“O SUPOSTO”, UM JORNAL ISENTO

maio 30th, 2011 | Por | Categoria: Redação sem Máscara        

Nei Duclós

Um bom nome para jornal seria O Suposto. Teria apenas verbos no condicional. Sem reportagens, apenas Boletins de Ocorrências. Sem repórteres, apenas escrivães. “Segundo” e “de acordo” seriam obrigatórios em todas as frases. As matérias teriam de confessar alguma incompetência, como a falta de retorno da fonte principal. O noticiário esportivo seria na coluna “Taí, portanto” , que começaria sempre com a expressão “como tínhamos previsto”. A seção política seria Saia Justa e o noticiário sobre calamidades, Força Tarefa. O caderno cultural cobriria apenas moda, design, publicidade e mega-shows. Livros seriam um rodapé de auto-ajuda, com lista dos mais vendidos previamente acertadas com as editoras.

O importante seria manter sempre a isenção absoluta em relação aos fatos, de preferência que não houvesse nenhum compromisso com eles, a não ser suposições. Sempre que surgir a palavra portuguesa, insere-se a expressão com certeza. Quanto aos títulos, apenas variações de Crônica de Uma Morte Anunciada. Chacina seria apelidada de Um Dia de Fúria. Os articulistas defenderiam as falcatruas existentes e por fazer, desde que abrissem seus textos com alguma impropriedade cult, uma citação falsa, uma tautologia, ou uma obviedade que nega o que confirma.

Nenhum parágrafo teria mais do que duas linhas, sendo que a metade de cada um deles diria exatamente o que disse a metade do parágrafo anterior. Todos os enigmas seriam repassados para o leitor, já que a apuração seria terminantemente proibida. Se por acaso alguma verdade roçar no texto da redação de O Suposto, imediatamente os alarmas soarão e será convocado um Gestor de Passaralhos para manter o pessoal na linha. Seria permitido chupar tudo da internet, mas sem dar o crédito. E convocar leitores para trabalhar como jornalista de graça. Não admitir jornalistas, só vendedores.

O Suposto seria um jornal isento de jornalismo, que é uma atividade punida por lei. Os colaboradores fixos seriam recrutados na indústria financeira e entre ex-celebridades. Os editoriais teriam patrocínio de algum refrigerante. As manchetes teriam uma tabela de custo. As cartas dos leitores seriam substituídas por releases de no máximo 10 linhas. Fotos, só da Divulgação. Furos, só os permitidos pelo governo. Denúncias, apenas no caso de confirmação por escrita do denunciado, registrada em cartório, em três vias datilografadas em espaço dois e reproduzidas em papel carbono.

O Suposto teria uma versão impressa limitada, mas com tiragem irreal para superfaturar nos anúncios. Tudo seria encalhe. As visitas on line seriam cooptadas por meio de ferramentas digitais automáticas. O Suposto também inventaria ser centenário. Não conta que antes de chamava Correio de Notícias, depois Folha da Madrugada e mais tarde, na crise braba, Opróbrios e Falcatruas. Tudo vira um O Suposto só, desde o início do século passado. Eventos seriam planejados para a grande confraternização. Seriam encomendados jornalistas vetustos para mentir sobre saudades dos bons tempos das redações românticas esfumaçadas e sem micro. Depois sairia o caderno especial sobre o ágape, mas com patrocínio ambiental, com anúncios sobre a sobrevivência dos Ferozes Indios Xerox.

O texto diria o seguinte: “O Suposto, jornal que teria sido feito desde 1911, teria dado grande festa onde supostamente houve convivas”.

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