historiografia portuguesa: História do Descobrimento e Conquista da Índia

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Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

LIÇÃO XV

LIÇÃO XVI

historiografia

(Ninguém desconhece a importância do estudo da história, magistra vita, testis temporis, na frase de Cícero. Com o fio de Ariane conduz-nos ao labirinto do passado, e faz-nos assistir pela imaginação a fatos ocorridos em estranhos climas e remotas eras. Fez-nos classificá-la nas belas letras o encanto que nos causa a sua leitura, por isso que não poucas vezes a pena do historiador se converte em pincel, e descrevendo, ou narrando, deslumbra-nos pelo brilhantismo do colorido.

De duas diversas maneiras pode-se escrever a história: ou como testemunha impassível dos acontecimentos, registrando-os sem fazer-lhes o menor comentário; ou apreciando as causas donde dimanam os sucessos, e procedendo à rigorosa autópsia das circunstâncias que mais ou menos atuaram sobre eles. O primeiro destes métodos produz a crônica, que rejeita a crítica, e, interrogando as tradições populares, apressa-se em enfeixá-las em um ramalhete de maior ou menor fragrância. Foi Heródoto o patriarca dessa escola, que contou ilustres adeptos, sendo Fernão Lopes o que em Portugal maior nomeada granjeou. Submete a segunda escola todos os fatos à luz da crítica, e nunca conta sem que moralize e racircme. É mais filosófico e infinitamente mais útil o segundo destes métodos: cumpre porém reconhecer que exige ele da parte dos escritores e dos leitores certo grau de adiantamento que lhes permita estudar com imparcialidade o passado, cortando não raro por legendas que sobremodo lisonjeiam o orgulho e a vaidade nacionais.

É evidente que antes do século manuelino não podia existir em Portugal a história, como a compreenderam Tucídides e Tácito; porque não estavam preparados os ânimos para ouvi-la e apreciá-la. Coube a João de Barros a glória de inaugurar a era histórica, impedindo o seu hiperbólico patriotismo e exagerada admiração por Tito Lívio de atingir à perfeição, que do seu talento e dos meios de que dispunha se faziam esperar. .

Forma João de Barros a transição entre a crônica e a história, participando a sua obra de ambas as naturezas. Havia ele empreendido a gigantesca tarefa de narrar as façanhas de seus compatriotas nas quatro partes do mundo então conhecidas; circunstâncias porém que não chegaram ao nosso conhecimento impediram-lhe tão louvável desejo. Resta-nos apenas uma parte da vasta enciclopédia histórica que delineara, e para a qual consta que juntara grande cabedal de documentos.

Já em outro lugar demos algumas noções biográficas deste exímio escritor que com Camões, Sá de Miranda e Ferreira tanto contribuiu para o aperfeiçoamento do idioma português: consideremo-lo agora como historiador e analisemos a sua

Ásia, ou Década dos Feitos que os Portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras do Oriente.

Em quatro seções, denominada Décadas, a exemplo de Tito Lívio, dividiu ele a sua história, as quais foram separadamente publicadas, vindo à luz a primeira em 1552, e a segunda em 1553, a terceira em 1563 e a quarta em 1615. Asssvera o abade Barbosa Machado que as duas primeiras décadas foram traduzidas em italiano por Antonio Ulloa. Faltou a vida a Barros para a conclusão desta obra, cuja última parte foi impressa depois da sua morte e saiu dos prelos de Madri. Para terminar o glorioso padrão que ele se propusera ergusr aos altos feitos lusitanos, foi designado Diogo do Couto, com o qual nos ocuparemos na quarta época da literatura, a que pertence.

Já exprobramos a Barros a sua parcialidade para com todas as ações de seus compatriotas e a injustiça com que trata os inimigos do seu país. Em suas páginas são os orientais pintados com tétricas cores, e pouco faltou para que fossem representados como antropófagos. A diferença de culto arrastou também o douto historiador a inexatas apreciações: e, consagrando implacável ódio aos sectários do Korão, ou aos adoradores de Brama e de Buda, obstinou-se em desconhecer neles a menor partícula de virtude. Com que arte, com que singular talento, busca ele atenuar os erros, e até os crimes, de seus compatriotas! Não eram eles patriarcados por esses heróicos peregrinos que iam às regiões de aurora dilatar as fronteiras da fé? Aos seus olhos, obcecados por um falso zelo religioso, tanto bastava para justificá-los.

