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3.   O  INICIO DO  SÉCULO XX

A.   Características. Eis os traços característicos da filosofia
do primeiro quartel do século XX.
Em primeiro lugar, é um período de
intensa atividade filosófica; número considerável de eminentes pensadores
entra em cena ou começa a exercer influência. Sob este aspecto, pode
computar-se este período entre os mais fecundos da história moderna. Em seguida,
é um período de transição. Ao lado de correntes novas, continuam atuando
tendências de velho estilo, mantidas sempre em crédito. Os epígonos do século XIX ainda não são tidos nessa conta; pelo contrário,
mostram-se muito ativos e influentes, e em vários países, como na Inglaterra e
Itália, dominam a situação até à guerra de 1914. Entretanto, pensadores
eméritos já expuseram as novas idéias e asseguraram-lhes vasta repercussão.
Alguns dentre eles, especialmente Bergson
e em menor escala Husserl, alcançaram
excepcional reputação. As principais escolas são: os empiristas e os idealistas,
que todavia se alimentam com as idéias do século XIX, os
filósofos da vida, os fenomenólogos e os neo-realistas, que são os partidários
das idéias novas.

B.   Os empiristas. Número assaz considerável
de pensadores segue a linha do positivismo ou até a do materialismo. Prevalece
neles a idéia da evolução mecanicista. No entanto,
de maneira geral, rompem já o quadro do positivismo, visando estabelecer, à
base das ciências, uma espécie de imagem geral da realidade, a que por vezes
eles próprios dão o nome de
"metafísica". Podemos distinguir entre eles vários grupos de orientação
diferente e de importância desigual.

No
que se refere à França, devem ser citados alguns empiristas que publicaram boa
parte de suas obras no século XIX,
mas cuja’ influência só nesta altura se
faz sentir. Todos eles constroem uma espécie de metafísica sobre uma base científica.
Salientemos Alfred Fouilée (1838-1912),
autor de uma teoria das "idéias forças", André Lalande (1867- 1963), crítico  do otimismo
evolucionista e propugnador da lei da dissolução, bem como o materialista
Félix le Dantbc (1869--1917),
autor de um certo número de obras contra o espiritualismo, o vitalismo e o
individualismo ontológico.

Na
Alemanha, a tendência empirista é principalmente representada pelos
positivistas, entre os quais avulta incontestavelmente
Theodor Ziehen (1862-1950). Ernst Mach (1838–1916) continua
exercendo influência e vários de seus discípulos professam seu
empiriocriticismo. Dentro desta ordem de idéias, importa citar, como pensador
inteiramente independente, Wilhelm
OswalD (1853-1932). Químico de profissão, tornou-se mais tarde filósofo
e sobre
a base das ciências da natureza fundou uma doutrina atualista,
segundo a qual a realidade nada mais é do que energia.

A psicologia
é o
terreno onde as correntes materialistas se manifestam de maneira
particularmente eficaz. É, em primeiro lugar, o behaviorismo, escola fundada
por John B. Watson (1878- ). No fundo, não é mais
do que uma metodologia científica, que abstrai do estudo dos fenômenos psíquicos
enquanto processos decorrentes no íntimo da alma, bem como da introspecção, e
pretende considerar exclusivamente como objeto da psicologia o comportamento (behaviour)
externo. Uma das conseqüências é a negação total do psiquismo. A resultados
idênticos chegou a reflexologia do russo Ivan
Pavlov (1849-1936), segundo a qual as funções psíquicas superiores têm
de ser explicadas por meio de reflexos condicionados ou  inibidos.

Entretanto,
a psicanálise de Sigmund Freud (1856-1939)
pode ser considerada o mais importante movimento oriundo do emplrismo. Freud, que aceita o princípio fundamental
do mecanicismo evolucionista, segundo o qual o superior explica-se pelo
inferior, propõe a tese de que a vida da consciência nada mais é que o
resultado de um jogo puramente mecânico dos elementos da
"subconsciência". Estes elementos, que dispõem de uma dinâmica
própria, combinam-se em "complexos" e têm tendência para reaparecer
na consciência e dirigir a ação. A força característica e motriz da vida
psíquica é a "libido", espécie de eros no sentido mais amplo.
Partindo destes princípios, que expôs em sua Traumadeutung (Interpretação dos sonhos) (1900), Freud elaborou desde 1913 (Totem und Tabu), sistemas
explicativos da religião, da arte, etc. Para êle, todos os fenômenos psíquicos
superiores não são mais que "sublimações" do impulso erótico.

