O Homem Medíocre (1913)
José Ingenieros (1877-1925)
Capítulo VI – A VELHICE NIVELADORA
i. as cãs. — ii. etapas da decadência. — iii. a bancarrota dos engenhos. — iv. a psicologia da velhice. — v. a virtude da impotência.
I — As cãs
Encanecer é coisa muito triste; as cãs são u’a mensagem da Natureza, que nos adverte da proximidade do crepúsculo. E não há remédio. Arrancar as primeiras — e quem não o faz? — é como tirar o badalo ao sino que toca o Angelus, pretendendo, com isso, prolongar o dia.
As cãs visíveis correspondem a outras mais graves, que não vemos; o cérebro e o coração, todo o espírito e toda a ternura encanecem ao mesmo tempo, com a cabeleira .
A alma do fogo, sob as cinzas dos anos, é uma metáfora literária desgraçadamente incerta. A cinza afoga a chama, e protege a brasa. O engenho é chama; a brasa é a mediocridade.
As verdades gerais não são irreverentes; deixam entreaberta uma frincha, por onde escapam as exceções particulares.
Por que não dizer a conclusão desconsoladora?
Ser velho é ser medíocre — com rara exceção. A máxima infelicidade de um homem superior é sobreviver a si mesmo, nivelando-se com os demais Quantos se suicidariam se pudessem advertir essa passagem terrível do homem que pensa, ao homem que vegeta, daquele que impele, àquele que é arrastado, daquele que ára sulcos novos, ao que se escraviza nas pegadas da rotina! Velhice e mediocridade costumam ser desgraçadas paralelas.
O "gênio fulgura até na sepultura" é uma exceção muito rara nos homens de engenho excelente, se são longevos; sói confirmar-se, quando correm a tempo, antes que a capacidade crepuscular empane os resplendores do espírito. Em geral, se morrem tarde, uma pausada neblina começa a velar a sua morte, com os achaques da velhice; se a morte se empenha em não vir, os gênios se tornam estranhos a si mesmos, — supervivencia que os leva até não compreenderem mais a sua própria obra. Sucedem-lhes o que sucederia a um astrônomo que perdesse o seu telescópio, e acabasse por duvidar dos seus descobrimentos anteriores, ao ver-se impossibilitado de os confinar a alho nú.
A decadência do homem que envelhece, é representada por uma regressão sistemática da intelectualidade. Ao princípio, a velhice mediocriza todo homem superior; mais tarde, a decrepitude inferioriza o velho já medíocre.
Tal afirmação é um simples colorário de verdades biológicas. A personalidade humana é uma formação contínua, não uma entidade fixa; organiza-se e se desorganiza, evoluciona e "involuciona", cresce e diminue, intensifica-se e se esgota.
Há um momento em que alcança a sua plenitude máxima; depois dessa época, é incapaz de progredir, logo soem advertir-se os sintomas iniciais da decadência, o tremular da chama interior que se apaga.
Quando o corpo se nega a servir a todas as nossas intenções e desejos, ou quando estes são medidos, em previsão de fracassos possíveis, podemos afirmar que começou a velhice.
Deter-se a meditar sobre uma intenção nobre, é matá-la; o gelo invade traiçoeiramente, o coração, e a personalidade mais livre se acalma, e se domestica. A rotina é o estigma mental da velhice; a economia é o seu estigma social.
O homem envelhece, quando o cálculo utilitário subs-titue a alegria juvenil. Quem se põe a meditar sobre si o que tem lhe basta para o porvir, já não é jovem; quando opina que é preferível ter mais do que ter menos, está velho; quando o seu afã de possuir excede a sua possibilidade de viver, já está moralmente decrépito. A avareza é uma exaltação dos sentimentos egoístas, próprios da velhice.
Muitos séculos antes que os psicólogos modernos a estudassem, o próprio Cícero escreveu palavras definitivas:
"Nunca ouvi dizer que um velho haja esquecido o lugar em que ocultou o seu tesouro" (De Senecture, c.7).
