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5 — A SOFISTICA PALAVRAS 
NOVAS  E VALORES  NOVOS

Comparado com a sabedoria dos jônios, o
espírito da sofistica é algo de inteiramente novo. Não somente por se ocupar
com outros objetos — em lugar do mundo surge o homem — mas por se .estruturar
de modo essencial e totalmente diverso. Êle está para os tempos antigos como o
retórico para o sábio, o artista para o artífice, o advogado para o juiz.

Os sofistas.

O primeiro, no
tempo e na importância, entre os sofistas, é Protágoras
de Abdera (ca. 481-411).    Como todos os sofistas, leva êle uma vida
errante, chega a. Atenas, entra em relações com os primeiros circulas políticos
e influencia logo na vida pública. Por causa do seu escrito sobre os deuses,
vê-se enredado num processo de asebia. Fugindo, encontra, a morte. Seu escrito sobre
a verdade contém a célebre frase do homo mensura. Algo mais jovem que Protágoras é Pródico de Julis. Também exerceu atividade política, Seu
tratado "sobre as idades da vida" encerra o belo mito de Hércules na
encruzilhada. Uni contemporâneo ainda mais jovem, porém, é Híptas de Elida, grande sabedor, corredor
de mundos, orador pomposo, destro em todas as artes e diplomata. Um dos nomes
mais conhecidos é o de Górgias de
Leôncio (483 até 375), eminente orador e mestre de retórica. Também tomava
parte na vida política. Alunos seus foram Calicles
e Cr ítias, ambos
representantes típicos da teoria do direito do mais forte. O último era
parente de Platão. Quando os
oligarcas se apoderaram do poder em 404 a. C, foi êle o chefe dos Trinta. Por
volta de 427 Trasímaco é conhecido
em Atenas. Aparece no primeiro livro da República de Platão. Também a Protágoras,
Górgias e Hípias Platão lhes
dedicou di álogos. Mas nunca, ao contrário, menciona Anti fonte de Atenas, de quem se nos
conservaram o maior número de fragmentos.

a)    P o
1 í ti c a   e   r e t ó r i c a

Que queriam os sofistas?
Professores da virtude, freqüentemente se diz. Mas, a αρετη
de que sempre falam, não se deve traduzir por virtude, mas, conforme o sentido
primitivo do vocábulo,.por habilidade; e na verdade, e de que se trata aqui é
da habilidade política. Vivemos na época do imperialismo de Péricles. Precisa-se de homens que
conquistem e valorizem novos espaços, homens ativos, que queiram realizar algo
e ser alguma coisa. Sofistica significa, na verdade, educação, como se repete
sempre; não porém educação popular, mas formação de chefes políticos. As novas
perspectivas rasgadas pelos sofistas naturalmente entusiasmaram a mocidade.
Não faltava muito para que se levassem pela mão os homens deste novo gênero de
vida.

O caminho para o fim era a palavra. Mas
que palavra? Devia ser, naturalmente, brilhante, mas era preciso fossem
instruídos  em  tudo  e pudessem  falar  sobre lá  o que fosse.

Mas antes de
tudo devia a palavra ser persuasiva. A arte da persuasão (πειθω)
é a virtude dos sofistas. Persuadir de que? Protágoras
responde: "Devemos tornar a parte mais fraca, em mais forte" (τον ηττο λóγον
σχειττω
ποιειν). E segundo Górgias, a palavra é um dom com o qual podemos fazer tudo,
envenenar e encantar. Assim, a "persuasão" não serve só à verdade,
mas para realizar tudo o que precisamos. Mas isto não se chama persuadir, senão
render com palavras hábeis. Os sofistas chamavam à sua arte — direção das almas
(φιχαγογια); Platão respondia — não direção, mas captação
das almas. E isto é uma simples arte de discutir (erística), logoniaquia e
fantasmagoria. Não é a verdade objetiva que se leva em conta, mas um interesse
subjetivo. Assim veio a arte sofistica a assumir o significado pejorativo que
hoje tem.