Pretende Sismondi que a parcialidade de Barros era necessária para que a sua obra fosse verdadeiramente nacional, para que aprouvesse aos seus conterrâneos. "Era parcial, diz ele, – verdade, mas tanto quanto o deve ser um historiador nacional para que interesse. Para que tomaria a pena, se não tencionava alçar um glorioso monumento à sua pátria? Não a teria traído, se, consultado sempre como advogado, a condenasse como juiz? Poderá animar, eletrizar os leitores pelo entusiasmo que produz os grandes feitos quem os dissecar para amesquinhá-los, com afã buscar os vergonhosos motivos das ações ilustres, sufocar os sentimentos pela dúvida, ou comunicar ao seu livro o gelo que enerva o coração? Mais vezes acontece o descobrir-se a verdade pelos escritores parciais para com o seu país do que pelos que por ele nada sentem; porquanto, privado do sentimento, são incapazes de apreciar coisa alguma com exatidão." 1

Discordamos da opinião do distinto escritor, cujas palavras acabamos de citar; pois entendemos que a missão do historiador é semelhante à do juiz, que, com os olhos fitos na justiça, pouco se deve importar que agradem, ou deixem de agradar, as suas sentenças, só esperando da posteridade a sua confirmação. Avantajam-se no conceito dos homens sensatos os autores que melhor lutaram com os preconceitos dos seus contemporâneos, e cujas vistas perspicazes lobrigaram os horizontes longínquos da verdade. Perderam coisa alguma do seu patriotismo D. Jerônimo Osório e Damião de Góis, por haverem estigmatizado as carnificinas dos judeus, e as cruéis medidas contra eles ordenadas? — Eram no entanto essas idéias populares; e a aversão aos infiéis parecia fazer parte integrante do caráter nacional.

Honrosas para Portugal e úteis à civilização foram as façanhas dos Almeidas, Albuquerques, Pachecos e Castros; cumpre porém não perder de vista que defendiam os asiáticos os seus lares, injustamente agredidos por esses audazes navegadores, que dos confins da Ibéria vinham às margens do Ganges e do Indo avassalar os reis e impor-lhes sua pesada aliança.

1 De la littérature du midi de l’Europe, T. II, Ch. XXXTX.

 

Desses abusos, dessas violências contra todo o direito divino e humano, que artificiosamente cculta Barros debaixo do esplêndido ouropel do seu poético estilo, fazem menção Castanheda, Couto, Jacinto Freire, e outros, que não recearam nodoar a opa do triunfo lusitano com a confissão da verdade.

Preferiu porém Barros a tuba épica ao buril da história, e assim como precedera Heródoto a Homero, publicou ele a sua primeira década no mesmo ano em que Camões partia para a índia. A pompa do seu estilo, o entusiasmo que inspira as suas narrativas, faziam-no digno de preludiar a epopéia. Eis como a tal respeito se exprime um dos mais conceituados críticos portugueses, o distinto Francisco Dias Gomes: "Pelo longo estudo que fiz das suas obras convenci-me que preparou esse grandíloquo estilo de que mais tarde se serviram os nossos poetas épicos."

O despeito de Barros por não se terem os portugueses aproveitado da oferta de Colombo, cujo feliz descobrimento reverteu todo em proveito de seus êmulos, revela-se na maneira por que descreve a volta do almirante a Lisboa.

Procedendo por esta manera (diz ele) as cosas deste descobrimento, estando El-Rei o ano de quatrocentos e noventa e três a seis de Março em Val do Paraíso junto do Mosteiro de N. S. das Virtudes, termo de Santarém; por razão da peste, que andava por aquela Comarca foi-lhe dito que ao porto de Lisboa era chegado um Cristóvão Coiom, o qual dizia que vinha da Ilha de Cipango e trazia muito ouro e riqueza da terra. El-Rei porque conhecia este Colom, e sabia que por El-Rei D. Fernando de Castela fora enviado a este descobrimento, mandou-lhe rogar que qusesse vir a ele pera saber o que achara naquela viagem; o que ele fez de boa vontade, não tanto por prazer a El-Rei quanto por o magoar com sua vista. Porque primeiro que fosse a Castela, andou com ele mesmo Rei D. João, que o armasse pera este negócio, o que ele não quis fazer por as razões que abaixo diremos. Chegando Colom ante El-Rei, pero que o recebeu com agasalhado, ficou mui triste, quando viu a gente da terra, que com ele vinha, não ser negra, de cabelo revolto, e do vulto como a de Guiné, mas conforme em aspecto, cor e cabelo, como lhe diziam ser a da índia, sobre o que ele tanto trabalhava. E porque Coiom falava maiores grandezas e coisas da terra do que nela havia, e isto com uma soltura de palavras, acusando e repreendendo a El-Rei em não aceitar a sua oferta, indignou tanto esta maneira de falar a alguns fidalgos, que ajuntando este aborrecimento de sua soltura com a mágoa que viam ter El-Rei de perder aquela empresa ofereceram-se deles que o queriam matar, e com isto se evitaria ir homem a Castela. Cá verdadeiramente lhe parecia que a vinda dele havia de prejudicar a este Reino, e causar algum desassossego a S. Alteza, por razão da conquista que lhe era concedida pelos Sumos Pontífices, da qual conquista parecia que este Co.om traz.a aquela gente. As quais ofertas El-Rei não aceitou, antes as repreendeu como Príncipe Católico, pcsto que desse feito de si mesma tivesse escândalo; e em lugar disso fez mercê a Colem, e mandou dar de vestir de grã aos homens que trazia daquele novo descobrimento, e com isso o expediu.

