- Bibliografia
- 1 — INTRODUÇÃO: FILOSOFIA E MITO
- a) Conceito do mito
- c) Orfismo
- e) Bibliografia.
- 2 — MILÉSIOS E PITAGÓRICOS: MATÉRIA E FORMA
- A. Os Milésios
- b) Gênero de vida pitagórica
- c) Metafísica dos pitagóricos
- d) Bibliografia
- 3 — HERÁCLITO E OS ELEATAS O DEVIR E O SER
- A. Heráclito de éfeso (ca. 544-484) .
- b) Aristóteles a respeito do relativismo dos heraclitenses
- c) Bibliografia
- B. Os Eleatas
- a) Xenófanes (ca. 570-475)
- d) Bibliografia
- A. Os Mecanicistas
- a) Empédocles (ca. 492-432)
- c) Bibliografia
- B. Anaxágoras (ca. 500-428)
- a) Homeomerias
- b) Nous
- c) Cosmogonia
- Bibliografia
- Os sofistas. —
- c) Bibliografia
Capítulo
Primeiro
Tradução de Alexandre Correia. Fonte: Editora Herder, 1965.
A FILOSOFIA DOS PRÉ-SOCRÁTICOS
O pensamento filosófico hodierno
se interessa particularmente pelos pré-socráticos, antes de tudo, em virtude
dos originais problemas que suscitam e da sua posição ontológica em geral. Antigamente, eram tidos apenas como os filósofos da natureza, entendendo-se, então,
por natureza o mundo dos corpos. Hoje, sabe-se que aqueles "físicos"
viram muito mais longe. Quando falavam de natureza, pensavam também no
espírito, e no ser em geral. Eram, pois, mais metafísicos do que físicos. A
abertura para essa nova compreensão resultou dos trabalhos de K. Reinhardt, W. Jaeger e M. Heidegger.
Fontes:
H. Diels,
Fragmente der Vorsokratiker (81956). Fragmentos dos
Pré-socráticos); W. Kranz, Vorsokratische
Denker. Pensadores Pré-socráticos. Seleção de textos, em grego e alemão (21949).
W. Nestle, Die Vorsokratiker in Auswahl — ‘Seleção dos
Pré-socráticos. Com tradução (41956). K. Freeman, The Pre- Socratic Philosophers. A Companion
to Diels (Oxford 1953).
Bibliografia
J. Burnet, Early Greek Philosophy (1892, 41930, reimpressão 1957). K. Reinhardt, Parmenides und die
Geschichte der grieehischen Philosophie — Parmenides e a História da
Filosofia Grega (1916). W. NESTRE, Vom Mythos zum Logos — Die
Selbstentfaltung des griechischen und Sokcrates — Do Mito ao Logos.
Desdobramento do Pensamento Grego de Homero até a Sofistica e Sócrates (1940).
O. Gicon, Der Ursprung der Grieehischen Philosophie. Von
Hesiod bis Parmenides — Origem da Filosofia Grega. De Hesíodo a Parmenides
(1945). M. Heidegger, Der
Spruch des Anaximander. A Sentença de Anaximandro. Em Holzwege (1949).
E. Wolf, Griechisches
Rechtdenken I — Pensamento Jurídico Grego (1950). W. Jaeger,
Die Theologie der frühen griechischen Denkcer — Teologia dos
Pensadores Gregos Antigos (1953). M. Heidegger,
Vorträge und Aufsãtze (1954) 207-282. E. Schrödinger, Die Natur und die Griechen. Kosmos und Physik
— A Natureza e os Gregos. Mundo e Física (1956). Kirk-Raven, Presocratic Philosophers. A Critical
History. (London 1957). E. Voegelin, Order
and History II (Louisiana State University Press 1957). A. Ehrhabdt, Politische Metaphysik von
Solon bis Augustin I (1959).
