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O PANFLETO(1)

PARA
COMEÇAR:

HOMENS DE LETRAS,
JORNALISTAS, POLÍTICOS

Ligeira
excursão em torno de algumas das nossas exterioridades mundanas e ultramundanas

por

Marcos
José

Novembro de 1916

POR QUE RESOLVI FAZER-ME PANFLETÁRIO (¹)

.
. . Nossos homens de letras, e os temos de fato, valiosos e dignos, a despeito
da Academia, e alguns na Academia mesma; nossos escritores, literatos e sábios,
oradores, poetas, juristas, sociólogos; nossos homens de espírito, em suma, de
qualquer especialidade, podem ser menos brilhantes, menos eruditos, menos
ruidosos do que os das outras repúblicas americanas; mas são com certeza mais
profundos. Isto é altamente significativo. Somos mais visionários, mais poetas,
mais sonhadores; e tudo significa talvez que somos mais humanos. Também desta
verdade estou convencido: é aqui que fica o coração da América. E quem vier
depois, há de ver.

(1) p. 183

(2) pp. 213/216

 

O
homem de letras é o homem de espírito, e ser homem de espírito foi sempre a
mais alta aspiração humana. É também nossa mais nobre ambição. E
razão tinha, por exemplo, Carlyle, quando dizia: "Se a ambição pudesse
sempre escolher o seu caminho, e se a vontade, nos desígnios humanos, fosse
sinónimo de capacidade, todos os homens verdadeiramente ambiciosos seriam
homens de letras". Realmente é assim. Por desgraça, cu talvez antes por
felicidade, não é homem de letras quem o quer. Aqui todos trabalham por sê-lo,
e todos o querem ser. Mas o querer nem sempre é poder. Por isto formam-se
Academias ou panelas, destinadas a cozinhar o espírito e a fabricar escritores.
Mas tudo isto dá em pantana. Em verdade essas associações quando bem
organizadas, podem ser úteis; mas se são destinadas propriamente à cultura
mental, quer nas artes, quer nas ciências, quer nas letras. Valem, como
escolas; não assim, quando são apenas agremiações para diversões e pagodes, ou
simples associações formadas sob o pensamento de que a união faz a força,
imaginando, por exemplo, uns tantos letrados, ou uns tantos artistas, que por
isto só que se formaram em grupo, ficaram valendo mais, ou pelo menos valendo
alguma coisa, se porventura não valiam nada. É uma pura ilusão. A associação é
neste sentido absolutamente impotente, nem pode criar uma só parcela de
espírito. E quem entra para uma destas panelas, se não possuía nenhum espírito,
o mais que lhe pode acontecer é ficar com o espírito transtornado. E os que se
associam no pensamento de fazer em comum a conquista da glória, estão muito
enganados. Muitos burros reunidos são sempre burros, nem poderão jamais deixar
de ser burros. Quarenta homens de letras fictícios, por mais que se façam (p.
30) solidários, não deixarão de ser fictícios, nem valerão por um só homem de
letras verdadeiro e legítimo. Nem quatrocentos, nem mil. Além disto, as obras
coletivas são quase sempre imperfeitas, a menos que sejam feitas sob a
inspiração de uma consciência dominadora que tudo concebeu e tudo dirige, e a
quem todos obedecem. As paneladas mentais são sempre indigestas; e as
associações de panela, em regra, só servem para dispersar, corromper e depravar
o espírito. Deve-se preferir a tudo isto estar só. E ligações de ordem mental
só devem ser desejadas e só poderão ser efetuadas para a vida do espírito,
quando se fundam na unidade da convicção, ou na coesão e solidariedade da mesma
comunhão de princípios.

A verdade é esta: a associação faz a força; mas não pode,
nem poderá jamais fazer o génio. O génio é uma manifestação do infinito,
solitária e única; uma como flor misteriosa e divina na solidão do deserto.

Entre nossos homens de letras, muitos há, e são dos mais
valiosos, dos mais nobres, dos mais independentes e dignos, que não ocupam
nenhum lugar na máquina governativa ou política: nem na Imprensa, nem nesse
complicado mecanismo da pública administração, nem no Parlamento, nem na
magistratura, nem em qualquer das modalidades do alto funcionalismo. É o que se
verifica não só nesta Capital, como pelos quatro cantos deste vasto país. Nesta
Capital poderemos lembrar: um Rocha Pombo, por exemplo, o maior esforço que já
tivemos pela consolidação de todos os nossos trabalhos históricos, o mais
poderoso e o mais vasto sistematizador da História Nacional, um mártir,
entretanto, do trabalho mental, pois, se bem que sua obra seja de valor
altamente patriótico, nunca mereceu esse nobre espírito o menor favor, a menor
atenção, o menor incentivo sequer, da parte dos poderes públicos desta Nação;
um Nestor Vítor, alma profunda e sincera, alma de pensador e de artista, sempre
voltada para os grandes ideais, e sempre aberta para as aspirações generosas.

(…) Por todas estas coisas os nossos governos se mostram
sempre de uma indiferença absoluta. Ainda não tivemos um estadista que se lembrasse
de adquirir ou que pensasse sequer em merecer o título de protetor das letras e
das artes. A não ser talvez Pedro II. Esta,
entretanto, tem sido em toda a parte a mais alta e a mais nobre aspiração dos
homens de Estado. Assim foi na fulgurante e inimitável Grécia. Assim foi na
majestosa Roma. Assim tem sido nos mais brilhantes e nos mais gloriosos povos
da Europa. Assim tem sido no Japão e na China, como também em muitas das
repúblicas americanas.

 

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