São Sebastião do Rio de Janeiro – A cidade desde sua fundação

São Sebastião do Rio de Janeiro

Tomé de Sousa, primeiro governador geral do Brasil, tendo resolvido percorrer as capitanias, em que se achava dividida a colônia, partiu em companhia do jesuíta Padre Nóbrega, com uma nau e duas caravelas, sob o comando de Pero de Góis, e, entrando de passagem no pôrto do Rio de Janeiro, foi tomado de tal assom­bro, que escreveu ao rei o seguinte: “Mando o debuxo dela a

Vossa Alteza, mas tudo é graça o que dêle se pode dizer; senão, que pinte quem quiser como deseje um rio — isso tem êste de Ja­neiro. Parece-me que Vossa Alteza deve mandar fazer ali uma po­voação honrada e boa; porque já nesta costa não há rio em que entrem franceses, senão neste. E tiram dêle muita pimenta; e fui sabedor que um ano tiraram cinqüenta pipas, e tirarão quantas quiserem, porque os matos a dão da qualidade desta de cá, de que Vossa Alteza deve ter informação.”

Instruído também pelos seus compatriotas das abundantes ri­quezas daquelas regiões, o ousado vice-almirante bretão Vilegaignon dirigiu-se, no ano 1555, à baía do Rio de Janeiro, fortificou a pequena ilha que se ficou denominando Villegaignon, e nela esta­beleceu a base de uma cidade. .

[1]Levigados — lisos.

O marítimo francês regressou à Europa em 1558, mas a empresa subia e medrava de tal modo, que um cosmógrafo, também francês, designava já o país pelo nome de França Antártica, e os colonos tinham escolhido o de Henryville para o da capital que haviam de fundar.

Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, 39 governador do Brnsil, foi mandado pela metrópole a expulsar os franceses. De­sembarcando em 1? de março de 1566 entre o Pão de Açúcar e o Morro de S. João, lançou os fundamentos da cidade a que pôs o nome de S. Sebastião. Só a 20 de janeiro de 1567 foi que Mem de Sá alcançou sôbre o inimigo completa vitória, a custo de muito heroísmo e muito sangue, expulsando-o completamente do terri­tório brasileiro.

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Após êste feito d’armas é que Mem de Sá começou a edifica­ção da nova cidade transferindo-a da península do Pão de Açúcar para o Morro do Castelo; e a pouco e pouco foi ela se dilatando nas suas raias, até constituir, como hoje constitue, uma cidade, que sobreleva a tôdas as outras da América do Sul em comércio, em riqueza, em estabelecimentos de instrução e no encanto^ de seus lindos arrabaldes e magnificência de sua baía.

Os filhos do Rio de Janeiro orgulham-se justamente da ter­ra em que nasceram. E olhando com desvanecimento para a am­plidão majestosa do seu pôrto, para os modernos bairros com as suas avenidas e ruas largas, as suas chácaras viçosas de flores, criações de frutos, amam talvez ainda mais a antiga São Sebastião de ruas estreitas, angustiosas, mas onde cada igreja, cada praça, cada monumento, cada pedra aviva, a lembrança de um guerreiro, de um homem de estado, de um artista, de um escritor.

A igreja de São Sebastião, no morro do Castelo[1]), traz-lhes à memória o vulto grandioso de Estácio de Sá, que foi encontrar a morte na, defesa do Rio de Janeiro.

As igrejas de São Bento, do Carmo, e da Santa Rita, com as suas lâmpadas de prata, a de São Sebastião, com as suas precio­sas obras de tallia, bem como o chafariz da.praça 15 de Novembro, servem-lhe paTa testemunhar o talento de Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim[2]), famoso arquiteto, que delineou e di­rigiu a construção^do Passeio Público, no vice-reinado de Luiz de Vasconcelos e Sousa.

O teatro São Pedro d’Alcântara como que ainda lhes reper-

cute aos ouvidos o aplauso clamoroso das plateias vitoriando Estela x) e João Caetano2).

