SUMÁRIO DA VIDA DE BRUTO
Nascimento de Bruto. II. Seus estudos filosóficos. III. Vai a Chipre com seu tio Catão. IV. Toma o partido de Pompeu. V. César ordena aos seus soldados que poupem a vida de Bruto. Por que. VI. Vai ter com César. Com que distinção César o trata. VII. César lhe dá o governo da Gália Cisalpina. VIII. Éle lhe dá a pretoria urbana. IX. O que César pensava de Bruto e de Cássio. X. O que levou Bruto a conspirar contra César: XI. Cássio propõe-lhe ficar à testa da conjuração. XII. Como ela se organiza. XIII. Inquietação de Bruto. XIV. Como sua mulher lhe mostra que ela era assaz corajosa para ser digna de ter parte no seu segredo. XV. Os conjurados marcam o dia da execução. XVI. Tranqüilidade de espírito de Bruto. XVII. Diversos acidentes próprios para desnortear e assustar os conjurados; Pórcia desaparece. XIX. Circunstância inquietante. Como Bruto a julga. XX. Morte de César. XXI. Bruto se opõe ao assassínio de Antônio. XXII. Discurso de Bruto ao povo. Como o povo o recebe. XXIII. Decreto do senado em honra de Bruto e de seus conjurados. XXIV. Elogio de César, feito por Antônio. XXV. Furor do povo contra os seus assassinos. XXVI. Bruto sai de Roma. XXVII. Bruto censura as manobras de Cícero em favor de Otávio. XXVIII. Despedida de Bruto e de Pórcia. XXIX. Bruto vai a Atenas. XXX. Apodera-se de alguns navios que levavam dinheiro a Roma. XXXI. Acidente que acontece a Bruto. XXXII. Caio Antônio entrega-se a êle com suas tropas. XXXIII. Otávio faz condenar Bruto e seus companhei ros. XXXIV. Bruto faz matar Caio Antônio. XXXV. Reunião dai tropas de Bruto e de Cássio. XXXVI. Elogio de Bruto. XXXVII Bruto e Cássio separam-se. XXXVIII. Bruto cerca a cidade i\t\ Xante. XXXIX. É destruída por um incêndio. XL. A cidade de Pátaro entrega-se a êle. XLI. Paz morrer a Teódoto. XLII. Questão entre Bruto e Cássio. XLIII. Julgamento de Bruto que desagrada a Cássio. XLIV. Fantasma que aparece a Bruto. XLV. Êle conta a sua visão a Cássio que o tranqüiliza. XLVI. Bruto e Cássio acampados frente a frente com Otávio e Antônio. XLVII. Maus presságios que assustam a Cássio. XLVIII. O desejo de Bruto para tentar a batalha, prevalece. XLIX. Bruto e Cássio prometem matar-se se forem vencidos. L. Seu exército se põe em movimento. LI. Grande vantagem do lado de Bruto. LII.- A ala de Cássio é inteiramente derrotada. LIII. Espanto de Bruto à sua volta. LIV. Morte de Cássio. LV. Bruto presta-lhe honras fúnebres. LVI. Perturbação no acampamento de Bruto. LVII. Promessa de Bruto a suas tropas, se cumprirem bem seu dever no combate. LVIII. Batalha ganha pela frota de Bruto. Êle não é avisado em tempo. LIX. Nova aparição do fantasma. LX. Bruto é derrotado. LXI. Lucilio se faz levar a Antônio sob o nome de Bruto. LXII. Bruto manda visitar seu acampamento. LXIII. Morte de Bruto. LXIV. Konra que Antônio presta a seu corpo. Morte de Pôrcia.
Desde o ano 675 até o ano 712 de Roma, antes de Jesus Cristo, ano 42.
Plutarco – Vidas Paralelas
MARCO BRUTO
Trad. de Padre Vicente Ferroso a partir da versão francesa de Amyot. Edameris.
Marco Bruto era descendente daquele Júnio (1) Bruto ao
qual os antigos romanos erigiram uma estátua de bronze no Capitólio, entre
as dos reis, com uma
espada desembainhada na mão, porque ele tinha valorosamente expulsado e
derrotado os tarquínios do trono de Roma (2)
; mas êle, tendo da natureza costumes
austeros e não temperados pela razão, assemelhando-se às espadas (3) de têmpera
muito forte, deixou-se levar pela ira e pelo ódio que tinha contra os
tiranos, até matar seus próprios filhos.
E, ao contr ário, este, de quem escrevemos agora, tendo mitigado seus
costumes pelo conhecimento das letras e pela razão adquirida nos estudos da
filosofia e tendo dominado seu natural, que por si mesmo era manso e grave, para fazer e executar
grandes coisas, parece-me ter sido bem trabalhado para a virtude; de
modo que aqueles mesmos que lhe queriam mal, porque êle conjurou
contra César, se houve alguma coisa feita com generosidade durante a
conjuração, a atribuem a Bruto, e todos os atos ásperos e
duros, a Cássio, o qual era muito amigo de Bruto, não porém tão perfeito em
seus hábitos nem tão completo como êle. Servília, sua mãe, dizia-se descendente
do sangue de Serví-lio Hala, o qual, como Espúrio Mélio, tentasse fazer-se rei e
para seus intentos solicitasse o povo à rebelião, tomou um punhal que escondeu
sob as axilas, e foi à praça,
onde fingiu ter alguma coisa a lhe comunicar, e para isso, aproximou-se bem
perto dele, mas, assim
que o outro abaixou a cabeça para ouvir o que êle queria dizer, deu-lhe uma punhalada, que o matou (4): quanto a
isso, não há ninguém que diga o contrário; mas, quanto ao lado paterno, houve
alguns que por ódio e malquerença contra Bruto, por causa da morte de Júlio
César, sustentaram que êle não descende daquele que expulsou os tarquínios,
porque nada ficou da sua raça, visto que êle matou seus filhos, e que este era descendente de uma família popular (5), a qual depois
de pouco tempo tinha começado a se intrometer nos estados e nas honras dos
negócios públicos. Ao contrário, o filósofo Possidônio escreve que Júnio Bruto matou deveras seus dois filhos (6), que já tinham
certa idade, como está escrito nas histórias, mas que ficou ainda um terceiro,
que então estava na sua primeira infância, do qual a descendência depois teve
sua origem; e ainda mais,
que, no seu tempo, havia alguns homens
ilustres daquela fam ília, dos quais os traços do rosto muito se assemelhavam
aos da estátua de Bruto. Mas já falamos bastante a este propósito.
(1) Dionisio de Halicarnasso e Dion
negam-no formalmente.
(2) No
ano 244 de Roma, antes de J. O., 510.
(3) Psokrélata,
isto é, batido a frio de palavra a palavra. — Amyot.
(4) No ano de Roma, 315 antes de Cristo, ano 439.
(5) O grego diz, filho de
um certo Bruto, ecónomo, i. ., intendente de uma casa.
II. Marcos Catão, o Filósofo, era irmão de Servília, mãe de
Bruto, ao qual, de todos os romanos, mais êle se propôs imitar, sendo seu tio, e do qual, ao depois, desposou uma filha. Quanto aos filósofos
gregos não há seita alguma, por assim dizer, da qual êle não tenha freqüentado alguma, nem da qual
não tenha sido adversário: mas sobre todos os outros, êle mais apreciou os platônicos, e não se aplicando muito nem à nova,
nem à média Academia, como a chamam, êle se tinha de todo entregue à antiga;
por isso êle teve sempre grande admiração pelo filósofo Antíoco, da cidade de As-calon, mas tornou-se
amigo e familiar de seu irmão Ariston,
e o quis ter por dom éstico (7), o qual em letras e em saber não era tão
excelente como foram muitos outros filósofos, mas em sabedoria e em doçura êle
competia com os primeiros. No que diz respeito a Empilo, do qual ele mesmo faz menção
em suas Epístolas, e seus amigos também em vários lugares, era um orador, que
deixou um pequeno livro que não é mau, da morte de César, intitulado Bruto.
Era bastante prático na língua latina, que podia fazer um longo discurso, como
para disputar e defender uma causa; mas na língua grega nota-se e se observa
mesmo em algumas das suas cartas, que ele usa daquela concisão grave e sen
tenciosa no falar, própria dos lacedemônios;
tendo já a guerra começado, êle escreveu aos pergamen-ses deste modo:
"Eu ouvi dizer que entregastes dinheiro a Dolabela; se o fizestes
voluntariamente, vós confessais que me ofendestes, e se contra vontade, declarai-o, entregando-mo
voluntariamente". Outra vez, aos sânios: "Vossos conselhos
são longos, vossos efeitos são lentos, pensai qual será o fim disso". E uma outra, em que lhes escreveu dos patarinos
(8), os xantenses (9) "por terem desprezado minha graça, fizeram
de seu país um sepulcro de desespero: e os patarinos por se terem posto em
minha defesa, não perderam um ponto sequer de sua liberdade. Pelo que, enquanto
vos é possível, escolhei ou o julgamento dos patarinos ou a
fortuna dos xantenses". Eis a maneira como são as cartas de Bruto, que se
fazem notar pela concisão (10) .
(6) Chamados por Tito Lívio, Tito e Tibério. Não os matou, mas em sua qualidade de cônsul, presidiu ao seu suplício.
(7) Não para servi-lo, mas para viver junto.
(8)
Pátaro, cidade da Lícia, pelo que Apolo é cognominado Patarino. Aí êle
dava seus oráculos durante os seis meses de inverno e em Delos, durante os
seis do verão. Estava na parte meridional da Ásia, na embocadura do Xanto do
lado do oriente.
(9) A cidade de Xanto
estava na Lícia acima da embocadura do Xanto,. ao ocidente. Este Xanto não é, como se vê, o
mesmo fio da Trôade.
III Estando ainda na adolescência foi a Chipre com seu tio
Catão, que havia sido enviado contra o rei Ptolomeu (11) o qual foi derrotado, e Catão, tendo alguns
negócios que o retinham necessariamente na ilha de Rodes, havia já mandado
adiante um de seus familiares, de nome Canínio (12) para guardar o dinheiro e
os outros bens; mas, temendo que êle o roubasse, escreveu a Bruto que viesse a
Chipre imediatamente, da Panfília, onde estava convalescente de uma enfermidade; êle o fêz, mas muito a
contragosto, quer pela vergonha que tinha de Canínio, que Catão deixava ao seu
cuidado, ignominiosamente, quer
também porque este
encargo e administra ção lhe pareciam
demasiado vis e impróprios a êle, que era um jovem dedicado aos estudos;
todavia, saiu-se tão bem e tão diligentemente que Catão o louvou; e depois que
todos os bens foram vendidos, tomou a maior parte dos últimos, com os quais
voltou a Roma.
(10) Veja as Observações.
(11)
Veja
a Vida de Cat ão da ütica, Cap. XLVII e XLVIII do tomo VI.
(12)
Ou
Can ídio. — Amyot. Na vida de Catão da Útica sempre se escreve Canídio.
IV.
Depois, quando o poder romano foi
di vidido em duas ligas, que C ésar e Pompeu tomaram as armas um contra o
outro, e que todo o império de Roma se viu conturbado, esperava-se que êle seguisse o partido de César, porque
algum tempo antes Pompeu havia feito morrer seu pai; mas, julgando que se
deviam pospor os interesses particulares aos públicos e persuadindo-se de que
a causa pela qual Pompeu tomava as armas era melhor e mais justa que a de
César, se pôs do lado de Pompeu, embora tendo, algumas vezes, se encontrado
com Pompeu, não se dignou saudá-lo, pensando que seria isso para êle um
pecado, falar com o assassino de seu pai; mas depois, submetendo-se a êle como chefe dos negócios públicos, partiu
para a Sicília, como lugar-tenente de Séstio, ao qual coubera o governo daquela
província; e vendo que lá não havia a ocasião de fazer grandes coisas, e que já
César e Pompeu estavam perto um do outro, combatendo, para decidir quem seria
o maior, êle foi voluntariamente para a Macedónia, sem ser mandado, para tomar
parte no perigo, e por isso se diz, que Pompeu, alegrando-se e admirando-se de
sua chegada, quando o viu aproximar-se, levantou-se do seu trono, e foi abraçá-lo diante de todos,
com tanta demonstração de honra, como êle o teria feito a algum outro dos
maiores da sua liga. No acampamento, durante o dia, exceto o tempo em que êle estava com Pompeu, entregava-se
aos livros e aos estudos, n ão somente nos dias precedentes, mas também
antes do da grande batalha de Far-sália. Era o forte do verão, fazia muito
calor, acrescente-se ainda que o acampamento estava colocado bem junto de
terrenos pantanosos, e os
que traziam sua tenda estavam demorando para chegar: por isso, cansado e
esgotado, como êle estava, a muito custo quis ao meio-dia comer alguma coisa;
depois, quando todos os demais dormiam e descansavam ou imaginavam o que
poderia acontecer no dia seguinte, êle estava estudando e escreveu durante o
dia todo, até a tarde, compondo um sumário de Políbio (13).