E deve ser verdade, se, quem disse isso, é o mesmo autor que se propôs a defesa dos foros e dos encantos da velhice.
Ascãs são avarentas, e a avareza é uma árvore estéril: a humanidade pereceria, se tivesse de se alimentar com seus frutos. A moral burguesa da economia envileceu gerações e povos inteiros; há graves perigos em pregá-la, pois, como Machiavel ensinou, "mais danos causa aos povos a avareza dos seus cidadãos, do que a capacidade dos seus inimigos".
Essa paixão de colecionar bens que não se desfrutam, vai se intensificando com os anos, ao contrário das outras. Aquele que é manicurto, na juventude, chega até a assassinar, por dinheiro, na velhice. A avareza seca o coração, fecha-o^ à fé, ao amor, à esperança e ao ideal.
Se um aváro possuísse o sol, deixaria o Universo às escuras, para evitar que o seu tesouro se gastasse.
Além de se apegar ao que tem, o avarento se desespera por obter mais, sem limite; é mais miserável, à medida que mais tem; para soterrar taleigas que não desfruta, renuncia à dignidade e ao bem-estar; esse afã de perseguir coisas que nunca será capaz de gosar, cons-titue a mais sinistra das misérias.
A avareza, como paixão envilecedora, iguala-se à inveja. É a pústula moral dos corações envelhecidos.
II — Etapas da decadência
A personalidade individual se constitue por sobreposições sucessivas da experiência. Já se assinalou uma "estratificação" do caráter; a palavra é exata, e merece ser conservada para ulteriores desenvolvimentos.
Em suas capas primitivas e fundamentais, jazem as inclinações recebidas hereditariamente dos antepassados: a "mentalidade da espécie". Nas camadas medianas, en contram-se sugestões educativas da sociedade: a "menta lidade social". Nas camadas superiores florescem as va riações e os aperfeiçoamentos recentes de cada um, os rasgos pessoais que não são patrimônio coletivo: a "men talidade individual".
Assim como, nas formações geológicas, as sedimen-tações mais profundas contêm os fósseis mais antigos, as primitivas bases da personalidade individual guardam cui-dadosamente o capital comum da espécie e da sociedade. Quando os estrados recentemente constituídos vão desa-parecendo, por obra da velhice, o psicólogo descobre, pouco a pouco, a mentalidade do medíocre, da criança e do selvagem, cujas vulgaridades, simplezas e atavismos reaparecem, à medida que as cãs vão substituindo os cabelos.
Inferior, medíocre ou superior, todo homem adulto atravessa um período estacionário, durante o qual aperfeiçoa as suas aptidões adquiridas, mas não adquire novas. Mais tarde, a inteligência entra em seu ocaso.
As funções do organismo começam a decair em certa idade. Essas declinações correspondem a inevitáveis processos de regressão orgânica.
As funções mentais, como acontece com as outras, decaem, quando começam a se enferrujar as engrenagens celulares de nossos centros nervosos.
É evidente que o indivíduo ignora o seu próprio crepúsculo; nenhum velho admite a hipótese da diminuição da sua inteligência.
Quem escreve isto hoje, provavelmente pensará o contrário, quando tiver mais de sessenta anos.
Mas, objetivamente considerado, o fato é indiscutível, embora possa haver discrepância na assinalação de limites gerais para a idade em que a velhice desconjunta a nossa virilidade. Compreende-se que, para esta função, como para todas as outras do organismo, a idade da velhice difere de indivíduo para indivíduo: os sistemas orgânicos em que se inicia a evolução, são diferentes em cada sêr. Há quem se envelhece pelos seus órgãos digestivos, circulatórios ou psíquicos; e há quem conserva, íntegras, algumas de suas funções, até mais além dos limites comuns. A longevidade mental é um acidente; não é a regra.
A velhice inequívoca é aquela que cria mais rugas no espírito, do que na fronte. A juventude não é simples questão de estado civil, e pode sovreviver a algumas cãs; é um dom de vida intensa, expressiva e otimista.