1 — INTRODUÇÃO: FILOSOFIA E MITO
a) Conceito do mito
No limiar da Filosofia grega há algo em si
de não-filosófico, o mito. É a fé da comunidade nas grandes questões do mundo e
da vida, dos deuses e homens, que dá ao povo a matéria do seu pensamento e do
seu agir. Recebem-na da tradição popular, irrefletida, crente e cegamente.
Consoante o nota Aristóteles, o
amigo do mito é, apesar disso e a certa luz, também filósofo; por isso que, no
mito, preocupa-se êle com problemas que vão ser, por sua vez, objeto da
Filosofia. Donde vem o mencionar Aristóteles,
de bom grado, quando refere os pressupostos de uma questão filosófica e
a busca da sua solução, também as opiniões dos "primitivos", que
foram os primeiros a "teologizar" (οι
πρωτοι
νεολογηαντεζ).
b) Mitologia
de Homero e de Hesíodo
Vêm aqui logo à tona Homero e Hesíodo, com os seus ensinamentos sobre a origem dos deuses
(teogonias) e a produção do mundo (cosmogonias). Assim, conforme a mitologia
de Homero, devemos procurar a
causa primeira de todo devir nas divindades do mar, Oceano e Tetis, e também na
água, pela qual os deuses costumam jurar, e que o poeta denomina Estígío. Em Hesíodo aparecem o Caos, o Éter e o
Eros como os princípios primeiros de tudo. Mas, ainda outros problemas são
abordados: a transitoriedade da vida, a origem do mal, a questão da
responsabilidade e da culpa, do destino e da’ necessidade, da vida e da morte,
e semelhantes. Sempre se manifesta aí um pensamento total e completamente imaginoso,
visionado pelos claros olhos do poeta, em caso particular e concreto,
intuitivamente, para depois universalizar a intuição, e transportá-la para a
vida e o mundo em geral, explicando assim a totalidade do ser e do devir.
c) Orfismo
No VI século
desceu para a Grécia, das montanhas de Trácia, uma nova mitologia. O seu ponto
central é ocupado pelo Deus Dionisos; o seu sacerdote é Orfeu, o cantor e
tauma-turgo trácio. Nietzsche fêz
mais tarde de Dionisos o símbolo da vida e da fé na vida, em todas as suas alturas
e profundezas. O deus do vinho Dionisos era também, na realidade, um deus da
vida, sobretudo da fecundidade da natureza, e era, nas bacanais, honrado com
entusiásticos transportes mui vulgares.
α) Fuga do mundo — A
dogmática dos órficos era contudo coisa totalmente diferente de uma afirmação
vital. Devemos, antes, considerá-la como uma vaga miscelânea de ascese e
mística, culto das almas e esperanças no além, coisas todas muito estranhas ao
povo homérico. Agora, já a alma não é sangue, mas espírito; oriunda de um outro
mundo; exilada nesta terra, como castigo por uma culpa original; encadeada ao
corpo, deve passar por uma larga peregrinação até libertar-se dos sentidos.
Via para a colimada purificação do sensível era uma série de proibições de alimentos,
como a carne e as favas. Laminazinhas de ouro, enterradas com os mortos,
testemunhavam que a sua alma provinha "pura de puros" e "libertou-se
do penoso ciclo das reencarnações". A doutrina dos órficos sobre o destino
das almas, depois da morte, espelha-se nos grandes mitos escatológicos, nos
diálogos platônicos Górgias, Fédon e República. A dogmática
órfica já possuía, também, uma bem elaborada teologia e cosmogonia.