V. Diz -se que César não lhe
votou desprezo e pouco caso, e que êle disse antes da batalha, diante de seus
generais e oficiais, que evitassem matar Bruto na batalha, e se êle se
entregasse voluntariamente, que o levassem a êle; mas que se se pusesse na
defensiva, para não ser apanhado, que eles o
deixassem, sem lhe fazer violência alguma; e diz-se que o fazia por amor de Servília, mãe de Bruto, pois sendo ainda
muito jovem êle tinha conhecido Servília, que tinha se apaixonado ardentemente
por êle; e porque Bruto ao depois nascera quando o seu amor estava no auge,
persuadiu-se que ela havia concebido dele. A este propósito conta-se que no tempo
em que se tratava no senado do assunto da conjuração de Catilina, que esteve a ponto de destruir
e arruinar toda a cidade de Roma, César e Catão encontraram-se, sustentando
opiniões contrárias, e que, nesse ínterim, trouxeram de fora alguns escritos a
César. Ele tomou-os e os leu, à parte, em voz baixa; Catão, então, se
pôs a gritar que César fazia mal de receber avisos e cartas dos inimigos pelo
que muitos dos presentes murmuraram. César então deu a carta como estava a
Catão, que a leu, e viu que era uma carta amorosa e lasciva de sua irmã Servília; restituiu-a a César e disse:
Toma, bêbado! Continuou depois o assunto e prosseguiu com o discurso como
antes, tanto era conhecido e sabido de todos o amor e o afeto de Servília para
com César.
(13) Célebre historiador da cidade de Megalopolis, nascido
no ano 548 de Roma e morto no ano 631 de Roma.
VI. Depois da derrota de
Farsália, quando Pompeu fugiu
para o mar, e que seu campo foi cercado, Bruto saiu pelas portas, sem ser
notado, e se lançou num pantanal cheio de água e de caniços palustres; depois, quando chegou
a noite, êle saiu e foi para a cidade de Larissa (14), de onde escreveu a César, que ficou muito
contente por saber que êle estava salvo, e mandou dizer que viesse ter consigo;
e quando êle chegou, não somente o perdoou, mas o conservou perto de si, com
tantas honras, como a nenhum outro que lá se encontrasse.
Ninguém sabia para onde Pompeu havia ido, e estava-se em
dificuldade para sabê-lo; pelo que César, caminhando um certo tempo, sozinho,
com Bruto, perguntou-lhe o que êle pensava, e pareceu-lhe por
algumas palavras que êle disse que êle sabia muito bem, por conjeturas de sua
fuga; e, por isso, deixando todo e qualquer conselho ou advertência, rumou para o Egito. Mas
Pompeu, que, como Bruto havia conjeturado, se tinha ocultado no Egito, lá foi surpreendido pela
hora do seu destino. Finalmente, Bruto impetrou ainda, de César, graça para Cássio; e
defendendo a causa do rei da Líbia (15) é verdade que êle sucumbiu ante a multidão e o peso dos encargos, que lhe confiavam, mas intercedendo
e rogando por êle, salvou-lhe ainda grande parte de seu reino e de suas
terras. E diz-se que a primeira vez que César o ouviu discursar
diante dele, disse aos
seus amigos: "Eu não sei o que este jovem deseja, mas, tudo o que êle quer, êle o
quer com maravilhosa veemência". Pois, como sua gravidade não se
comunicava facilmente a todos os que lhe vinham pedir que lhes fizesse um
favor, mas sendo movido pelo conselho e pela razão, ela tendia sempre a fazer coisas
louváveis e honestas; também quando se punha a realizar alguma coisa, usava de
uma instância veemente e urgente, que não desistia jamais, antes de ter conseguido
o objetivo de sua empresa; pois pela adulação nunca se
pôde conseguir dele alguma coisa, nem obrigá-lo a fazer algo injusto, e julgava
que, deixar-se vencer pelos rogos e pedidos daqueles que, sem
vergonha, atormentam e importunam àqueles dos quais querem obter alguma coisa
irrazoável, o que alguns fazem por vergonha de nada ousar recusar, era uma
coisa bem má e muito inconveniente a um grande personagem; e por isso êle tinha
o costume de dizer que lhe parecia que aqueles que nada podiam recusar, tinham
governado muito mal a flor da própria juventude.
(14) Uma das maiores cidades
da Tessália,
perto do
rio Peneu.
(15) Era Juba, mas é certo
que Bruto intercedeu também por Dejotaro, rei da Galácia, que no entretanto foi
privado por César de uma grande parte de seu país. E por isso aqui seria melhor
entendermos que é dele que se trata. — Amyot. Pode-se consultar sobre essa
dificuldade a nota da edição de Plutarco, por M. Reiske. É certo que não pode
haver questão aqui, sobre o rei Juba, mas sim, sobre Dejotaro, rei da Galácia.
VII. Quando César resolveu passar o mar, para ir à África, contra Catão e
Cipião, deixou-o no governo da Gália, que está para cá dos
Alpes, do lado da Itália, o que foi uma felicidade singular para aquela
província, pois, quando as outras eram assaltadas e saqueadas, pela insolência
e avareza dos governadores, como se fossem países de conquista, Bruto foi para
os gauleses descanso e conforto dos trabalhos que eles antes haviam suportado; e a graça desse tratamento era por êle inteiramente atribuída
a César, de sorte que ao seu regresso da África, visitando a Itália, o que êle
viu com mais satisfação e prazer, foram as cidades governadas por Bruto, e o
mesmo Bruto, que lhe fazia a honra da sua pessoa e cuja companhia lhe era assaz
agradável.
VIII. Havia em Roma várias espécies de pretorias e esperava-se que
Bruto ou Cássio teriam aquela que é a de maior dignidade, a que chamavam de
pretoria urbana, porque, aquele que a ocupava exercitava o direito e a justiça
entre os da cidade; por essa razão eles se indispuseram, um com o outro, embora
alguns digam que por outras causas precedentes, já havia uma certa divergência
entre eles e este fato aumentou ainda mais a dissensão, embora eles fossem parentes: pois Cássio tinha desposado
Júnia, irmã de Bruto. Outros dizem que esta questão entre eles vinha do mesmo César, o qual, secretamente,
dava a esperança do seu favor, ora a um, ora a outro; continuou a briga e eles se indispuseram de tal modo um contra o outro,
que instauraram um processo. Bruto combatia com sua virtude e boa fama, contra
vários e grandes feitos de armas que Cássio tinha realizado contra os partos; e
César, depois de ter ouvido as suas declarações, disse aos seus amigos, aos
quais êle se aconselhava sobre este negócio: "É verdade que as razões que Cássio alega são mais justas; mas, no
entretanto, é necessário preferirmos Bruto". E assim Bruto teve a primeira
e Cássio a segunda, o qual não lhe quis tanto bem por aquela que êle obtivera, do que mal, pela qual havia perdido.
IX. Mas Bruto, era muitas
outras coisas usufruiu ainda do poder de César, tanto quanto quis; pois se ele
tivesse querido, êle poderia ter sido o primeiro dentre os seus amigos e tido
maior prestígio ante êle; mas os da facção de Cássio dissua diam-no disso, (pois, Cássio não tinha ainda voltado às boas
graças com êle, depois da dissensão)
e estavam incessantemente junto dele, a
admoestá-lo e a rogar-lhe que não se deixasse enganar, nem ceder pelas
insinuações de César, mas fugisse de todas as demonstrações de afeto e de suas
graças tirânicas, das quais diziam que César usava para com êle, não para honrar a sua virtude, mas para enfraquecer a força
de sua coragem. César mesmo tinha alguma suspeita disso e ouvira algumas
declarações, mas temia sua grande coragem, sua autoridade e seus amigos; mas,
por outro lado, confiava na bondade de seus costumes e de seu natural, pois,
como lhe narraram um dia, que Antônio e Dolabela maquinavam algo contra êle, respondeu, que os gordos e
os papagaios, não lhe causavam temor, mas os pálidos e magros, sim, entendendo
falar de Bruto e de Cássio. Outra
vez, quando acusavam a Bruto contra êle, e advertiam-no que tivesse cuidado,
êle respondeu, pondo a mão sobre o
estômago: "Como, parece-vos que Bruto não terá a paciência de esperar que
este pobre corpo tenha completado o seu tempo?" Como se quisesse dizer que não
tocava a nenhum outro, senão a Bruto, ter também junto dele tanto poder quanto
êle.
X. Parece-me
a mim, que êle teria podido ser
com certeza o primeiro homem da cidade, se tivesse conseguido secundar a César,
por algum tempo, e tivesse, por assim dizer, deixado fenecer um pouco a flor
da sua autoridade e passar a glória que havia adquirido com suas grandes
vitórias; mas Cássio, homem colérico, que odiava mais a César como particular
do que como tirano, incitou-o e o fêz apressar os acontecimentos, diz-se que Bruto
suportava a dominação com impaciência, mas que Cássio odiava o dominador, queixando-se de
várias injustiças que êle tinha cometido, e dentre outras; que êle
lhe havia tirado uns leões. Cássio tinha feito provisão deles, para seus jogos, quando fosse edil; foram eles encontrados na cidade de Megara, quando tomada
por Caleno, e César os conservou para si. Diz-se que esses animais trouxeram grande prejuízo aos
megarenses, pois quando a cidade foi tomada, eles arrebentaram as jaulas em que estavam
encerrados, e os soltaram, pensando que eles impediriam os inimigos de atacá-los: mas os leões voltaram-se contra
eles
mesmos, quando fugiam c á e
lá, todos desarmados: e esquartejaram a alguns tão cruelmente que os próprios
inimigos sentiram piedade ante aquele espetáculo.
Eis o que alguns dizem ter sido a
causa principal de C ássio conspirar contra César; mas eles não dizem a
verdade. Porque Cássio tinha
desde o seu nascimento uma natureza impaciente e detestava toda sorte de tiranos,
como o demonstrou sendo ainda criança quando ia à escola juntamente com Fausto,
filho de Sila. Fausto, gloriando-se dentre os demais meninos, engrandecia a
monarquia de seu pai; Cássio, pondo-se
de pé, deu-lhe duas bofetadas: os tutores de Fausto quiseram exigir reparação e
punir esta injúria com a justiça; mas Pompeu os dissuadiu disso e mandou chamar os dois meninos à sua presença, aos quais perguntou como o fato se havia
passado. Cássio, então,
como encontramos por escrito, disse ao outro: "Vamos, Fausto, quero ver se
tens a coragem de dizer outra
vez na presença deste personagem as mesmas palavras que me irritaram contra ti,
para que de novo eu te quebre a cabeça a socos", tal era o natural de Cássio. Mas os seus familiares amigos,
por várias solicitações, e seus cidadãos, por vários boatos da cidade e vários
cartazes, o chamavam nomeadamente e o incitavam a fazer o que ele fêz: pois
por baixo daquele seu antigo parente Júnio Bruto, que aboliu a dominação dos
reis em Roma, escreveu-se: "Prouvesse
a deus, que tu en tão existisses,
Bruto ": e uma outra vez: "Oh! Se vivesse ainda hoje, Bruto!" O mesmo tribunal,
no qual êle dava audiências durante o tempo da sua pretoria, estava pela manhã
cheio desses escritos: "Bruto, tu dormes, e não és verdadeiro Bruto".
Os aduladores de César eram causa disso, pois, além das honras excessivas
e exageradas que inventavam todos os dias, colocavam, à noite, coroas, sobre: a
cabeça das estátuas, esperando com isso incitar o povo a chamá-lo de rei, era
vez de ditador, mas aconteceu o contrário, como já o dissemos na Vida de Júlio
César.
XI. E como Cássio andava incitando e solicitando seus amigos contra César,
todos unanimemente prometiam-lhe entrar nessa conjuração, contanto que Bruto
fosse o chefe, dizendo que tal empresa tinha necessidade, não tanto de
coragem, nem de quem pusesse mão à espada, como de um indivíduo de tal
reputação como Bruto, para que cada qual acreditasse, com certeza, pela sua
presença unicamente, que se tratava de uma ação santa e
justa; do contrário, para realizá-lo, eles teriam menos coragem, e depois de
tê-lo realizado, seriam mais objeto de suspeita, porque cada qual julgaria que tal
indivíduo ter-se-ia recusado a participar de tal execução, se a causa não
fosse boa. Pelo que Cássio, depois de ter considerado estas razões, consigo mesmo,
falou com Bruto, depois da divergência que haviam tido; tendo-se reconciliado,
abra çaram-se; êle perguntou-lhe
se tinha determinado estar no se nado
no primeiro dia do mês de março, porque tinha ouvido dizer que os amigos de
César deviam naquele dia apresentar ao conselho a proposta, para que César
fosse chamado e declarado rei, pelo senado, Bruto respondeu que êle não estaria lá. "Mas, disse Cássio, se nos chamam para lá". — "Então,
respondeu Bruto, eu não me calarei, mas hei de resistir, até mesmo a morrer,
antes que perder a liberdade". Cássio, então, encorajado por estas palavras, disse: "E
quem será dentre os romanos que te queira deixar morrer pela liberdade?
