Continued from: A FORMAÇÃO DO SUPER-HOMEM NIETZSCHEANO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PELO E PARA O ÓCIO
2 METODOLOGIA
A presente pesquisa caracteriza-se por
ser uma experimentação do pensamento de como pode acontecer a formação dos
indivíduos na contemporaneidade, trazendo como principal mudança a carga
valorativa e o sentido do ócio atuais. Em outros termos, trata-se da aplicação
metodológica da Filosofia nietzscheana – que introduziu os conceitos de sentido
e valor em sua abordagem filosófica: o método genealógico – à construção do
saber no campo da Educação. Isso por que:
A introdução dos conceitos de sentido
e de valor inaugura uma nova forma de abordagem, a Filosofia, passa a ser, como
afirma Deleuze, uma sintomatologia, uma semiologia. Trata-se da substituição da
dualidade metafísica da essência/aparência, causa/efeito, pela correlação entre
sentido e valor (AZEREDO, 2004, p. 17).
Sendo assim, a pesquisa possui uma
abordagem filosófica, porém, por ter como tema principal a Educação, também se
serve dos conhecimentos das Ciências Humanas, especificamente da História e da
Sociologia, como veremos a seguir. Por enquanto, fazem-se necessárias duas
coisas: ressaltar a importância da construção de uma pesquisa à luz de uma
análise do sentido e valor dos objetos estudados considerando sua interpretação
social e, ainda, a delimitação dos conceitos de sentido e valor – tendo em
vista que tais conceitos constituem-se como essenciais para a metodologia dessa
pesquisa.
Conforme encontramos na interpretação de
Azeredo acerca da obra do filósofo alemão, “Nietzsche introduz um aparato
conceptual pelo qual interpreta o mundo” (2004, p. 17). Esse aparato conceptual
é o entendimento do ser humano enquanto vontade de potência, sendo esta a
compreensão da realidade como interpretação de alguém que interpreta e como
significação que se faz. Isso acontece pois a vontade de potência coloca “a
verdade como fruto de uma relação de forças, de um embate, de uma guerra, de
uma construção histórica, algo que está 4em constante metamorfose” (SOUZA et.
al., 2006, p. 7). Conceber a vida dessa forma – como um embate – é conceber
a realidade como uma relação de forças sempre em busca de dominar e sobrepujar
umas às outras. Uma análise que considera esse conceito de realidade:
Torna possível o projeto de uma
genealogia da moral como genealogia da vontade de potência, que tem como
objetivo avaliar os valores morais a partir da vida – e das forças que servem
para defini-la – considerada como critério último de julgamento (MACHADO, 2002,
p. 55).
Mas o que vem a ser o sentido? No que
constitui o valor? Como estes dois conceitos se articulam? As respostas a estas
perguntas nos permitirão apontar para os fundamentos do método genealógico
encontrado em Nietzsche, ou seja, o que estará nos iluminando em nossa busca de
resposta ao problema proposto nessa pesquisa.
Comecemos pelo valor:
[…] quem aprende a questionar, a
este sucederá o mesmo que ocorreu a mim – uma perspectiva imensa se abre para
ele, uma nova possibilidade dele se apodera como uma vertigem, toda espécie de
desconfiança, suspeita e temor salta adiante, cambaleia a crença na moral, em
toda moral – por fim, uma nova exigência se faz ouvir. Enunciemo-la, esta nova
exigência: necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor
desses valores deverá ser colocado em questão [grifo do autor] – para isto
é necessário um conhecimento das condições e circunstâncias nas quais nasceram,
sob as quais se desenvolveram e se modificaram, um conhecimento tal como até
hoje nunca existiu nem foi desejado (NIETZSCHE, 1998, p. 12).
Nessa passagem da obra Genealogia da
Moral – Uma polêmica, o filósofo alemão mostra traços delineadores do valor
que se pretende observar nesse estudo. Precisamente, a análise fundamentada no
valor se dá no âmbito de uma crítica dos valores morais, através da colocação
do valor desses valores em questão. No nosso caso, o valor moral que será
colocado em questão é o valor do ócio, utilizando-se como medida a vida. De
modo a encontrar o valor do ócio temos – conforme explicitado acima – que
conhecer as condições e circunstâncias na qual esse valor do valor nasceu; observando
ainda suas transmutações/transvalorações ao longo do tempo. Dessa maneira, uma
observação histórica e cultural se faz necessária.
Ainda nessa questão do valor, é de suma
importância ressaltar que sua análise histórico-cultural não deve ser na busca
da verdade ou não acerca do conhecimento do valor. O método genealógico se
configura pela determinação do conhecimento do valor enquanto expressão:
De um excesso ou de uma indigência
vital, de uma afirmação ou de uma negação da vida. Que tipo de existência tem
quem diz tal tipo de coisa? – pergunta o genealogista remetendo os valores à
potência daquele que instituiu os valores (MACHADO, 2002, p. 55).
