Continued from: Temístocles - Plutarco - Vidas Paralelas

XVII. De resto, tendo entrado Xerxes pelo alto da
provínca Dórica, no país da Fócida, queimando e destruindo as cidades dos
Fócios, os outros gregos não fizeram nenhum gesto para socorrê-los, muito
embora os Atenienses pedissem a eles que se dispusessem a avançar contra os
bárbaros, até a Beócia para preservar o país da Ática, enquanto eles tinham
ido, por mar, até a costa de Artemísio. Ninguém todavia, lhes prestou ouvidos,
mas queriam todos que se fizesse a retirada para o Peloponeso, e ali se
reunissem todas as forças da Grécia dentro dos seus limites, fortificando-o com
uma boa muralha que fosse de um mar ao outro. Os Atenienses ficaram muito
descontentes com isso e também muito desencorajados e aborrecidos de se verem
assim esquecidos e abandonados pelos outros gregos. Combater sozinhos contra
tantos milhares de inimigos não se podia pensar, e não lhes restava outro
expediente senão abandonar sua cidade, embarcando em seus navios, o que o povo
recebia de muito má vontade considerando que não cabia mais preocupar-se nem de
vencer nem de salvar-se, quando tivessem abandonado os templos dos seus
deuses, e as sepulturas dos seus antepassados.

XVIII. Mas Temístocles, vendo que não podia
humanamente convencer nem persuadir o povo a seguir a sua opinião, recorreu a
um ardil como se faz algumas vezes nos jogos das tragédias, e começou a
despejar sobre os atenienses sinais celestes, oráculos e respostas dos deuses,
servindo-se, na ocasião, do dragão de Minerva por sinal e presságio celeste, o
qual, por sorte, não compareceu, por esses dias ao templo, como era seu
costume, encontrando os sacerdotes as oblações que lhe ofereciam cada dia,
inteiras sem que as tivesse tocado de forma alguma. Em razão disso, preparados
por Temístoclesr espalharam entre o povo o
boato de que a deusa protetora da cidade a tinha abandonado, mostrando-lhes o
caminho dó mar. Ele os conquistou por outro lado por meio da profecia que os
ordenava escapar em muralhas de madeira, dizendo que às muralhas de madeira
não. significavam outra coisa senão os navios, e que por essa causa Apoio, em
seu oráculo, chamava divina a Salamina, e não miserável nem desgraçada, porque
ela devia atribuir seu nome a uma vitória muito feliz que os gregos aí
ganhariam. Sendo assim recebido o seu conselho, expediu ele o decreto, que se
colocasse a cidade de Atenas sob a salvaguarda de Palas, senhora e protetora do
país, ,e que todos aqueles capazes, de pegar em armas, subissem às galeras
enquanto, entrementes, cada um pensasse em retirar para qualquer lugar seguro
sua mulher, seus filhos e seus escravos, como melhor lhe parecesse.

XIX. Lavrado esse decreto e autorizado pelo -povo,
a maior parte dos Atenienses transportou seus pais e mães velhos, mulheres e
filhos pequenos, para a cidade de Trezena, onde os Trezentinos os receberam
.muito honesta e humanamente, ordenando que eles fossem nutridos a expensas
públicas, e dando-lhes dois óbolos (13) de sua moeda por dia a cada um, o que equivale
mais ou menos a quatorze dinheiros por cabeça, e permitindo às crianças apanhar
frutos onde quer que os encontrassem, além de pagar mestres-escolas a custa de
sua coisa pública para ensinar-lhes as primeiras letras. Aquele que se inscreveu
como autor desse decreto foi um certo Nicágoras.

