O CAVALEIRO VERDE – Contos e Lendas Medievais

Inglaterra

O CAVALEIRO VERDE

Este célebre conto, contemporâneo dos romances de Cavalaria, e passado na Corte do Rei Artur, tem sido, segundo Schröer, autor de uma História da Literatura Inglesa, considerado "uma pérola da literatura romântica medieval, pois, embora a questão das fontes e dos possíveis modelos ainda sejam problemas sem solução detalhada, não há dúvida alguma quanto ao valor artístico da sua estruturação, de seus motivos, e das descrições tão cheias de vida. É poema que ainda hoje pode ser lido e relido, sem que o interesse do leitor diminua."

Nas antologias do conto inglês este trabalho aparece sob a indicação de Tradicional.

QUANDO Artur era rei da Bretanha e assim reinava, aconteceu, em certa estação invernosa, que êle realizasse em Camelot sua festa de Natal, com todos os Cavaleiros da Távola Redonda, durante quinze dias completos. Tudo era alegria, então, nos vestíbulos e nos aposentos, e quando chegou o Novo Ano foi recebido com grande regozijo. Ricos presentes foram dados, e muitos fidalgos e fidalgas tomaram lugar à mesa, onde a Rainha Guinever sentava–se ao lado do rei, e ninguém jamais vira senhora tão formosa diante de si. Mas o Rei Artur não quería comer nem sentar-se por muito tempo, enquanto não tivesse testemunhado alguma aventura prodigiosa. A primeira iguaria foi servida sob o soar das trombetas, e diante de cada hóspede colocaram doze pratos e vinho brilhante, para que de nada carecessem.

Mal se começara a primeira iguaria, quando entrou precipitadamente pela porta do vestíbulo um cavaleiro — e devia ser o mais alto cavaleiro da terra. Tinha largas as costas e o peito, mas esbelta a cintura. Vestia-se inteiramente de verde, e suas esporas eram de ouro refulgente. Sua sela mostrava-se inteiramente bordada com pássaros e insetos, e o corcel que ele cavalgava era verde. Vestido de forma vistosa estava o cavaleiro, e sua barba verde, tal moita verde, pendia-lhe sobre o peito. A crina de seu cavalo estava enfeitada com fios de ouro e a cauda amarrada com uma faixa verde. Tal cavalo e tal cavaleiro jamais tinham sido vistos antes. Dava a impressão de que homem algum poderia suportar os golpes do Cavaleiro Verde, embora êle não trouxesse espada nem escudo. Numa das mãos mantinha um galho de azevinho e na outra um machado, cuja lâmina era afiada como a de uma navalha aguda, e cujo cabo era montado em ferro, curiosamente incrustado de verde.

Assim equipado, o Cavaleiro Verde entrou no salão, sem saudar quem quer que fosse, e perguntou pelo governante do grupo ali reunido, procurando em torno de si o mais famoso entre os demais. Muito maravilhados estavam todos por verem um homem e um cavalo verdes como a relva: jamais tinham tido antes semelhante visão. Tiveram modo de responder, e ficaram tão silenciosos como se o sono houvesse tombado sobre eles, alguns pelo medo, outros por cortesia. O Rei Artur, que jamais sentia medo, saudou o Cavaleiro Verde, e apresentou-lhe boas-vindas. O Cavaleiro Verde disse-lhe que ali não se demoraria, e que estava a procura do mais valente, a fim de experimentá-lo. Vinha com espírito de paz, mas também tinha em casa uma alabarda e um elmo. O Rei Artur assegurou-lhe que não deixaria de encontrar ali um opositor digno dele.

— Não procuro luta, — disse o cavaleiro, — pois aqui há apenas crianças imberbes, e não vejo homem que me possa enfrentar. Entretanto, se algum fôr ousado bastante para devolver um golpe com outro, este machado lhe pertencerá, mas eu terei de retribuir-lhe o golpe dentro de doze meses e um dia!

O medo manteve todos silenciosos, enquanto o cavaleiro rolava seus olhos vermelhos de um lado para outro, e franzia seus opulentos sobrolhos verdes. Sacudindo a barba enquanto falava, exclamou ele:

— Quê! Então esta é a Côrte do Rei Artur? Sem dú vida alguma, a fama da Távola Redonda tombou, com uma palavra saída dos lábios de um homem!

Artur ficou vermelho de vergonha e tornou-se encolerizado como o vento. Assegurou àquele cavaleiro que ninguém estava receando suas pomposas palavras, e apoderou-se do machado. O Cavaleiro Verde, afagando a barba, esperou o golpe,’ e, com uma atitude seca, despiu seu casaco verde.

Nessa altura, porém, Sir Gawayne implorou ao rei que o deixasse desferir o golpe. Pedia permissão para deixar a mesa, dizendo que não tinha propósito Artur aceitar o desafio, quando tantos cavaleiros ousados sentavam-se em torno dela. Embora fosse êle o mais fraco, estava pronto para um encontro com o Cavaleiro Verde. Os outros cavaleiros também suplicaram a Artur que "deixasse o jogo para Gawayne". Então Artur deu sua arma a Gawayne, que era seu sobrinho, dizendo-lhe que mantivesse o coração firme e a mão segura. O Cavaleiro Verde perguntou o nome de seu adversário, e Sir Gawayne disse-lhe seu nome, de-clarando que estava disposto a dar e receber um golpe.