Muitos adolescentes não têm, e muitos velhos o têm até excessivamente. Há homens que nunca foram jovens; em seus corações, prematuramente exgotados, as opiniões extremas não encontram calor, nem os exageros românticos encontra malento. Neles, a única precocidade é a velhice.
Há, entretanto, espíritos de exceção, que guardam algumas originalidades até os seus últimos anos, envelhecendo tardiamente. Mas, antes em uns, em outros depois, devagar ou depressa, o tempo leva a termo a sua obra, e transforma as nossas idéias, os nossos sentimentos, as nossas paixões e as nossas energias.
O processo de "involução" intelectual segue o mesmo curso da sua organização, mas ao inverso. Primeiro desaparece a "mentalidade individual", mais tarde a "mentalidade social", e, por último, a "mentalidade da espécie".
A velhice começa por fazer de todo indivíduo um homem medíocre. A diminuição mental pode, sem embargo, não parar aí. As engrenagens celulares do cérebro continuam enferrujando-se, a atividade das associações neurônicas se atenua cada vez mais, e a obra destrutora da decrepitude é mais funda. Os achaques continuam desmantelando sucessivamente as capas do caráter, desaparecendo, uma depois da outra, todas as suas aquisições secundárias, as que refletem a experiência social.
O ancião se inferioriza, isto é, regressa, pouco a pouco, à sua primitiva mentalidade infantil, conservando as aquisições mais antigas da sua personalidade, que são, por conseqüência, as que melhor se conservam, e se consolidam. É notório que a infância e a senectude se tocam; todos os idiomas consagram esta observeção, em rifões bastante conhecidos. Isto explica as profundas transfornações psíquicas dos velhos; a mudança total dos seus sentimentos (especialmente os sociais e os altruístas), a preguiça progressiva para acometer empreendimentos no-vos (com discreta conservação dos hábitos consolidados por antigos automatismos), e a dúvida ou a apostasia das idéias comuns em seu meio, e, depois, às professadas na infância, ou pelos antepassados.
A melhor prova disto — que os ignorantes sóem citar contra a ciência — nós a encontramos nos homens de mais elevada mentalidade e de cultura melhor disciplinada, é freqüente, neles, ao entrar em ancianidade u’a mudança radical de opiniões acerca dos mais altos problemas filosólicos à medida que decaem as aptidões originalmente definidas durante a idade viril.
III — A bancarrota dos engenhos
Este quadro não é exagerado, nem esquemático. A marcha progressiva do processo impede advertir essa evolução nas pessoas que nos rodeiam; é como se uma claridade se apagasse tão lentamente, que permitisse chegar à escuridão absoluta, sem fazer advertir momento algum da sua transcrição.
À lentidão natural do fenômeno, devem-se acrescentar as diferenças que êle apresenta em cada indivíduo. Aqueles que só logram adquirir um reflexo de mentalidade social, pouco têm a perder com essa inevitável bancarrota; é o empobrecimento de um pobre. E quando em plena senectude, a sua mentalidade social se reduz à mentalidade da espécie, inferiorizando-se, essa passagem da pobreza à miséria não surpreende pessoa alguma.
No homem superior, no talento ou no gênio, notam-se claramente esses estragos.
Como não chamaria a nossa atenção um antigo milionário que passeasse ao nosso lado, os seus últimos andrajos?
O homem superior deixa de o ser, e se nivela. Suas idéias próprias, organizadas no período do aperfeiçoamento, tendem a ser substituídas por idéias comuns ou inferiores.
O gênio — entenda-se bem — nunca é tardio, embora o seu fruto possa ser revelado tardiamente; as obras pensadas na juventude, e escritas na madureza, podem, ou não, demonstrar decadência; mas as obras pensadas na velhice, sempre a revelam.
Nós lemos a segunda parte do "Fausto", por um sentimento de respeito para com o autor da primeira; não podemos sair dela, sem pensar que "nunca as segundas partes foram boas" — rifão inapelável, se a primeira é obra da juventude, e a segunda é fruto da velhice.
