O BOM JESUS DE CUIABÁ – Crônicas matogrossenses

O BOM JESUS DE CUIABÁ

A 5 de Junho de 1728, regressou a São Paulo numa luzida canoada, Cuiabá abaixo, o governador de São Paulo, D. Rodrigo Cesar de Meneses. Após dezoito meses e dez dias de humilhação e vexames, o povo cuiabano respirou afinal, menos oprimido. Deixara D. Rodrigo o capitão-mor Luís Rodrigues Vilares, encarregado da provedoria da capitania, "o europeu que mais serviços fez a sua Majestade nesta dilatada colônia". Ao findar este ano de 1728, rao-weram-se no arraial grandes disputas entre os que "pretendiam sair no pelouro por oficiais da câmara no seguinte ano", indo as desavenças ao extremo de se queimar no fogo e reduzir à cinzas o pelouro, "temeridade notável", prenunciadora do espírito altivo e da índole política do povo cuiabano. Aberto novo pelouro em 1729, continuou na junta de justiça Diogo de Lara e Morais capitão-mor investido nas funções de ouvidor desde o ano anterior, de 1728. A primeira monção de povoado que chegara em 1729 a Cuiabá, trouxera como vigário da paróquia o Padre Antônio Dutra de Quadros, sucessor do Padre Lourenço de Toledo Taques, a quem mandou meter em custória, mas que, auxiliado pelo povo conseguiu evadir-se da prisão, exasperando com isso o Padre Dutra, que "bramando como bravo leão, fulminou excomunhões contra todos os que deram favor, conselho ou ajuda ao Padre Lourenço Taques, que tudo parou em cousa nenhuma". Prosseguindo assim em sobressalto a vila, a decadência de Cuiabá continuou com a retirada de muita gente caminho de São Paulo. No ano de 1729, deram ciência ao Padre Dutra, de que à borda do rio Pardo, acima da barra do Ahnanduí, num rancho de palha, se. encontrava abrigada uma imagem do Senhor Bom Jesus. Segundo informa Barbosa de Sá nas "Crônicas do Cuiabá", foi uma mulher, natural de vila de Sorocaba em São Paulo quem fabricou a imagem do Senhor Bom Jesus, que Pedro de Morais, natural da mesma vila —, visando talvez conduzi-la a Cuiabá — não podendo continuar a viagem, ali a deixou, à margem do rio Grande, no lugar chamado "Guarapiranga". Diz a lenda que essa imagem foi encontrada mais tarde, no mesmo local, duzentas e vinte e cinco léguas distantes de Cuiabá, por um Manoel Homem, criminoso que vivia foragido à justiça nos sertões do Brasil. Tendo construído um rancho para aga-salhar-se, ali colocou o santo. Não se sentindo, porem, seguro, afastou-se mais para o interior do sertão, deixando a imagem naquele rancho. Mais tarde, um comerciante que deixara Cuiabá, dirigindo-se a São Paulo, indo de viagem, encontrou a imagem e tentou conduzi-la para aquela cidade, mas não houve força capaz de tirá-la do lugar em que se encontrava. Causou estranheza o fato, visto que a imagem era de madeira, muito leve por isso mesmo para tão grande resistência. É que o Senhor Bom Jesus havia escolhido Cuiabá para a sede do seu trono. Sabedor disto, o povo pediu ao Senado da Câmara, que expedisse as necessárias ordens e mandasse buscar a imagem do Senhor Bom Jesus. — "Trouxeram-na em um caixão que levaram feito. Chegou ao Porto Geral desta vila com bom sucesso, onde o povo a foi buscar em procissão e se colocou em altar colateral da Igreja Matriz, à parte do Evangelho; fez-se lhe festa de missa cantada e sermão que pregou o padre–mestre Frei José Angola, religioso franciscano".

A veneranda imagem do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, lá do alto do seu trono, em 231 anos abençoou, com a graça da crença e da fé religiosa dá nossa gente, a terra querida que nos outorgou por berço, terra que os nossos maiores regaram com o sangue e fecundaram com o orvalho do trabalho, para nô-la transmitir como herança e continuá-la nos exemplos de coragem, de dignidade e de trabalho.

Há duzentos e trinta e um anos na Matriz de Cuiabá, na velha capela de Jacinto Barbosa Lopes, já várias vezes remodelada e ora se transformando na magnificência da arte moderna do cimento armado, esta venerável imagem do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Quanta modificação no aspecto da sociedade, quanta transformação na fisionomia da urbe, assistiu abendiçoando o povo com a ternura consoladora da crença, de fé e da caridade, virtudes que sublimam, honram e santificam! Ora presenciando contristada o terrível massacre da meia-noite de 30 de outubro de 1834; ora chorando a hecatombe da guerra lopesguaia e o infortúnio do morbo da varíola em 1867, que dizimou metade do povo cuiabano; ora sorrindo nos regozijos da tarde de 6 de junho e 1888, com a notícia da "Lei de 13 de Maio’, libertando os escravos do Brasil, e a da madrugada de 9 de dezembro de 1889, anunciando o feito e "15 e novembro" com a proclamação a República. Depois as celebrações das vitórias cívicas do povo em 1892 e em 1906, com Generoso Ponce, General Daltro, Pedro Celestino e tantos outros eminentes cuiabanos. Na paz melancólica da terra insulada e abandonada dos poderes centrais, encorajou o povo nas festividades místicaá do Espírito Santo e de outras liturgias católicas alimentando-lhe a fé, sem esmorecimentos da alma. Afinal, abençoou na bondade da sua misericórdia em mais de duas centúrias a existência da cidade e todas as alegrias do espírito religioso e profano da gente cuiabana. Modifica-se hodiernamente o cenário da terra, e a urbe das bandeiras cresce e se transfigura no bulício característico do trabalho das grandes metrópoles. A veneranda igreja do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, do alto do seu trono, nunca desamparou a terra e a sua gente, e há orientá-la no pleito cívico da escolha dos seus futuros dirigentes em que ora se empenha.

Que da preferência resultem para Cuiabá, para Mato Grosso e o Brasil um período de paz e de prosperidade, de congraçamento e de união das famílias, vinculados os corações, sem distinção de vitoriosos e derrotados num só ideal, a grandeza de Mato Grosso e do Brasil, seu entra-nhável vulto de amor à honrosa tradição do passado bi-cen-tenário.

Francisco A. Ferreira Mendes: Lendas e Tradições Cuiabanas.

O Estado de Mato Grosso, 2 de outubro de 1960, pp. 3-4.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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