois Brindes até Corfu (47) em um só dia, e daí a cinco dias encontrava-me na cidade dos Delfos, onde sacrifiquei a Apolo, e dentro de mais cinco cheguei ao meu acampamento, onde encontrei meu exército na Macedónia. Depois dos sacrifícios e cerimônias ordinárias de purificação, comecei incontinenti a pôr mãos à obra, tão bem que na quinzena seguinte terminei muito honradamente esta guerra. Mas, desconfiando sempre da sorte, vendo uma tão grande prosperidade em todo o curso de meus negócios, e considerando que não havia mais inimigos nem outros perigos que pudesse temer, receei seriamente que ela mudasse na minha volta, quando estivesse no mar, trazendo um tão belo exército vitorioso, com tantos despojos e com príncipes e reis prisioneiros: entretanto, chegando às portas da salvação, e vendo toda esta cidade a meu lado cheia de alegria, de festas e de sacrifícios, estava ainda sempre suspeitando da sorte, sabendo muito bem que ela não tem por norma gratificar com tanta liberalidade os homens, nem lhes ceder coisas tão claramente grandes, sem que não haja alguma inveja misturada. Jamais meu espírito conseguiu, estando sempre como em transe, procurando auscultar o futuro para o bem estar do público, atirar este temor atrás de si, até que me vi caído nesta desgraça e nesta calamidade doméstica, até que me foi necessário, nos dias sagrados do meu triunfo, sepultar em golpe sobre golpe, com minhas próprias mãos meus dois filhos jovens, os quais havia retido comigo para sucessão de meu nome e de minha casa. Portanto, parece-me agora que estou fora de qualquer perigo, pelo menos quanto ao que diz respeito ao principal, e começo a assegurar-me e confirmar-me nesta esperança de que a boa sorte ficará firme doravante, sem receio de qualquer sinistro acidente, porque ela contrapesou bastante os favores da vitória que vos deu, pela inveja da desgraça que se abateu sobre mim e os meus atingindo o vencedor e triunfador, não menos notável exemplo da miséria e da imbecilidade humana, do que o vencido que foi levado em triunfo. Perseu, mesmo derrotado como está, tem ao menos o conforto de ver ainda os seus filhos e o vencedor Emílio perdeu os seus."

(45) Não há nenhum golfo no texto. (Trad. fr.).
(46) No grego: Ioniana. (Idem).
(47) No grego: Corcira. (Idem).

LIX. Tal foi o sumário do discurso generoso e procedente de uma verdadeira e não fingida magnanimidade, que pronunciou então Emílio diante do povo romano, E quanta compaixão teve êle em seu coração ao ver a estranha mudança na sorte do rei Perseu, e desejou seriamente poder ajudá-lo. Não pôde, entretanto, fazer qualquer coisa por êle, a não ser transportá-lo da prisão pública, que os romanos denominavam Carcer, para uma casa mais limpa, e mais confortável. Lá, onde se encontrava escrupulosamente guardado, procura êle mesmo a morte, abstendo-se de comer, assim como a maior parte dos historiadores escreve. Todavia, há alguns que descrevem uma estranha espécie de morte: pois dizem que os soldados que o guardavam, tendo concebido algum despeito e algum ódio contra êle, e vendo que não lhe podiam fazer outro mal nem desprazer, o impediam de dormir, fazendo guarda cuidadosamente quando o sono vinha, vigiando-o para não fechar os olhos, constrangendo-o por todos os meios e maneiras à vigília, até que não podendo mais ficar nesse estado, veio a morrer. Também morreram seus dois filhos, mas o terceiro, chamado Alexandre, tornou-se bom operário em trabalho de torno e de marcenaria, aprendeu a língua romana, e tão bem soube escrever, que depois passou a servir como escrevente e notário dos magistrados de Roma, portando-se sabiamente nesse mister.