Ninguém deixará de estranhar a frieza com que Barros menciona o nefando projeto de alguns fidalgos portugueses: não achando uma só expressão de censura, limita-se a dizer que D. João II não aceitara o oferecimento por ser príncipe católico! Cremos que, se desgraçadamente se tivesse consumado o crime, não deixaria o historiador de atenuá-lo, pin-tando-o como justo desforço pela soltura de palavras com que se exprimia Colombo, ou ainda por ter dado a outrem o que Portugal rejeitara.

Nem menos injusto é João de Barros para com os dois ilustres portugueses que desgostos particulares levaram a prestar a Carlos V o poderoso auxílio de seu gênio e pasmosa audácia. Jamais louvaremos tais ates de desespero; e os Temístocles, Alcibíades e Coriolanos não podem encontrar nada que justifique as suas defecções. Cumpre porém não lhes caluniar a memória, bastante onerada pelo peso da verdade. Fernão de Magalhães e Rui Faleiro não merecem, quanto a nós,- os afrontosos epítetos que lhes prodigaLza o autor da Ásia Portuguesa.

Como seu modelo (Tito Lívio) acolhia Barros as tradições com pouco discernimento; e uma vez que fossem elas favoráveis aos seus dava-lhes carta de cidade. Demasiadamente retórico aprazia-se em fazer discursos, que nem sempre são apropriados aos personagens a quem são atribuídos.

Tais são no nosso entender os principais defeitos de Barros como historiador; considerando-o porém como panegirista, ou encomiasta, convertem-se eles em belezas.

Se como escritor o submetermos à crítica, pede a eqüidade digamos que poucos em nosso idioma como ele compuseram. Inúmeras são as passagens de rara perfeição de estilo que em sua obra encontramos; obrigando-nos a estreiteza do espaço a pouquíssimas transcrições.

Logo no capítulo XVI da primeira Década deparamos com o retrato do infante D. Henrique, notável pela perfeição dos costumes e regularidade de traços:

Este excelente Príncipe foi fiiho terceiro d’El-Rei D. João, o primeiro, de gloriosa memória, e da Rainha D. Filipa, sua mulher, filha do duque João d’Além-Castro, e irmã d’El-Rei D. Henrique, o quarto, da Inglaterra. E como da excelência do sangue pela maior parte procedem todas as inclinações da pessoa podemos crer que sobre este fundamento Deus edificou nele as outras almas, que enquanto viveu mostrou em suas obras. Dizem que a estatura do seu corpo era de compassada medida, e de largos e fortes membros, acompanhados de carne, a cor da qual era branca e corada, em que bem mostrava a boa compleição dos humores. Tinha os cabelos algum tanto levantados, e acatamento, à primeira vista (por gravidade de sua pessoa), um pouco temeroso a quem dele não tinha conhecimento: e quando era provocado à ira mostrava uma vista esquiva, e isto poucas vezes; porque na maior força de qualquer desprazer que lhe fizessem, estas eram as mais escandalosas palavras que dizia: Dou-vos a Deus, sejais de boa ventura. A continênc!a do seu vulto era sossegada, a palavra mansa, e constante no que dizia, e sempre eram castas e honestas; e esta religião da honestidade guardou não somente em as obras, mas ainda nos vestidos, trajes da sua pessoa e serviço de casa.

Como amostra do quanto prima Barros nas descrições, copiaremos o começo da que traça do sítio em que está edificada a cidade de Ormuz.

A cidade de Ormuz está situada em uma pequena ilha chamada Gerum, que jaz quase na garganta de dentro do estreito do mar Pérsio, tão perto da costa da terra de Pérsia, que haverá de uma à outra três léguas, e dez da outra Arábia, e terá em roda pouco mais de três léguas, toda mui estéril, e a maior parte uma maneira de sal e enxofre, sem naturalmente ter um ramo, ou erva verde. A cidade em si é mui magnífica em edifícios, grossa em trato, por ser uma escala onde concorrem todas as mercadorias orientais e ocidentais a ela e as que vem da Pérsia, Armênia e Tartaria que lhe jazem ao norte, de maneira que não tendo a Ilha em si coisa própria, per carreto tem todas as estimadas do mundo. Porque até água, coisa tão comum, tirando alguma de três poços e cisternas, toda lhe vem da terra firme da Pérsia, parte dela em vasilhas, e a outra solta em barcas com toda a hortaliça, verdura, frutas verdes, sorôdia que despende que é em abastança assi da comarca a que eles chamam Mogortão, como destas Ilhas que têm por vizinhas, Queixome, Larec e outras; com o que a cidade é tão viçosa e abastada que dizem os moradores dela, que o mundo é um anel, e Ormuz uma pedra preciosa engastada nele.