Assinalou-se, em Kant, um exemplo acabado dessa metamorfose psicológica. O jovem Kant, verdadeiramente "crítico", tinha chegado à convicção de que os três grandes baluartes do misticismo — Deus, Liberdade e Imortalidade da Alma — eram insustentáveis diante da "razão pura"; o Kant envelhecido, "dogmático", encontrou, ao contrário, que esses três fantasmas são postulados da "razão prática", e, portanto, indispensáveis.
Quando mais se prega o regresso a Kant, na avan-gada contemporânea do neo-kantismo, tanto mais ruidosa e irreparável se apresenta a contradição entre o jovem e o velho Kant.
O próprio Spencer, monista como os que mais o são, acabou entreabrindo uma porta ao dualismo, com o seu "incognoscível". Virchow criou, em plena juven-tude, a patologia celular, sem suspeitar que terminaria renegando as suas idéias de naturalista filósofo. E, como ele, outros também decaíram.
Para citar somente mortos de ontem, veja-se Lom-broso, cair, em seus últimos anos, em ingenuidades in-fantis, explicáveis pela sua debilidade mental, ao ponto de chorar conversando com a alma de sua mãe, em um trípode espírita.
James, que, em sua juventude, foi o porta-voz da psicologia evolucionista e biológica, acabou por emara-
nhar-se em especulações maiores que só êle compreendeu. E, por fim, Tolstoi, cuja juventude foi pródiga de admiráveis novelas, e outros escritos que o fizeram ser classificado entre os escritores anarquistas, nos últimos anos escreveu artigos de pacotilha, que um gazetineiro vulgar não assinaria para, a-final, se extinguir numa peregrinação mística, que pôs em ridículo as últimas horas da sua vida física. A mental havia terminado antes.
IV — Psicologia da velhice
A sensibilidade se atenua nos velhos, e suas vias de comunicação com o mundo que os rodeia, se embotam; os tecidos se endurecem, e se tornam menos sensíveis à dor física. O velho tende à inércia, procura o menor esforço: assim como a preguiça é uma velhice antecipada, a velhice é uma preguiça que chega fatalmente em certa hora da vida.
Sua característica é uma atrofia dos elementos nobres do organismo, com desenvolvimento dos inferiores; uma parte dos capilares se obstroi, e diminue o fluir do sangue aos tecidos; o peso e o volume do sistema nervoso central se reduz, como o de todos os tecidos propriamente vitais; a musculatura flácida impede a manutenção eréta do corpo; os movimentos perdem a sua agilidade a sua precisão. No cérebro, diminuem as permutas nutritivas, alteram-se as transformações químicas, e o tecido conjuntivo prolifera, fazendo aue se degenerem as células mais nobres. Roto o equilíbrio dos órgãos, não pode subsistir o equilíbrio das funções: a dissolução da vida intelectual e afetiva segue esse curso fatal, perfeitamente estudados por Ri-bot, no capítulo final da sua "Psicologia dos sentimentos".
À medida que envelhece, o homem se torna infantil, Janto por sua inaptidão criadora, como pela sua dinii-
nuição moral. Ao período expansivo, sucede o de concentração; a incapacidade para o assalto aperfeiçoa a defesa. A insensibilidade física é acompanhada de analgesia moral: ao invés de participar da dor alheia, o velho acaba por não sentir nem a própria; a ansiedade de prolongar a sua vida parece adverti-lo de que uma forte emoção pode gastar energia, e se endurece contra a dor, como a tartaruga se retrai sob seu envoltório, quando pressente o perigo. Assim chega a sentir um ódio oculto contra todas as forças vivas que crescem e avançam, um surdo rancor contra todas as primaveras.
A psicologia da velhice denuncia idéias obsessoras e absorvente. Todo velho crê que os jovens o desprezam e desejam a sua morte, para suplantá-lo. Traduz tal mania em hostilidade à juventude, considerando-a muito inferior àquela do seu tempo — juízo que estende aos novos costumes, quando já não pode adaptar-se a eles. Mesmo nas coisas pequenas, exige a parte maior, con-trariando toda iniciativa, desdenhando os golpes afetivos e escarnecendo dos ideais, sem recordar que em outros tempos, pensou, sentiu, e fez tudo o que agora considera comprometedor ou detestável.
