Os Dois Mágicos – Contos de Encantamento

OS DOIS MÁGICOS

UM homem tinha um filho muito esperto mas era tão pobre que vivia das ervas do monte e da água da fonte. Um dia o filho diz-lhe que o mande estudar artes de mágica com um mágico que estava morando na cidade. O velho levou o rapaz e ofereceu-o para criado.

 Sabe êle ler? perguntou o mágico.

 Não, meu senhor, disse o pai do rapaz.

O rapaz sabia perfeitamente ler e, quando o mágico viajava, atirava-se aos livros, lendo-os a todos e aprendendo de cor a sabedoria do mestre. No fim de um ano, despediu-se, recebeu a soldada e voltou para junto de seu pai.

 Ouça cá, disse êle ao velho — vou-me tornar num cavalo e vá vendê-lo à feira, bem caro. Antes de receber o dinheiro tire a brida e a traga na mão para casa. Eu virei nesta brida.

Transformou-se num cavalo e o pai vendeu-o por muito bom preço, tirando a brida e a trazendo para casa. O rapaz voltou a ser homem e o cavalo, que fora posto numa estribaria, desapareceu como fumo ao vento.

Dias depois, o> rapaz voltou a dizer a mesma cousa e o pai aceitou, puxando-o para a feira transformado num cavalo lindo. O velho mágico estava na feira e reconheceu o antigo criado na forma do animal. Vendo que êle aprendera as artes e n queria rival, ofereceu tanto dinheiro pelo cavalo q o pai do rapaz esqueceu-se de retirar o freio quando o quis fazer já recebera o pagamento e mágico não no permitiu.

Levou este o cavalo para casa, deu-lhe umas chi cotadas e deixou-o sem comer, amarrado. Um cria do, entrando na estribaria, julgou de bem ir dar de beber ao animal e chegando ao rio tirou-lhe o freio para que bebesse com mais liberdade. Logo que o fez, o rapaz disse: ai de mim uma sardinha! E saltando para a água desapareceu. O mágico, que estava à janela, correu, pulou para dentro do rio dizendo: ai de mim um dourado! Tornou-se o peixe dourado e perseguiu o rapaz com toda a velocidade. Este, vendo que era apanhado, disse: ai de mim uma pombinha! Saiu voando depressa. O mestre por sua vez, disse: ai de mim um gavião! E seguiu a pombinha como uma flexa. A pombinha avistando o gavião, recorreu às mágicas: ai de mim uma flor na mão daquela moça que está à janela. A moça tomou um susto vendo aparecer-lhe na mão uma flor de rara beleza. O velho mágico voltou a ser homem, chegou à porta e ofereceu uma bolsa de ouro pela flor, dizendo ser para remédio. A moça não quis aceitar mas seu pai, ouvindo o ofe fecimento, mandou que aceitasse. A flor, então, disse que a moça não a entregasse na mão do comprador e sim a atirasse para o chão, aos pés dele. Assim o fez a moça e a flor se tornou num verme branco que se foi metendo pela terra. O mágico tomou a forma de uma galinha e precipitou-se para engolir o verme. Este transformando-se em uma doninha, matou a galinha em dois tempos e devorou-a. Depois tomou a forma humana e foi agradecer à moça o auxílio que lhe dera em sua luta com o mágico. Gostaram um do outro, casaram e viveram bem.

Teófilo Braga registou três versões desse conto, 9, 10, e 11 de sua coleção, O Mágico, O mestre das artes, O aprendiz do mago, procedente do Algarve, São Miguel e Eixo, em Aveiro. Adolfo Coelho tem O criado do Estrujeitante, XV, de Ourilhe, Celorico de Basto, e Consiglieri Pedroso o de n.° XLV. No Contos Populares do Brasil, Sílvio Romero colheu uma variante pernambucana, O Pássaro Preto. Alfredo Apell traduziu a variante russa, A ciencia manhosa, expondo resumos do mesmo tema, com modificações, nos idiomas valáquio (Schott), sérvio (Wuk), grego (Hahn), alemão (Grimm), inglês (Brueyre). Figura na fábula 5, oitava das Notte Piacevoli, de Straparola. Citando os comentários de Benfey à Pantchatantra, Apell indica um conto mongólico com as transformações sucessivas, elemento caracterizante. No Mil e uma Noites, na história do segundo calender, há uma luta entre a princesa Dama da Beleza e um gênio, neto de Eblis, rei dos gênios, com processo idêntico, no ataque e defesa sobrenaturais. Beckwith encontrou uma variante na Jamaica. É o Mt. 325 de Aarne-Thompson, The Magician and his Pupil. (C. CASCUDO)

Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.

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