Modelo de simplicidade é a narração da tomada de Malaca pelo grande Afonso de Albuquerque, de que daremos um fragmento:

Recolhido Afonso d’Albuquerque às naus, mandou logo El-Rei Mahamed com grão diligência reformar suas estâncias e dobrá-las em artilharia e resistência. E porque viu que no dia da entrada dos nossos começaram seguir a rua larga, além de novamente fazer na boca dela uma tranqueira mandou minar toda a rua, e enterrar nela umas canas grossas cheias de pólvora, e semeá-la de abrolhos de ferro com peçonha, e assi os lugares por onde podiam os nossos fazer entrada, para os encravar e queimar. Fez também além desta uma coisa mui nova, que em sua vida em quantas guerras teve nunca fez, pagar soldo aos Jaus, porque soube que naquela entrada que os nossos fizeram na cidade não pelejaram também como eles costumam e puderam fazer…

Finalmente em algumas consultas que Afonso d’Albuquerque teve com os Capitães, assi por parte deles, como sua ocorriam tantas cousas umas em contrário de outras té que por derradeiro vieram a concluir que acabassem de ver o fim desta empresa, que foram buscar por tão comprido caminho. Porque Deus não moveu o ânimo dele Alonso d’A buquerque por acabar no que tinham feito, e nos inconvenientes que punham, mas para fim e glória de sua Santa Fé, porque dali se fosse estendendo por aquelas grandes regiões Orientais tão safaras dos méritos da sua Redenção, e apagar aquele fogo de Mahamed que se começava acender por todas aquelas partes; da comunicação que o Gentio dela tinha com os Mouros daquela cidade, a qual era já feita uma casa d’abominação de infernal doutrina.

Do estilo florido e derramado serve de exemplo a narrativa da chegada d3 Albuquerque à cidade de Goa; da qual também faremos este extrato.

Chegando Afonso d’Albuquerque à barra de Goa com toda a sua frota , deixou embaixo as naus grandes da carga, e levou acima ao porto de Goa as de pequeno porte, que podiam levemente ir pelo rio. Na saída do qual em terra a cidade lhe tinha feito um solene recebimento, e quando foi a entrada da porta da cidade, um Mestre Afonso, homem letrado, Físico, que servia de Juiz Ordinário, lhe fez uma oração. A substância da qual era, como ele ganhara aquela cidade aos Mouros, com que acerca dos Reis e Príncipes da Índia, por ser ela uma das mais notáveis daquelas partes, a nação Portuguesa, não somente tinha ganhado grão nome, mas ainda em ser sua era um duro jugo, que cada um destes Príncipes tinha sobre o seu pescoço…

E em d’zendo estas palavras o Capitão da cidade, lhe entregou as chaves dela, e ele depois lhas tornou a dar, e de si foi a Sé dar graças a Deus da mercê que lhe tinha feito em o trazer àquela cidade, onde estavam todos os seus desejos, e dai ao seu aposento. Passados dos dias da sua chegada, começou ele a entender nas cousas de sua obrigação e oficio, pedindo razão a cada um do que tinha feito, começando primeiro naqueles a que ante da sua partida tinha mandado alguma cousa, assi como a Diogo Fernandes de Beja, que mandara desfazer a fortaleza de Socotará…

Com grande eloqüência enumera o ilustre historiadcr os perigos arrostados por seus compatriotas, quando por ocasião do naufrágio de Afonso de Albuquerque nos baixos de Aru, na costa ds Sumatra, diz:

Entre muitas cousas de grande admiração, que esta nossa conquis-ta Oriental tem, e muito para ponderar com dscurso de prudência, é, que além de contendermos acidentalmente per armas com homens de tão várias nações e seitas, como nela há, temos perpétua contenda com as elementos sendo cousa mais bruta, fera e impetuosa que Deus criou, que até nosso tempo não temos visto, em alguma gente. Porque se lemos guerras de Persas, Gregos, Romanos ou de outras nações desta nossa Europa, nas quais houve grandes perigos no rompimento d’exército com exército, trabalhos de fome e sede e vigília na continuação de algum comprido certo, frio e ardor do sol na variação dos tempos e climas, grandes enfermidades na corrupção dos ares, ou mantimentos e outros mil gêneros d’acidentes que chegam a estado de morte, todos estes perigos e trabalhos passa a nossa gente portuguesa em suas navegações e conquistas. E sobretudo peleja com a fúria do vento, ímpeto do mar, dureza da terra, temendo seus baixos e encontros; e finalmente têm posta a vida e morte esse tão breve termo como são três dedos de tábua às vezes com’esta do Busano, e no descuido de cair em uma pevide de candeia em lugar onde se possa atear, e em outros muitos particulares e miúdos casos de que resulta tão grande cousa, como vemos em tanto número de naus que são perdidas. Em cada uma das quais podemos afirmar que se perde uma mui nobre Vila deste Reino em substância de fazenda e em nobreza de gente. E o que mais devemos lamentar por parte dele, é, que vêm os homens daquelas Orientais regões salvos do fogo e ferro de tanto Mouro e Gentio, como nelas habitam, trazendo as naus carregadas dos seus despojos; e um tão pequeno perigo como este que apontamos, confunde tudo no abismo do grande Oceano, principal sepultura dos portugueses, depois que começaram seus descobrimentos.