Essa é a verdadeira psicologia do homem que envelhece. A idade atenua ou anula o zelo, o ardor, a aptidão para criar, descobrir, ou simplesmente saborear a arte, e para conservar a curiosidade sempre alerta. Omito as raríssimas exceções que exigiram, cada uma, Um exame particular. Para a maioria dos homens, a debilidade vital suprime, imediatamente, o gosto dessas ei asas supérfluas. Asinalemos, também, com a velhice, a hostilidade decidida contra as inovações: novas fornias artísticas, novas maneiras de colocar e de tratar os problemas científicos. O fato é tão notório, que não exige provas. Ordinariamente, sobretudo em estética, rada geração renega a que segue. A explicação comum
desse misoneísmo, é a existência de hábitos intelectuais, já organizados, que seriam comovidos por um contraste violento, se ainda existisse uma capacidade de emoção ou de paixão. Isto é o que falta nos velhos, pela modorra de sua vida afetiva.
Ribot acrescenta que, a essa dissolução dos sentimentos superiores, se segue a de todos os sentimentos altruístas, e a dos ego-altruístas, persistindo, até o fim, os egoístas, cada vez mais isolados e predominantes na personalidade do velho. Estes mesmos sentimentos egoístas naufragam na sensibilidade ulterior.
Os diversos elementos do caráter se dissolvem em ordem inversa à sua formação. Os que se adquiriram no fim, são menos ativos, deixam sulcos pouco duradouros, são adventícios, incoordenados. Isto se revela na regressão da memória senil: os fantasmas das primeiras impressões juvenis continuam rondando pela mente, quando iá desapareceram as recordações mais recentes, as do dia anterior. A falta de plasticidade faz que os novos processos psíquicos não deixem rastros, ou os deixem muito débeis, enquanto que os antigos se gravam profundamente em matéria mais sensível, e somente desaparecem com a destruição dos órgãos.
Com crescimento dos neurônios no homem jovem, e com o seu poder de criar novas associações, Cajal teria explicado a capacidade de adaptação do homem e a sua aptidão para variar os seus sistemas ideológicos; a detenção dessas funções nos velhos e nos adultos de cérebro atrofiado por falta de ilustração, ou outra coisa, permite compreender as convicções imutáveis, a inadaptação ao meio moral e as aberrações misoneístas. Concebe-se, igualmente, que a falta de associação de ideais, o entorpecimento intelectual, a imbecilidade, a demência, possam produzir-se cuando — por causas mais ou menos mórbidas — a articulação entre os neurones começa a ser frouxa; quando se debilitam e deixam de estar em contacto, ou quando a memória se desorganiza parcialmente. Para formular esta hipótese, Cajal teve em consideração a conservação mais prolongada das memórias juvenis: as vias de associação, criada há muito tempo, e exercitadas durante alguns anos, adquirem, sem dúvida, uma força maior, devido à sua organização que se verifica numa época em que o cérebro possue o seu mais alto grau de plasticidade.
Sem conhecer estes dados modernos, Lucrécio observou que a ciência e a experiência podem crescer com o decorrer da vida, mas a vivacidade, a rapidez, a firme za e outras qualidades louváveis se emurchecem e enlanguescem ao sobrevir a velhice:
Ubi jam válidis quassatum est viribus aevi corpus, et obtusis ceciderunt viribus artus, claudicat ingenium, delirant linquaque mensque.
Montaigne, velho, considerava que, aos vinte anos, todo indivíduo anuncia o que dele é lícito esperar, e afirmou que nenhuma alma que se conserve obscura até essa idade, se tornou luminosa depois; recorda o provérbio usual no Delfinado:
"Si l”epine ne pique pas en naissant, à peine pique-ra-t-elle jamais", e acrescenta que quasi todas as gran-des ações da história foram realizadas antes dos trinta anos. (Essais, livr. I, cap. LVII).