Prosseguindo na fundamentação do método
genealógico, temos o sentido. O termo aponta para a seguinte questão: “que vale
esta ou aquela tábua de valores, esta ou aquela ‘moral’?”, devendo esta “ser
colocada das mais diversas perspectivas; pois ‘vale para quê’?” (NIETZSCHE,
1998, Nota na p. 46). Este “para quê” entende-se como sendo a finalidade
pretendida por alguém ao valorar o valor de dada maneira, marcada pela flecha
que determina o sentido, o vetor que dá direção ao valor – e aqui encontramos a
resposta à articulação dos dois conceitos. Em síntese, temos que “o fundamental
da genealogia é avaliar que conjunto de forças produz certo tipo de valor e
qual direção este valor imprime à vida” (ANDRADE, 1999, p. 77).
Desse modo, a caracterização dessa
pesquisa se dá como sendo uma pesquisa bibliográfica através do método
genealógico, fundamentado na análise da interpretação do sentido e do valor de
ócio. Sendo essa interpretação algo construída histórico-culturalmente, temos
uma utilização de um método filosófico num cenário moldado socialmente – e
dessa inter-relação entre método e cenário é que teremos base de discussão para
o problema proposto nesse estudo. Acerca da história, cabe ressaltar que:
O genealogista necessita da história
para conjurar a quimera da origem, um pouco como o bom filósofo necessita do
médico para conjurar a sombra da alma. É preciso saber reconhecer os
acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes
vitórias, as derrotas mal digeridas, que dão conta dos atavismos e das
hereditariedades; da mesma forma que é preciso saber diagnosticar as doenças do
corpo, os estados de fraqueza e de energia, suas rachaduras e suas resistências
para avaliar o que é um discurso filosófico. A história, com suas intensidades,
seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como
síncopes, é o próprio corpo do devir. (FOUCAULT, 1979, p. 19).
Os instrumentos metodológicos que serão
utilizados na construção dessa pesquisa bibliográfica é a revisão de literatura
e o estudo de imagens de obras de arte em forma de pintura.
A revisão de literatura encontra
justificativa na sua escolha como instrumento, pois:
Fazer a revisão de literatura em
torno de uma questão é, para o pesquisador, revisar todos os trabalhos
disponíveis, objetivando selecionar tudo o que possa servir em sua pesquisa.
Nela tenta encontrar essencialmente os saberes e as pesquisas relacionadas com
a questão; deles se serve para alimentar seus conhecimentos, afinar suas
perspectivas teóricas, precisar e objetivar seu aparelho conceitual (LAVILLE
& DIONNE, 1999, p. 112). nstrumento principal e plçloristir"is este sociedade e, ainda, a
metodologia dessa pesquisa.
Já o estudo de imagens de obras de arte
em forma de pintura ocorrerá através de um único critério: a busca de imagens
que possam ilustrar e ajudar na compreensão das interpretações e articulações
conceituais expostas durante esse estudo. Aqui pode parecer saltar aos olhos de
alguns uma “despreocupação com o método”, tendo-se em vista a utilização de um
critério subjetivo na pesquisa. Porém, aqui o sentido – sim, aqui já uma primeira
análise utilizando-se o conceito anteriormente exposto – da utilização de um
critério subjetivo na pesquisa se faz em conformidade com toda a proposta da
mesma – digo: uma proposta à luz das interpretações, subjetivas por excelência
– e encontra seu sentido “existindo uma ciência em que a razão não pode reinar
universalmente, nem a desrazão pode ver-se excluída. Esse traço da ciência pede
uma epistemologia anárquica” (FEYERABEND, 1977, p. 447). E o que vem a ser
epistemologia anárquica?
O centro da argumentação dele está
justamente fundamentado […] na idéia de que ainda há muito para se conhecer
no mundo, por isso não há uma só regra que deva sempre ser obedecida e que
tenha sido sempre obedecida na história da ciência. Contra uma metodologia dogmática,
Feyerabend propõe uma aproximação metodologicamente pluralista. Ou seja, algo
de novo pode sempre suscitar uma nova forma de ser conhecido e, para isso,
necessitar de uma nova metodologia. Se a ciência tem como pretensão conhecer o
mundo ela deve, então estar abertas a novas metodologias. Estar aberto a novas
metodologias significa não descartar a priori algo que está em discordância com
o que é comumente aceito. É isto que a ciência, de uma maneira ou de outra, tem
feito e é isto que está na base do famoso lema “Tudo Vale” (LEAL-TOLEDO, 2005,
p. 2).
Por fim, temos que a epistemologia
anárquica – essa posição perante a ciência – constitui-se numa maneira
libertária de agir. “Essa maneira liberal de agir […] é algo razoável e
absolutamente necessário para que se desenvolva o conhecimento” (FEYERABEND,
1977, p. 30).