Na passagem que acabamos de citar vence o espírito filosófico ao ânimo belicoso que ditou a Ásia Portuguesa: arranca-lhe o naufrágio de um dos protagonistas do grande drama indiano a sincera confissão dos males e perigos inerentes a essas longínquas e perigosas conquistas.

Para rematar os excertos que havemos feito da inevitável obra de João de Barros, transcreveremos o primoroso quadro que traçou dos últimos momentos do vencedor de Malaca e de Ormuz.

Afonso dAlbuquerque lida a carta, temendo que estas novas podiam fazer alguma mudança no que ele deixava ordenado em Ormuz para onde a nau ia, tomou-lhe quantas cartas levavam de Dio, e para isso lhe mandou dar juramento, e deu-lhes outras para seu sobrinho Pero d’Albuquerque dando-lhe aviso do que devera fazer. Expelidos esses Mouros com mercê que lhes fez, ficou só com D ogo Fernandes, e Pero dAlpoem, e tornando ler a carta de Cide Alie, quando veio a dizer que vinha Lopo Soares por Capitão-Mor, disse: Lopo Soares por Capitão-Mor à Índia! este é, e não podia ser outro: e Diogo Mendes, e D:ogo Pereira, que eu mandei presos ao Reino por culpas que tinham, El-Rei Nosso Senhor os torna cá mandar, um por Capitão e Feitor de Cochij e outro por Secretário! tempo é de acolher à Igreja; e assi fico mal com El-Rei por amor dos homens, e mal com os homens por amor d’El-Rei. E levantando as mãos a Deus, disse que lhe dava muitas graças, pois em tal tempo El-Rei mandava Capitão-Mor, porque (segundo o estado em que ele se achava) sua vida seria mui breve. E com isto começou tomar uma contínua de palavras dizendo:

Tempo é de acolher à Igreja; e quanto gosto tinha de dizer isto tanto lhe Aborrecia comer, e todas as cousas de folgar e prazer, que Diogo Fernandes e Pero d’Alpoem lhe representavam, por lhe verem enfra-quecer muito o espirito, assi com a enfermidade, como com as novas que lhe deram, esperando eles outras cousas de seu galardão. E o que mais o enfraqueceu, foi junto de Dabul, onde achou uma nau que fora em companhia de Lopo Soares, na qual ia por Capitão e armador um Joannes Impole, o qual per mandado de Lopo Soares ia a Dio a vender mercadoria, e fazer roupa para levar a Malaca, onde por seu contrato havia de ir carregar. O qual Joannes mui particularmente lhe contou cousas que pera sua saúde foram veneno, e pera quietação do seu espirito mui danosas; porque vendo ele as que El-Rei cá ordenara para o governo da índia, tão contrárias ao que ele entendia que deviam ser, e do que lhe tinha escrito, foram pera ele uma abreviação da morte. Expedido Joannes, chegou sobre a barra de Dabul já com sinais dela, onde não fez mais detença que enquanto lhe trouxeram uns poucos de figos, rabãos, e outras verduras, as quais fizeram nele pouco alvoroço, por tudo lhe aborrecer, e de nenhuma cousa tinha mais sede que de chegar a Goa. A qual chamava terra da sua promissão, por a grande esperança que sempre teve de lhe El-Rei nela dar algum galardão de seus serviços com acrescentamento de honra; cá em algumas cartas que lhe El-Rei escrevia acerca do contentamento que tinha das vitórias que lhe Deus dava, isto lhe dava entender. E posto que as novas que ele houve de Lopo Soares lhe quebraram o animo desta esperança, ainda confiado na grandeza de seus servços, desejava em extremo ver cartas d’El-Rei, porque nelas podia ver cousa que lhe desse mais vida do que a enfermidade prometida. Indo assi com esta agonia do espírito, e morte que já com eie começava lidar, porque Diogo Fernandes e Pero d’Alpoem viam que muita parte daquele trabalho em que estava, era por não ver em sua vida algum galardão de seus serviços, pelo aliviar daquela dor do ânimo fizeram com ele que escrevesse alguma carta para El-Rei, quase como nisso em alguma maneira podia desabafar. O qual importunado deles mandou escrever estas regras, que já mal assinou: Senhor, esta é a derradeira que com soluços de morte escrevo a Vossa Alteza, de quantas com es~ pírito de vida lhe tenho escrito, pola ter livre da confusão desta derradeira hora e muito contente na ocupação do seu serviço. Nesse Reino deixei um filho, por nome Brás d’Albuquerque, ao qual peço a Vossa Alteza que faça grande, como lhe meus serviços merecem. Quanto às cousas da índia elas falarão por si e por mim. Chegando a barra de Goa, onde eram todos os seus desejos, parece que permitiu Deus pera sua salvação não sair em terra; cá não houve mais espaço que enquanto o Padre Frei Domingos, Vigário-Geral, que ele já per o bargantim tinha mandado buscar, esteve com ele nas cousas da sua alma, a qual deu a Deus da chegada à barra cinco horas, um Domingo pela manhã, dezesseis de Dezembro de quinhentos e quinze, em idade de sessenta e três anos.