Ignoras que és Bruto? Julgas que são tecelões, gar çãos e outros operários e trabalhadores que
escrevem esses bilhetes e cartazes que nós encontramos todos os dias em teu
assento pretorial e não os maiores homens e os mais nobres da cidade? Pois é
bem que saibas que eles
esperam dos outros pretores, dons e presentes populares,
brinquedos e lutas de esgrima, como
diversão, ao povo; eles, porém, te pedem a ti, nomeadamente, como uma dívida hereditária,
à qual tu estás obrigado, a abolição da tirania, estando bem dispostos a fazer
e a suportar todas as coisas por amor de ti, contanto que te queiras mostrar
tal como eles julgam que tu deves ser, e esperam que sejas". Disse isto, e
beijou Bruto, abraçou-o, e assim despediram-se e foram cada qual ter com seus
amigos.
XII. Havia, então, um dos
amigos de Pompeu, chamado por ter seguido seu partido tinha sido acusado perante César e César o
tinha absolvido; mas, não sabendo muito bem do como da sua absolvição, e
estando ainda indignado de que por süa tirânica dominação êle estivera em perigo, tinha-se conservado
como áspero inimigo, em seu coração, e sendo muito amigo de Bruto, o qual foi
visitá-lo quando doente, de cama, e lhe disse: "Ó Ligário, em que tempo
estás doente?" Ligário, então, levantou-se e tomando-lhe a mão direita,
disse: "Se tens vontade, Bruto, de empreender uma coisa digna de ti, eu
estou curado". Depois disso começaram a conquistar todos os seus
conhecidos, nos quais confiavam, e a lhes comunicar a sua deliberação,
escolhendo não somente seus amigos e familiares, mas todos os que eles julgavam
ter coragem bastante para tentar coisas perigosas, e que não temiam a mesma
morte; por esse motivo nada disseram a Cícero, embora êle fosse uma pessoa a
quem muito eles estimavam, e em quem confiavam, de medo que, além de, por
natureza, ter falta de coragem, tinha-lhe ainda a idade trazido mais temor, êle
não rebatesse, por assim dizer, e não amassasse a ponta de sua deliberada
afeição e não esfriasse o ardor de sua empresa, a qual tinha principalmente
necessidade de ser calorosamente executada, querendo, por discursos da razão,
reduzir todas as coisas a tal segurança, que não houvesse dúvida alguma.
Bruto abandonou mesmo alguns de seus amigos, como Estatílio, o Epicúrio, e Faônio, que fazia voto de imitar e seguir a Marco Catão,
porque, tendo-lhes dirigido algumas palavras encobertas, disputando com ele
sobre filosofia, para sondar-lhes a vontade, Faônio respondeu que uma guerra
civil era pior que um principado de
monarquia usurpado contra as leis; e Estatílio tinha dito que não é próprio de
um homem prudente e sensato pôr-se em perigo e risco de sua vida, para loucos e
ignorantes. Labeo estava presente a esta disputa, o qual era da opinião
contrária a ambos; mas Bruto calou-se como se tivesse tido naquilo alguma
dúvida e alguma dificuldade a se resolver naquele assunto; mas depois, fora
dali, êle comunicou sua deliberação a Labeo, o qual de boa vontade se
ofereceu para tomar parte, e deliberaram ainda receber um outro Bruto, de nome
Albino, não que êle fosse um homem extraordinário nem muito valente, mas porque
êle podia muito, por razão de um grande número de servos lutadores que êle
conservava e nutria, para dar divertimentos ao povo, que os via combater; ainda se acrescente que êle tinha prestígio junto
de César. Cássio e Labeo
falaram-lhe. primeiramente juntos, aos quais êle nada respondeu, mas quando êle
falou com Bruto, à parte, e Bruto declarou-lhe que êle era o chefe e
responsável por todo o empreendimento, então de boa vontade prometeu ajudar
como melhor pudesse.
(16) Caio Ligário, que por ter se(16) Em outro lugar chamam-no Quinto. — Amyot. É mesmo
Quinto que se deve ler, com certeza; pois os irmãos de Quinto Ligário tinham
seguido o partido de César. Mas Quinto tinha seguido o de – Pompeu, como se pode ver no discurso de
Cícero para Quinto Ligário, que êle defendeu, tão felizmente diante de César,
como lemos na sua vida.
XIII. Em suma, a melhor e a
maior parte dos conjurados foi
levada a tomar parte no movimento pela dignidade e reputação de Bruto; e sem
jamais terem jurado em comum, sem terem jamais dado ou pedido garantias nem se
terem obrigado uns aos outros por algum juramento religioso, todos conservaram
o maior
segredo, todos souberam t ão bem
conservá-la oculta, e tão ocultamente movimentar-se e articular-se entre si,
que embora os deuses a descobrissem pòr predição dos adivinhos, por sinais e prodígios celestes, e por presságios dos sacrifícios, jamais se
acreditou nela. Mas Bruto, bem sabendo que ante sua palavra e por seu amor
todos os mais nobres, os mais virtuosos da cidade e os mais magnânimos dentre todos, tomariam parte nesse movimento,
considerando em si mesmo a grandeza do perigo, quando estava fora de sua casa,
procurava conter-se, e proceder de modo que sua atitude e suas maneiras nada
revelassem daquilo que êle tinha em mente; mas à noite, em sua casa, assim não
podia êle fazer, ou porque a sua inquietação o despertava, e o impedia de
conciliar o sono, ou então punha-se êle mesmo a
pensar com tanta insistência em seus negócios, e discorria mentalmente
examinando todas as dificuldades que ainda deviam ser vencidas, tão
fortemente, que sua esposa, estando deitada perto dele, percebia que êle estava oprimido por grande angústia e
tristeza, tanta preocupação de sua mente, que não lhe era habitual, e que êle remoía em seu espírito alguma
deliberação que muito lhe pesava e que êle sentia grande dificuldade em
resolver e desenvolver.
XIV. Sua esposa Pórcia era,
como já dissemos, filha de Catão, e desposou Bruto, que era seu primo, não moça, mas viúva nova,
depois da morte de seu primeiro marido Bíbulo, do qual tivera um filho, chamado também Bíbulo, que depois escreveu um pequeno
livro dos feitos e empresas de Bruto, que ainda hoje pode ser encontrado. Essa
jovem era instruída em filosofia, amava seu marido, e tinha um coração grande,
unido a bom senso e grande prudência; não quis interrogar seu marido a respeito
do que êle tinha no ânimo, sem antes ter feito uma experiência, consigo mesma;
apanhou uma pequena ferramenta com a qual os barbeiros costumam raspar as
unhas e tendo feito sair todas as criadas e senhoras do seu aposento, fêz uma
ferida profunda em sua coxa, de modo que imediatamente dali brotou grande
quantidade de sangue, e logo pela dor daquela incisão ela começou a sentir muita febre; vendo que seu mando
muito se atormentava e estava em grande agitação, no auge da dor, ela lhe falou
deste modo: "Eu — disse ela — Bruto, sendo filha de Catão, te
fui
dada, não para ser participante de teu
leito e de tua mesa somente, como uma concubina, mas também para ser tua companheira era todas as vicissitudes alegres ou tristes de tua
vida. Quanto a ti,
não há o que lamentar nem repreender, de tua parte em nosso casamento,
mas da minha parte, que demonstração posso dar de meu dever para contigo, e de
quanto eu quisera fazer por teu amor, se eu não sei suportar constantemente
contigo um secreto acidente, ou uma inquietação que se deve ocultar fielmente?
Bem sei que o natural de uma mulher parece comumente muito fraco, para poder
com segurança guardar uma palavra de segredo; mas o bom alimento, Bruto, e o
contacto com pessoas virtuosas, têm o poder de reformar um vício da natureza;
quanto a mim, isso tenho bastante, pois sou filha de Catão e esposa de Bruto,
no qual, no entretanto, eu não confio absolutamente, daqui por diante, pois
que agora eu soube, que a mesma pena e a mesma dor não me saberiam
vencer". E dizendo estas palavras ela mostrou-lhe a
ferida e lhe contou como a havia feito para experimentar a si mesma. Bruto
ficou pasmado quando ouviu estas palavras e levantando as mãos ao céu, rogou
aos deuses que lhe dessem a graça de levar a bom termo a sua empresa, tão bem quanto êle fora julgado digno de ter
como esposa uma mulher tão nobre como Pórcia, a qual então procurou confortar
o melhor que pôde.
XV. Por fim, tendo sido marcado um dia para o conselho, no qual se esperava
que César não deixaria de vir ao senado, deliberaram então executar a empresa,
porque então todos os conjurados se podiam reunir sem suscitar suspeitas, e lá
teriam também os
primeiros homens da cidade, os mais nobres e
ilustres, que, quando vissem executado tão grande empreendimento, estender-lhe-iam também a mão, em defesa da liberdade: e pareceu-lhes ainda
vantajoso, que o lugar onde se deveria reunir o conselho, era um lugar
expressamente designado pela providência divina, que o fazia para eles, pois era um dos pórticos que estão em volta do teatro, dentro
do qual havia uma sala em forma de auditório, provista de assentos em redor, e
uma imagem de Pompeu, que a
cidade tinha colocado em sua honra, quando êle embelezou e adornou aquele quarteirão da cidade, com o teatro que mandou construir e com
os pórticos que estão em redor dele. Para tal lugar, foi então marcada a
assembléia do senado, no dia quinze do mês de março, que os romanos chamam Ido
de Março, de modo que parecia mesmo que algum deus guiava expressamente a César para lá para ser
morto, como vingança pela morte de Pompeu.
XVI. Quando chegou o dia,
Bruto deixou sua casa depois de ter escondido sob sua túnica uma longa espada,
sem que ninguém o soubesse, exceto sua mulher: os outros conjurados estavam todos reunidos em-
casa de Cássio, para
acompanhar e levar até a praça o seu filho, que naquele dia tomava a veste
viril; e de lá dirigiram-se todos juntos para dentro do pórtico de Pompeu, esperando que César também
chegasse ao senado; foi certamente admirável a constância destes homens,
cheia de segurança, em coisa de tão grande perigo, visto que era realmente
grave o que eles intentavam, pois vários deles, por dever de seu ofício, eram
pretores, sendo obrigados a fazer justiça às partes, não somente escutaram
doce e pacientemente o que lhes queriam dizer, ou pleitear alguma causa perante
eles, de ânimo tão tranqüilo como se não tivessem outra qualquer preocupação
na mente, e, o que é ainda mais, deram sentenças graves, de julgamento calmo,
procedendo mui atenciosamente. Houve partes que tendo sido condenadas não
queriam pagar, mas gritando e protestando diziam que apelavam para César: e
Bruto, então, olhando para os assistentes: "César — disse — não me
impedirá de fazer o que mandam as leis".
XVII. E, todavia, aconteceu, por acaso, que sobrevieram vários acidentes,
para atrapalhá-los, dos quais o primeiro e principal foi que César demorou muito para chegar, de modo
que era já bem tarde, quando êle veio ao senado, porque, não se julgando os sinais dos sacrifícios bons nem propícios, sua mulher
o reteve em casa e os adivinhos não o queriam deixar sair. O segundo foi que um tal, aproximando-se de
Casca que era um dos conjurados, tomando-o pela mão direita, disse-lhe: "Casca,
tu me ocultaste bem o teu segredo, mas Bruto me contou tudo"; Casca ficou
muito admirado com estas palavras e o outro continuou dizendo: "Como é
que de repente ficaste tão
rico que pretendes ser edil?" Pouco faltou para que Casca, enganado pela
ambigüidade das palavras que o outro lhe havia dito, não revelasse todo o
segredo da conjuração. Um outro senador, chamado Pompílio Lena, depois de ter
cumprimentado mais afetuosamente que de costume a Bruto e a Cássio, disse-lhes baixinho ao ouvido:
"Rogo aos deuses que possais levar
a cabo vossa empresa; mas eu vos aconselho e aviso de vos apressardes, pois vossa intenção não é desconhecida". Tendo-lhe dito estas palavras foi-se
embora imediatamente e deixou-os em grande dúvida de que a sua conspiração não
fosse descoberta .
XVIII. Nesse ínterim, veio
correndo a toda pressa um dos criados de Bruto, para dizer-lhe que sua mulher
estava morrendo; Pórcia, levada pela dúvida incerta do futuro, não se sentindo
forte bas-tante para
suportar tão grande agonia de espírito, apenas podia permanecer em sua casa,
mas estremecia de medo a cada rumor ou grito que ouvia, como aqueles que são
tomados pelo espírito do furor das bacantes, perguntando a todos os que
vol-tavam da praça, que fazia Bruto,
e mandando con-linuamenté mensageiros, uns após outros, para saber das
novidades. Finalmente, tornando-se a coisa demasiado
longa, sua força corporal não pôde mais resistir, deixou-se tomar pelo desânimo
e desfaleceu; e
quase não pôde entrar em seu quarto; foi tomada de tal fraqueza e teve de ficar
sentada no meio da casa,
onde perdeu totalmente os sentidos; vendo isso, os criados puseram-se a gritar, os vizinhos correram à
porta e por isso o barulho aumentou e espalhou-se a
notícia de que ela tinha morrido, mas ela bem depressa voltou a si do desmaio, foi posta na cama e tratada por
suas camareiras. Quanto a Bruto, tendo sabido desta
desgraça, ficou muito perturbado, com se pode imaginar; todavia, não deixou o
público, nem se retirou para sua casa, não obstante tudo o que havia
acontecido.