— Agrada-me bastante isso, Sir Gawayne, — disse o Cavaleiro Verde, — isso de receber um golpe de teu punho, mas deves jurar que irás procurar-me para receber o golpe de retorno.

— Onde te encontrarei? — disse Sir Gawayne. — Dize–me teu nome e tua morada, e eu te irei ao encontro.

— Depois que me tiveres golpeado — disse o Cavaleiro Verde — hei de contar-te qual é meu nome e morada. Se de todo eu não falar, tanto melhor para ti. Agora, toma tua arma inflexível, e vejamos como feres.

— Com prazer, senhor, certamente — respondeu Sir Gawayne.

Então, o Cavaleiro Verde afastou para os lados seus caracóis longos e verdes, descobriu o pescoço, e Sir Gawayne feriu-o violentamente com o machado, decepando-lhe a cabeça com um só golpe. A cabeça caiu no chão, e muitos maltrataram-na rudemente, mas o Cavaleiro Verde não se perturbou. Adiantou-se, agarrou a própria cabeça pelos cabelos, e fêz a volta com o seu cavalo. Então — oh! — a cabeça ergueu as pálpebras, e dirigiu-se a Sir Gawayne:

— Olha, deves estar pronto conforme prometeste, e procurar até que me encontres. Vai à Capela Verde, para ali receberes um golpe/ na manhã do Ano Novo. Não faltes. Vem, ou serás chamado desleal.

Assim dizendo, o Cavaleiro Verde cavalgou para fora do aposento, com a própria cabeça na mão.

Então, Artur dirigiu-se à Rainha:

— Cara senhora, não desfaleças, pois maravilhas assim ficam bem numa festa de Natal. Agora, podemos comer. Sir Gawayne, pendura teu machado.

O rei e seus cavaleiros sentaram-se à mesa, festejando, com toda a classe de iguarias e toda a espécie de divertimentos, proporcionados pelos menestréis, até que o dia terminasse.

— Mas tem cuidado, Sir Gawayne! — disse o rei, ao fim da festa. — Não faltes à aventura com a qual te comprometeste!

II

Tal como nos outros anos, os meses e as estações daquele ano passaram bastante rapidamente, sem jamais voltar. Depois do Natal vem a Quaresma, a primavera cheia, e aguaceiros aquecidos se despejam. Então, os bosques tornam-se verdes, e os pássaros constroem seus ninhos e cantam a ale-gria, pois que o verão se seguirá. As flores começam a desa-brochar, e notas nobres são ouvidas nas florestas. Mais belas se faziam as flores com as doces brisas do verão, umede-cidas com as gotas de orvalho. Depois, porém, a colheita aproximou-se, levantando a poeira por toda a parte, as folhas tombaram das árvores, a relva tornou-se cinzenta, e tudo amadureceu e apodreceu. Por fim, quando os ventos hibernais tornaram a surgir, Sir Gawayne pensou na sua temerosa jornada, e em sua promessa ao Cavaleiro Verde.

No Dia de Todos-os-Santos, Artur realizou uma festa dedicada ao seu sobrinho. Depois da refeição, Sir Gawayne assim falou ao tio:

— Agora, senhor e suserano, despeço-me de ti, porque devo procurar, amanhã, o Cavaleiro Verde.

Muitos nobres cavaleiros, os melhores da Corte, aconselharam-no e confortaram-no, muita tristeza manifestou-se no pavilhão, mas Gawayne declarou que nada tinha a temer. Pela manhã, pediu suas armas. Um tapete foi estendido no chão, e sobre esse tapete êle pisou. Estava vestido com um gibão de seda de Tarso e usava um capuz muito bem feito. Colocaram-lhe sapatos de aço nos pés, envolveram-lhe as pernas em perneiras de aço, e colocaram-lhe a cota de malhas de aço, os bem polidos anteparos do raraço, as peças dos cotovelos, e as manoplas, enquanto sobre tudo aquilo era colocado o revestimento da armadura. As esporas foram então fixadas, a espada presa ao seu flanco com um cinturão de seda. Assim preparado, o cavaleiro ouviu missa, despedindo-se, depois, do Rei Artur e de sua Corte. Por aquela altura seu cavalo Gringolet já estava pronto, e seus arreios reluziam com o resplendor do sol. Então, Sir Gawayne colocou o elmo na cabeça, e o círculo em torno desse elmo era cravejado de brilhantes. Deram-lhe um escudo com o "pen-tângulo" em ouro puro, projetado pelo Rei Salomão como penhor da verdade, pois é chamado o vínculo infinito, e muito bem ficava em Sir Gawayne, cavaleiro dos mais verdadeiros no que dizia e dos mais belos na forma. Tinha perfeitos os cinco sentidos, a imagem da Virgem estava pintada em seu escudo, e jamais tivera falhas de cortesia. Assim, o vínculo infinito foi aplicado ao seu escudo.

Agora, Sir Gawayne agarra sua lança e diz adeus a todos. Esporeia seu cavalo e segue seu caminho. Todos quantos o viam choraram-no em seu coração, e declararam que sobre a terra não seria encontrado cavaleiro igual a êle. Teria sido melhor que se fizesse dirigente de homens, do que procurar a morte às mãos de um cavaleiro que se parecia aos duendes.