b)    Concepção
sofistica do mundo

A sofistica ê também Filosofia?
Sabedoria, no estilo da metafísica pré-socrática, seguramente não é; ciência no
sentido estrito, também não. Não seria, contudo, errôneo dedicar-lhe, sempre
nas exposições da História da Filosofia, uma parte conveniente; e mesmo
atribuir-lhe uma honra algo exagerada admitindo-se que, na sofistica, a
Filosofia se preocupa com o homem e introduz grandes problemas de conhecimento
e valores teóricos, A sofistica desconhece quaisquer problemas, só conhece a
propaganda. Não lhe existem propriamente interesses filosóficos; tudo não passa
de aspirações práticas. "É exatamente uma deformação da perspectiva
histórica colocar os professores da αρετη ao
lado de filósofos do estilo de Anaximandro,
Parmênides, Heráclito" (Jaeger). Mas também já se colocou Marx ao lado de Hegel. Mas talvez possamos falar de uma
"mundividência" sofistica; pois também os políticos podem ter tal
concepção. Mas no fundo dessa concepção se oculta a Filosofia, ao menos
indiretamente. E esse modo de filosofar, por meio de uma mundividência e
interesses da vida prática, atua mais largamente; muitas vezes mais que a
consciente θεορια, embora menos fundado e certo.
Além disso os sofistas ocasionalmente despertaram certas reflexões filosóficas.
Assim compreendida a sofistica, podemos descobrir nela duas idéias fundamentais
da sua feição espiritual: o relativismo cético e a doutrina da força.

 

α) Ceticismo e relativismo.
Os jônios tinham filosofado sem se deixar perturbar por nenhuma dúvida sobre a
capacidade de a razão humana atingir a verdade. Surge agora uma dupla dúvida. Protágoras afirma que não há nenhuma
verdade universalmente objetiva e válida. A verdade não depende do objeto; o
nosso espírito não apreende nenhum conteúdo de verdade objetiva, que seja
aceito igualmente por outro espírito; mas se exprime sempre e só o próprio
sujeito. Podemos conceber as coisas de um ou de outro modo qualquer. "Como
cada coisa me parece, assim ela é para mim; como ela te aparece para ti, assim
para ti ela o é" (frg. 1). Assim o homem é a regra de tudo que deve valer
como verdade: "o homem é a medida de todas as coisas; das (pie são, na
medida em que o são; das que não são, por isso mesmo que o não são"  
(frg. 1).

αα) Individualismo. —
Que homem? O homem como gênero? Uma antecipação assim do sujeito transcendente
kantiano? Esta interpretação não seria histórica, seria uma modernização. Ou
um homem coletivo? Um grupo, um povo, uma raça? Também é demasiado cedo para
isso; nessa época ainda não se pensa assim. O visado é, antes, o sujeito individual,
como se deduz do fragmento 1: Uma coisa é para mim tal como me aparece; para ti
como para ti aparece. Podemos continuar: para. um terceiro, para um quarto,
etc. como lhes aparece a eles. Isso implica um relativismo absoluto em todos os
domínios — lógica, metafísica, ética, estética, direito, Estado, religião. Isto
é algo de muito prático no domínio das aspirações políticas. Na mesma direção
move-se Górgias. Êle afirma três
posições: "Nada é. Se porventura algo fosse, seria incognoscível ao homem.
Se lhe fosse cognoscível, não poderia êle, de nenhum modo, comunicá-lo"
(frg. 3). O ceticismo não poderia ser formulado de mais aguda forma. Aqui já
não há realmente nenhuma verdade. Platão
opôs-lhe a seguinte pergunta (Teet. 170 a — 171 d): Pelo menos
essas afirmações são verdadeiras? Se não, por que se atem a elas Górgias, tão absolutamente?

ββ)
"Instituição".
— Este relativismo assume um aspecto de todo concreto
na antítese — ”instituição" e "natureza" (νομοζ
e φισιζ). Nos tempos antigos a lei é algo de sacrossanto,
ligando universalmente, e em toda parte, deuses e ho mens.    Mas os sofistas
são homens que viajaram o mundo.

