Continued from: Escolástica e Grandes Filósofos Medievais

57. FILOSOFIA ESCOLÁSTICA — De schola, escola e scholas-ticus, mestre-escola, veio o nome de escolástica à filosofia ensinada nas escolas medievais do Ocidente europeu. Tal a origem e definição etimológica do termo. Outra, porém, é a sua significação real. Resumi-la em poucas linhas não é coisa fácil.

Entre os modernos, definiram alguns a escolástica pelo método silogístico de que freqüentemente se serve. Outros, pelas suas relações com a teologia, outros ainda pela tecnologia de sua linguagem peripatética. Todas estas definições, porém, incorrem no grave defeito de querer caracterizar uma filosofia por um elemento extrafi-losófico. O que define um sistema é, antes de tudo, o seu conteúdo doutrinai. Hoje, principalmente, que a escolástica não só surge para a história, mas entra de novo na liça das idéias como filosofia viva e militante, é nas suas doutrinas que cumpre insistir, se a quisermos cientificamente caracterizada (54). Por sua natureza, tal definição é necessariamente complexa, e, em rigor, só terminado o presente estudo a poderíamos dar. Antecipando-nos, porém, damos a seguir as teses mais importantes que formam as linhas gerais da grande síntese. Em criteriologia: existência da certeza e objetividade do conhecimento. Em metafísica: individualismo acentuado, construído sobre as noções aristotélicas de ato e potência, substância e acidente. Em cosmologia: composição substancial dos seres. Em psicologia: espiritualismo moderado, unidade, substancialidade e espiritualidade da alma, distinção entre o conhecimento sensitivo e o intelectual, origem sensitiva das idéias, livre arbítrio. Em teodicéia: transcendência e personalidade de Deus, Criação e Providência.

Já é um núcleo de teses suficientes para caracterizar uma filosofia. Sobre este elemento comum erigem os grandes filósofos medievais suas sínteses distintas e marcadas com o cunho da própria individualidade. As divergências são, por vezes, profundas, originando sistemas de orientações diversas e, não raro, antagonistas. Boaventura, Tomás de Aquino, Duns Scoto, Guilherme Ockham chefiam escolas que se empenharam em lutas seculares célebres na história.

Além destes caracteres doutrinais intrínsecos, distingue-se ainda a escolástica pela tendência a construir uma síntese geral do saber humano, pela orientação aristotélica de suas especulações e pela harmonia de suas teses com as verdades reveladas da teologia cristã (55).

58. DIVISÃO DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA — Datando da abertura das escolas carlovíngias (fins do séc. VIII) o princípio da filosofia escolástica, dividi-la-emos em três grandes períodos:

  • I — PERÍODO DE FORMAÇÃO e desenvolvimento (Séc. IX–XII).
  • II — PERÍODO DE APOGEU (Séc. XIII).
  • III — PERÍODO DE DECADÊNCIA (Séc. XIV-XVII).

Sob o título PERÍODO DE TRANSIÇÃO, consideraremos a filosofia da Renascença, representada pelos pensadores anti-escolásti-cos que prepararam o advento da filosofia moderna.

As outras correntes intelectuais da Idade Média serão estudadas depois do período escolástico de que foram contemporâneas.

(54) Sobre a definição da escolástica, cfr. De Wulf, Hist, de la philos, médiev*., t. I, Louvain, 1924, pp. 10-30, obra cuja leitura aconselhamos a quem deseja um conhecimento mais completo da filosofia medieval. Aí encontrará o leitor desenvolvidas e documentadas muitas idéias que aqui apenas podemos esboçar. Acerca dos últimos debates sobre a definição da escolástica pelo seu conteúdo doutrinai cfr. De Wulf, y eut-il une philosophie scolastique au moyen-âge? na Revue Néo-sco}astique de philosophie, Fev. 1927, pp. 527 (contra E. Gilson).

(55) Esta submissão ao dogma de que os racionallstas e incrédulos a acusam como de servilismo intelectual, contrário à livre expansão do pensamento é, ao invés, a única atitude em conformidade com os ditames da razão e da lógica. E, na verdade, uma vez que a razão prova irrefragàvelmente a existência de uma revelação divina — expressão infalível, portanto, da verdade — impossível se torna ao filósofo chegar racionalmente a uma conclusão contrária ao dogma. Duas verdades não se contradizem.