Generalização
idêntica de uma teoria cientifica limitada foi a que levou a cabo a escola
francesa de sociologia,
com seu fundador Emile
Durkheim (1858-1917) e com Lucien
Lévy-Bruhl (1857-1939), que foi realmente seu sucessor. Estes
sociólogos defendem a concepção de que a sociedade é uma realidade, sem dúvida
contida em cada indivíduo, mas objetiva. Podemos captá-la cientificamente
mediante um método objetivo e comparativo, pelo só estudo das causas
eficientes, com exclusão de toda finalidade. A aplicação deste método levou Durkheim e Lévy-Bruhl a afirmar que as leis éticas e lógicas são
completamente relativas, pura expressão das necessidades de uma sociedade em
evolução, e que a religião consiste no culto desta mesma sociedade. O sistema
culmina numa espécie de psicologia especulativa, segundo a ‘qual o que é
religioso, lógico e moral, pertence à esfera social, enquanto o profano, o
alôgico
e o egoísta, pertence à espera do homem individual. Por
conseguinte, o corpo seria um princípio de individuação.

Todos estes
sistemas, principalmente a psicanálise e o sociologismo, tiveram grande
aceitação entre as multidões. Todos eles, porém, não são mais do que um
derradeiro reflexo do pensamento do século XIX. Todavia, um
traço os diferencia do empirismo da velha escola: seu relativismo. Le Dantec, Pavlov, Ziehen, Ostwald, Freud e
Durkheim, todos são relativistas.
Para eles não existem leis absolutas, nem lógica objetiva, nem morai
imutável. Por esta faceta, o empirismo abeira-se do irracionalismo, que, pela
mesma época, se vai inoculando na filosofia.

Falta
acrescentar que nenhuma destas doutrinas, considerada filosoficamente, se
reveste de importância por seu conteúdo. Todas elas são exclusivamente
sensualistas e nomina-listas, incapazes de ultrapassarem as fronteiras do pensamento
Intuitivo. E nelas interfere fortemente o materialismo mecanicista. Estranho
paradoxo é a circunstância de uma doutrina já superada em física e também em
biologia fincar pé no campo da psicologia e da sociologia.

C. O idealismo. O idealismo exerceu a maior
influência nos principais países da Europa durante os primeiros vinte e cinco
anos do século XX, mas perdeu-a quase completamente na maior parte
desses países por altura de 1925. Isto é verdade principalmente na Inglaterra,
pois que na Alemanha, França e Itália, ele continuou sendo uma potência até à
segunda guerra mundial. Pelo que, teremos que voltar a tratar dele mais tarde.
Pelo contrário, uma vez que o idealismo inglês já não pertence à filosofia
atual, vamos esboçar-lhe rapidamente as linhas fundamentais.

O
idealismo inglês brotou da velha cepa hegeliana. Seus arautos são Francis Herbert
Bradley (1846-1924), Bernard Bosanquet (1848-1923) e Ellis McTaggart (1866-1925). Os dois
primeiros são monistas. Bradley, provavelmente
o mais profundo dentre eles, funda sua filosofia sobre a idéia das relações
intrínsecas. Segundo ele, as relações não são acrescidas à essência das coisas
já constituídas, mas constituem elas próprias essa essência. Esta doutrina
conduz, por um lado, ao monismo — a realidade é um todo orgânico — e, por outro
lado, ao ser aplicada ao conhecimento, conduz ao idealismo objetivo — não
existe diferença essencial entre o objeto e o sujeito, visto ambos não serem
mais do que uma forma na qual se manifesta o todo, idéia única e absoluta.
Reforça sua tese com perspicazes considerações sobre as contradições inerentes
a toda realidade empírica. Tais contradições provam, segundo Bradley, que esta realidade não é senão
aparência, por detrás da qual se esconde a realidade verdadeira, o absoluto.
Todavia Bradley, embora defensor
de um idealismo monista, está longe de reduzir a realidade ao abstrato. Do
mesmo modo que Hegel, persiste em
afirmar a primazia do concreto. Seu conceito universal não é uma abstração,
mas, de conteúdo mais rico do que o particular, é um "universal
concreto" e mais real do que o particular. Estes são apenas alguns
aspectos básicos do pensamento rico e complexo de Bradley, que exerceu — e continua exercendo ainda —
influência duradoura sobre uma série de eminentes pensadores. Assim, por
exemplo, James e Marcel foram diretamente influenciados
por ele, ao passo que o neo-realismo inglês se ergue renitentemente contra suas
concepções fundamentais.