Aprenderam a conhecer a variedade dos costumes e leis
e agora explicam: a lei nem é eterna nem tem força universal. Nasceu por
"instituição" ( θεσει), existe por
convenção, mas não por natureza (φυσει), variando de
um para outro lugar. Uma referência compendiosa e, demais disso, digna também
de considerar-se do ponto de vista histórico-cultural, sobre os ensinamentos
sofísticos, conclui-se com a frase: "Eu creio que, se se pedisse a todos
os homens que reunissem num ponto tudo o que consideram inconveniente — o que
cada um tem como tal; e, de novo, dessa massa total tirassem o que julgassem
conveniente — i. é, ainda, o que cada um considerasse tal — não prestaria uma
só peça, mas todos dividiriam tudo entre si" (frg. 90,2). Assim a lei
recebe um sentido — o que é, somente o é por instituição νομω).
Isto conduziria a uma decisiva conseqüência. Antifonte
declara que podemos transgredir tranqüilamente a lei, contanto que não o
saiba ninguém. Também os compromissos nacionais os considera êle como nulos;
considera todos os homens como iguais. Hípias,
da Elida, pensa do mesmo modo (Platão,
Port. 337 c.). E Alcidamas acrescenta
que os escravos têm os mesmos direitos. Finalmente, as normas religiosas também
são destruídas: "Sobre os deuses não tenho eu a possibilidade de conhecer
nada, nem se existem, nem se não existem", opina Protágorás (frg. á). "Sempre se teve como divino o que é
bom e útil ao homem", diz Pródico. E Crítias
declara que os deuses e toda a religião não passam de invencionices de
uma cabeça astuta, que com esses fantasmas e demônios que, segundo pretendem,
conhecem as coisas ocultas, queriam atemorizar os homens, a fim de fazê-los
obedecer às leis do Estado, mesmo na ausência de qualquer polícia ao lado.

γγ) Direito
natural.
— Mas a outra idéia, a saber, a doutrina do que vale por força da
natureza (φυσει), exercerá uma cogência real? Os
sofistas também conhecem uma "justiça natural" (φυσει
διχαιον). Depois de declarar que o homem não
deve limitar-se a observar apenas as leis humanas, Anti fontb continua: "Quem, ao contrário, procura
insurgir-se contra uma das leis da natureza que cresceram conosco, para esse
nem por isso o mal seria menor, mesmo que ficasse oculto a todos os homens;
como não seria maior, se todos o soubessem; pois, o mal não depende da simples
opinião, mas se funda na verdade"
(frg. 44). Somente nos perguntamos em que sentido devemos entender a idéia
sofistica de physis. Seria o "conforme à natureza", o
"direito natural", a "lei divina não escrita, que não é de hoje
nem de ontem, mas sempre válida", à qual os homens apelam em face do
arbítrio humano, e de que se fala desde Sófocles
(Antígone, 450 ss.) até Hugo
Grócio? E exprime essa lei eterna a estrutura ideal da natureza, de
acordo com a qual devem explicitar-se o mundo e o homem, a vida e a história? Hípias fala de uma tal lei não-escrita (Xenof., Mem. IV,
4,19). Ou o que ela encerra não é senão uma repugnância pelas leis (Jaeger), fatigada das determinações,
que se anulam e contrariam, da atividade partidária, e que apela para o
existente por natureza e não para o arbítrio dos partidos? Talvez se pudesse
concluir isso de Antifonte (frg.
4). Também fundados em Antifonte, quando
êle explica o natural pela idéia do conveniente, (ξιμερον)
(87 B44, frg. A, coll. 3,4), poderíamos chegar à idéia de que o direito natural
sofistico, na essência, se identifica com o desejo e é assim a cupiditas
naturalis.