Puríssima é sempre a linguagem de Barros com razão nomeado como um dos mestres da língua. Peca porém não poucas vezes contra a clareza e concisão pelo seu demasiado amor aos hipérbatons e perífrases que fazem quase que intermináveis os seus períodos. Era porém esse o gosto da época, cuja ação nunca deixa de manifestar-se nos escritos, ainda dos mais eminentes engenhos.

FERNÃO LOPES DE CASTANHEDA

Ignora-se o ano em que nascera este distinto escritor, sabendo-se unicamente que vira a luz em Santarém, sendo filho natural de Lopo Fernandes de Castanheda, primeiro ouvidor de Goa, em cuja companhia passara à índia em 1528. Aí ideou a obra que o imortalizou, e na qual empregou o espaço de vinte anos, estudando o teatro dos acontecimentos, cuidadosamente pesquisando os dccumentos, e interrogando as tradições. De volta à pátria, rico de notícias, e pobre de fazenda, viu-se obrigado a aceitar o emprego de bedel do colégio das artes na universidade de Coimbra e guarda do respectivo arquivo, no desempenho de cujas funções faleceu a 23 de Março de 1559, como consta do seu epitáfio que a4é pouco tempo existia na igreja paroquial de S. Pedro de Coimbra. A única obra deste desditoso escritor de que temos conhecimento é a

História do Descobrimento e Conquista da índia pelos Portugueses, da qual apenas se publicaram oito livros entra os anos de 1551 e 1561, ficando inéditos os nono e décimo, apesar de concluídos.

Temos à vista a nova edição, feita em Lisboa em 1833 pelo impressor Rolland em oito volumes in-4°, a qual se diz colecionada pela primeira de Coimbra, a que acima nos referimos.

Mereceu esta excelente história a honrosa distinção de ser traduzida em espanhol, francês, inglês e italiano, sendo citada pelos mais distintos escritores nacionais e estrangeiros como o melhor guia para entrar-se no verdadeiro conhecimento da Ásia Portuguesa.

Posto que não possuía Castanheda a majestade do estilo de Barros, nem a sua erudição, leva-lhe contudo a palma em ser quase testemunha ocular do que narra pelo acurado estudo que fez dos homens e das cousas da índia.

Da dedicatória endereçada a el-rei D. João III colige-se qual o plano que adotara:

E sentindo eu tamanha perda como fora perder-se a memória de feitos tão amáveis que os portugueses fizeram, e pelas mais razões que d:go me dispus a tamanho trabalho, como levei em fazer, para o que me ajudou muito ir a índia, onde fui com Nuno da Cunha em

companhía do licenciado Lopo Fernandes de Castanheda, meu pal mil por mandado de V. A. foi o primeiro ouvidor da cidade de Goa. E a riqueza que lá trabalhei por alcançar foi saber muito par-ticularmnte o que até aquele tempo fizeram os portugueses no des-cobrlmento c conquista da India, e isto não de pessoas quaisquer, senão de Capitães e Fidalgos que o sabiam muito bem por serem presentes nos conselhos das cousas e na execução delas, e por cartas e sumários que examinei com estas testemunhas. E assi vi os lugares em que se fizeram as cousas que havia de escrever para que fossem mais certas: porque muitos escritores fizeram grandes erros no que escreveram por não saberem os lugares de que escreveram. V. não somente fiz esta diligência na índia, mas ainda depois em Por-tugal, por não achar nela quem me dissesse tanta diversidade de cousas e tão particularmente como queria saber. E além de todos me afir-marem com juramento o que me disseram me deram licença para os alegar por testemunhas. E estas pessoas com quem falei em Portugal andei buscando por diversas partes, com muito trabalho da minha pessoa e gasto, desse pouco que tinha: no que gastei vinte anos, que foi o maior tempo da minha idade, e nele fui tão perseguido da sua fortuna e fiquei tão doente e pobre, que por não ter outro remé+ dio com que me mantivesse aceitei servir uns ofícios na univeresidade dc Coimbra, onde no tempo que me ficava desocupado do serviço deles com assaz fadiga do corpo e do espírito acabei de compor esta história, que reparti em dez livros, que ofereço a V. A., a quem Deus Nosso Senhor depois de muitos e prósperos anos, ficando em seu lugar o Príncipe nosso senhor, leve do senhorio da terra ao do céu.

Por vezes o colorido da frase iguala, senão excede, ao de Barros, e quando pinta as cenas que presenciara dir-se-iam os seus quadros fotografias. Sirva de exemplo o do sacrifício das viúvas malabares:

Os ricos casam com quantas mulheres podem manter e os pobres com uma só; as mulheres se queimam vivas depois da morte dos maridos alguns dias, nos quais fazem grandes convites a parentes e amigos, e dão sua fazenda aos seus herdeiros, ou a outrem se não os têm, e depois vão em cima de um cavalo branco por todo o lugar onde moram com trombetas e muitos cantares, e muitos jogos; e adiante chocarreiros que vão louvando a honra que aquela mulher faz ao seu marido: e isto faz três dias com grande festa. E ao terceiro se veste dos melhores panos que têm e das melhores jóias, e depois de andarem pelo lugar vão-se ao lugar onde o marido foi queimado: e aí está feita uma cova, na qual está ardendo muita lenha: e junto com esta cova está feito um cadafalso de três degraus, no qual se descem estas mulheres. E estando ao derrador toda aquela gente que vem com ela, diz às mulheres que se lembrem do quanto devem aos seus maridos, pera lhe darem aquela honra, porque a fama dela durará pera sempre, e a dor que elas podiam receber passará em um momento: e des pindo-se lançam suas jóias e panos a quem querem, e ficando nuas dão três voltas ao redor do cadafalso chorando com as mãos levantadas, e na derradeira lhe dão um cântaro cheio de manteiga, e posto na cabeça’olha pera o sol, encomendando-se aos seus ídolos: e virando-se pera ó fogo lançam nele o cântaro e depois a si. Em se lançando seus parentes que estão ao redor do fogo lançam nele multo azeite, e manteiga para que acrescentem a fortaleza do fogo que logo as faz em cinza, e as que não podem fazer esta cerimônia por serem pobres queimam-se logo com os maridos, e as que não se querem queimar ficam desonradas, como que fizessem adultério; porque ninguém as obriga a queimarem-se senão suas honras.

Nem menos primorosas são as duas descrições dos vários países por onde peregrinara, e onde se haviam passado os principais sucessos da história luso-indiana. Citemos para prova do que dizemos a descrição da ilha de Ceilão:

E esta (a ilha de Ceilão) querem alguns dizer que é aquela a que antigamente chamavam Taprobana, que está setenta e cinco léguas de Cochim; e parta-se da terra firme por um paul chamado Chiláo, em que há muitos baixos por entre os quais se faz um canal muito estreito, e por este passo passam todas as naus que vão da índia para Coramandel, e dele para a índia, e perdem-se sempre muitas nestes baixos por ser o canal tão estreito que com dificuldade se pode acertar; e por isso os mercadores índios um dos perigos que rogam a Deus que os guarde é dos baixos de Chilão. Dizem que tem esta ilha de redor perto de CCC léguas. Os mouros Arábios e Pérsios lhe chamam Ceilão, que em sua língua quer dizer cousa de canal. Este nome lhe puseram por amor do canal que há cerca da banda da terra firme. Os malabares e outros índios lhe chamam Hebenaro, que quer dizer terra viçosa: e assim o é ela de muitas e mui boas águas, e de muito e diverso arvoredo, de que grande parte é de árvores de que se tira a canela, e que tem a folha como dos louros, e a casca é a canela que vem cá, que se tira dos ramos depois de encapotados e secos, e isto faz a gente baixa que a vende por mui pouco preço. Há também muitas laranjeiras doces que têm a casca tão doce como o gomo: e assi há todas as árvores de espinho, e outras muitas muito diferentes das nossas que dão diversas frutas, e todo o mato é dessas árvores: em que há também multas ervas cheirosas, assi como magericães, alfavacas e outras. E criam-se nos matos muitos e muitos grandes elefantes que tornam com outros mansos que prendem pelos pés em árvores, e fazem-lhe derredor grandes covas que cobrem com a rama onde caem ós bravos que se vêm pera os outros.

Mais parco do que Barros em discursos e alocuções, sabia-os Castanheda fazer com arte, revelando perfeito conhecimento das regras de retórica. Dentre os mais belos escolheremos o que dirigiu o mouro de Túnis, em nome de el-rei de Ormuz, ao capitão-mor Afonso de Albuquerque, cujo exórdio, no gênero insinuativo, pode ser apontado como modelo:

E pera todos desta terra e doutras, mui esforçado e invencível capitão, tamanha novidade de tua sobrenatural vitória, que estou . em duvida se folgue mais de escapar com a vida pera viver, se pera ver tua excelente pessoa; mas já que a vida é a todos tão aprazível, digo que tanto a estimo pera te ver como pela causa que a todos estimamos; porque segundo vejo não somente nos devemos de espantar do esforço e valentia que hoje mostraste que tens, mas a beninidade com que recebes os teus vencidos; devem-te todos de haver por tão estranha, quanto pela maior parte ela o é que naqueles que os homens têm por esforçados e valentes. E cuidava eu que a ufania de lua vitória te ensoberbeceria de maneira que nem as alimárias dessa cidade quererias ver, quanto mais os homens; e depôs que vi a piedade com que me recebeste acabei de crer que estavas no mais alto grau de valentia, pois é acompanhada de piedade que El-Rei d’Ormuz e Cojeatar te pedem que hajas dessa tão nobre e populosa cidade; porque já o fogo começa a lavrar, segundo podes ver do fumo que se nela levanta, ó mui grande capitão, dó:-te da angústia e afrição em que tens posto a seus moradores. E cesse já a tua ira, e não mandes fazer mais destruição nela, nem nas naus que estão varadas, porque elas são o enobrecimento da cidade por causa das mercadorias que trazem. E olha que não é tanto alcançar vitóra como sabê-la conservar, e conservando-a durará para sempre a tua fama, porque destruindo esta cidade acabará com ela a tua glória, porque não ficará quem diga que tu sojigaste, que sendo El-Rei d’Ormuz tamanho príncipe e Senhor de tanta terra e gente, e de muito tesouro, e Cojeatar que todo o governa querem ser teus vassalos, se lhe quiseres conceder paz; e ficarão debaixo da obediência del-Rei de Portugal, e como o capitão de seu Rei e Senhor te darão posse de todo o reino. E ainda farão mais se ma’s quiseres, porque já têm experimentado é necessário que assi o façam.