Entretanto, muitas e fatigantes milhas percorre Sir Gawayne. Agora, o cavaleiro cavalga através dos domínios da Inglaterra, sem outra companhia a não ser a de seu cavalo, e sem ver homem algum até que se aproximasse da Gales do Norte. De Holyhead passou para Wirral, onde poucos encontrou que amassem Deus ou o homem. Perguntou pelo Cavaleiro Verde da Capela Verde, mas não conseguiu obter notícias dele. Seu ânimo sofreu várias modificações antes que encontrasse a capela. Subiu muitos rochedos, cruzou muitos vaus e muitas torrentes, em toda a parte encontrava um inimigo. Seria cansativo contar a décima parte de suas aventuras com serpentes, lobos e homens selvagens, com touros, ursos e javalis. Não tivesse êle sido ao mesmo tempo bravo e bom, é sem dúvida alguma pereceria. O inverno rigoroso mostrava-se pior para êle do que qualquer das guerras em que tinha estado. Assim, através de perigos, viajou até a véspera de Natal, e pela manhã encontrou-se em floresta intrincada, onde havia centenas de velhos carvalhos. Ali, muitos pássaros tristes, pousados nos ramos despidos, pipilavam lastimosamente, sofrendo pelo frio. Através de péssimos caminhos e profundos atoleiros, ia êle, a fim de comemorar o nascimento de Cristo, e, persignando-se, diz:

— Cruz de Cristo, fazei-me rápido!

Mal acabara de se persignar pela terceira vez quando viu uma moradia na floresta, sobre uma colina, o mais belo castelo que jamais cavaleiro algum possuiu, e que brilhava ao sol através dos carvalhos luxuriantes.

Imediatamente, Sir Gawayne adiantou-se para o portão principal e encontrou a ponte levadiça levantada, bem como os portões trancados. Dali da margem observou as altas paredes de pedra talhada que se erguiam com seus parapeitos, torres e chaminés brancas. E grandes e brilhantes eram suas torres redondas, com seus capitéis bem construídos.

— Oh! — pensou êle — se eu ao menos pudesse entrar no claustro.

Chamou, e logo apareceu um porteiro para saber qual a mensagem do cavaleiro.

— Bom senhor, — disse Gawayne, — pede ao alto senhor desta casa que me conceda alojamento.

— Bem-vindo sejas para aqui morar enquanto te parecer bem — replicou o porteiro.

No mesmo momento a ponte foi descida, e o portão aberto amplamente para recebê-lo. Êle entrou, e seu cavalo foi bem instalado, enquanto cavaleiros e altos senhores rurais levavam Gawayne para o vestíbulo. Todos se precipitaram para tomar-lhe o elmo e a espada, o senhor do castelo deu-lhe as boas-vindas, e ambos cumprimentaram-se, bei-jando-se. Gawayne contemplou seu hospedeiro, e êle pareceu-lhe grande e ousado. De escuro tom de castor era sua ampla barba, e como fogo reluzia seu rosto.

O senhor conduziu Sir Gawayne para um aposento, designando um pajem para servi-lo. Naquela câmara luxuosa havia nobres instalações de leito. As cortinas eram de seda pura, com debruns de ouro, e tapeçarias de Tarso cobriam as paredes e o piso. Ali o cavaleiro livrou-se de sua armadura, vestiu-se com trajos ricos, que lhe ficavam muito bem. E, realmente, mais formoso cavaleiro do que Sir Gawayne jamais tinha sido visto.

Foi, então, colocada junto da latira uma cadeira para seu uso, e cobriram-na com um manto de linho fino, ricamente bordado. Uma mesa foi igualmente trazida, e o cavaleiro, depois de se ter lavado, foi convidado a sentar-se e comer. Serviram-lhe numerosos pratos, com peixe assado e grelhado, ou cozido e temperado com especiarias. Foi um completo e nobre banquete, e muito êle se divertiu, enquanto comia e bebia.

Então, Sir Gawayne, respondendo a uma pergunta de seu hospedeiro, disse-lhe que era da Corte do Rei Artur, e quando tal coisa foi conhecida houve grande alegria no vestíbulo. Cada qual dizia baixinho para seu companheiro:

— Agora veremos maneiras corteses e ouviremos nobres palavras, porque temos entre nós o pai de toda a instrução.

Depois do jantar o grupo foi para a capela, a fim de ouvir as orações vespertinas da grande temporada. O senhor do castelo e Sir Gawayne sentaram-se juntos durante o serviço religioso. Quando a esposa do primeiro, acompanhada de suas donzelas, deixou seu lugar após o serviço, parecia ainda mais bela do que Guinever. Uma dama mais idosa levou-a pela mão, e mostravam ambas aspectos muito diferentes, pois enquanto a mais jovem era clara, a outra era amarela, e tinha faces ásperas e enrugadas. A mais jovem possuía pescoço mais alvo do que a neve, a mais velha tinha sobrancelhas negras e lábios escuros. Com a permissão do senhor, Sir Gawayne saudou a mais velha e beijou cortesmente a mais jovem, pedindo-lhe que o considerasse como um servo seu. Para o grande vestíbulo foram eles, onde foram servidos especiarias e vinhos; o senhor tirou o capuz e colocou-o sobre uma lança: aquele que melhor concorresse para a alegria geral naquela temporada de Natal, ganhâ-lo-ia.