XIX. Dizia-se
que César já estava a caminho, trazido
numa liteira, pois havia
determinado não se deter no senado, naquele dia, por causa dos sinistros
presságios, que êle temia, e adiou os negócios de urgência para outra assembléia do
conselho, fingindo achar-se incomodado. Ao sair da liteira, Pompílio Lena,
o mesmo que há pouco tinha dito a Bruto que rogava aos deuses que êle pudesse
chegar a bom termo com sua empresa, foi encontrá-lo, e ficou
muito tempo conversando com
êle. César escutou-o, com muita atenção, pelo que os conjurados (se
assim podemos chamá-los) não ouvindo as suas palavras, mas conjeturando pelo
que êle lhes havia dito um pouco antes, que aquela conferência outra cGisa não era senão a revelação da conjuração,
ficaram muito admirados, entreolhando-se, e dando muito bem a conhecer pela
expressão de suas fisionomias, que todos eles estavam prevenidos, pois não deveriam esperar até que os
agarrassem, mas estavam dispostos a se suicidar, matando-se com suas próprias
mãos; e como Cássio e
alguns outros pusessem já a mão sobre o punho da própria espada, escondida por
baixo de seus mantos, para desembainhá-las,
Bruto observando os gestos e a atitude de Lena e considerando que êle
tinha a aparência de um homem que roga humilde e afetuosamente, e não de quem
acusa, não falou com seus companheiros porque ah havia muitos que não eram da conspiração,
mas com rosto alegre e sorridente, tranqüilizou a Cássio e logo depois Lena afastou-se de
César, beijando-lhe a mão, o que indicava que êle estivera tratando de algum negócio.
XX. Tendo o senado entrado por
primeiro no lugar onde se devia realizar a assembléia do conselho, todos
os outros conjurados rodearam
imediatamente o trono de César, como se lhe quisessem Dizer alguma coisa. E conta-se, então, que Cássio, olhando para a estátua de Pompeu, dirigiu-lhe uma prece como se
ela tivesse inteligência. Trebônio, por outro lado, retirou-se à parte com
Antônio, à entrada do auditório, e
conversou com êle sobre um assunto,
qualquer, para conservá-lo do lado de fora. Quando César entrou na sala, todo o
senado se pôs de pé, para homenageá-lo e, depois que êle se sentou,
os conjurados rodearam-no de todos os lados, apresentando-lhe um de nome Túlio Cimber, que lhe rogava pela
restituição de seu irmão, que fora exilado, e todos fingiam interceder por êle,
tocando-lhe nas mãos, beijando-lhe o peito e a cabeça; César a princípio repeliu
as carícias e os rogos;
mas depois, vendo que eles não desistiam e que continuavam a importuná-lo,
afastou-os à força; Cimber, então, com as duas mãos agarrou-lhe as vestes por cima dos ombros e Casca, que estava perto, por trás, desembainhou a espada e por primeiro lhe
deu um golpe perto do ombro, mas a ferida não foi profunda e César sentindo-se
atacado, agarrou-lhe imediatamente a mão, que ainda sustinha a espada e exclamou em voz
alta, em língua romana: "Miserável traidor Casca, que estás fazendo?"
E Casca, por sua vez, respondeu em língua grega, chamando seu irmão em seu
auxílio; e como já muitos na multidão o atacassem, olhando em redor de si e
querendo fugir, viu a Bruto que tinha também uma espada em punho pronto para
ferir; então soltou a mão de Casca que ainda conservava presa, e cobrindo o
rosto com seu manto, abandonou-se a quem o quisesse matar; então os conjurados, apres-sando-se e
apertando-se uns contra os outros, pelo desejo que tinham de não poupá-lo,
feriram-no com inúmeros golpes de espadas, a muitos dentre eles mesmos,
inclusive Bruto que foi atingido numa das mãos, querendo também participar do assassínio e todos os outros também se
mancharam de sangue.
XXI. Depois de
César ter sido morto deste modo, Bruto apresentou-se no meio da sala, fêz sinal de que ia falar e prender todos os outros senadores, que
não estavam na conspiração, para dar razão do seu ato; mas eles fugiram assustados em grande desordem, empurrando a porta apressadamente,
para saírem
logo, sem que ninguém, no
entretanto, os perseguisse; pois haviam espalhado entre eles a notícia de que
somente César seria sacrificado, mas que convinha, afinal, a todos
os outros, procurar conquistar a liberdade. Todos tinham sido de opinião, deliberando sobre este assunto, que se deveria
também matar a Antônio, porque era um homem insolente e por sua natureza
favorecia a monarquia, além de ter grande prestígio e autoridade entre os
soldados, pela longa convivência que tivera com eles, e do mesmo modo porque, sendo homem de natureza
empreendedora e ambicioso de grandes coisas, êle tinha ainda então a autoridade do consulado,
sendo cônsul com César; mas Bruto impediu que isso se fizesse, primeiro,
porque a coisa seria em si mesma injusta, e depois, porque esperava alguma
mudança nele, pois, sendo
Antônio homem magnânimo e
por natureza desejoso de honras e de glória, pensava-se que quando êle visse César morto, desejaria também ajudar o seu
país a reconquistar a liberdade, sendo atraído pelo exemplo deles mesmos a seguir e a amar a virtude. Assim Bruto salvou a vida de Antônio, o qual, no
momento, pelo temor que o invadiu,
disfarçou-se, mudando suas vestes, trocando-as por um hábito pobre e afastou-se;
mas Bruto e seus companheiros, tendo as mãos ainda cheias de sangue, suas
espadas desembainhadas, foram
direito ao Capitólio, incitando os romanos, pelos lugares por onde passavam, a reconquistar sua liberdade.
XXII. Logo no começo, houve um princípio de tumulto na cidade,
levantaram-se clamores e muita gente corria apavorada de um lado para outro. Isso veio aumentar a confusão e o tumulto, mas
quando perceberam que não matavam a ninguém, nem
saqueavam as casas, nem se cometiam atos de violência, então alguns senadores e
vários homens do povo tranqüilizaram-se e dirigiram-se também ao Capitólio,
onde muita gente já se encontrava reunida: Bruto fêz-lhes um discurso para
conquistar a simpatia do povo e justificar o que se havia
feito. Tod os os assistentes disseram que tinham feito bem e aclamaram-nos,
dizendo que descessem sem temor; por isso, Bruto e seus companheiros criaram ânimo e desceram à praça e todos os seguiram agrupados, mas
Bruto caminhava rodeado pelos mais conspícuos personagens da cidade, que o acompanharam e o levaram do monte Capitólio através de toda a cidade, até a tribuna dos
oradores. Quando o povo o viu no alto da tribuna, embora
um grupo de gente houvesse que provinha de todos os lados, os quais estavam
decididos a provocar um tumulto, contudo teve vergonha de o fazer, pela reverência que votava a Bruto,
e fêz silêncio para ouvir o que êle queria dizer-lhes; quando êle começou a
falar, escutaram pacientemente o discurso; todavia, logo depois manifestaram
bem claramente que o fato não lhes agradava, absolutamente, a todos, pois
quando um outro, chamado Cinna, quis
falar e começou a acusar a César, fizeram grande alvoroço, manifestando sua
cólera, dizendo-lhe muitas injúrias, de modo que os conjurados retiraram-se novamente para o
monte Capitólio, onde Bruto, temendo ser cercado, despediu vários grandes
personagens que lá tinham ido com êle, julgando que não era razoável que
aqueles que não tinham tomado parte na conjuração fossem participantes do
perigo.
XXIII. Todavia, no dia
seguinte, estando o senado reunido no templo da deusa Tellus, isto é, a Terra, naquela
assembléia estavam Antônio, Planco e Cícero, que propuseram, como necessária,
uma anistia geral, um esquecimento e um perdão de todas as coisas passadas e maior concórdia para o futuro,
determinou-se que não somente eles teriam
impunidade pelo delito, mas ainda os cônsules poriam à deliberação do senado quais honras lhes seriam decretadas. Feito isto, o senado levantou-se e o cônsul
Antônio, para tranqüilizar todos os que es-tavam no
Capitólio, enviou-lhes seu filho como refém. Com esta fiança, Bruto e seus
companheiros desceram e cada qual, confusamente, os saudava, felicitava e abraçava» dentre os quais estava Antônio, o qual recebeu
em sua casa e fez cear com ele a Cássio e Lépido fêz o mesmo com Bruto, e assim
os demais, de acordo com a amizade ou familiaridade que tinha com os outros amigos. No dia
seguinte, estando o senado reunido novamente em conselho, louvou primeiro a
Antônio pelo que sabiamente tinha feito, abafando um princípio de guerra civil;
depois, teceu ainda grandes elogios a Bruto e aos seus companheiros, que lá
estavam presentes; finalmente encarregou-os
de governos nas prov íncias: a
Bruto foi dada a Cândia; a Cássio a Líbia e a Trebônio a Ásia, a Cimber a
Bitínia, e ao outro Bruto a Gália aquém dos Alpes.
XXIV. Feito isto, falaram do testamento de César, de seus funerais e de sua
sepultura; Antônio era de opinião que se devia ler seu
testamento em público, do alto da tribuna, e também sepultar o corpo com todas as honras, e não ocultamente, de medo que isso
desse ocasião ao povo de se irritar e zangar-se
mais ainda se se fizesse de outro
modo; Cássio contradisse áspera e fortemente; mas Bruto
estava de acordo e consentiu;
nisso parece que êle cometeu uma segunda falta, pois a primeira foi quando êle
impediu que se matasse a Antônio, porque, com razão, acusaram-no de
ter, com esse seu modo de
proceder, salvo e fortalecido um inexpugnável e feroz inimigo da sua
conspiração; e a segunda foi quando êle consentiu que se fizesse o funeral de
César do modo que Antônio desejava; isso foi causa
de que tudo se perdesse e
se arruinasse. Pois, em primeiro lugar, quando se leu publicamente o testamento pelo
qual se vinha a saber que êle dava a cada cidadão romano setenta e cinco dracmas de prata (17) por cabeça,
e que êle deixava para o povo o jardim e os pomares, que êle possuía, aquém da
margem do Tibre, no lugar onde agora está o templo da Fortuna, o povo amou-o e lamentou-o muito;
depois, quando o corpo foi levado pela praça, Antônio, que fêz o discurso em louvor
do falecido, segundo o antigo costume de Roma, vendo que o povo comovia-se pelas suas palavras, voltou seu discurso, para
incitá-lo ainda mais a comiseração,
e, tomando as vestes de César, todas ensangüentadas,
desdobrou-as perante a assistência,
mostrando os cortes, para fazer ver que inúmeros haviam sido os golpes que êle
recebera.
(17) Sete escudos e meio. — Amyot. 57 libras, 12 shilings e 11 ludinheiros da nossa moeda.
XXV. Por isso, o povo irritou-se e revoltou-se muito, havendo então grande
desordem, porque uns gritavam que se devia matar a todos os conjurados assassinos,
outros corriam
a arrancar
mesas, cadeiras e bancos
das casas e vendas da vizinhan ça e, levando-as
à praça, depois de as ter
amontoado atearam-lhès fogo, como haviam feito nos funerais de Cláudio, sobre o qual
colocaram o corpo, que queimaram no meio de vários laços sacros, invioláveis e
santificados, e logo que o fogo estava bem aceso, uns de cá, outros de lá, tomaram tições acesos, com os quais
correram às casas dos que o haviam matado para incendiá-las e matá-los a
todos; no entretanto, eles, que estavam bem prevenidos, salvaram-se
facilmente
do perigo; mas um poeta de
nome Cinna, que n ão tinha participado da conjuração, mas sempre fora amigo de
César e na noite anterior tinha sonhado que César o convidara para cear com
êle, e êle tinha-se recusado; César havia insistido fortemente, até
mesmo forçando-o, tanto que finalmente êle o levara pela mão a um
lugar grande, vazio e tenebroso onde, espantado, tinha sido obrigado a segui-lo
contra a vontade. Esta visão lhe causara febre durante toda a noite e, no
entretanto, de manhã, quando êle soube que levavam seu corpo para sepultar,
tendo vergonha de acompanhar o seu enterro, saiu de sua casa e foi meter-se no meio
do povo, que já estava rebelado e irritado. Aí alguém o chamou pelo nome e o
povo, pensando que fora êle, o mesmo que ainda há pouco havia feito um discurso
injuriando publicamente a César, atirou-se
para cima dele e furio samente o fêz em pedaços ali mesmo.