LX. Pensando bem, deve-se considerar bela esta conquista do reino da Macedónia pelas mãos de Emílio, que a tornou muito agradável ao povo, pois êle trouxe tanto ouro e prata (48) para o tesouro da economia de Roma, que não foi mais necessário o povo contribuir até o tempo e o ano de Hírtio e Pansa, que foram cônsules (49) mais ou menos no começo da primeira guerra de Augusto e de Antônio. E ainda há alguma coisa de próprio e singular em Emílio, pois enquanto êle foi grandemente amado, reverenciado e honrado pelo povo comum, ficou sempre, entretanto, do partido do Senado e da nobreza, e não disse, nem fêz qualquer coisa para obter o favor popular. Assim, pois, colocou-se sempre do lado das pessoas de bem e dos nobres em tudo que dizia respeito ao governo da coisa pública, o que depois Ápio censurou ao seu filho Cipião, o Africano, pois sendo eles os dois primeiros homens de seu tempo, e seguindo os dois juntos o ofício de censor, Ápio tinha à sua volta para favorecer a sua pretensão, todo o Senado e toda a nobreza, notan-do-se que desde a antiguidade a família dos Ápios havia tomado sempre esse partido. E Cipião, o Africano, ainda que fosse grande por si mesmo, havia sido, entretanto, em todos os tempos, estimado, levado e favorecido pela plebe, razão por que quando Ápio o viu entrar na praça, seguido e acompanhado de pessoas de classe inferior e baixa condição, como os que outrora haviam sido servos, mas que naquela época entendiam muito bem como deviam conduzir as intrigas políticas, como provocar ajuntamento da comuna, e obter o que desejavam em assembléias na cidade, pôs-se a gritar bem alto: — "Ó Paulo Emílio, tens atualmente bastante razão para suspirar e gemer sob a terra, vendo o sargento Emílio, e o sedicioso gritador Licínio (50), elevando teu filho à dignidade de censor."

(48) Paulo Emílio trouxe para o tesouro de Roma duzentos e trinta milhões de sestércios. Plínio, 33, 3. (Trad. fr.).
(49) O ano de Roma 711 (Id.).

LX1. Quanto a Cipião foi sempre assim querido do povo, porque êle o favoreceu sempre em todas as coisas: mas Emílio, ainda que tomando sempre o partido da nobreza, não foi menos amado da massa popular, do que aqueles que o adulavam e que diziam e faziam tudo para o agradar e com êle condescender. O que o povo provou, tanto por outras honras e ofícios que êle lhe conferiu, tanto pela dignidade de censor (51) que lhe deu, porque era então o mais íntegro magistrado, o que tinha mais poder e autoridade que qualquer outro, mesmo quanto à inquirição e reforma dos costumes de cada um, porque era fácil aos censores diminuir e tirar do senado um senador que se portava mal, e que não convinha à dignidade do estado, e de nomear e declarar príncipe do Senado aquele que eles julgavam homem de bem. Ainda mais, tinham o poder de privar os moços que viviam dissolutamente, do cavalo que era mantido às expensas da coisa pública. São eles ainda que fazem a tomada dos bens de cada cidadão, o recenseamento do povo, mantendo registros do número de pessoas que se encontram em cada descrição. Foram chamados pela descrição e arrolamento feitos por Emílio trezentos e trinta e sete mil quatrocentos e cinqüenta e dois homens, e nomeou príncipe do Senado a Marco Emílio Lépido, que por quatro vezes já havia tido essa honra, e tirou do Senado três personagens que não tinham grandes qualidades. Êle e seu companheiro Márcio Filipe souberam se conduzir com prudência e moderação, ao reverem os registros da ordem eqüestre.

(50) No grego: Licínio Filonico. A palavra Filonico é um nome próprio. Ver Plutarco, Preceitos de Administração, cap. 4. (Id.).
(51) O ano de Roma 590. (Trad. fr.).