Na manhã do Natal a alegria reina em todas as moradas do mundo, e isso acontecia também no castelo onde Sir Gawayne agora vivia. O senhor e a velha esposa antiga sentavam-se juntos, e Sir Gawayne sentava-se ao lado da esposa de seu hospedeiro. Seria fatigante demais contar todos os banquetes, regozijos e alegrias que abundavam por toda a parte. Trombetas e trompas desatavam suas notas prazerosas, e grande foi o júbilo durante três dias.

O dia de São João era o último das festas de Natal, e no dia seguinte muitos dos cavaleiros despediram-se do castelo. Seu dono agradeceu a Sir Gawayne a honra e o prazer de sua visita, e empenhou-se para mantê-lo em sua corte. Queria saber, também, o que levara Sir Gawayne a sair da Corte do Rei Artur antes do fim dos feriados de Natal.

Sir Gawayne replicou qTfe fora "uma grande e muito alta missão" que o forçara a deixar a Corte. Depois, perguntou ao seu hospedeiro se já ouvira falar na Capela Verde. Porque precisava estar ali na véspera do Ano Novo, e antes preferia morrer do que falhar na sua missão. O príncipe disse a Sir Gawayne que lhe ensinaria o caminho e que a Capela Verde não ficava a mais de duas milhas do castelo. Então, Gawayne ficou alegre, e consentiu em retardar-se um pouco mais no castelo, o que causou regozijo também ao senhor castelão, que mandou chamar as senhoras para conversarem com seu hóspede. E pediu a Sir Gawayne que lhe prometesse conservar-se em seu quarto na manhã seguinte, pois devia sentir-se cansado depois, caso viajasse para tão longe. Entretanto, o hospedeiro e outros homens do castelo deveriam levantar-se muito cedo para se dirigirem à caça.

— Seja o que fôr — disse o hospedeiro — que eu consiga obter na floresta, seu será, e o que quer que aconteça ser seu, em seu lar, eu considerarei livremente como meu.

E, a título de penhor, deu um anel a Sir Gawayne, anel que êle não devia entregar a ninguém — não! — mesmo quando fosse pedido três vezes pela mais bela mulher existente sob o céu! Com tudo aquilo concordou prazerosamente Sir Gawayne, e assim, bastante animadamente, um contrato foi feito entre eles. Quando a noite chegou, cada qual dirigiu-se cedo para seu quarto.

III

Na manhã seguinte, bastante antes do amanhecer, todo o pessoal do castelo levantou-se, selou seus cavalos e amarrou os alforjes. O próprio nobre castelão preparou-se para a montaria, comeu rapidamente um bocado, e foi para a missa. Antes que clareasse o dia, èle e seus homens estavam a cavalo. Depois, os cães de caça foram chamados e emparelhados, três notas curtas foram sopradas nas trombetas, e cem caçadores seguiram para a caça. Para os seus postos dirigiram-se os espreitadores de gamos, os cães foram largados, e a caça começou, jubilosamente.

Alvoroçados pelo clamor, os gamos correram para as alturas, mas depressa foram forçados a retroceder. Permitiam que os veados e os cervos passassem, mas as cervas e corças eram obrigadas a recuar para a sombra. Ao correrem velozmente eram alvejadas pelas flechas dos arqueiros. Os cães e os caçadores, aos altos gritos, seguiam-nas, e as que escapavam às flechas eram mortas pelos cães. O senhor prosseguiu alegremente na caçada que durou até a aproximação da noite.

Durante todo esse tempo, Sir Gawayne tinha estado na cama, e só acordou ao ouvir os ladridos dos cães de caça, tornando a dormitar. Finalmente, sentiu que lhe batiam à porta, e um donzel entrou, pedindo-lhe que se levantasse e viesse fazer a refeição com sua senhora. Imediatamente êle se levantou, vestiu-se, colocou o belo anel em seu dedo, o anel que seu hospedeiro lhe dera, e desceu para cumprimentar a castelã.

— Bom dia, belo senhor, — disse ela, — vejo que gosta de dormir até tarde!

Isso disse ela, com um olhar risonho, como se realmente duvidasse ser aquele o Sir Gawayne que todo o mundo reverenciava, já que êle gostava mais ae dormir do que de caçar na floresta, com os cavaleiros, ou conversar com as damas, em suas saletas particulares.

— Para ser sincero, — respondeu Sir Gawayne, — a não ser este anel que tenho no dedo, nada há que eu deixasse de oferecer como penhor de meus serviços e de tua cortesia.

A senhora disse-lhe que se a verdadeira cortesia estivesse instalada nele próprio, nada conservaria êle — não, nem mesmo um anel! Mas Sir Gawayne lembrou a si próprio a palavra que dera ao castelão e também sua promessa ao Cavaleiro Verde. Disse que não podia entregar aquele anel, mas seria, para sempre, um verdadeiro servidor da castelã.