O Hospício dos alienados, estabelecimento universalmente co­nhecido, fala-lhes do seu fundador, o piedoso José Clemente Pe­reira [3]) cujo nome também anda ligado a todos os documentos relativos à independência do Brasil.

Muitas ruas, praças e monumentos simbolizam acontecimen­tos notáveis. E’ assim que a rua Sete de Setembro tira o seu nome do dia, em que o Brasil se separou definitivamente da metrópole, a praça da República é o registro da queda do Império e da im­plantação do regime republicano ; a rua dos Voluntários da Pátria é comemorativa da legião, que de motu-próprio 2) se ^listou para ir ceifar louros em terras do Paraguai; as estátuas de Pedro Ál­vares Cabral, de José Bonifácio, de Dom Pedro I., do duque de Caxias, do marquês do Herval, de José de Alencar, do Visconde do Rio Branco, põem diante dos olhos as venerandas figuras do ma­reante que descobriu o Brasil; do estadista defensor extremoso da sua emancipação; do príncipe que nas margens do Ipiranga soltou o grito “Independência ou morte!”; do general, que em combates numerosos firmou e consolidou a integridade nacional; de outro general que, à semelhança do anterior, se imortalizou pugnando contra o exército de Lopes; do escritor, que tanto honrou a pátria manejando a pena, quanto a honraram, floreando a espada, os dois cabos de guerra; do político eminente, que deu o primeiro passo para apagar do país a feia nódoa da escravidão.

Ao falarmos agora das ruas que eram, até há pouco tempo ainda, as principais da capital brasileira, devemos citar, antes de nenhuma outra, a rua do Ouvidor, por ser a cabeça e o coração da cidade. Era com efeito nessa estreita rua que estavam as reda­ções de muitos jornais; nela se encontravam as lojas de ourivesa­ria e de modas, os cafés e confeitarias; nela se discutiam os assun­tos políticos, literários, artísticos e mundanos, não só do Rio. e de todo o Brasil, mas do mundo inteiro.

Em seguida vem a rua da Quitanda, também estreita, mas de grande movimento comercial, com os seus variados estabelecimen­tos. numerosas casas de fazendas e alguns bancos; a rua da Al­fândega,, onde fica o Banco do Brasil e as principais casas impor­tadoras inglêsas e alemãs; a rua do Rosário, preferida por todos os tabeliães; a rua do Hospício, igualmente notável pela faina do comércio; a rua Primeiro de Março, larga e calçada, à moderna, onde se acham muitos bancos, Correio geral, Telégrafo, o Supremo Tribunal e a Bôlsa. A rua Senador Dantas, também larga, e mo­derna, vai do Teatro Lírico ao Passeio Público, e tem magníficos edifícios. E, como remate, citaremos ainda uma, das maiores ruas da cidade, a rua do Catete, onde está o palácio do presidente da República, e a elegante aristocrática rua das Laranjeiras, onde se erguem soberbos palacetes e reverdecem chácaras magníficas.

Estas eram as ruas mais notáveis do Rio de Janeiro até o início dos grandes melhoramentos que se empreenderam na cidade, depois que a sua prefeitura foi autorizada a contrair, para tal fim, um empréstimo de quatro milhões de libras. As obras éfetuaram- se com uma energia e uma velocidade febril, de modo que a cidade está agora tão mudada, que em certos pontos do seu interior, quem tendo estado dela ausente alguns anos, hoje, a observar, experi­mentará sensação igual à que teriam os Sete Dormentes[4]), ao tornarem a ver os lugares onde haviam vivido antes do seu diutur­no letargo[5]).

Pode lá crer que está no meio da sua Rio de Janeiro, quando ao dirigir-se da estreita rua do Ouvidor para a dos Ourives, mais apertada ainda, lhe surgir diante dos olhos a famosa Avenida Cen­tral, hoje Avenida Rio Branco, de trinta metros de largura, lem­brando a grande Avenida do Cairo, margeada de belos e suntuosos edifícios, em que estão estabelecidas soberbamente lojas de modas, cafés, armazéns de atacado, redações de jornais e companhias de seguros, e cortada pelo meio e em todo o seu comprimento, por uma fila de postes elétricos, que à noite juntam a sua luz com a dos candeeiros de gás e de biccs Auer, que ladeiam a esplêndida avenida?! Pois o eixo desta foi inaugurado há apenas poucos anos — em 1904.