Bosanquet prolonga
o idealismo hegeliano na mesma direção, insistindo todavia mais, quando
possível, no caráter concreto da realidade. O terceiro pensador que
mencionamos, McTaggart, difere de
Bosanquet e de Bradley por sua adesão ao pluralismo: o
absoluto é, para ele, uma comunidade de espíritos que entre si mantêm relações
recíprocas. Sua filosofia é profundamente espiritualista e personalista.    Em
vez do absoluto impessoal dos idealistas clássicos, McTaggabt coloca a pessoa de Deus. Por esta forma lança uma
ponte entre o idealismo e a nova filosofia em gestação.

D.
As novas correntes.
Faremos
somente breve referência aos novos movimentos filosóficos que surgem neste período,
já que todos eles prosseguem desenvolvendo-se depois de 1925 e pertencem, por
conseguinte, à filosofia atual, que constitui o objeto deste livro. São em
número de três: fe-nomenologia,  neo-realismo e irracionalismo vitalista.

A fenomenologia,
entrementes, tornou-se um fator poderoso. Em 1913, aparece o Jahrbuch
für Philosophie iind phünomenologische Forschung (Anais de filosofia e de investigação
fenomenológica),
no qual trabalhou ao lado de Hus-serl todo um grupo de pensadores muito capazes, tais como A. Pfander, D. von Hildebrand, M. Geiger,
R. Ingarden e, muito
especialmente Max Scheler, que
publica no primeiro e segundo volumes (1913-1916) do Jahrbuch a sua obra
capital Der Formalismus in der Ethik und die materiais Wertethile (O
formalismo na ética e a ética material dos valores).
A influência da
fenomenologia é extremamente pronunciada, de sorte que influi, por um lado, até
no neokantismo, em todo caso em Emel
Lask (1875-1915), e, por
outro lado, na psicologia, domínio onde encontra na pessoa de Carl Stumpf (1848-1936) um discípulo de
valor. Tornando-se uma escola considerável, ela disputa na Alemanha o ferreno
ao neokantismo; todavia, até o ano de 1914 este último continua sendo o
movimento filosófico mais potente daquele país.

Também
o novo realismo, principalmente graças aos escritos de Moore e de Russell, se revela muito ativo, sem que todavia logre formar
uma escola de grande envergadura. Whitehead
não entrou ainda em sua fase metafísica, Alexander publica sua grande obra Space, Time and Deity
(Espaço, Tempo e Deidade)
só em 1920, portanto quase no final do período
que nas ocupa. Na Inglaterra, mais ainda que na Alemanha, o idealismo campeia
nas universidades. Pelo contrário, o tomismo, que representa em França a
principal corrente realista da época, publica já obras de grande valor. Em
1909, R. Garrigon-Lagrange traz a
lume seu livro Le sens commun e, em 1915, Dieu. Enfim, J. Maritain surge, em 1913, com a primeira
de suas obras importantes, na qual toma posição contra Bergson. Como se vê, a escola tomista encontra-se
constituída, mas a despeito de sua maturidade interna não goza ainda da
reputação de que desfruta em nossos dias: também em França — como aliás em toda
a parte — imperam ainda as antigas tendências.

Uma só das
novas escolas conseguiu impor-se o atrair sobre si a atenção não só dos
círculos especializados em filosofia como também de um público mais vasto interessado
pelos assuntos literários, a saber, o irracionalismo vitalista. Na
Alemanha, onde a custo se descobre Dilthey
e onde Klages entra em
cena com sua obra propriamente filosófica, o irracionalismo ainda não logrou
alcançar o público. Mas nos países de língua inglesa William James, secundado por brilhante campanha de F. C. S. Schiller, obtém êxito sem precedentes.
A obra capital deste último, Humanism, data de 1903, e, durante o
primeiro quartel do século, sucedem-se uns após outros os livros de sua autoria.
Na França, desponta a estrela de Bergson.
A Évolution créatrice, sua obra fundamental, aparece em 1907 e
converte-se num autêntico centro da discussão filosófica. Como chefe de escola,
Bergson está cercado de eminentes
pensadores que em menor ou maior grau se lhe mantêm fiéis. Entre eles, merecem
ser citados os modernistas, com Le Roy,
Blondel, Pradines e Baruzi. Vasta
é a repercussão de Bergson. Mesmo
assim, o bergsonismo não consegue eliminar completamente as antigas doutrinas
que, a seu lado, continuam exercendo influência.

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