XXVI. Isso espantou muito a Bruto e aos seus companheiros, mais que qualquer
outra coisa, depois da mudança de Antônio, por isso eles saíram de Roma,
permanecendo a princípio na cidade de Ântio (18), na esperança de voltar
a Roma, quando o furor do povo tivesse acalmado, o que eles pensavam haveria de
suceder dentro de pouco tempo, visto que eles tinham que se haver com uma
multidão inconstante e fácil de se comover, e o senado estava com eles,
porquanto êle não tomara em consideração castigar os que haviam matado a Cinna, e, ao invés, cuidava em castigar
os que haviam lançado fogo nas casas dos conspiradores. O mesmo povo estando já cansado da insolência de Antônio, o qual fazia
quase todas as coisas com poder absoluto, como se fosse rei, desejava que Bruto
voltasse e esperava-se que êle viria em pessoa organizar os jogos que divertiam
o povo, por causa do seu ofício de pretor; mas, tendo sido avisado de que vários
soldados, dos que tinham estado na guerra com César e que tinham herdado dele casas na cidade, onde eles haviam
habitado, o vigiavam para matá-lo, e que todos os dias em pequenos grupos eles desfilavam ocultamente pelas ruas de Roma, êle não se atreveu
a voltar, mas teve o povo 0 divertimento e
assistiu, em sua ausência, aos jogos e outros divertimentos que foram bem e magnificamente prodigalizados e
provistos de todo o necessário, sem que êle nada tivesse poupado; pois havia
leito comprar um grande número de animais estranhos, dos quais êle não quis
que se desse nem mesmo um, a qualquer pessoa, nem que se deixasse um só, mas quis
que todos fossem usados nos jogos, e foi ele mesmo a Nápoles para falar a
alguns comediantes e músicos e escreveu a seus amigos sobre um certo Canúcio,
que era exímio artista, que insistissem com ele de qualquer modo, para que ele
viesse tomar parte nos seus jogos, porque não era razoável, dizia êle, forçar a
nenhum dos gregos, se eles não viessem de boa vontade; e escreveu ainda a
Cícero, rogando-o insistentemente que viesse também assistir aos espetáculos.
(18) Lola, cidade
do Lácio, perto do mar, hoje Netuno na Campanha de Roma.
XXVII. Estando as coisas neste
pé em Roma, sobreveio outra mudança, quando o jovem César chegou; êle era filho
da sobrinha de Júlio César, que o tinha adotado por filho e instituído seu
herdeiro universal por testamento; mas, quando seu pai adotivo foi morto, êle estava na cidade de Apolônia, onde estudava, esperando-o,
porque êle tinha determinado levar a guerra aos partos; logo que teve notícias
da morte, voltou a Roma, onde, para começar a se insinuar nas boas graças do
povo, primeiramente tomou o nome de seu pai adotivo e distribuiu o dinheiro que
êle lhe havia deixado por testamento; e desse modo êle atrapalhou
bastante a Antônio, e, à força de dinheiro, retirou um
grande número de soldados que tinham estado na guerra com seu pai. E Cícero
mesmo, pelo grande ódio que votava a Antônio, favorecia as suas empresas, de que Bruto o censurava e lastimava muito,
escrevendo-lhe que êle mostrava, com seu proceder, de não estar ansioso por
ter um senhor, mas somente
por ter algu ém que o odiasse e que seus
conselhos na administração das coisas públicas testemunhavam que êle procurava
e preferia submeter-se a uma servidão graciosa e humana, dizendo e escrevendo
que esse jovem César era homem manso e de boa índole e os nossos predecessores, dizia êle, não quiseram
jamais servir a senhor algum por mais mansos e afáveis
que eles fossem. E que de sua parte êle jamais tinha determinado
firmemente consigo mesmo, de querer, nem a paz, nem a guerra, mas que sua
resolução e sua deliberação tomada era de jamais servir; e
que êle se admirava, como Cícero temia uma guerra civil, por ser perigosa, e
não temia uma paz ignominiosa, e,
que, para derrubar Antônio da tirania que êle usurpara, procurava colocar a este jovem César como tirano, em recompensa. Tal é o resumo das
primeiras cartas que Bruto escreveu a Cícero.
XXVIII. Estando já a cidade de
Roma dividida em duas partes, uns do lado de Antônio e outros do lado do jovem
César; os soldados vendiam seu serviço, como num leilão, a quem mais lhes oferecia, e Bruto, perdendo a
esperança de que os negócios pudessem ser levados a bom termo, deliberou sair da Itália e foi a pé pela região da Lucânia, à
cidade de Élea, que está à beira-mar, onde
Pórcia estando para partir, separando-se dele, para
regressar a Roma, procurava o mais que podia dissimular a dor que trazia no
coração, mas um quadro a manifestou, por fim, embora ela até então sempre a
tivesse constante e
virtuosamente suportado. O assunto da
pintura era tirado de narrações gregas, como Andrômaca acompanhava seu mando Heitor, logo que êle saiu da
cidade de Tróia, para ir à guerra, e como Heitor
lhe restituía seu filho; mas
ela tinha os olhos fixos nele, a semelhança daquele quadro
com o seu sofrimento a fêz derramar lágrimas e, voltando
várias vezes por dia para ver esse quadro, ela
se punha sempre a chorar. Vendo o
isso Acílio, um dos amigos
de Bruto, rer citou os versos que Andrômaca disse a este respeito,
em Homero (19)
Heitor, tu ocupas o lugar de
pai e de mãe e
m meu lugar, de marido e de irmão.
Bruto, então, sorrindo, disse: "É verdade, eu não posso
de minha parte dizer a Pórcia o que Heitor responde a Andrômaca, no mesmo lugar, do poeta
(20) :
Não te é necessário cuidar de
outras coisas,
Mas somente ensinar tuas mulheres a fiar.
Pois é bem verdade que a fraqueza natural do seu corpo não
lhe permitia poder fazer os mesmos atosde bravura, que n ós poderíamos bem fazer, mas com coragem ela
procederá tão virtuosamente em defesa do país como um de nós". Bíbulo, o filho de Pórcia, assim o
escreveu em sua história.
(19)
Ilíada, L.VI. v. 429.
(20)
Ilíada, L. VI. v. 491.
XXIX. Ao partir de lá, Bruto, pondo-se ao mar, navegou diretamente para Atenas, onde o povo o recebeu de boa vontade, com muitos decretos honrosos era seu
louvor e êle hospedou-se em casa de um amigo, indo todos os dias ouvir a leitura e as disputas de filosofia acadêmica de Teomnesto, e de Cratipo Peripatético, e
conversando com eles
sobre filosofia, de modo que parecia que
tinha posto de lado todos os seus encargos, pensando unicamente nos estudos;
todavia, ocultamente, êle fazia preparativos para a guerra; enviou Herostrato
à Macedónia, para aliciar
e conquistar os generais e os soldados que estavam naquela marca, atraía e conquistava
todos os jovens da nobreza romana, que estavam em Atenas, para o estudo das
letras e da filosofia, entre os quais estava também o filho de Cícero, que êle
louva de maneira especial,
dizendo que, quer êle estivesse acordado, quer estivesse dormindo, o achava
sempre de ânimo tão gentil, tanto êle odiava naturalmente os tiranos.
XXX. Algum
tempo depois, começou a tratar do
assunto às claras e, sendo avisado de que vinha da Ásia uma frota de navios
romanos, onde havia dinheiro, e que o comandante, que era homem de bem e seu
familiar, tomava o caminho de Atenas, ele continuou até quase a ilha de (21) Caristos,
onde, tendo falado, fez de modo que o outro ficasse contente por lhe entregar
os navios; por esse motivo, Bruto quis tratá-lo magnificamente em sua casa,
visto que era mesmo o dia do seu aniversário. No meio da festa, quando todos bebiam à vontade, os
convidados brindavam à vitória de Bruto e à liberdade dos romanos.
Bruto querendo ainda mais confirmar e encorajar, pediu uma copa maior e, antes de beber, pôs-se a dizer
em voz alta, sem motivo aparente algum, estas estrofes:
(22) Mas todavia, meu
triste destino
E Febo, terminaram a minha vida.
Segundo esta determinação, diz-se que, no
dia em que êle travou sua última batalha, perto da cidade de Filipes, ao sair de sua tenda, êle deu aos soldados, como
palavra de ordem para a batalha, este nome: Febo, de tal modo que depois julgaram que esta repentina
exclamação era um presságio da infelicidade que lhe devia acontecer. Depois
disso Antístio entregou-lhe (23) quinhentas mil dracmas de prata, que êle levava
à Itália, e todos os soldados de Pompeu, que ainda erravam cá e lá, pela Tessália, se reuniram de boamente a ele, que
tirou de um certo Cinna quinhentos cavaleiros, que êle levava para a Ásia a
Dolabela; depois foi por mar à cidade de Demetriada (24), onde se
apoderou de grande quantidade de armas, que se levavam a Antônio, e que, por
ordem de Júlio César, lá tinham sido forjadas e feitas para servir na guerra contra os partos; o que é mais, Hortênsio, governador da Macedónia, entregou-lhe o
governo e todos os príncipes, reis e senhores dos arredores se uniram e entraram
na liga com êle, quando’este foi avisado de que Caio, irmão de Antônio, vindo da Itália, tinha
passado o mar e dirigia-se rapidamente para as cidades de Dirráquio e de
Apolônia para se apoderar dos soldados que lá Gabínio ainda conservava .
(21) Esta ilha é invenção de Amyot. O texto grego diz simplesmente até Caristo. É uma cidade da Eubéia aos pés do monte
Ocha.
(22) Homero, Ilíada, L. XVI.
v. 849.
(23)
50.000
escudos.
— Amyot. 389.062 1. e 10 s. de nossa moeda.
XXXI. Por isso, Bruto querendo passar-lhe
à frente e chegar antes, se pôs
incontinenti em campo, com os poucos homens que tinha consigo, tomando a
estrada por lugares ásperos e difíceis, em pleno inverno, quando nevava muito, e apressou-se tanto
que se adiantou muito dos animais que levavam os víveres, de modo que, quando estava perto da cidade de Dirráquio,
apanhou uma doença que os médicos chamam de bulimia, isto é, fome, por causa do
trabalho e do frio suportado. Isto acontece freqüentemente aos homens e aos animais que trabalham
quando neva, ou porque o calor natural é todo retirado e encerrado dentro do
corpo pelo frio do ar, que torna espesso o couro, digere e consome
imediatamente o alimento, ou um vento fraco, agudo e cortante, que sai da neve
quando ela se derrete, penetra dentro do corpo e expulsa o calor natural, que
se expande fora: pois parece que o calor, extinto pelo frio que encontra ao
sair da pele do corpo, seja causa dos suores que aparecem em tal doença, das
quais coisas já falamos muito difusamente em outro lugar. Bruto, porém,
tendo-se tornado tão fraco e não encontrando em seu acampamento coisa alguma que lhe pudessem dar para comer, seus homens foram
obrigados a recorrer aos próprios inimigos; chegando perto da porta da cidade,
pediram, por favor, pão aos guardas; sabendo eles da grande dificuldade e
embaraço em que se encontrava Bruto, foram eles mesmos e lhe deram de beber e
de comer; como recordação disso, depois, quando êle teve a cidade em seu
poder, tratou com muita humanidade e bondosamente, não somente a eles, mas a todos os outros habitantes, por amor
deles.
(24) Vimos na Vida de
Demétrio que, para lhe fazer honra, tinha-se dado esse nome à nova cidade de
Sicíone.
XXXII. Tendo então Caio
Antônio chegado à cidade de Apolônia,
ordenou aos soldados que estavam nos arredores que se retirassem para
juntar-se a êle; mas sabendo que, ao contrário, eles se
retiravam para o lado, de Bruto e, além disso, que os habitantes de Apolônia favoreciam-no também, ele
abandonou a cidade e foi para Butrotus; no entretanto, pelo caminho perdeu
três bandeiras, que foram despedaçadas; depois tentou conquistar, pela força, alguns lugares fortes e vantajosos para acampar,
que estão nas proximidades de Bilis, e expulsar os homens de Bruto que os
tinham ocupado antes. Para fazer isso, deu combate a Cícero, filho, pelo qual foi vencido; pois Bruto já se servia dele, como de um general, e realizou alguns feitos de
valor por seu meio e com sua cooperação. Daí a algum tempo, tendo surpreendido Caio, em
alguns lugares pantanosos, bastante afastados e isolados do seu retiro, não o
quis atacar de uma vez, mas somente o fêz cercar pela cavalaria, ordenando aos
soldados que os poupassem a êle e aos seus homens pois, dentro de pouco, esperava
que, sem feri-los, todos seriam feitos prisioneiros, como de fato aconteceu;
pois eles
todos se entregaram e seu general com eles; de tal modo
que Bruto tinha j á uma grande multidão de soldados em seu seguimento. Por muito tempo êle honrou a
esse
Caio
sem lhe tirar nem mesmo as in sígnias de magistrado, embora muitos, e
dentre outros também Cícero, lhe escrevessem que o fizesse morrer, mas quando
percebeu que êle começava a falar em segredo aos generais e a tentar alguma coisa insólita, mandou encerrá-lo num navio e vigiá-lo . Os soldados
que já tinham sido subornados por cie tinham ido para a cidade de Apolônia, de onde mandaram
dizer a Bruto que fosse ter com eles; êle, porém, respondeu-lhes que
esse não era o costume dos romanos e que era necessário que eles mesmos
viessem ao seu comandante, para pedir-lhe
que perdoasse a sua deslealdade, o
que eles fizeram e êle os perdoou.