Deixemos agora Sir Gawayne e a senhora, e voltemos a contar como o senhor da terra e seus homens terminaram a caçada na floresta e na charneca. Dos mortos fizeram uma "presa" e começaram a esquartejar as corças, retirando a ordura e arrancando o couro. Quando tudo ficou pronto, eram comida aos cães e dirigiram-se para o castelo.

Imediatamente, ouvindo-os aproximarem-se, Sir Gawayne foi ao encontro de seu hospedeiro. Então, o senhor mandou que todo o pessoal se reunisse e o resultado da caça fosse trazido diante dele. Chamou Gawayne e perguntou–lhe se não merecia louvores pelo seu sucesso venatório. Quando o cavale«»o disse que jamais vira no inverno resultado mais brilhante, — não, naqueles últimos sete anos, — seu hospedeiro pediu-lhe que ficasse com tudo, segundo o entendimento havido entre eles na noite anterior. Gawayne, em retribuição, deu-lhe um gracioso beijo, e seu hospedeiro desejou saber se também ele tinha assim tanta fartura em sua terra.

— Ohl — disse Sir Gawayne — não me peças mais do que isto!

Com isso o castelão riu-se e foram todos cear, quando tiveram novos finos manjares, para comer e sobrar. Depois sentaram-se junto da lareira, enquanto serviam o vinho em derredor, e de novo Sir Gawayne e seu hospedeiro reiteraram seu contrato, como acontecera antes, e assim despediram-se, indo cada qual bem depressa para a sua cama.

Mal o relógio batera três vezes, pela madrugada, quando o senhor levantou-se, e, de novo com seus caçadores e trombetas em alto clangor, seguiu para a caça. Os caçadores animaram os cães, que os seguiam pelo faro, quarenta de uma só vez. Chegaram todos juntos ao lado de um rochedo, e procuraram por todos os lados, varejando as moitas. Delas saiu um furioso javali, que no primeiro arranco atirou três dos cães ao chão. Rapidamente, os caçadores se puseram a persegui-lo. Entretanto, êle atacava os cães, fazendo-os uivar e ganir. Os arqueiros atiraram suas setas contra aquele animal selvagem, mas elas perdiam-se, feitas em pedaços. Furiosa com os ataques, voltou-se a fera contra os caçadores. Então, o senhor da terra soprou sua trombeta, e perseguiu o javali.

Durante todo aquele tempo Sir Gawayne tinha estado na cama, como no dia anterior, segundo a promessa que fizera. E outra vez foi chamado quando dormitava, em horas já tardias, pela castelã que se queixava de sua falta de cortesia.

Sir — disse ela — se fosses realmente Sir Gawayne, não poderias ter esquecido o que te <*isinei ontem!

— E que foi? — perguntou êle.

— O que eu te ensinei sobre dar; — disse ela, — e, contudo, não dás o anel, como a cortesia te obrigaria.

— Pobre é o presente — respondeu êle — que não é dado espontaneamente!

Então, a senhora tirou um anel de seu próprio dedo e pediu-lhe que o aceitasse.

— E eu ouvirei de ti — disse ela — algumas histórias de belas damas e de feitos de armas e proezas próprias de verdadeiros cavaleiros.

Sir Gawayne disse que não tinha habilidade para contar tais histórias, que não ficaria com o anel que ela lhe queria dar, mas que seria seu servo para sempre.

Entretanto, o senhor perseguia o javali, que mordera o traseiro dos cães, tirando-lhes pedaços, e fizera com que o mais robusto dos caçadores recuasse. Por fim o animal ficou exausto demais para continuar a correr e entrou no orifício de uma rocha, ao lado de um regato, a boca espumejante. Ninguém ousava aproximar-se dele, tantos tinham sido dilacerados pelas suas presas. O cavaleiro, vendo o javali acuado, desceu de seu cavalo, e tentou atacá-lo com sua espada. O javali atirou-se sobre o homem, que, fazendo boa mira, feriu-o no flanco, deixando que a fera fosse morta pelos cães.

Houve, então, toques de fanfarra e ladridos dos cães de caça. Um dos presentes, hábil nessa classe de trabalhos, começou a preparar o javali, cortando-lhe a cabeça. Deu de comer aos cães, e os dois pedaços da carcaça foram amarrados juntos e pendurados numa estaca. A cabeça do animal veio ser apresentada, então, ao castelão, que se apressou a tomar o caminho dc casa.

Gawayne foi chamado, quando os caçadores voltaram, para receber os despojos, e o senhor das terras manifestou-se prazeroso ao vè-lo. Mostrou-lhe o javali, e falou-lhe no tamanho e na força da fera. Sir Gawayne declarou jamais ter visto animal tão robusto, e, segundo ficara convencionado, recebeu-o de presente. Em retribuição, beijou seu hospedeiro, que disse ser seu hóspede o melhor que já conhecera.

Armaram altas mesas, cobriram-nas com toalhas, e tochas de cera foram acesas. Com muito júbilo e contentamento a ceia foi servida no vestíbulo. Depois de terem ali se divertido longamente, subiram para o aposento do andar superior, onde beberam e discursaram. Por fim, Sir Gawayne pediu licença ao anfitrião para se retirar na manhã seguinte, mas aquele jurou que seria necessário que êle ali ficasse, a fim de se dirigir à Capela Verde na manhã do Ano Novo, bem antes das matinas. Assim, Gawayne consentiu em permanecer ali por mais uma noite, e, tranqüilo e imóvel, dormiu durante todas as suas horas.