Era porém o estilo simples o que mais aprazia a Castanheda, e nele escreveu a maior parte da sua obra. Buscava-o de preferência para as narrações, em que raras belezas se manifestam, como v. g. na do funeral de Afonso de Albuquerque, de que daremos um extrato:

Depois que aprouve a Nosso Senhor de levar desta vida este tão esforçado e famoso capitão, foi aberto o seu testamento, em que se achou que mandava que seu corpo fosse enterrado em Nossa Senhora da Serra, que está na cidade de Goa, onde logo foi recado para que os clérigos e leigos se percebessem pera derradeiras honras que haviam de fazer a quem ganhou aquela cidade, onde o rebate de novas tão tristes deu assaz de torvação, especialmente ouvindo dobrar os sinos, que a todos certificaram ser a nova verdadeira, que ainda alguns a não podiam crer. E como todos tinham amor de pai ao Governador uns poios casar e lhes dar fazenda para sustentamento de suas vidas, cutros porque por natureza se inclinavam a isso polas virtudes que havia nele, não houve nenhum que não mostrasse no rosto a mágoa que tinha no coração, e uns com os outros faziam ajuntamentos por essas ruas falando na morte de Afonso de Albuquerque, que trazia a memória a muita honra e louvor que ganhara na vida, assi em servir a Nosso Senhor, como a El-Rei, afirmando que nunca iria à índia outro tal. E nisto chegou o seu corpo a Cais, onde o es+avam esperando os clérigos e frades cm suas cruzes e todas as confrarias com sua cera, e o Capitão da cidade com todos os fidalgos e gente outra que havia nela. E tirado do batel no catle em que ia foi posto em terra pera o encomendarem. E como vinha vestido no hábito

de Santiago, e uma rede d’òuro na cabeça com uma carapuça e beca de veludo negro, e barba branca que lhe chegava até a cinta, e o rosto descoberto com os olhos meios abertos parecia vivo; e quando assi o viram todos que conheceram o desamparo que o estado da índia recebia por sua morte foi tamanho o choro que todos a evantaram que mais foram lágrimas que os clérigos choraram que palavras que pronunciaram para o encomendar. E tomando-o com este pranto debaixo de um pálio que levaram fidalgos começaram de camirhar para Nossa Senhora da Serra. E entrando pela cidade parecia que se fundia toda com gritos das mulheres que ele casara, que todas saíram a vê-lo. E postas todas em cabelo e dizendo umas que perdiam pai, e outras senhor; e assi o choravam comumente cristãos, gentios e mouros, e em toda a cidade se não ouvia outra cousa senão choros, soluços, e com eles foi aquele corpo levado a N. S. da Serra, onde depois de se dizerem em uma pregação seus grandes louvores foi sepultado e posta sobre a sua sepultura uma eça de veludo negro e damasco, por se não achar veludo que abastasse, e sobre a eça foi dependurada a bandeira que levava nas batalhas, e suas exéquias duraram um mês, e daí por diante se lhe disse cada dia uma Missa, que ele deixou pera sempre…

Para não multiplicar as transcrições, deixamos de citar muitos outros lugares recomendáveis pela graça e elegância; bastando os espécimens que exibimos para que forme o leitor o seu conceito a respeito do autor da História do Descobrimento e Conquista da índia pelos Portugueses.

Não é a obra de Castanheda estreme de defeitos; e faltam-lhe muitos dos requisitos exigidos para o historiador. Grosseiro é o crisol da sua crítica, e apesar dos esforços que fez para possuir a verdade, numerosas fábulas se introduziram em suas páginas; mais imparcial porém do que Barros, aponta os erros e mesmo os crimes dos seus compatriotas, e tateando as chagas da índia feriu por certo mais de uma susceptibilidade.

A demasiada extensão dos períodos e o gosto pelas inversões das frases, que já notamos nas Décadas de Barros, encontram-se igualmente na História de Castanheda. Parece-nos contudo menos pretensioso e sistemático este último autor, ocupando-se mais com o assunto do que com as galas com que o devera arrear.

Algumas incorreções de linguagem, e extraordinária confusão ortográfica são máculas que a justiça pede se não dissimulem; talvez porém possam ser elas atribuídas à ignorância dos copistas, e ao atraso em que ainda então se achava a arte tipográfica em Portugal.

Finalizamos esta lição recomendando a assídua leitura e cuidadoso estudo dos dois historiadores cujas obras rapidamente analisamos.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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