(13)  
Esses dois óbolos equivalem a um pouco mais de 5 sous de .nossa moeda

XX. Ora, por esse tempo, não tinham os Atenienses
tesouro público, mas o Senado dos Areopa-gitas, como diz Aristóteles, forneceu
a cada homem de guerra oito dracmas.( 14),
tendo sido esse, o principal meio de serem armadas as galeras. Clidemo todavia
escreve que isso foi ainda uma artimanha de Temístocles, porque, tendo os
Atenienses descido ao Pireu, simulou ele que o escudo de Palas, onde está
gravada a cabeça de Medusa, tinha-se perdido e não se encontrava com a imagem
da deusa, e, fingindo procurá-lo, esquadrinhou por toda parte . e encontrou
grande quantidade de prata que. os .particulares tinham escondido entre seus
utensílios. Essa prata foi trazida a público e por esse meio, tiveram os.
homens da defesa, ao embarcar nos navios, com o que fazer suas indispensáveis
provisões. Quando veio o momento da partida e toda a cidade tinha embarcado,
causava pena e ao mesmo tempo produzia grande espanto àqueles que consideravam
a ousadia e a firmeza desses homens que enviavam adiante deles, pais e mães
para um lado, enquanto eles, sem ceder às lágrimas e aos
gritos e abraços de suas mulheres e filhos que partiam, passavam corajosamente
para a ilha de Salamina. Havia, além disso, todavia, velhos cidadãos que se
era obrigado a deixar, por não ser possível transportá-los em virtude de sua
velhice, o que provocava grande compaixão, havendo também, não sei que de
lamentável, comovendo os corações, nos animais domésticos e privados que se
viam correr de um lado para outro, significando com uivos a sua dor, no
momento do embarque dos seus senhores e dos que os haviam criado. Entre esses
animais, conta-se do cão de Xantipo, pai de Péricles, que não podendo suportar
a mágoa de ser abandonado por seu dono, lançou-se ao mar atrás dele e nadando
ao lado da galera onde estava, foi até a ilha de Salamina, onde, mal chegando,
faltou-lhe o alento e morreu subitamente. Diz-se que é chamado ainda hoje, a
Sepultura do cão, o lugar onde ele foi enterrado.

(14)    Seis Libras de
nossa moeda.

XXI. Vendo os Atenienses lamentar a ausência de
Aristides e temendo que por despeito ele tendesse para o lado dos bárbaros, e
que, agindo assim viesse a ser causa da ruína dos negócios da Grécia, porque ele

fora banido, antes da guerra, por cinco anos, em virtude de manobras de
Temístodes (15), baixou este um decreto, e é um dos seus grandes atos,
permitindo a volta de todos aqueles que tivessem sido banidos em tempo
anterior, para vir fazer, dizer e aconselhar, aos seus concidadãos, o que
considerassem ser o melhor para a salvação da Grécia. Euribíades, constituído
capitão geral de todo o exército de mar dos gregos, em virtude da dignidade da
cidade de Esparta, homem a quem faltava coragem quando necessária, pretendendo
sair dali e retirar-se para o istmo do Peloponeso (16), onde todo o exército de
terra dos Peloponesianos se tinha reunido, Temístocles se opôs a isso,
resistindo forte e firmemente. Foi nessa ocasião que ele deu certas respostas
notáveis, recolhidas e anotadas cuidadosamente depois. Tendo-lhe dito Euribíades,
certo dia «Temístocles, no jogo dos prêmios aqueles que se levantam antes do
tempo são esbofeteados», «é verdade, respondeu-lhe Temístocles, mas aqueles
também que se mantêm entre os últimos, não são jamais coroados». Uma outra vez,
levantando Euribíades, o bastão que trazia nas mãos, como se quisesse
bater-lhe disse-lhe Temístocles: «Bate se queres, desde que ouças».
Euribíades, em conseqüência, admirando-se de ver nele tão grande cordura, e tão
grande paciência permitiu-lhe dizer tudo quanto quis, e começava já Temístocles
a conduzi-lo à razão, quando alguém que ali se encontrava disse-lhe: «Não fica
bem a um homem que já não tem cidade nem lar, pregar a quem os tem
ainda, que os abandone», Te-místocles voltando-se para ele, replicou: «Nós,
disse ele, homem covarde e mau que és, abandonamos voluntariamente casas e
muralhas, não querendo submeter-nos ao jugo da servidão, só por temor a perder
coisas sem alma nem vida; nossa cidade, todavia, não deixa de ser a maior de
toda a Grécia, porque é uma frota de duzentas galeras prestes a combater, que
vieram aqui para salvá-los se o desejardes, mas se vos ides, abandonando-nos
pela segunda vez, ouvi,-reis, antes que passe muito tempo, que os Atenienses
possuem uma outra cidade livre, e têm tantas terras e tão boas, como as que
aqui tiverem perdido». Essas palavras fizeram imediatamente Euribíades pensar e
temer que os Atenienses quisessem partir e abandoná-los. Mas como um outro
eretriano tentasse ainda alegar algumas razões contra o conselho de
Temístocles, não se pôde este conter e disse-lhe: «Cabia que vós também
falasseis de guerra, vós que pareceis exatamente com os calamares: (17)  porque
tendes bem uma espada mas falta-vos coração». Escrevem alguns que enquanto
Temístocles falava, percebeu-se, do convés de sua embarcação, uma coruja (13)
voando a mão direita dos navios,  a qual foi  pousar na ponta do mastro de uma
galera, dando causa a que os outros gregos, condescendendo com à sua opinião,
se preparassem para o combate.