À distância de vários séculos, um espírito absolutamente diverso chega às mesmas conclusões.
"A descoberta do segundo princípio da energética oito anos quando publicou sua memória. Meyer, Joule e Helmholtz tinham vinte cinco, vinte seis e vinte cinco, respectivamente; nenhum desses grandes inovadores chegou aos trinta anos, antes de se tornarem conhecidos, As épocas em que seus trabalhos apareceram, não representam o momento em que foram concebidos; tiveram de passar alguns anos, antes de estarem suficientemente desenvolvidos, para serem expostos, além do tempo necessário para que os seus autores encontrassem os meios indispensáveis à sua publicação.
A juventude desses mestres da ciência assombra; estamos acostumados a considerar que a ciência é privilégio de uma idade avançada, e nos parece que todos esses jovens faltaram ao respeito para com os seus maiores, tomando a liberdade de abrir novos caminhos à verdade.
Dir-se-á que a solução desses problemas, por verdadeiros rapazes, foi uma singular e excepcional casualidade; é fácil comprovar que o mesmo acontece em todos os domínios da ciência: a grande maioria dos trabalhos que assinalaram horizontes novos, foi obra de jovens que acabavam de transpor os vinte anos.
Não é este o lugar para expor as causas e conseqüências desse fato; mas é útil recordá-lo, pois, embora tenha sido assinalado mais de uma vez, está muito longe de ser reconhecido por aqueles que se dedicam a educar a juventude.
Os trabalhos de homens jovens são de caráter principalmente inovador: o mecanismo da instrução pública não deve servir de obstáculo a eles; devem permitir-lhes, desde cedo, o desenvolvimento livre de suas aptidões nos institutos superiores, ao invés de exgotar, prematuramente, como acontece agora, um grande número de talentos científicos originais. E para que as suas conclusões não pareçam improvisadas, W. Ostwald desenvolveu-as em seu último livro sobre os grandes homens, onde o problema do gênio juvenil está analizado com critério experimental.
Por isso, as academias soem ser cemitérios onde se glorificam homens que já deixaram de existir para a sua ciência ou para sua arte. É natural que a elas <lliguem os mortos ou os agonizantes; dar entrada a um jovem significa enterrar um vivo.
V — A virtude da impotência
Deve ser verdade o que se afirma, desde Lucrécio e Montaigne. até Ribot e Ostwald: mas os velhos não renunciarão a seus protestos contra os jovens, nem estes acatarão, em silêncio, a hegemonia das cãs.
Os velhos esquecem que foram jovens, e estes parecem ignorar que serão velhos: o caminho a ser percorrido é semore o mesmo, da originalidade à mediocridade, e desta, à inferioridade mental.
Como se pode admirar a gente, então, de que os jovens revolucionários terminem como velhos conservadores? E que há de estranho na conversão religiosa dos ateus chegados à velhice? Como poderia o homem ativo e empreendedor aos trinta anos, não ser apático e prudente aos oitenta? Como admirar que a velhice faz os homens avarentos, misantropos, rabujentos, quando lhes vão entorpecendo paulatinamente os sentidos e a inteligência, como se u’a mão misteriosa fosse fechando, uma por uma, todas as janelas entre-abertas em face da realidade que os rodeia?
A lei é dura, mas é lei. Nascer e morrer são os pontos invioláveis da vida; ela nos diz, com voz firme, que o normal não é nascer, nem morrer, na plenitude de nossas funções. Nascemos para crescer, envelhecemos para morrer. Tudo o que a Natureza nos oferece para o crescimento, subtrai-nos, preparando a morte. Sem embargo, os velhos protestam, assegurando que não são bastante respeitados, enquanto que os jovens se desesperam por ser excessivo o respeito que lhes votam.
A história é de todos os tempos.