Logo pela madrugada o castelão levantou-se, depois da missa comeu um bocado com seus homens, para quebrar o jejum. Montaram todos nos cavalos que os esperavam nos portões do castelo, prontos para a caçada. A manhã mostrava-se clara e glacial quando eles partiram, e os caçadores, dispersados num dos lados do bosque, seguiram os traços de uma raposa, que ia perseguida pelos cães. Viam-na, agora, e atrás dela galopavam, através de muitos bosques, pequenos e intrincados. A raposa acabou por saltar por cima de um maciço de plantas, e tentou escapar aos cães meten-do-se por caminhos escabrosos. Chegou, porém, a um dos postos da caçada, onde foi atacada pelos outros cães. Entretanto, conseguiu escapar-lhes, atirando-se novamente para os bosques. Foi, então, um belo divertimento ouvir os cães e os gritos de animação dos caçadores, que tratavam a raposa de ladra, fazendo-lhe ameaças. Mas ela era astuta e levou-os a extraviarem-se, entre matagais e moitas.

Entretanto, Sir Gawayne, que fora deixado em casa, dormia profundamente, em seu leito de belos cortinados. Por fim, a castelã, vestida com um rico manto, veio ao quarto dele, abriu uma janela, e repreendeu-o:

— Ah! homem! como podes dormir quando a manhã está tão clara?

Sir Gawayne, quando foi assim acordado em sobressalto por ela, estava sonhando com sua próxima aventura na Capela Verde, mas levantou-se e cumprimentou a linda visitante. Ainda uma vez, como já fizera antes, ela quis receber algum presente através do qual pudesse recordá-lo quando o cavaleiro tivesse partido.

— Vamos, senhor, — insistia ela, — agora, antes de partir, faze-me esta cortesia.

Sir Gawayne disse-lhe que ela era digna de dádiva muito maior do que a que êle poderia fazer-lhe, pois não trazia consigo homem algum portando malas cheias de coisas preciosas.

Conseqüentemente, de novo a castelã ofereceu-lhe um anel de ouro, mas êle recusou-se a aceitá-lo, já que nada tinha para livremente oferecer-lhe em retribuição. Muito tristonha mostrou-se ela com aquela recusa, e, retirando o cinto verde que trazia, rogou-lhe que o recebesse. Gawayne recusou aceitar fosse o que fosse, mas prometeu que "no calor ou no frio, seria seu fiel servo".

— Recusas este cinto por ser muito simples? — disse a dama. — Quem conhece as virtudes que êle possui dá-lhe um alto valor. Porque quem usar este cinto não poderá ser ferido nem morto.

Ouvindo aquilo, Sir Gawayne pensou em sua aventura na Capela Verde, e quando a dama tornou a insistir para que êle aceitasse o cinto, não só consentiu cm recebê-lo, como também em manter a posse em segredo. Então, ela despediu-se. Gawayne escondeu o cinto, e em seguida apressou-se a ir para a capela, onde pediu perdão pelos delitos que porventura houvesse cometido. Quando voltou ao vestíbulo mostrou-se muito alegre junto das damas, com graciosas canções e toadas, a ponto de dizerem elas:

— Este cavaleiro nunca esteve tão alegre até hoje, desde que veio para o castelo!

Entretanto, o castelão ainda estava no campo, onde já matara a raposa. Observara-a vindo através de um bosque espesso e tentara atingi-la com sua espada, mas a raposa fora agarrada por um dos cães. O resto dos caçadores adiantava-se apressadamente, com muitas trombetas, pois aquele era o mais alegre dos encontros que já tinham ouvido. E levando a pele e a cauda da raposa, voltaram para casa todos eles. O senhor desmonta, por fim, em seu lar querido, onde encontrou Sir Gawayne divertindo as damas. O cavaleiro adiantou-se para êle, dando as boas-vindas ao seu hospedeiro, e, segundo o convencionado, beijando-o três vezes.

— Por minha fé! — disse o outro. — Fôste muitíssimo feliz! Eu cacei o dia inteiro e nada mais trouxe além da pele desta raposa imunda, pobre retribuição para três beijos como esses.

Contou-lhe, então, como a raposa fora morta. E com muito júbilo e o concurso dos menestréis, divertiram-se até a hora de se separarem. Gawayne despediu-se de seu anfitrião, agradecendo-lhe a esplêndida estada. Pediu um homem que lhe ensinasse o caminho para a Capela Verde, e deram-lhe um servo. Despediu-se das damas, beijando-as, tristonho, enquanto elas o encomendavam a Cristo. Retirou-se, então, agradecendo a todos pelos seus serviços e brandura de trato. Recolheu-se para repousar, mas pouco dormiu, pois precisava penlar muito no dia seguinte. Deixemo-lo ali deitado, imóvel por algum tempo, e eu vos contarei o que lhe aconteceu depois.