Com relação aos passos e estratégias da
pesquisa, busca-se delimita-los face aos objetivos específicos propostos,
mostrando como se pretende atingir esses alvos.
O primeiro objetivo específico proposto
nesta pesquisa é: “delimitar o sentido e
o valor do conceito de ócio na contemporaneidade”. Para tanto, pretende-se
fazer uma análise histórico-cultural – histórico na medida em que se procura
identificar a gênese do sentido e valor de ócio na sociedade e mostrar suas
mudanças de sentidos e transvalorações ao longo do tempo; e cultural na medida
em que se buscam as diferenças do sentido e valor de ócio comparando-se algumas
civilizações que existiram ao longo da história da humanidade -, sempre tendo o
valor Vida como critério último de julgamento, como medida. Com as informações
encontradas através dessa análise, busca-se então apontar para o sentido e
valor do ócio na contemporaneidade: eis então a “Genealogia do Ócio”.
O segundo objetivo específico proposto é:
“articular o conceito de Educação e Educação Física pelo e para o ócio em seus sentidos e valores”. O modo para alcançar esse
alvo é, primeiramente, apontar os sentidos e valores da Educação na sociedade
contemporânea, justificando sua existência e ressaltando sua importância nesse
cenário. A seguir, será feito um esboço desse novo formato de Educação – e
especificamente, de Educação Física – pelo e para o ócio. Trata-se somente de
um esboço, pois a criação de algo desse gênero e magnitude requer, no mínimo,
mais tempo para amadurecimento – visto que a Educação é macroestrutura que pode
alterar todo o sentido de uma civilização.
O terceiro objetivo específico proposto
é: “considerar a formação do Super-Homem nietzscheano e sua importância para a Educação Física”. Nesta etapa,
tentar-se-á estabelecer o sentido e o valor que o Super-Homem adquire dentro do
âmbito específico da Educação Física pelo e para o ócio. Aqui o Super-Homem
encontrará uma resposta de como ele pode ser formado através do modelo
alternativo de Educação Física proposto nesta pesquisa. Esse objetivo será
contemplado no mesmo capítulo em que fala-se sobre a educação.
O quarto objetivo específico proposto é:
“caracterizar o Super-Homem
nietzscheano, incluindo seus sentidos e valores”. Trata-se de uma interpretação
da obra de Nietzsche – e aqui não apenas do conceito de “super-homem”, mas
também de outros conceitos que se inter-relacionam com este -, de modo a
apontar as características principais desse Super-Homem. Num segundo momento,
serão invocadas as obras de estudiosos do filósofo alemão que apontam para
interpretações próprias acerca dos conceitos do mesmo, importando aqui o
estabelecimento de um diálogo com esses estudiosos – dentro da interpretação
proposta nesta pesquisa. A análise dos sentidos e valores do Super-Homem se
dará justamente nesse âmbito, quer seja, o âmbito das interpretações dos
estudiosos de Nietzsche – em outros termos: quais sentidos e valores o
Super-Homem encontra nas interpretações desses estudiosos?
Finalmente, o quinto objetivo específico
proposto é: “analisar imagens à luz do referencial teórico explicitando
contradições, similaridades e
complementaridades”. O modo pelo qual se tentará alcançar esse alvo é através
de um critério subjetivo de escolha das imagens, fundamentado na Epistemologia
Anárquica de Feyerabend, como explicitado em detalhes anteriormente – ainda
neste capítulo.
Traçados os passos e estratégias que esta
pesquisa seguirá, faz-se importante agora – para uma metodologia completa –
explicitar o tipo de referencial que será utilizado e o local de busca desse
referencial.
Pois bem, o tipo de referencial que será
utilizado consiste em livros, dicionários, artigos, periódicos, revistas e
bancos de dados informatizados. Acerca destes últimos, serão, especificamente,
os encontrados por meio de busca na Internet. Mas como usá-los?
Pesquisa-se neles com a ajuda de
palavras-chave – também chamadas de descritores – que são escolhidas visando a
cobrir o campo de pesquisa desejado. Essas palavras-chave podem ser as da
língua corrente; fala-se então de vocabulário livre. Ou são palavras escolhidas
previamente, cujas listas são fornecidas por longos tesauros
[1] [grifo do autor] que acompanham os bancos; também se
encontram nos programas de ajuda, em forma de dicionário que se faz igualmente
acompanhar dos procedimentos a serem seguidos (LAVILLE & DIONNE, 1999, p.
119).
No caso desta pesquisa, optamos pela
utilização do “vocabulário livre”, como forma de escolha das palavras-chave que
serão escolhidas para pesquisa nos bancos de dados informatizados.
Já o local de busca desse referencial
será na biblioteca do Centro Universitário Positivo e na Biblioteca Pública do
Paraná, bem como na já citada Internet e em acervos particulares.
[1] “Lista de palavras selecionadas para analisar e classificar documentos”
(LAVILLE & DIONNE, 1999, p. 119).