(15)  
É um erro de Amyot, como já foi notado no Cap. XI., O decreto do ostracismo
foi de 10 anos.
 (16)   
"Gouffrê", em francês  
 (17) O casseron é uma pequena espécie de peixe voador que
os romanos chamavam loligo. Esse peixe expele, um liquido negro.
(18)   
Uma coruja, o pássaro de Palas e símbolo particular de Atenas que se vê em
quase todas as suas  medalhas.

XXII. Mas quando a frota dos vasos inimigos atingiu,
na costa da Ática, a região do porto Falérico, onde cobria todo o litoral da
zona, até a distância que a vista podia atingir, e que o próprio Xerxes, em
pessoa, veio acampar com seu exército de terra, ao longo da costa marinha,
revelando todo ó seu poder, tanto o de mar como o de terra reunidos, todas as
belas razões e demonstrações de Temístocles se esvaíram então, da memória dos
gregos e os Peloponesianos volvendo outra vez os olhos, para o modo pelo qual
poderiam retirar-se para o istmo do Peloponeso, irritavam-se quando se
pretendia falar com êles em outra coisa. Decidiu-se, em resumo, que na noite
seguinte levantar-se-iam as velas, determinando-se aos pilotos que se
mantivessem prontos para partir.

 XXIII. Temístocles desolado de que os gregos se afastassem assim
uns dos outros, retirando-se, cada um, para a sua cidade e abandonando a vantagem
que lhes dava a natureza do local e o estreito braço de mar, onde se achavam
concentrados, pensou consigo mesmo, diante disso, como poderia remediar o caso,
e decidiu adotar o estratagema de um certo Sicino, persa de nação, aprisionado
outrora na guerra e que amava Temístocles, sendo preceptor de seus filhos.
Enviando-o. secretamente, ao rei da Pérsia, deu-lhe a entender que Temístocles,
capitão geral dos Atenienses, desejando muito tornar-se seu servidor,
advertia-o, desde logo, que os gregos pretendiam fugir e aconselhava-o a não
deixá-los escapar, atacando-os com conhecimento de causa, enquanto se
mantinham perplexos e atemorizados, longe do seu exército de terra, de forma a
destruir-lhes de um golpe, todo o seu poder no mar.

XXIV. Xerxes supondo que esta advertência viesse de um
homem desejoso de prosperidade em seus negócios, a recebeu com grande alegria e
imediatamente fêz saber aos seus capitães de marinha que deviam, com calma,
embarcar sua gente nos navios, enviando, porém, imediatamente, duzentos deles,
para ir, por detrás fechar a saída do estreito e envolver totalmente as ilhas,
a fim de que não se salvasse um único dos inimigos, o que foi feito. Aristides
filho de Lisímaco percebendo, em primeiro lugar, a manobra, foi ao alojamento
de Temístocles, apesar de ser seu inimigo, por ter sido banido por cinco (19)
anos em virtude de seus enredos, como já narramos antes, e tendo-o feito sair,
contou-lhe como estavam cercados. Temístocles que, aliás, conhecia bastante a
bondade da personagem, e estava muito satisfeito de que tivesse vindo
procurá-lo em sua tenda, comunicou-lhe o estratagema urdido por intermédio de
Sicino, rogando-lhe que o ajudasse a reter os gregos e a procurar, com ele,
tendo em vista que a sua palavra tinha a maior autoridade, que se combatesse
dentro do estreito de Salamina. Aristides, louvando o seu bom senso, dirigiu-se
aos outros capitães das galeras para exortá-los e incitá-los a. combater. Não
se acreditava ainda, entretanto, em tudo quanto ele lhes dizia, quando chegou
uma galera tenediana, capitaneada por um certo Panecio, a qual, tendo-se
furtado às hostes dos bárbaros, trouxe notícias certas de como o estreito tinha
sido realmente fechado, de tal sorte, que, além da necessidade, a raiva
concebida pelos gregos os levou a querer tentar a sorte da batalha.    