β) Cosmogonia —
Ensinava que no princípio existiu o Caos e a Noite. O "Chãos" devemos
compreendê-lo literalmente como o vácuo abissal ou o precipício. A Noite gerou
um ôvo, o ôvo cósmico, donde nasceu o amor (Eros) alado. "E este,
consorciado com o abismo hiante, alado e noturno, no vasto Tártaro, deu origem
ao nosso gênero e o trouxe fora, para a luz. Não
havia o gênero dos mortais, antes de ser reduzido à unidade pelo amor; quando,
porém, êle uniu uma parte com outra, surgiu o Céu, e o Oceano, e a Terra, e o
gênero imortal de todos os deuses". Segundo uma fonte mais recente, a
origem primitiva do Cosmos foi um dragão com cabeça de touro e de leão: no
meio, porém, tinha o rosto de um deus, e nos ombros, asas. 3Ê conhecido como o
deus do Tempo eternamente jovem. O dragão produziu uma tríplice seminação: o
Éter úmido, o Abismo ilimitado e hiante e a nebulosa Escuridão; e além disso,
de novo, um ôvo cósmico.
Tudo isto é intuição de todo fantasiosa e
poética. Tem-se visto na mitologia órfica uma "palmar" tradição
oriental. Em particular o dualismo de corpo e alma, do aquém e do além, e, em
geral, uma forma de vida em fuga do terreno, "uma gota de sangue
estrangeiro" na Grécia. A terra original destas corrupções pode, na
realidade, ter sido a índia, onde tais idéias apareceram cerca de 800 a.C, nos
Upanishads, escritos teológicos exegé ticos dos Vedas. Também se encontram na
religião de Zoroastro, no planalto do Irã, como resulta dos antigos Gâthas do
Zendavesta. Estas idéias teriam sido, então, sempre um patrimônio espiritual
ariano.
d) O
mito e o logos
Muito mais importante, porém, que a
questão da origem é a sobrevivência dessas concepções. Aristóteles disse, com razão, (Met. B. 4), a propósito do
mito, que êle não constituía ciência, porquê esses "teólogos"
arcaicos apenas reproduziam as doutrinas tradicionais sem apresentarem nenhumas
provas. Opõe-lhes aqueles "que falam aduzindo provas (οι
διαποδειξεΩζ
λεγοντεζ), dos quais, por isso, podemos esperar uma verdadeira
"convicção". Com isso quer referir-se aos filósofos. Por estes
metódicos momentos da dúvida, da prova e da fundamentação, distingue êle o
mito, da Filosofia, embora há pouco tivesse concedido que o amigo do mito, a
certa luz, também era filósofo. A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo
de novo. Já não se vive numa crença cega, do patrimônio espiritual do vulgo,
mas o indivíduo volta-se todo para si mesmo e deve agora, livre e sem tutela,
elaborar por si, examinando e provando, o que pensa e quer considerar verdadeiro.
Ê uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não devemos
perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como suas intuições
conceptuais, elaboradas nos obscuros e não-críticos tempos anteriores, ainda
sobreviveram na linguagem conceptual filosófica. À crítica do conhecimento
filosófico impõe-se aqui a tarefa de examinar se os presumidos instrumentos
racionais’ ‘de pensamento filosófico também estão, na realidade, todos
racionalmente fundados. Talvez não o sejam. E isto não somente por uma recusa,
mas porque o espírito ultrapassa o "saber" e abrange o mito, num
sentido positivo, como um caminho apropriado para a sabedoria. De maneira que
somente o crente na ciência iluminada é que pretende libertar-se do mito, ao
passo que Aristóteles diz, com
razão, que também o mito, a seu modo, filosofa.
e) Bibliografia.
O. Gruppe, Griiechische Myttologie und
Religionsgeschichte, 1906 (Mitologia Grega e História da Religião) ; M. P.
Nilsson, Geschichte der
Griechischen Religion, 1941 (História da Religião Grega) ; U. v. Wilamowitz-Moellendorff, Der Glaube
der Hellenen, 1931, 21955 (A Crença dos Gregos) ; K. Prümm, Die Orphilk im Spiegel der
neueren Forschung (O Órfico à luz das Novas Pesquisas), Zeitschrift für
Katholische Theologie 78 (Innssbrck 1956) ; F. Buffière, Les mythes d’Homère et la pensée grecque (Paris
1957).