XXXIII. Ao mesmo tempo que se preparava para ir à Ásia, vieram notícias da
mudança que se operava em Roma, pois o jovem César tinha crescido em honra e
autoridade por meio do senado, contra Antônio, mas, depois, que fora derrotado e expulso da Itália, o mesmo
Antônio, êle começou a ser temível ao próprio senado, porque êle pedia o
consulado, que era coisa proibida pelas leis, e sustentava grandes exércitos, sem
que as coisas públicas tivessem disso necessidade. E por outro
lado, vendo que o senado, não contente com isso, se voltava para Bruto, que
estava fora da Itália e que êle lhe ordenava e decretava governos das províncias,
êle também teve medo, por seu lado, e mandou oferecer a Antônio sua aliança e sua amizade; depois,
levando seu exército para perto de Roma, se fêz eleger cônsul por bem ou por
mal, estando ainda quase na adolescência, pois ainda não tinha vinte anos, como
êle mesmo descreve em seus comentários, imediatamente nomeou os juízes para
procederem ao processo criminal contra Bruto e seus cúmplices, por terem matado
o primeiro e o maior personagem de Roma, que desempenhava a mais alta e a mais
honrosa magistratura dela, sem ter sido julgado, ouvido, nem condenado
judicialmente, fazendo acusar a Bruto deste crime, por Cornifício, e Cássio,
por Agripa. Foram os acusados condenados por contumácia, porque os juízes
foram obrigados a assim julgar. E diz-se que, como um guarda da porta, seguindo o costume
dos julgamentos, subindo à tribuna dos discursos, chamou a Bruto em voz alta,
citando-o a comparecer perante os juízes, em pessoa, todo o povo suspirou
visivelmente e os nobres abaixaram a cabeça sem ousar proferir uma só palavra,
entre os quais Públio Sicílio, de cujos olhos rolaram as lágrimas, pelo que
logo depois êle foi posto no rol dos que por decreto foram proscritos e
abandonados para serem mortos.
XXXIV. Depois disso, estes três, César, Antônio e Lépido, fizeram um
acordo e ao mesmo tempo uma liga, pela qual eles dividiram, entre si mesmos, as províncias do
império romano, e, por meio de decretos, condenaram à morte duzentos dos principais personagens de
Roma, no número dos quais estava também Cícero; estas notícias chegaram até a
Macedónia e Bruto então, obrigado, escreveu a Hortênsio que fêz morrer Caio Antônio, por vingança da morte de Cícero, e do
outro Bruto, do qual um era seu amigo e o outro, parente. Por esse motivo, Antônio, depois, tendo aprisionado
Hortênsio na batalha de Filipes, fê-lo matar sobre a sepultura de seu irmão. Mas Bruto disse,
então, que êle tinha mais vergonha da causa pela qual Cícero tinha
morrido, do que compaixão pela sua morte e que êle não podia deixar de
lamentar, e repreender muito os amigos que tinha em Roma, os quais eram servos
mais por sua culpa, do que pela virtude daqueles que exerciam a tirania sobre eles, visto que eles tinham a
vontade mui fraca, pois permitiam que se fizesse, diante dos próprios olhos,
aquilo que somente ouvir, lhes deveria partir o coração.
XXXV. Depois que êle passou
seu exército, que já era bastante grande, para a Ásia, deu ordem para se reunir
um bom número de navios, tanto na costa da Bitínia, como na cidade de Cízico (25), para organizar uma frota
marítima; e no entretanto passou pelas cidades, organizando e dispondo todas as
coisas, dando audiência aos príncipes, aos senhores da região, que tinham
coisas a tratar com êle. Depois mandou a Cássio, na Síria, embaixadores, que o fizessem desistir de ir ao
Egito, dizendo ainda que não era absolutamente para conquistar^ domínios para eles mesmos, nem impérios, que eles iam assim
vagando pelo mundo, mas que era, ao contrário, para libertar seu país e dar-lhe
a liberdade; e que o acumularem e ajuntarem
armas e soldados era para destruir os tiranos, que os quisessem atacar;
por esse motivo, com relação ao seu primeiro objetivo e desígnio principal,
eles não deviam, senão o menos possível, afastar-se da Itália, mas logo apressar-se
em dirigir-se para lá, para socorrer seus concidadãos. Cássio acreditou e voltou. Bruto continuou
para frente, e se encontraram perto da cidade de Esmirna, sendo então esta a primeira vez que eles se encontravam
depois de terem partido ao mesmo tempo do porto do Pireu, em Atenas, um para ir à Síria e o
outro, à Macedónia. Alegraram-se
muito e tiveram não menor tranqüilidade e segurança, quando viram os exércitos poderosos, que ambos haviam organizado, pois,
tendo partido da Itália como exilados e desprovidos de tudo, sem armas, sem
dinheiro, sem navios, nem equipagem,
sem nem ao menos um único soldado, nem ao mesmo tempo uma só cidade que
lhes prestasse obediência, no entretanto, pouco tempo depois eles se encontravam assaz
poderosos em navios,
dinheiro e homens de guerra, tanto de
infantaria, como de cavalaria, para combater pela primazia do império romano.
(25) A Bitínia está na Ásia, ao
sul do Ponto Eúxino, é Cizicó, na Mísia, voltando-se para o ocidente, sobre o
Héleosponto
XXXVI. Cássio queria
prestar grandes honras a Bruto, como Bruto lho prestava: este, porém, o mais das vezes o procedia, e por primeiro ia ter com êle, tanto
porque êle era mais velho, como também porque êle não estava tão disposto, nem
tão bem em sua pessoa e julgava-se comumente que êle era muito entendido em
assunto de guerra, mas também colérico e violento, que queria mandar aos outros,
mais por temor do que por outro motivo e, depois, ao contrário, era fraco com
seus familiares e gostava muito de se divertir e de gozar. Bruto, ao contrário,
era por sua virtude muito querido do povo, amado pelos seus, estimado pelos
homens de bem, e ninguém o odiava, nem mesmo seus adversários, porque ele era
homem afável e benigno por
natureza, magnânimo, que jamais se deixava levar pela ira, pela sensualidade,
pela avareza, mas tinha sempre vontade e intenção retas, sem jamais dobrar nem
variar, para o direito e para a justiça, que eram a fonte principal de sua
glória, de seu progresso, e da benevolência que cada qual lhe dedicava, porque
todos tinham esta persuasão, que sua intenção era reta: pois não se esperava
certamente que o grande Pompeu, mesmo
se êle tivesse estado acima de César, teria querido submeter sua autoridade às
leis mas pensa-se que êle teria sempre retido a soberania do poder, tomando,
para contentar o povo; o título de cônsul ou de ditador, ou de
qualquer outro ofício mais civil e mais gracioso. Quanto a Cássio, homem violento e colérico, que
por muitas paixões se desviava do reto caminho da justiça, para seguir o da
utilidade, julgavam-no, com certeza, que êle fazia a guerra, e ia por toda a parte, expondo-se aos perigos das armas, mais para
conquistar domínio e poder, para si mesmo, do que para dar a liberdade aos seus
concidadãos; pois quem considerar os outros mais velhos ainda do que este, como um Cina, um Mário, um Carbo, é muito certo que eles se propunham como um prêmio e um
butim de sua vitória, a dominação sobre o próprio país e que, por assim dizer,
eles quase confessavam que combatiam para ocupar a tirania e se fazerem
senhores do império romano; e, ao contrário, seus mesmos inimigos jamais
reprovaram a Bruto uma tal mudança, mas diz-se
que Ant ônio declarou várias vezes,
publicamente, que êle julgava que, de todos os que tinham posto a mão
sobre César, não havia senão Bruto, que tinha sido levado a tal ato, por
julgá-lo unicamente, em si, como um ato louvável e virtuoso, mas que todos os
outros conjuraram a sua morte, por ódio particular ou por inveja que lhe tinham. Pelo que se
nota que Bruto não confiava tanto na potência do seu exército quanto na sua
própria virtude, e isso se pode constatar pelos seus mesmos escritos; pois,
estando já bastante próximo do perigo extremo, êle escreveu a Pompônio Ático,
que seus negócios estavam no mais alto grau da fortuna, que podiam estar; pois,
ou eu libertarei todo o povo romano ganhando a batalha, ou eu me livrarei da
escravidão, morrendo. Todas as outras coisas eram-lhe já certas e garantidas, mas um único
ponto ficava-lhe ainda em dúvida: se eles viveriam ou se morreriam
com liberdade. Êle escreveu, ainda, que Antônio recebia o castigo que sua
loucura merecia, pois, em lugar de participar igualmente da glória de Bruto, de
Cássio e de Catão, e de ser posto em seu número, êle preferira ser somente um
auxiliar de’ Otávio, com o qual, ainda que ele não tenha sido vencido
por nós, terá êle, porém, muito depressa a guerra contra êle; quanto a este ponto, certamente profetizou muito bem, pois isso de fato aconteceu .
XXXVII. Estando na cidade de
Esmirna, Bruto pediu a Cássio que
lhe entregasse parte do dinheiro que êle tinha ajuntado, em grande quantidade, porque o que êle tinha ajuntado por seu lado tinha gasto tudo,
fazendo construir uma grande frota de navios, e por meio deles tinham todo o mar entre as terras submetidas. Os amigos de Cássio,
porém, dissuadiam-no com energia, afirmando-lhe que não era razoável que
Bruto recebesse o dinheiro que Cássio
tinha ajuntado e
poupado, exigindo-o com grande descontentamento do povo submetido, para dá-lo
aos seus soldados, e por esse meio
conquistar mais benevolência à custa de Cássio; no entretanto, Cássio deu-lhe ainda a terça parte da soma total. E separando-se outra vez para ir cada
qual para seu lado, aos seus negócios, Cássio tomou a cidade de Rodes, onde não procedeu nem humana,
nem honestamente, embora penetrando dentro dela tivesse respondido, a alguns
dos habitantes, que saudando-o o haviam chamado de senhor e rei, que não era nem senhor, nem rei, mas um homem que tinha punido
e matado aquele que se queria fazer senhor e rei.
XXXVIII. Bruto, partindo, mandou pedir auxílio em dinheiro e em soldados aos lícios; mas um certo orador, de nome Naucrates, fêz revoltarem-se as cidades, de tal modo que
os da região ocuparam algumas pequenas elevações, cuidando assim
impedir a passagem de
Bruto. Pelo que êle mandou, contra eles, seus soldados a cavalo, que os surpreenderam, quando eles jantavam, e destruíram cerca
de seiscentos; tomando
todas as aldeias e vilas, êle deixava partir,
sem pagar resgate, todos os que aí fazia prisioneiros, esperando por esse ato de generosidade conquistá-los e atrair todo o resto da cidade; mas eles eram tão obstinados e tão altivos, que se revoltavam por um pouco de prejuízo que se lhes causava passando por suas terras, e desprezavam
sua bondade e sua
humanidade, até que finalmente êle foi sitiar a
cidade dos xantianos, na qual estavam encerrados os mais orgulhosos e os mais belicosos de toda a Lícia.
XXXIX. Há um no (26)
que passa ao longo das muralhas da cidade, pelo qual se salvavam alguns dentre os habitantes, e nadando fugiam;
colocaram então redes dentro do rio, com campainhas, que avisavam
quando algum havia caído na
armadilha. À noite,
esses xantianos fizeram uma
escapada e vieram
pôr fogo nalgumas máquinas
de
guerra, com as quais se derrubavam suas muralhas: mas eles foram imediatamente cercados pelos romanos apenas estes
os perceberam. O vento era impetuoso e aumentou as chamas, levando-as até as
aberturas do alto das muralhas, de modo que as casas que estavam mais próximas
também foram incendiadas. Por isso, Bruto, de medo que toda a cidade se
queimasse, ordenou imediatamente que apagassem o fogo e procurassem também
socorrer a cidade; os lícios, porém, foram tomados de um tal acesso de raiva e desespero tão horrível, que não se poderia descrevê-lo,
apenas comparável a
um tresloucado desejo de morrer; pois todos junta mente com suas
mulheres e seus filhos, senhores e servos, de todas as idades, combatiam em
cima da muralha e lançavam pedras, dardos e outras coisas sobre os romanos, que
tentavam apagar o fogo para salvar a cidade; e, ao contrário, trazendo feixes, juncos e caniços secos e também madeira, atiravam o mais que podiam para
cima do fogo, dentro da cidade, fazendo tudo para aumentar ainda mais o
incêndio e incrementando-o de todos os modos possíveis. Quando a chama se
estendeu por toda a
parte e atingia j á todos os quarteirões
da cidade, brilhando no espaço, Bruto, cheio de compaixão, montou a cavalo e
deu a volta em torno das muralhas, para ver se poderia dar alguma ordem, estendendo
a mão para os habitantes, rogando-lhes que perdoassem à sua pobre cidade e se
salvassem a si mesmos. Mas ninguém escutava suas palavras, e faziam ainda tudo
o que podiam para arruinar e perder a si mesmos, não somente os homens e as
mulheres, mas ainda as mesmas crianças, das quais algumas, chorando e gritando,
lançavam-se no meio do fogo, outras precipitando-se do alto para baixo das
muralhas, quebravam a cabeça, outros apresentavam a garganta aos próprios
pais, que os degolassem e, desfazendo-se de suas vestes, rogavam-lhes que eles
mesmos os matassem. Quando a cidade ficou totalmente queimada, encontraram uma
mulher que se tinha enforcado com uma corda (27), tendo numa das mãos uma
criança morta amarrada pelo pescoço e na outra uma tocha com a qual incendiava
sua casa. Quiseram mostrá-la a Bruto, mas ele não quis ver tão horrível cena e
tão trágico espetáculo, mas se pôs a chorar, quando lho disseram e mandou apregoar ao som
de trombas, por meio de um arauto, que daria um certo prêmio em dinheiro a todo
soldado que pudesse ainda salvar um xantiano; somente uns cinqüenta, diz-se, é
que loram encontrados e salvos, contra a vontade deles mesmos. Assim, os
xantianos, depois de um longo espaço de tempo, tendo terminado a revolução da
sua ruína fatal, renovaram por sua temeridade a memória da calamidade de seus
antepassados, os quais semelhantemente, na guerra dos persas, queimaram sua
cidade e se destruíram a si mesmos.