(19)   Trata-se de uma repetição do erro de Amyot, do
qual Já se
falou nos caps. XI e
XXI

XXV.       Na manhã seguinte, o nascer do dia, sentou-se
Xerxes num lugar muito elevado de onde via a frota dos seus navios e a linha do
seu exército naval, acima do templo de Hércules, como o escreve Fanodemo,
região entre a ilha de Salamina e a costa da Ática, onde o canal tem a menor
largura, ou, como diz Acestodoro, sobre os limites do território de Megara
acima da ponta vulgarmente chamada Cornos, onde fez levantar um trono de ouro
mantendo ao lado dele muitos secretários para redigirem, por escrito, tudo
que acontecesse na batalha.

XXVI.        Quando porém, Temístocles sacrificava
aos Deuses sobre a galera capitânea, trouxeram-lhe três jovens prisioneiros
muito belos de rosto, e ricamente paramentados com vestes e jóias de ouro, constando serem filhos
de Sandace, irmã do Rei, e de um príncipe chamado Autarcto. Assim que o adivinho
Eufrantides’ os percebeu, tendo observado também que à sua chegada, saíra do
sacrifício uma grande chama clara e, ao mesmo tempo alguém entre os assistentes,
espirrara ao lado direito, segurou Temístocles pela mão, determinando-lhe que
sacrificasse esses três prisioneiros ao deus Baco cognominado Omestes, que
eqüivale a dizer cruel: porque, agindo assim, somente sei salvariam os gregos,
mas conseguiriam a vitória sobre os seus inimigos. Temístocles desnorteou-se
ao ouvir uma ordem tão estranha e terrível, mas a multidão, segundo seu
costume, de esperar a salvação, nos grandes perigos e questões quase
desesperados, mais de meios estranhos e desarrazoados na aparência, do que dos
sensatos e comuns, começou a invocar o deus a uma voz, e constrangeu-o,
aproximando os três prisioneiros dò altar, a cumprir o sacrifício na forma
ordenada pelo, adivinho, assim como escreve Fanias Lesbiano, homem sábio em
filosofia, e grande conhecedor de histórias e da antigüidade.

XXVII. Quanto ao número dos navios barba-rescos, o
poeta Esquilo, na tragédia intitulada por ele «Os Persas», como se o soubesse
exata e verdadeiramente, assim se manifesta:

O Rei Xerxes tinha em conjunto
Entre os quais havia
duzentos e sete
Que  ultrapassavam  quaisquer  
outros,  em  velocidade. (20)

Os atenienses tinham cento e oitenta, sobre cada um dos
quais havia dezoito homens de guerra, sendo quatro arqueiros (21) e os demais
portadores de arma branca. (22)

XXVIII. Não foi Temístocles menos sábio e avisado em
escolher o tempo, do que o foi na escolha do lugar do combate, porque ele
esperou para alinhar seus barcos em formação de batalha até a hora em que
costumava levantar-se, ordinariamente, um grande vento do lado do mar, agitando
enormes vagas dentro do canal. Este vento não prejudicava as galeras gregas,
chatas e baixas como eram, mas para os navios barbarescos com proas levantadas,
altos bordos e pesados de manejo, o vento causava grandes estragos porque os
fazia dar o flanco aos gregos que os iam atacar imediatamente, batendo-os com
ligeireza, com os olhos sempre prontos para ver o que lhes ordenava
Temístocles, como sendo ele quem entendia melhor do que nenhum outro o que se
devia fazer e também porque, junto a ele, o almirante de Xerxes, Ariamenes,
homem de coragem pessoal, e entre, os irmãos do Rei, indiscutivelmente 0 melhor
e o mais justo, combatia sobre um grande navio a golpes de dardos c chuços
(23), nem mais nem menos dó que se estivesse sobre a muralha de algum castelo.
Avançou assim sobre a galera na qual combatiam juntos Aminias Deceliano e
Sósicles Pediano, e como os dois navios se entrechocassem de frente enroscando-se
nos grampos e gatos de bronze, ele saltou para dentro da galera mas aqueles
lhe ofereceram ousada resistência e a golpes de dardo, o lançaram ao mar. O seu
corpo, flutuando entre os outros náufragos, foi reconhecido pela rainha
Artemísia que o tendo recolhido, levou-o ao rei Xerxes.