Cícero escreveu a sua De Senectude com o mesmo espírito com que hoje Faguet escreveu certas páginas do seu ensaio sobre La Vieillesse. Aquele se queixava de que os velhos eram pouco respeitados, no império; este se queixa de que o sejam menos ainda na democracia.
Assombram as palavras de Faguet, quando êle afirma que os velhos não são ouvidos, pretendendo ver, nisto, a negação de uma competência a mais. Alega que, nos povos primitivos, como hoje entre os selvagens, são os velhos que os governam: a arqueocracia ali se explica, onde não há ciência além da experiência, e os velhos tudo sabem, pois qualquer caso novo lhes é conhecido, porque viram muitos semelhantes. Faguet afirma que o livro, posto nas mãos dos jovens, é o inimigo da experiência que os velhos monopolizam. E se desespera porque o velho caiu no ridículo, embora cometa a imprudência de julgá-lo com verdade: "convenons de bonne grâce qu’il prête cela; il est entêté, il est maniaque, il est verbeux, il est conteur, il est ennuyex, il est grondeur e son aspect est désagréable": nenhuma jovem escreveu uma silhneta mais sintética do que esta, incluída no seu volume sobre o culto da incompetência.
Faguet opina que o velho está desterrado das me-diocracias contemporâneas. Grave erro, que só prova a sua velhice.
Toda sociedade em decadência é propícia à mediocridade e inimiga de qualquer excelência individual; por isso, impede-se que os jovens originais tenham acesso ao governo, até que tenham perdido a sua aresta própria, esperando que a velhice os nivele, rebaixando-os até os modos de pensar e de sentir que são comuns ao seu grupo social. Em razão disto, as funções diretivas soem ser patrimônio da idade madura; a "opinião pública" dos povos, das classes superiores e que já começam a decair, o expoente natural da sua mediocridade.
Na juventude, são considerados perigosos; os jo vens governam somente nas épocas revolucionárias; a revolução francesa foi efetuada por eles, e o mesmo se deve dizer da emancipação de ambas as Américas.
O progresso é obra de minorias ilustradas e atrevidas. Enquanto o indivíduo superior pensa com a sua própria cabeça, não pode pensar com a cabeça das maiorias conservadoras.
Não há, pois, a falta de respeito que, em suas velhices respectivas, Platão, Aristóteles e Montesquieu assinalaram, antes de Faguet. Afirmar que, pelo caminho da velhice, se chega à mediocridade, é a aplicação simples de uma lei geral que rege todos os organismos vivos, e os prepara para a morte.
Porque deveríamos estranhar essa decadência men tal, se estamos acostumados a ver descobrirem-se as fo-lhas e se despojarem as árvores, quando o outono chega, perseguido pelo inverno?
Admiremos os velhos pela superioridade que possuíram na juventude. Não incorramos na simpleza de eperar uma velhice santa, heróica ou genial, depois de uma juventude equívoca, mansa e opaca; a velhice não põe flores onde houve insignificância; antes, pelo con-trário, ceifa as excelências com a sua foice niveladora. Os velhos representativos, que ascendem ao governo e às dignidades, depois de terem passado seus melhores anos na inércia ou na orgia, no tapete verde ou entre rameiras, ne espectativa apática ou na resignação humilhada, sem uma palavra viril e sem um gesto altivo, esquivando-se à luta, temendo os adversários e renun ciando aos perigos, não merecem a confiança dos seus contemporâneos, nem têm o direito de catonizar. Suas palavras grandiloqüentes parecem pronunciadas em fal sete, e provocam o riso.
Os homens de caráter elevado não cometem à vida a injúria de desperdiçar a sua juventude, nem confiam à incerteza das cãs a iniciação de grandes empresas que só as mentes frescas podem conceber, e que só os braços viris podem realizar.
A experiência senil complica a tolice dos medíocres, mas não pode convertê-los e mgênios; a madureza abranda o perverso, torna-o inútil para o mal.
O diabo não sabe mais por ser velho, do que por ser diabo. Se se arrepende, não é por santidade, sinão, por impotência.
Fonte: Livraria Paratodos, 1953
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