(26)’O Xanto, como já
dissemos há pouco.
(27) Leia-se: "e tendo
seu filho morto amarrado ao seu pes …… e na mão um archote aceso para incendiar sua
casa".
XL. Por esse motivo, Bruto
vendo a cidade dos patarinos resistir muito, contra êle, estava em dúvida, e
não sabia se devia ou não atacá-la, pensando que também eles poderiam ser
levados pelo mesmo desespero; mas tendo tomado algumas de suas mulheres como
prisioneiras, restituiu-lhes a liberdade sem exigir resgate; elas, que eram
mulheres e filhas dos principais homens da cidade, narrando aos parentes a
grande generosidade com que êle as tinha tratado, a sua justiça, continência e
honestidade que tinham visto em Bruto, persuadiram-nos a se submeterem a êle,
e entregar-lhe a cidade; depois delas, todos fizeram o mesmo e foram entregar-se a êle, que encontraram realmente
muito humano, manso e gentil, mais do que haviam imaginado e esperado, mesmo
em comparação com Cássio, que,
quase no mesmo tempo, depois de ter obrigado os ro-dianos a contribuir com
todo o ouro e prata, que cada qual tinha em sua casa, e com o que êle ajuntou uma grande
quantia, mais ou menos uns oito mil talentos (28), ainda condenou a cidade em
público, à soma de quinhentos outros talentos; Bruto, depois de ter exigido
sobre todo o país dos lícios cinqüenta talentos somente (29), sem lhes ter dado
outro prejuízo nem desgosto, partiu para o país da Jônia.
(28) Quatro milhões e oitocentos mil escudos. — Amyot.
37.330.000
libras de nossa moeda.(29) 700.312 libras, 10 s. de nossa
moeda.
XLI. Durante essa viagem, ele
fez várias ações notáveis e bem dignas de memória, tanto premiando, como
castigando os que haviam merecido; mas eu contarei aqui uma dentre tantas, na
qual êle mesmo e todos os homens notáveis dos romanos se compraziam: quando o grande Pompeu, tendo perdido a batalha contra
Júlio César, desceu para a costa do Egito, perto da cidade de Pelúsio, os que
tinham o encargo da tutela e da guarda do rei, que era ainda quase uma criança,
reuniram-se em conselho com seus servidores, e amigos do pai, sobre o que se
devia fazer naquele caso. Não estavam todos de acordo, nesta deliberação,
porque uns eram de opinião que se devia recebê-lo e outros que êle devia ser
expulso e exilado para o Egito; mas um certo retórico de nome Teódoto, natural da ilha de Chio, que
estava lá para ensinar a retórica a este jovem rei,
tendo sido chamado a este conselho, que não possuía
altos personagens, disse que uns e outros se enganavam, tanto os que eram de
opinião que êle se devia receber, como os que diziam que ele devia ser expulso,
e que o mais certo, visto as circunstâncias do momento, era agarrá-lo e
matá-lo, acrescentando, a esta sentença sua, que um homem morto não morde mais. O conselho
deteve-se ante esta
proposta e assim, por um not ável conjunto
de circunstâncias incríveis e nas quais jamais se poderia ter pensado, o grande Pompeu encontrou a morte pela retórica, destas palavras de
Teódoto, como êle mesmo, ao depois, glorificando-se, dizia: mas quando Júlio
César, depois, chegou ao Egito, os maus que tinham sido desta opinião foram
castigados, segundo a sua própria culpa, e todos morreram, de maneira infeliz,
exceto Teódoto, ao qual a
fortuna deu ainda algum tempo, em que êle viveu pobre e ignominiosamente, sem jamais atrever-se
a permanecer nalgum lugar:
mas, quando Bruto andava pela Ásia, êle não mais se pôde conservar escondido e lhe foi levado e então
castigado, de modo que adquiriu mais fama com sua morte, do que havia adquirido
em toda a sua vida.
XLII. Durante esse tempo, mais ou menos, Bruto mandou pedir a Cássio que fosse à cidade de Sardis; êle o fêz, e Bruto,
tendo sido avisado de sua chegada, foi ter com êle juntamente com os amigos,
estando também aí todos os seus exércitos, em armas, os soldados os chamaram a
ambos de imperadores (30) ; como acontece ordinariamente nas grandes empresas,
entre dois personagens que têm muitos amigos e muitos generais sob suas ordens,
eles tinham também, algumas queixas e algum descontentamento um do
outro; pelo que, antes de fazer outra qualquer coisa, logo que chegaram ao seu aposento, retiraram-se a um pequeno
quarto, mandaram sair todos os que estavam ali e fecharam a porta, e então,
começaram a se lastimar reciprocamente, cada qual um do outro; finalmente,
chegaram mesmo a se atacar e a se acusar, dizendo alta e claramente as verdades, um ao outro, com grande veemência, e depois, por fim, puseram-se ambos a chorar. Seus amigos, que estavam fora do quarto, ouvindo-os discutir tão- fortemente e irritarem-se um contra o outro, ficaram muito admirados e tiveram
medo
que eles se ferissem, um ao outro; mas eles haviam proibido que
qualquer pessoa os fosse interromper; no entretanto um certo Marco Faônio, que tinha sido, por assim dizer, amante de Calão, quando êle vivia, e se pusera a imitar a filosofia, não tanto com discursos da razão, como com uma impetuosa e furiosa paixão, quis entrar dentro do quarto, embora os criados lho quisessem impedir; mas foi difícil conter este Faônio, porquanto a sua paixão o incitava; era êle homem ardente e repentino em todas as coisas e
em nada estimava a dignidade de ser senador romano; e embora êle usasse a franqueza de falar ousadamente, da qual faziam profissão os filósofos que antigamente se chamavam cínicos, como quem diz, cães, embora muitas vezes a sua ousadia não fosse nem aborrecida, nem importuna, porque a gente se limitava a rir de tudo o que eles diziam. Faônio,
então contra a vontade (los porteiros bateu à porta e entrou no quarto, pronunciando com uma voz grossa e com um acento grave, que êle imitava de propósito, os versos que o velho Nestor diz era Homero:
(31) Escutai-me e segui o meu
conselho,
Eu vivi muito mais do que vós ambos.
Cássio se
pôs a rir, mas Bruto o atirou para fora, chamando-o de cão sem graça e cão
disfarçado com falsas insígnias; todavia, terminaram então a sua altercação e separaram-se imediatamente. Naquela mesma noite, Cássio mandou
preparar a ceia em seu aposento, ao qual Bruto levou seus amigos, e quando já
estavam à mesa, Faônio chegou, tendo-se lavado. Bruto, vendo-o, pôs-se a dizer
bem alto que não o tinha convidado e ordenou que o pusessem no leito mais alto
(32) ; ele, porém, à força, se pôs no do meio, o que
foi causa de que todos se rissem e o festim tornou-se mais alegre e
não sem alguma palestra de filosofia.
(30) Imperatores, isto é,
generais soberanos: — Amyot.
(31)
Ilíada, L. I, V. 259.
(32)
Como
quem diz, na extremidade da mesa. — Amyot.
XLIII. No dia seguinte Bruto
condenou judicialmente em público e marcou como infame a Lúcio Pella, que tinha sido pretor dos romanos, e a quem Bruto
acusara, seguindo a indicação dos de Sardis, que o acusavam de pilhagem, concussão e mau uso dos bens do estado e
o provavam. Este julgamento desagradou muito a Cássio, porque uns dias antes êle mesmo tinha apenas recriminado
com palavras, em particular, dois dos seus amigos acusados dos mesmos crimes,
e em público os tinha absolvido, e não deixava de os empregar e de servir-se deles, como antes; pelo que censurava a Bruto como querendo ser demasiado justo e observar muito
rigorosamente as leis em um tempo em que havia mais necessidade de dissimular
um pouco, e de não tomar as coisas com tanto rigor. Bruto, ao contrário, respondeu-lhe
que êle devia lembrar-se dos idos de março, quando haviam matado a César, que
não pilhava nem perturbava êle mesmo todo o mundo, mas somente era o suporte e
o apoio dos que o faziam sob sua autoridade e sua ordem, e que se há alguma
ocasião pela qual se pode desprezar a justiça e o direito, teria sido muito
melhor deixar roubar e fazer todas as coisas iníquas e contra a razão, aos
amigos de César, do que permiti-lo aos seus, pois
então, dizia êle, "não se nos poderia imputar senão fraqueza e falta de
coragem, somente,
e agora acusar-nos-iam de injustiça, além da pena que suportamos e dos perigos
aos quais nos expomos". Por aí se pode muito bem conhecer qual era a
intenção de Bruto.
XLIV. Mas quando eles se preparavam para
passar da Ásia à Europa, diz-se que lhe aconteceu um fato
extraordinário. Êle era vigilante por nalureza e
dormia muito pouco, quer porque vivia muito sobriamente, quer porque trabalhava continua-mente. Jamais dormia durante o dia e durante a nolte, somente quando era obrigado a ficar sem fa-zer nada, ou sem falar com alguém
quando todos descansavam. Mas quando estava em guerra e na superintendência de todos os seus negócios,
tendo sempre a inteligência pronta para a realização do objetivo e
daquilo que estava para acontecer, depois de ter dormido apenas um pouco, após
a refeição, empregava todo o resto da noite em resolver seus negócios e depois
de ter organizado e dado todas as providências, se lhe sobrava tempo punha-se a ler
algum livro, até a terceira sentinela da noite, quando os comandantes,
centuriões, chefes de bandos, costumavam vir ler com êle. Quando estava para
passar à Europa uma noite, muito tarde, estando todos dormindo, dentro do seu
acampamento, reinava um grande silêncio, quando êle estava em sua tenda, com uma luz fraca, cismando,
pareceu-lhe perceber que algu ém
havia entrado e, olhando para a porta da tenda, viu uma figura horrenda e espantosa
de um corpo horrível, que se foi postar à sua frente, sem dizer palavra; perguntou-lhe quem
ep », se era deus ou homem, e o que o levava para ali.. O fantasma respondeu-lhe: "Sou
o teu anjo mau. Bruto, e tu me verás perto da cidade de Filipes". Bruto,
sem se perturbar, replicou-lhe: "Pois bem, eu ver-te-ei lá". O fantasma
imediatamente desapareceu e Bruto chamou seus criados, que nada tinham visto
nem ouvido.
Por esse motivo, êle se pôs então a velar e pensar, como antes; mas, de manhã,
logo que
o dia clareou, foi ter com
Cássio e contou-lhe da visão que tivera durante a noite. Cássio, que seguia
a opinião de Epicuro em filosofia e estava acostumado a disputar e a discutir
muitas vezes com Bruto, disse-lhe: "Nós sustentamos, Bruto, em nossa seita
filosófica, que não sofremos, nem vemos de verdade, tudo aquilo que pensamos
ver ou sofrer; e é coisa muito incerta e enganosa, que o sentido natural do
homem e que a inteligência, que é ainda mais leve e mais rápida, a considerem e
a voltem mais facilmente, sem matéria, nem sujeito algum, em todas as formas e
todas as espécies, como quando se grava e se imprime sobre a cera; e assim é
muito fácil à alma do homem, que tem em si o que faz e recebe, a impressão de diferenciar uma
coisa por si mesma; o que
nos mostram muito evidentemente as diversas mudanças dos sonhos, que nos
sucedem dormindo, que a parte imaginativa ou apreensão do nosso entendimento,
de um pequeno princípio se muda em todas as espécies de acidentes, porque o natural de nosso entendimento é sempre mover-se e seu
movimento outra coisa não é que imaginação
ou apreensão; mas ainda há mais em
ti: é que o corpo cansado tem pela natureza o en
tendimento suspenso em transe e em comoção. Mas, dizer-sese que há espíritos ou
anjos e ainda que hou-vesse, que tenham forma de homem, voz, ou poder algum que
chega até nós, não é verdade. Quanto a
mim eu quisera que tivessem, para
que em nós houvesse confiança, não somente em tão grande
número de armas, de
cavalos, de navios e de barcos, mas
também no socorro dos deuses, visto que nós somos autores e defensores de
belíssimos, santíssimos e virtuosíssimos atos". Com tais palavras Cássio acalmou e tranquilizou um pouco a Bruto.