(20)   
AEsehyli Perseae, v. 339.
(21)    Que
lançavam flechas.    
(22)   Espada, lança e couraça

XXIX. Ora enquanto a batalha se desenvolvia em tais
termos, conta-se que apareceu no ar, do lado da cidade de Eleusis, uma grande
chama, ouvindo-se uma voz alta e um grande clamor pela planície triasiana até o
mar, como se houvesse considerável número de homens cantando juntos, em alta
voz, o cântico sagrado de Iaco, e parecia que, da multidão dos cantores,
levantava-se. pouco a pouco, uma nuvem pelo ar, a qual, partindo de terra, ia
dissol-
ver-sé e cair sobre ás galeras no mar. Outros afirmavam terem Visto figuras e
imagens de homens armados, que da ilha de Egina estendiam as mãos para as
galeras gregas, pensando-se que fossem os Eacidas, de quem, sé tinha invocado o
amparo antes da batalha, em públicas orações.                    

(23)  
No texto de Amyot — "dè traict et gect". A nota diz "jet"

XXX.       O primeiro que tomou um navio aos inimigos, foi
Liçômedes ateniense, capitão de uma galera, o qual, tirando-lhe os paramentos e
insígnias, a consagrou e dedicou a Apoio cognominado porta-louro (24), isto é,
vitorioso. Os outros gregos mantendo-se na frente, em número igual ao dos
bárbaros por causa do braço de mar onde combatiam, o qual era estreito, não
permitindo a estes vir ao combate senão em fila, onde se entrechocavam
estorvando-se uns aos outros, em virtude da sua grande multidão, tanto os
apertaram que finalmente, ao entardecer os constrangeram à fuga, .depois de
ter resistido e lutado até à noite, ganhando assim a tão renomada e gloriosa
vitória (25) da qual se pode, em verdade, afirmar o que dela disse Simônides:

Jamais
nação bárbara,
Nem grega, realizou, no mar.
feito de guerra tão raro, e tão digno de nota.

e
isso foi feito pela proeza e grande coragem daqueles que aí combateram mas
particularmente pela habilidade e sábia conduta de Temístocles.

(24)           
Dafeneforo.
(25)           
É a
gloriosa vitória de Salamina obtida no primeiro ano da septuagésima quinta olimpíada, 480 anos A. C, a vinte do mês
de Boedromion ou a 23 de setembro

 XXXI.       Depois desta batalha
naval, Xerxes. na teimosia do despeito pela sua perda, pretendeu aterrar o braço
de mar para fazer atravessar, sobre um dique, o seu exército de terra para a
ilha de Sa-lamina.   Temístocles, querendo sondar a opinião de Aristides,
disse-lhe, trocando idéias, ser ele de opinião que se avançasse até o estreito
de Helesponto com o exército de mar, para romper ali. a ponte de navios qüe
Xerxes fizera construir, a fim, disse ele «de capturarmos a Ásia na Europa».
" Aristides não achou bom esse conselho «porque», afirmou,  «nós temos até
agora combatido esse Rei bárbaro que não pensava senão divertir-se, mas nós o
fechamos na Grécia e reduzimos um inimigo que comanda tão grande força, à
necessidade de lutar para salvar a vida, ele não se divertirá mais,
contemplando a batalha como um passatempo, sentado comodamente sob um pavilhão
dourado, mas tentará todas as possibilidades e èle próprio será visto em toda
parte, por temor ao perigo, para, provavelmente, reabilitar-se, diligentemente,
da falta cometida por negligência, provendo melhor  à sua situação, quando
perceber que se jogam nela, sua vida e seu estado conjuntamente.   Portanto,
Temístocles, eu seria de aviso não somente de não romper a ponte que ele fêz
construir, mas até, se o pudéssemos, de construir-lhe uma nova, para expulsá-lo
o mais cedo possível, para fora da Europa».   Respondeu-lhe então
Temístocles:   «Uma vez que assim lhe parece, será preciso que nos aconselhemos
juntos, e inventemos um meio de fazê-lo sair sem mais delongas».