LXII. Depois de haver ordenado e disposto os maiores e principais cargos de seu estado, Paulo Emílio ficou enfermo, parecendo, a princípio, moléstia bem perigosa, mas afinal não teve outra conseqüência a não ser que foi longa e difícil de curar, tendo os médicos aconselhado que se retirasse para uma cidade da Itália, denominada Vélia. Viajou por mar e para lá foi, onde ficou muito tempo, fazendo sua residência nas casas de descanso existentes ao longo da costa, onde permaneceu por muito tempo, em repouso. Mas, durante a sua ausência, os romanos sentiram muito a sua falta e, muitas vezes, estando reunidos nos teatros durante os jogos, gritavam e chamavam por êle, demonstrando o grande desejo que tinham, de vê-lo novamente. Chegado o tempo, quando necessariamente devia fazer um certo sacrifício anual, e parecendo-lhe também já se achar são, voltou a Roma, onde sacrificou em companhia de outros sacerdotes, tendo nessa ocasião o povo demonstrado grande e evidente alegria pelo seu regresso. No dia seguinte ofereceu êle outro sacrifício particular para agradecer aos deuses o seu restabelecimento, depois do qual voltou para casa, pôs-se à mesa (52), e sem que antes ninguém se apercebesse de qualquer mudança ou alteração em sua pessoa, teve de repente um desmaio e um desequilíbrio de inteligência, do qual morreu três dias depois, não havendo necessidade nem falta de qualquer coisa dentre as que se consideram necessárias para tornar os homens deste mundo felizes, pois não houve nada, nem mesmo o carro de seu enterro, que não fosse dos mais honrosos e onde a sua virtude foi decorada em belos e grandiosos ornamentos em ouro, prata e marfim. Não faltaram suntuosidade e magnificência de aparato, bem como o amor, o reconhecimento e a benevolência de seus benefícios, que mostravam ter, não somente seus concidadãos, como também os inimigos, todos aqueles que na ocasião se encontravam em Roma, vindos ou da Espanha, do país dos genoveses (53), ou da Macedónia. Jovens e fortes puseram-se voluntariamente, sob o corpo, para carregá-lo e os velhos foram em seguida, acompanhando o carro, chamando Emílio de benfeitor, salvador e pai, porque não somente êle os havia tratado doce e graciosamente quando os subjugou e conquistou, como também em todo o resto de sua vida havia continuado a lhes fazer algum bem, a esposar seus negócios, como se fossem seus aliados ou seus parentes próximos. Todos os seus bens, depois de sua morte, chegaram apenas à soma de (54) trezentas e setenta mil dracmas de prata das quais, foram herdeiros seus dois filhos (55), mas o mais jovem que era Cipião deixou tudo para o seu irmão mais velho Fábio, porque êle fora adotado em uma casa muito mais rica, do que aquela do grande Cipião, o Africano. Tais foram a vida e os costumes de Paulo Emílio.

(52) No grego, «tendo-se deitado». Deitou-se, não para comer, mas para repousar um pouco.
(53) No grego, «ligurianos». São os habitantes do país de Genes. Amyot em vez de gêneses, chamava-os de genoveses.
(54) São mais ou menos trinta e sete mil escudos.
(55) Plutarco não está aqui de acordo consigo mesmo. Diz êle no capítulo 6 que os bens de Emílio haviam chegado apenas para pagar o dote de sua segunda esposa. De resto, Diodoro da Sicília avaliou sua fortuna no dobro, pois êle eleva a 60 talentos, a parte que cabia a Cipião, e que êle deixou para o seu irmão Fábio, que ficou tão opulento, quanto êle mesmo. Já havia feito presente a sua mãe Papíria de todas as riquezas mobiliárias de sua avó Emília, mulher de Cipião, o Africano antigo. Isto chamou a si todos os louvores e bênçãos da cidade. Não foi menos generoso em relação às duas filhas do mesmo Cipião. O leitor, que sabe o quanto a natureza tem direitos sobre os homens, não ficará surpreendido por ter visto a comparação com o que Plutarco diz no cap. LXI, por que meios obteve o segundo Africano, o amor do povo.


Fonte: Edameris 1960. Vidas dos Homens Ilustres, tomo III. Tradução
de José Carlos Chaves a partir da edição francesa de Amyot.

 

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