BIBLIOGRAFIA

— As obras dos filósofos medievais até princípios do séc. XIII encontram-se na Patrologia latina de Migne. As dos filósofos posteriores serão indicadas a propósito de cada um deles Subsídios críticos, informações bibliográficas, textos inéditos encontram-se nas obras e periódicos seguintes, indispensáveis para o estudo da filosofia medieval: — H. Denifle e A. Châtelain, Chartularium Universi-tatis Parisïensis, 4 vols., Paris, 1889-1897; — Idem, Auctuarium Chart. Univers. Paris. 2 vols., Paris, 1894-1897; — U. Chevalier, Repertoire des sources historiques du Moyen-Age2, 2 vols., Paris, 1905-1907; — Quétif et Êchard, Scriptores Ordinis Praedicatorum2, Paris, 1910; — Wadding, Scriptores Or-dinis Minorum, Romae, 1650; — Sbaralea, Supplementum et castigatio ad scriptores trium ordinum S. Francisci, Ed. nova, 2 vols., Romae, 1806-1808; — H. Denifle e F. Ehrle, Archiv für Literatur und Kirchengeschichte des Mittelalters, 7 vols., 1885-1900; — Hurter, Nomenciator litterarius Theologiae cathoiicae3, 5 vols., Innsbruck, 1903-1911; — Beiträge zur Geschichte der Philosophie des Mittelalters, Texte und Untersuchungen, begründet von Cl. Baeumker, herausgegeben von M. Grabmann, Münster-München, 1891 e seg. (atualmente, 1926, já se acham publicados 26 vols. Citaremos com a sigla BGPM) ; — Les Philosophes Belges, Collection de textes et étude publiée par l’Institut de Philosophie de l’Univ. de Louvain sous la direction de M. de Wulf, Paris-Louvain, 1901 e sgs. 9 vols. (Sigla=;PB) ; E. Gilson e G. Thery, Archives d’histoire doctrinale et littéraire du Moyens Age, Paris, 1926:

Tratados gerais B. Hauréau, Histoire de la Philosophie scolastique, 3 vols., Paris, 1872-80 (preconceitos racionalistas) ; — A. Stöckl, Geschichte der Philosophie des Mittelalters, 3 vols., Mainz, 1864-66; — Maurice, Mediaeval philosophy2, London, 1870; — R. L. Poole, Illustrations of the history of mediaeval thought, London, 1884; — F. Picavet, Esquisse d’une histoire générale et comparée des philosophies médiévales2, Paris, 1907 (exagera a influência neoplatônica) ; — M. Grabmann, Die Geschichte der scholastischen Methode, 2 vols., Freib. i. Β., 1909-1911; — Id. Die Philosophie des Mittelalters, Berlin u. Leipzig, 1921; — J. A. Endres, Geschichte der mittelalterlichen Philosophie, München, s. d.; — D. Geyer, Grundriss d. Gesch. d. Phil, der patristischen und scholastischen Zeit, Berlin, 1928 (é o t. 2. do Ueberweg) ; — M. de Wulf, Histoire de la Philosophie médiévale^, Paris-Louvain, 3 vols., 1934-1936; — E. Gilson, La Philosophie au Moyen-Age, Paris, 1925; — J. M. Verweyen, Die Philosophie des Mittelalters2, Berlin-Leipzig, 1926; — E. Gilson, L’esprit de la philosophie médiévale, 2 vols., Paris, 1932; — E. Bréhier, La philosophie du Moyen-Age, Paris, 1938.

Entre os cursos completos de hist, da fil. desenvolvem de modo particular a parte referente à fil. medieval: Gonzalez, Sortais, Turner, V. Cousin, Windelband, Erdmann, A. Conti, Klimke, Willmann.

Para informações bibliográficas cf. sobretudo Wulf e Baumgartner e dentre as revistas filosóficas, Gregorianum, Divus Thomas, de Friburgo, Rev. des. ces. phil. et théol., Revue Néo-scolastique de Philosophie, Revista di Filosofia neo-scolastica, Revue thomiste.

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