XXXII. Estando ambos de acordo, Temístocles
enviou incontinenti um dos eunucos do Rei. isto é, ura de seus criados de
quarto chamado Arsaces. encontrado entre os prisioneiros, por quem o fez ciente
de que os gregos, tendo ganho a batalha por mar, tinham decidido, em seu
conselho, ir ao estreito do Helesponto para romper a ponte de navios que ali tinha
sido edificada por sua ordem, desejando ele adverti-lo disso pela afeição que
lhe dedicava, a fim de que, quanto antes, decidisse retirar-se dos mares
dominados pelos gregos, para repassar à Ásia o mais cedo possível, enquanto
seriam dadas ordens para distrair os aliados confederados, de forma a que não o
perseguissem imediatamente. O Rei bárbaro, ouvindo essas notícias, ficou tão
atemorizado que partiu com toda a rapidez. De resto, o bom senso e sábia
previdência de Temístocles e Aristides, nessa ocasião se mostraram, de forma
evidente, mais tarde, na batalha que os gregos travaram diante da cidade de
Platéia contra Marconio, lugar-tenente de Xerxes, o qual, não tendo senão uma
pequena fração do poderio real, colocou, todavia, os gregos, em grande perigo
de total perdição.

XXXIII. Ora, quanto às vilas e cidades que
combateram nesta batalha, escreve Heródoto que a de Egina conquistou o prêmio
de valentia e quanto aos homens particulares, os gregos o adjudicaram a
Temístocles, embora de má vontade, pela inveja votada à sua glória, porque,
tendo-se retirado todos os capitães, depois da batalha, para.o estreito, à entrada
do Peloponeso, jurando sobre o altar dos sacrifícios que dariam seus votos a
quem melhor lhes parecesse merecê-los, de acordo com as suas consciências,
atribuiu cada um deles a si próprio o primeiro posto em valor, e o segundo a
Temístocles. Os próprios Lacedemônios o levaram a Esparta onde atribuíram a seu
almirante Euribíades, a honra da coragem e a Temístocles a da sabedoria e
prudência, em razão do que lhe deram um ramo de oliveira juntamente com o mais
belo carro existente em toda a cidade, enviando trezentos dos seus jovens para
com-boiá-lo até o limite de suas terras.

XXXIV. Na primeira festa e assembléia dos jogos
olímpicos, realizada depois desta vitória, conta-se que, quando Temístocles
entrou no parque onde se desenrolavam os jogos, os assistentes deixaram de
olhar os combatentes e durante todo o dia mantiveram os olhos fixos nele
mostrando-o com ò dedo aos estrangeiros que não o conheciam é testemunhando
com palmas, quanto o estimavam. Sentiu-se Temístocles tão alegre com isso que,
segundo ele mesmo confessou a seus familiares, colheu nesse momento o fruto de
tantos trabalhos suportados antes, pela salvação da Grécia, de tal forma era,
por natureza, ambicioso e ávido de honrarias como se pode facilmente
reconhecer, por alguns fatos e ditos notáveis, recolhidos dele.