β) Idéia de poder.
Na direção a que acabamos de aludir move-se a segunda concepção fundamental da
sofistica, quando expõe a sua idéia de poder. A expressão mais frisante da
idéia do poder se encontra em Calicles e
Crítias. Calicles explica, no Gorgias
de Platão: é sempre assim,
por natureza, que o mais forte sobrepuja o mais fraco. Este é o seu direito, o
direito natural. Só os fracos, a multidão, as naturezas de escravos, são os
autores da moral e da lei, para a si mesmos se defenderem. A nossa educação e a
nossa cultura recebem essas ficções e com elas limitam o poder dos fortes. Mas,
quando o mais forte conseguiu se sobrepor, então se faz dono do poder,
esfarrapa todas essas determinações, erige-se em chefe, só cuida de si e dos
seus, satisfaz, à grande e discricionàriamente, os seus caprichos, vivendo
assim uma senhoril vida de potentado, "e então se manifesta o que é justo
por natureza" (483 d). Este direito natural já não significa direito, mas
somente natureza; é individualismo e naturalismo, por não exprimir já nenhuma
obrigação ideal e superior à natureza, mas somente carne e sangue, desejo e
instinto. Na realidade é isto caos e anarquia. É o que se vê claramente em Crítias, que justifica esta concepção
do mundo por uma teoria histórico-evolutiva. Houve um estado primitivo
"em que era desordenada a vida do homem & paramente animal, e o
mais forte mandava; nesse tempo, nem havia prêmio para os bons nem castigo para
os maus. Só então, segundo me parece, surgiram as leis humanas" (88 B 25).
Já encontramos aqui o "estado primitivo" de Tomás Hobbes, em que domina a guerra de todos contra
todos (bellum omnium contra omnes) e imperam os desejos naturais (cupiditas
naturalis),
considerando-se então todas as normas coercivas como sendo
apenas inovações artificiais, simples instituições fundadas em convenções. Assim também, de outro lado, no discurso de Calicles
sobre os fracos, a multidão, os homens-senhores com a sua vontade de
poder,  seus caprichos e instintos e suas ambições melhores, estamos a
ouvir o ser–mais e ser-melhor de Nietzsche,
ao menos na sua terminologia. Donde podemos concluir que a sofistica
ainda não é um passado morto, mas que ainda hoje, como então, exerce -o seu
poder de sedução.

Poderia alguém objetar que o aqui
exposto não representa toda a sofistica, pois teve ela ainda o mérito fundamental
de contribuir para o ornate dicere, as belas artes, o humanismo, a
cultura científica e a grande política. A resposta a isto está no Fedro de
Platão: Muitas coisas se designam
belas e grandes, mas facilmente se deixa a gente vitimar da ilusão e da falsa
aparência. Para podermos apreender a verdadeira beleza e a legítima grandeza,
deveríamos conhecer, de antemão, a verdadeira essência do homem. Descobri-la é
a tarefa da verdadeira Filosofia. Mas os sofistas nunca filosofaram no sentido
próprio do vocábulo. As aparências e as palavras valem mais para eles do que a
essência e o ser. É mister tocar nas bases, descer mais fundo. Isto se deu no
período seguinte, na Filosofia ática.

c)    Bibliografia

H. Gomperz, Sophistik und
Rhetorik
(1912). II. v. Arnim, Gere-chtkeit
und Nutzen in der Griechischen Aufklälrung
— Justiça c Utilidade no
Iluminismo Grego (Frankfurter Rektoratsreden 1916). J. Ne-waldt, Kulturkampf der Sophisten (1928). W. Jaeger, Paideia I (31954).
O. Gigon, Gorgias über das Nichtsein — Gorgias sobre o não-ser. Hermes,
71 (1936). G. Saita, L’iluminismo
della sofistica grega
(Milano, 1938). H. Raeder,
Platon und die Sophisten (Kopenha gen, 1939). H. Nestle, Vom Mythos zum Logos
Do Mito ao Logo (1940). E. Wolf, Griechischen
Rechtsdenken
II — Pensamento Jurídico Grego II (1952). A. Capizzi, Protagora. Le Testimonianze
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La vita, le opere, il pensiero e la fortuna  
(Firenze, 1955).

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