IV

Agora, aproxima-se o Dia do Ano Novo, e o tempo mostra-se tempestuoso. A neve tomba e o valezinho estreito cobre-se de profunda camada levada de aluvião. Gawayne, em sua cama, ouve o cantar de cada galo. Chama o camareiro e pede-lhe que lhe traga sua armadura. Homens limpam da ferrugem sua luxuosa cota de malhas e o cavaleiro pede seu corcel. Enquanto assim se vestia com seus ricos trajos, não se esqueceu do cinto, o presente da dama, mas com cie cingiu duplamente a cintura. Usava-o, não pelos seus finos enfeites, "mas para salvar-se quando se visse em contingência dolorosa". A toda a gente o castelo agradeceu ele amplamente, e logo ali estava o corcel Gringolet, ajaezado, pronto, e inquieto para partir. Sir Gawayne tornou a agradecer as honrarias e bondades com que fora distinguido por todos, e saltou para a sela, da pedra de montaria, dizendo:

— A Cristo recomendo este castelo! Que Ele lhe dê sempre boa sorte!

A seguir, abriram-se os portões do castelo, e o cavaleiro cavalgou para fora, fazendo seu caminho em companhia do gula. Cavalgaram através de caminhos pedregosos e de ro-chedos, onde cada outeiro estava usando um capuz de névoa e um manto de neblina, e quando o dia abriu inteiramente, encontraram-se "numa colina muitíssimo alta". Então, o guia solicitou a atenção de Sir Gawayne, dizendo-lhe:

— Trouxe-te até este ponto, e não estás longe do lugar que procuras. Êle é considerado muitíssimo perigoso, seu senhor é violento e severo, seu corpo é maior do que os dos quatro melhores cavaleiros da casa do Rei Artur. Ninguém passa pela Capela Verde sem receber golpe de morte dado pela mão dele. Trate-se de um campônio ou de um capelão, monge, padre ou qualquer outro homem, êle mata-os a todos. Há muito vive êle neste lugar, e contra seus golpes maléficos não te podemos defender. Portanto, Sir Gawayne, deixa em paz aquele homem, e vai para alguma outra região, e eu posso jurar-te solenemente que jamais contarei a ninguém que tentaste fugir de homem algum.

Gawayne respondeu que se furtar àquele perigo seria impor a si próprio a marca de cavaleiro covarde. Iria, pois, para a capela, embora aquele que ali era senhor fosse o mais cruel e o mais forte dos homens.

— Muito bem, — disse êle, — pode Deus projetar uma forma de salvar seus servos leais!

— Deveras — replicou o outro — e desde que te agrada perder tua vida, conserva teu elmo na cabeça e tua espada na mão, e cavalga por este caminho abaixo, que margeia até longe o rochedo, e chegarás ao fundo de um vale. Olha um tantinho para a esquerda, e verás a capela mesma, e o homem que lhe monta guarda.

Tendo assim falado, o guia despediu-se do cavaleiro.

— Pela graça de Deus — disse Sir Gawayne — jamais chorarei ou gemerei. Estou inteiramente disposto a curvar-me ante a vontade de Deus!

Assim, cavalgou através do valezinho e ansiosamente olhou em torno cie si. Entretanto, não viu sinal de lugar de descanso, mas apenas altas e escabrosas ribanceiras, enquanto a capela não era divisada em parte alguma. Por fim, viu uma colina, ao lado de um riacho. Para ali seguiu, desceu do cavalo, prendendo-o ao galho de uma árvore. Caminhou em torno da colina, procurando a capela e comentando consigo mesmo sobre onde poderia estar, quando, finalmente, chegou a uma antiga gruta cavada no íngreme penhasco.

— Realmente — pensou ele — que lugar selvagem, este. Próprio para o Cavaleiro Verde fazer suas devoções, à sua moda maldosa. Se esta é a capela, trata-se da mais desgraçada igrejola que já vi em minha vida.

Nessa altura, porém, ouviu grande rumor, que vinha de além do riacho. Soava como o afiar de uma foice na pedra de amolar, e zunia como um moinho d’água.

— Embora renuncie à minha vida, — disse Gawayne, — ruído algum há de me amedrontar.

E gritou, em voz bem alta:

— Quem mora aqui e deseja conversar comigo?

Então ouviu uma voz forte que lhe ordenava ficar onde estava, e depressa saiu de uma toca, com uma arma tremenda — machado dinamarquês, novo — o Cavaleiro Verde, vestido tal como Gawayne o vira havia muito tempo. Quando chegou ao riacho, saltou sobre êle, e, alongando os passos, veio ao encontro de Sir Gawayne, sem lhe fazer o menor gesto de saudação.

— Deus te guarde! — disse êle. — Como verdadeiro cavaleiro fizeste a tempo a tua viagem. Sabes o que ficou convencionado entre nós: no dia do Ano Novo deverias receber de minha mão um golpe, em troca do que me deste. Aqui, estamos sozinhos. Tira teu elmo e recebe já a tua paga.

— Por minha fé — respondeu Sir Gawayne — não te regatearei o cumprimento de teu desejo.

Exibiu, então, o pescoço nu, e parecia intrépido. O Cavaleiro Verde agarrou a temerosa arma e com todas as suas forças levantou-a no ar. Quando a lâmina descia, reluzente, sir Gawayne encolheu um nadinha os ombros, e então o outro censurou-o, dizendo-lhe:

— Não és o Gawayne tão estimado, pois recuas de medo antes que sejas tocado pelo mal. Eu não me desviei, quando me golpeaste. Minha cabeça foi tombar a teus pés, e ainda assim eu não me desviei. Devo, portanto, ser considerado melhor homem do que tu.