XXXV. Tendo sido eleito almirante de Atenas, não
despachava quaisquer negócios, privados ou públicos, parceladamente, à medida
que se apresentavam, mas remetia-os, em conjunto, para o próprio dia de seu
embarque, a fim de que, quando o vissem despachar tantos assuntos a um tempo,
falando simultaneamente com tanta gente, o considerassem ainda mais, como
grande homem, atribuindo-lhe maior autoridade. De outra feita, passeava ele
pela praia marinha, contemplando os corpos dos bárbaros lançados à costa pelo
mar e vendo alguns que mantinham cadeias e braceletes de ouro, continuou o caminho,
mas mostrando-os, a um seu familiar que o seguia,
disse-lhe, «Recolhe isto para ti, uma vez que tu não és Temístocles». A um
certo Antifates que fora outrora um belo jovem e se recusara, altivamente, a ele,
sem dar-lhe importância, indo-lhe depois fazer a corte, quando o viu chegado a
grande autoridade: «Jovem, meu amigo», disse ele, «embora muito tarde, nós nos
tornamos ambos, repentinamente bem comportados». Afirmava que os Atenienses não
o honravam nem o estimavam em tempo de paz, Dias quando ameaçava qualquer
tempestade bélica, e
eles se
viam em perigo, corriam a ele da mesma forma que se faz com a sombra de um
plátano, quando sobrevêm uma chuva repentina, ao qual, depois. quando volta o bom tempo, o povo esgalha e
lhe corta os ramos. A um indivíduo natural da ilha de Serife  que  altercando  
com   ele.   disse-lhe  não   ser  por seu valor pessoal
mas pela nobreza da cidade onde nascera, que ele tinha adquirido tanta glória:
«É verdade, respondeu-lhe, mas nem eu teria adquirido jamais grande
honra se nascesse Serifiano, nem tu se tivesses nascido ateniense.»

XXXVI. Outra vez em que um dos capitães da cidade, em virtude
de qualquer bom serviço prestado à cousa pública, se glorificasse diante
de Temístocles e comparasse seus gestos aos dele, este, em resposta, lhe
propôs uma parábola: «O Dia Seguinte da Festa, atritou-se certa vez com ela,
lançando-lhe em rosto, que ele não fazia senão trabalhar, sofrendo todo o peso
conseqüente a ela que não fazia nada, senão gastar e passar bem com aquilo que
os outros haviam ganho. «Dizes a verdade, respondeu-lhe a festa mas se eu não
tivesse existido antes de ti, tu não existirias neste momento.» Assim também se
eu não tivesse existido naquele tempo, vós outros, onde estaríeis neste momento?»
Seu filho abusava um pouco exageradamente da afeição que lhe dedicava a mãe,
abusando dele também, através dela, pelo que dizia, brincando, Temístocles,
«que seu filho tinha mais poder que qualquer homem existente na Grécia
porque», afirmava, «os atenienses comandam os outros gregos, eu comando os
atenienses, ela a mim e ele a ela». Querendo, além disso, ter sempre
alguma coisa de singular, diferente dos outros em tudo e por tudo, ao fazer
anunciar uma herdade que desejava vender, determinou ao oficial de justiça,
que apregoava, que acrescentasse na sua proclamação, ter a herdade um bom
vizinho. De dois candidatos pretendentes de sua filha, ele preferiu o honesto
ao rico dizendo «que desejava antes para genro um homem falto de bens, do que
bens a que faltasse o homem». Tais foram as respostas e ditos de Temístocles.

XXXVII. Mas depois de ter feito as coisas que
aqui expusemos, ele ensaiou imediatamente reconstruir a cidade e as muralhas
de Atenas, corrompendo por dinheiro os oficiais da Lacedemônia, para que eles
não criassem empecilhos, assim como escreve Teopompo, ou, como todos os
outros dizem, ludibriando-os com a seguinte artimanha: ele foi a | Esparta,
como embaixador, enviado expressamente por se terem queixado, os da
Lacedemônia, que os Atenienses fechavam outra vez sua cidade com muralhas. Um
orador chamado Poliarco os acusava diante do conselho de Esparta, tendo sido
especialmente mandado para esse fim, pelos eginetas. "Temístocles negou
tudo com força e firmeza, dizendo-lhes que para se informarem da verdade,
enviassem lua gente ao local, querendo, com essa dilação ganhar o tempo
necessário ao acabamento das muralhas, e também que os Atenienses retivessem
como reféns, pela segurança" de sua pessoa, aqueles que fossem enviados a
Atenas para a verificação, como de fato aconteceu, porque, informados os
Lacedemônios sobre a verdade do que ocorria, não lhe fizeram nenhum mal, mas
dissimulando o descontentamento de se verem assim ludibriados por ele, o
devolveram são e salvo.