E a mesma dúvida o acometerá, se, não buscando com a vis­ta pontos de referência, percorrer, por sôbre a areia dourada do macadame, a Avenida Beira-Mar, ou Corso Botafogo, como hoje lhe chamam muitos fluminense, que têm viajado pela Europa, e que ali se dão, às quartas-feiras, ponto de reunião. Recorda o cor­so de Nice, levando-lhe, porém, grande vantagem pelo aspecto gran­dioso da. baía a que está iminente [6]), e das alturas que a dominam, e de que se despenha uma vegetação maravilhosa de viço e colorido.

Do corso Botafogo desfruta o panorama do pôrto do Rio de Janeiro, onde se acumulam navios de todos os países, que deman­dam o grande empório comercial, um dos mais importantes do mun­do e o principal da América do Sul. Daquêle pôrto, já alguém dis­>se com razão que é “a obra prima da Natureza no tocante a portos de mar”, e que nele “tudo, tudo absolutamente” foi por ela feito “com uma magnificência, uma majestade e uma beleza sem iguais.” Diante dos esplendores da baía de Guanabara, em cuja mar­gem fronteira ao/Rio de Janeiro fica a cidade de Niterói, pode o brasileiro murmurar, como em tantos outros lugares da sua en cantadora pátria, a estrofe de Casimiro de Abreu:

“Tem tantas belezas, tantas, — E’ uma terra encantada,

A minha terra natal, Mimoso jardim de fada

Que nem as sonha um poeta, Do mundo todo invejada,

E nem as canta um .mortal! Que o mundo não tem “

No Rio de Janeiro cultivam-se com esmero as ciências, as letras e as artes. Para isso tem a cidade a Escola Politécnica, a faculdade de Medicina, a Escola Militar, o Instituto Histórico Geográfico, a Academia Brasileira de Letras, a Academia de Be­las Artes, etc.

Poucas cidades possuem tão lindos e variados passeios. Den­tre êstes cumpre citar a Tijuca, o soberbo Jardim Botânico, o Cor­covado, a praia de Copacabana, e o morro de Santa Teresa.

Com o deslumbramento de seu pôrto, o encanto dos seus ar­rabaldes, e o gênio laborioso dos seus habitantes — porque lá tra­balha-se deveras — imagine-se o que será o Rio de Janeiro, onde se têm efetuado também grandes trabalhos de saneamento, depois de concluídos todos os melhoramentos que se acham em via. de exe­cução. Será uma cidade admirável, uma capital digna do Brasil, que o mundo considera e respeita como lustre e glória dos povos que na América trazem o berço de Roma.

(Extraído do Livro das Crianças)


[1] Infelizmente mandado arrasar a pre de embelezar a sanear a cidade.

[2] Valentim da Fonseca e Silva — mais conhecido pelo apelido de Mestre Valentim, — nasceu em Minas Gerais. Celebrizou-se na arte torêu- lica (arte de cinzelar, esculpir). Dêle escreve Araújo Porto Alegre: “Foi um grande artistà; homem extraordinário para o Brasil daquele tempo e para o de hoje, e o seu nome deve ser venerado.” Faleceu no Rio de Ja­neiro a l9 de março de 1813.

[4] Alude aos sete irmãos mártires que, segundo a lenda, foram enter

rados vivos numa caverna, mandada tapar pelo imperador Décio (século

III). Em vez da morte, tiveram um milagroso sono. Descoberto o seu

cárcere 200 anos depois, no reinado de Teodósio, o Moro, acordaram, e de

pois de prestarem juramento ao dogma da ressurreição dos mortos, abandonaram gostosamente a vida. A sua festa ó a de 27 de julho.

[5] diuturno letargo — sono prolongado e profundo.

[6] iminente — sobranceiro; em situaçã mais elevada.

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

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