— Eu vacilei uma vez, — disse Gawayne, — mas isso não se repetirá. Leva-me ao ponto que desejas: dá-me imedia-tamente o golpe que me matará.

— Recebe-o, pois — disse o outro. E, com essas palavras, prepara-se para assestar o golpe fatal. Gawayne não recuou, mas conservou-se imóvel, como se fosse de pedra.

— Agora — disse o Cavaleiro Verde — tenho de ferir-te, pois teu coração é inteiriço.

— Fere — disse o outro.

Então, o Cavaleiro Verde preparou-se para ferir, e dei-xou tombar o machado no pescoço nu de Sir Gawayne. A afiada arma cortou a pele, e o sangue correu. Quando Gaway-ne viu o sangue na neve, desembainhou sua espada, e assim falou:

— Não firas mais, homem! Se me ferires, golpe por gol-pe receberás! Concordamos em que seria apenas um golpe.

O Cavaleiro Verde descansou seu machado, olhou para Sir Gawayne, que se mostrava ousado e destemido, e dirigiu-se-lhe da seguinte maneira:

— Intrépido cavaleiro, não te encolerizes, pois prometi um golpe e já o recebeste. Podes ficar satisfeito, pois eu podia ter-te tratado pior. Ameacei-te primeiro com um golpe, pelo que ficou combinado entre nós na primeira noite. Outro golpe armei para ti, pela segunda noite. Um homem verdadeiro deve retribuir verdadeiramente, e assim não precisa temer o mal. Falhaste na terceira vez, e portanto recebeste este golpe, pois que o cinto, tecido pela minha esposa, estás usando. Sei o teu segredo, e a dádiva que minha esposa te fêz, pois que lhe ordenei que te pusesse à prova, e sem culpa te encontrei. Ainda assim, cometeste um pequeno pecado, pois recebeste o cinto para salvar a pele e por amor à vida.

Sir Gawayne ali ficou; envergonhado, diante do Cavaleiro Verde.

— Malditas sejam — disse ele — a covardia e a cupidez!

Tirou então o cinto e entregou-o ao Cavaleiro Verde, confessando-se culpado de falsidade. Então, o outro, rindo, assim falou:

— Confessaste tão limpamente que eu te considero livre, como se jamais tivesses sido culpado. Dou-te, Sir Gawayne, o cinto debruado de ouro como um testemunho de tua aventura na Capela Verde. Volta ao meu castelo, e fica ali até que terminem as festas do Novo Ano.

— Não, certamente, — disse Sir Gawayne, — pois já me demorei muito tempo fora. Que sobre ti desça a prosperidade. Recomenda-me à tua graciosa esposa, que me iludiu. Mas, embora tenha sido iludido, penso que devo ser desculpado! Deus te recompense pelo teu cinto, que usarei como recordação do meu erro. E quando o orgulho me causticar, um olhar lançado a esta faixa verde o abaterá. Conta-me, porém, teu nome verdadeiro, e estarei satisfeito.

O Cavaleiro Verde respondeu:

— Chamam-me Bernlak de Haut-desert, que é, através do poder da Fada Morgana, o discípulo de Merlin. Ela sabe domar os mais altivos. Foi quem me levou a experimentar a fama da Távola Redonda, esperando desgostar a Rainha Guinever, causando-lhe a morte pelo medo. A Fada Morgana é mesmo tua tia. Portanto, volta para ela, e diverte-te em minha casa.

Mas Sir Gawayne recusou-se a voltar com o Cavaleiro Verde. Despediu-se dele cortesmente, e voltou a cabeça de Gringolet em direção do castelo do Rei Artur. Por caminhos selvagens e lugares ermos cavalgou êle. Às vezes abrigava-se numa casa, pela noite, às vezes tinha de acomodar-se sob as árvores. A ferida de seu pescoço curou-se, mas êle ainda usava o cinto, penhor de sua culpa.

Assim chegou de novo Sir Gawayne, finalmente, à Corte do Rei Artur, e grande foi a alegria de todos, ao vê-lo. O rei e os cavaleiros fizeram-lhe perguntas com relação à sua viagem, e Gawayne contou-lhes suas aventuras, falou–lhes no castelo do Cavaleiro Verde e da dama, e, por fim, do cinto que usava. Mostrou-lhes a cicatriz de seu pescoço, e, enquanto gemia de tristeza e vergonha, o sangue subiu–lhe às faces.

— Eis — disse ele, mostrando-lhes o cinto verde — a Faixa da censura, um penhor da minha covardia e cupidez. Devo usá-la enquanto viver.

O rei consolou o cavaleiro, e o mesmo fèz toda a Corte. Cada cavaleiro da fraternidade concordou em usar um brilhante cinto verde, por amor a Gawayne, que para sempre honrou aquela faixa. Assim aconteceu aquela aventura, nos dias de Artur. Que Aquele cuja cabeça usa a coroa de espinhos possa trazer-nos sua benção! Amén!

Fonte: Maravilhas do conto mitológico. Adaptação de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.

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