XXXVIII. Fez ele depois equipar e fortificar o porto do Pireu,
considerando a conveniência do local para adaptar a cidade inteiramente à
marinha. Nisso ele seguiu o conselho quase totalmente contrário ao dos antigos
reis de Atenas, os quais, como se diz, tratando de subtrair seus homens à
marinha para acostumá-los a viver sem freqüentar o mar, plantando, semeando e
lavrando diligentemente suas terras, inventaram e publicaram a fábula conhecida
da deusa Palas segundo a qual disputando ela o padroado da Ática com Netuno,
produziu e mostrou aos juízes a oliveira, ganhando com isso seu processo. Temístocles
não adaptou assim o porto do Pireu à cidade de Atenas, como disse o poeta
Aristófanes (26), mas antes ajustou a cidade ao Pireu. e a terra ao mar. Com
essa orientação ele aumentou o poder do povo contra os nobres e tornou a plebe
mais audaciosa, em virtude do que veio a autoridade a cair em mãos de
marinheiros, embarcadiços, pilotos e demais gente da marinha, razão pela qual a
própria tribuna das arengas, situada na praça de Pnix, olhava para o mar. Os
trinta tiranos que vieram depois, removeram-na porém, dali fazendo-a voltar-se
para o lado de terra, sendo de opinião que o poderio marítimo engendrava e
mantinha a autoridade do governo popular, e que em contraposição, os que vivem
do trabalho da terra, suportam mais pacientemente o governo da nobreza.

(26)    Na comédia dos
Cavaleiros. V. 
815. C

 XXXIX. Temístocles se capacitou ainda de algo
muito mais importante para tornar a cidade de Atenas poderosa no mar, porque, tendo-se
recolhido toda a frota do exército naval dos gregos depois da retirada de
Xerxes, ao porto de Pégaso (27) para invernar, disse ele, certo dia, em
assembléia pública do povo, que imaginara uma coisa muito útil e salutar para ele,
embora não fosse expediente para ser declarado publicamente. O povo
ordenou-lhe que a comunicasse a Aristides e caso ele a considerasse boa, fosse
executada prontamente. Temístocles declarou a este que aquilo que tinha no
pensamento era incendiar o arsenal aonde se tinham recolhido os navios dos
gregos, queimando-os conjuntamente. Ouvido o conselho, Aristides voltou-se para
o povo, dizendo-lhe não haver nada mais útil, nem mais injusto do que o
imaginado por Temístocles. Determinaram-lhe. então, os Atenienses que ele abandonasse
inteiramente a idéia.

(27)   É um erro.
Deve-se ler Págaso, porto da Magnásia.

 XL. Enquanto isso, os Lacedemônios tendo
proposto ao Conselho dos Anfitriões, assembléia geral dos Estados de toda a
Grécia, que as cidades gregas não participantes da liga dos Helenos contra os
bárbaros, fossem afastadas desse Conselho, Temístocles, temendo que se os
arginos,  os  tessalianos e ainda os tebanos viessem a ser postos fora, se
tornassem os lacedemônios os mais fortes em número de votos, fazendo por esse
meio tudo o que lhes agradasse nesse Conselho, falou tão bem pelas cidades que
se queriam eliminar que fêz os deputados, com assento nessa Assembléia, mudarem
de opinião., mostrando-lhes não ter havido mais que trinta e uma cidades
somente compreendidas na liga, entre elas algumas muito fracas e pequenas, não
sendo razoável que com a eliminação de todo o resto da Grécia, a autoridade
total do Conselho, viesse a cair entre as mãos de duas ou três das principais
cidades apenas. Foi essa a principal causa de virem depois os lacedemônios a
querer-lhe muito mal, estimulando Cimon o mais que puderam, como um adversário
para se opor sempre a ele, no manejo dos negócios atenienses. Temístocles
incorreu também na malquerença dos aliados e confederados de Atenas, por
deslocar-se, circulando de um lado para outro (28) entre as ilhas, pedindo
dinheiro aos habitantes, como se pode inferir da proposta que fez aos andrianos
(29), de quem pretendeu obter dinheiro, e da resposta recebida, como escreve
Heródoto, porque, declarando-lhes que lhes trazia dois deuses poderosos, Amor e
Força, responderam-lhe os andrianos que eles tinham também dois, não menos
grandes, que lhes impediam dar-lhe, isto é, Pobreza e Impossibilidade.

Heródoto

Heródoto

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