XLVI. Quando o exército
caminhava, vieram duas águias que, voando com grande rapidez, juntaram-se às
primeiras insígnias e seguiram sempre os soldados, que lhes davam de comer até
a cidade de Filipes. E,
somente um dia antes da batalha, elas foram-se embora. Bruto já tinha sob sua
dominação a melhor parte dos povos e nações de toda aquela
região, mas restava-lhe ainda anexar algumas outras pequenas cidades, ou algum
senhor; quando terminaram de os submeter, partiram para a costa de Tassos (33)
; Norbano estabeleceu seu acampamento numa certa passagem, a que chamam de Estreitos,
perto de um lugar denominado Símbolo (34), Cássio e Bruto o rodearam de tal sorte que êle foi obrigado a se
retirar e abandonar o sítio que lhe era muito vantajoso. Mesmo assim, quase lhe
tomaram todo o exército, pois César não o tinha podido seguir por causa de uma
enfermidade, pelo que, êle tinha ficado para trás, e o teriam feito, se não
fosse o auxílio de Antônio, que usou de tão grande diligência, que Bruto quase
não o acreditou. César chegou dez dias depois e acamparam, Antênio contra Cássio
e Bruto, em frente de César, Os romanos
chamam a planície que está entre os dois inimigos de campos Filipenses e jamais
se havia visto dois tão belos, nem tão poderosos exércitos romanos, um diante
do outro, prestes a combater.
É verdade que o de Bruto era menor em número de homens do que o
de César, mas, em beleza de equipamento e em suntuosidade de armas, tinha melhor
aparência, pois a maior
parte de seu armamento era de ouro e prata, que Bruto havia dado larga mente, embora em todas as demais coisas êle ensinam e muito bem aos
seus oficiais que vivessem com regra, sem superfluidades; mas, a suntuosidade das mmas era necessária; porque os soldados, tendo-as sempre nas mãos
e trazendo-as sobre as costas, sentiam que isso
lhes aumentava a coragem, principalmente aos que são
de natureza ambiciosa e dese-josa de glória, e tornava o combate mais áspero, aqueles que
gostam de ganhar e temem perder, por-quc eles
combatem para salvar suas armas, como seus bens e sua herança.
(33) A ilha de Tassos que está
abaixo da Trácia.
(34) É outra coisa, muito diferente: é o nome de um porto
de mar. Veja Estrabão, livro 7. — Amyot. Veja as Observações.
XLVll. Quando se fêz a
revista dos exérci-tos e a purificação, César realizou a sua, dentro das Itllicheiras do seu campo, e deu um pouco de trigo somente cinco dracmas de prata por cabeça, a cada soldado, para sacrificar aos
deuses pedindo-lhes a vitória; Bruto, ao
contrário, condenando essa mesquinhez e pobreza, fêz a revista de seu exército e o
purificou no acampamento, como é hábito dos romanos, e depois deu a cada
companhia muitos carneiros para sacrificar e (36) cinqüenta dracmas de prata para cada soldado; de
maneira que seus homens estavam muito mais contentes que os outros e mais
dispostos a lutar no dia da batalha, do que os dos inimigos. Todavia, fazendo
as cerimônias desta purificação, diz-se que sucedeu a Cássio uma coisa de sinistro presságio: um dos seus servos, que
trazia as varas diante dele, trouxe-lhe a coroa de flores que êle devia ter
sobre a cabeça, no sacrifício, voltada às avessas, e diz-se que ainda antes, em
alguns jogos e pompas, em que se trazia uma imagem dá vitória de Cássio, que era de ouro, ela caiu,
porque aquele que a levava tropeçara. Além disso, viam-se todos os dias, dentro
do acampamento, um grande número de aves que comem os cadáveres dos mortos, e
encontraram-se também enxames de abelhas que se tinham reunido em ‘um certo
lugar, dentro da cerca das trincheiras do acampamento, e este lugar, os
adivinhos julgaram ser conveniente excluir do .campo, para tirar o temor
supersticioso e a suspeita que eles tinham, a qual começava a afastar um pouco
a Cássio, das opiniões dos
epicuristas e tinha assustado muito seus soldados; de tal modo que eles eram de
opinião que não se decidisse essa guerra com uma única batalha, mas que ela se prolongasse mais e que
se estendesse, visto que eles tinham mais dinheiro e menos quantidade de homens
e de armas.
(36) Cinco escudos. — Amyot.
38 lib. 18 s. 1 d. % de nossa moeda.
XLVIII. Ao contrário, porém,
Bruto, sempre antes e agora também, não pedia outra coisa, senão pôr tudo, à sorte
de uma batalha, o mais depressa possível, a fim
de, ou logo recuperar a li berdade de seu país,
ou livrar desses males a todos que eram obrigados a seguir, alimentar e a
sustentar tão grandes e poderosos exércitos. Vendo ainda que nas escaramuças e
corridas que se faziam todos os dias seus
homens eram sempre os mais fortes e, levavam sempre a melhor, isso veio
aumentar-lhe ainda mais o ânimo. E além disso, visto que alguns de seus homens já se tinham ido
entregar aos inimigos e ainda se desconfiava que alguns outros que-riam fazer o mesmo, vários amigos, mesmo de Cás-ssio, que antes
eram de sua opinião, quando em conselho se deliberou se se travaria a batalha
ou não, foram da opinião de Bruto, e no entretanto um de seus amigos, que se
chamava Atélio, os con-tradisse, pois era de opinião que se esperasse o inverno terminar; Bruto
perguntou-lhe que vantagem elee sperava obter aguardando ainda um ano, e
Atélio respondeu-lhe: "Se não houver outro proveito, pelo menos eu terei vivido um pouco mais". Elísio ficou muito aborrecido com esta
resposta, e por essa razão Atélio ficou mal visto de todos, e muito pouco estimado, de modo que foi logo cercado
e preso, porque, no dia seguinte, travar-se-ia a batalha.
XLIX. Durante toda a ceia, Bruto mostrou-se
cheio de grande esperança e fez
belos discursos sobre filosofia; depois da ceia, foi descansar. Quanto a
Cássio, porém, Messala diz que ceou em seu aposento, com poucos de seus
familiares, e que durante toda a refeição parecia triste e pensativo, embora
esse não fosse o seu
natural, e que depois da ceia êle o tomou pela mão, e, apertando-a fortemente,
como se faz por amizade, como era seu costume, êle lhe disse em grego: "Eu
te protesto e te tenho como testemunha, Messala, de que, como o grande Pompeu,
contra a minha vontade e opinião, sou obrigado a aventurar ao sabor de uma batalha
a liberdade de nossa pátria, e no entretanto devemos todos ter muito ânimo,
tendo consideração à fortuna, à qual nós faríamos injustiça se desconfiássemos
dela, ainda que sigamos um mau conselho" . Messala
escreveu que Cássio tendo-lhe dito estas últimas palavras, despediu-se, e
que êle o havia convidado a cear no dia seguinte em sua casa, porque era o dia
do seu aniversário. No dia seguinte, portanto, logo que amanheceu, foi
levantada no acampamento de Cássio e de Bruto a insígnia do combate, que era
uma cota de armas vermelha; conversaram os dois chefes no meio de seus exércitos
e Cássio, por primeiro, disse: "Praza aos deuses, Bruto, que possamos
neste dia ganhar a batalha e viver de ora em diante todo o resto de nossa vida um e outro em franca prosperidade; mas sendo que
as coisas grandes e mais importantes, entre os homens, são as mais incertas, se o fim do dia de
hoje fôr outro que não como nós desejamos e esperamos, não será fácil que nos
possamos rever; que deliberaste, nesse caso, fazer? Fugir ou morrer?"
Bruto respondeu-lhe: "Sendo ainda jovem e não assaz experiente
nos negócios deste mundo, eu fiz, não lei como, um discurso de filosofia, no
qual censurava acremente a Catão de se ter destruído a si mesmo, como não
sendo um ato nem lícito, nem religioso, quanto aos deuses, nem quanto aos
homens, virtuoso, de não ceder à determinação divina, e não tomar
constantemente de boa vontade tudo o que lhe apraz enviar-nos, mas mostrar-se esquivo
e re-trair-se: mas agora, encontrando-me no meio do pe-rigo, eu tenho outras deliberações; de tal modo que se prouver aos
deuses que o êxito desta batalha seja feliz para nós, não quero tentar outra
esperança, nem procurar organizar novamente outra equipagem de guerra, mas livrar-me-ei das misérias deste mun-do, contentando-me com a
fortuna (37): pois eu doei nos idos de março (38) minha vida à minha pátria pela qual viverei outra livre e
gloriosa". Cássio se
pôs a rir, ouvindo-o dizer estas coisas, e, abra-çando-o, retrucou: "Vamos
então encontrarmo-nos com nossos inimigos, para combatê-los, com esta intenção:
pois ou venceremos, ou não temeremos mais os vencedores".
(37) Esta passagem está
corrompida, no texto grego. — Amyot. Eu creio, com Reiske, que é assim que se deve traduzir:
"agrade-cendo à fortuna, pelo que depois do sacrifício que eu tinha
feito de
minha
vida nos idos de março, ela me deixou ainda viver algum tempo livre e coberto de
glória".
L. Ditas estas palavras,
puseram-se a organizar, a batalha, na presença de seus amigos, e Bruto pediu a
C ássio que lhe deixasse o
comando da ponta direita, que se julgava mais conveniente e mais própria a Cássio, quer por ser o mais velho, como
por ser êle mais experimentado; e no entretanto Cássio concedeu-lho e quis ainda que
Messa-la, que era o chefe de uma das legiões mais belicosas, estivesse também
naquele setor. Bruto se pôs logo em marcha com a cavalaria que estava bem
preparada e os soldados de infantaria não foram menos solícitos era os
acompanhar. Os homens de Antônio cavavam uma trincheira desde os pântanos ao
longo dos quais êle estava alojado, para cortar a Cássio o caminho para o mar; e César, ao
menos seu exército, não se movia; êle não estava em seu campo, por motivo de
doença, e não esperavam seus homens que os inimigos os viessem atacar, mas somente
fizessem algumas pequenas excursões, para importunar àqueles que trabalhavam
nas trincheiras, e a golpes de dardos perturbá-los e
impedir que continuassem o seu trabalho; não se incomodando com aqueles que
vinham diretamente a eles para lhes dar combate admiravam-se do grande barulho
que ouviam vindo dos lugares onde se abriam as trincheiras.
(38) A 15 de março, dia em
que êle matou César.
LI. Bruto, no entretanto, mandou aos chefes de grupos e
comandantes algumas notas, nas quais estava escrita a palavra da batalha, e êle
mesmo, passando a cavalo ao longo das tropas, as ia incitando
a cumprir valentemente seu dever, de modo que muito poucos ouviram qual era a
palavra de balalha que lhes era dada, mas a maior parte, sem esperar que se lha
dissesse, correram impetuosamente para atacar os
inimigos, de sorte que, por essa de-sordem, houve grande desigualdade entre as
legiões, que foram afastadas e separadas umas
das outras. A de Messala, a primeira
e as mais próximas, depois, passaram
além da ponta esquerda dos immi-gos, sem fazer outra coisa senão
seguir ao longo dêles e derrubar
alguns de passagem; caminhando pare frente,
foram dar bem no campo de César, pura fora do
qual, como êle mesmo escreve em seus comentários, êle tinha um pouco antes sido
transportado por
conselho e advertência de um de seus amigos,
chamado
Marco Art óno: o qual, à
noite, dormindo teve uma visão, na qual se mandava que ele fôsse transportado para fora do seu acampamen-to; de tal modo
que se pensou que êle tinha sido morto,
por causa da liteira, na
qual nada havia dentro e fora atravessada por golpes de dardos e flechas, em
vários lugares. Houve
grande mortic ínio naquele campo e, entre
outros, foram despedaçados dois mil lacedemônios, que pouco- antes tinham
chegado em auxílio de César; os outros que não se tinham adiantado, mas tinham
atacado da direita em linha reta, a batalha de César, os puseram facilmente em
fuga, porque estavam atônitos pela perda de seu acampamento e foram derrotadas
a golpes de braço, três legiões; depois, com o grande ardor com que perseguiam
e expulsavam os fugitivos, eles se lançaram
misturados para dentro do acampamento tendo Bruto no
meio deles.
LII. Mas o que os vencedores
não tinham notado, a ocasião o mostrou aos vencidos, era a ala esquerda da
batalha dos inimigos, isolada e desamparada, sem o auxílio dos da direita, que
se tinham afastado muito, para perseguir os que a tinham rompido . Foram
atacá-los violentamente e, no entretanto, por mais esforços que fizessem, não puderam forçar nem romper o meio da batalha, onde encontraram homens que os sustiveram e os
enfrentaram valentemente; mas romperam e puseram em fuga os da ponta esquerda
na qual estava Cássio, pela
desordem que aí se manifestou, e também porque eles não estavam
avisados de como a sua ala direita se tinha comportado. Expulsaram-nos
perseguindo-os até ao acampamento, que eles saquearam,
sem que nem um, nem outro dos comandantes aí estivesse presente; porque
Antônio, ao que se diz, evitando o furor do primeiro ataque, se tinha lançado
num pântano próximo e não se sabia o que fora feito de
César, depois que se tinha feito transportar para fora do campo; alguns
soldados mostraram suas espadas ensangüentadas, com as quais diziam tê-lo
matado e descreviam-lhe o rosto e diziam a idade que poderia ter. E o que é
mais, a frente e o meio da batalha de Bruto tinha já derrotado, com grande
derramamento de sangue, todos os inimigos que encontrara diante dele, de sorte que Bruto tinha totalmente vencido e ganho do seu
lado; e Cássio tinha tudo
perdido, do que lhe cabia, e nada prejudicou tanto seus empreendimentos como
não ter Bruto ido socorrê-lo, pensando que êle também estava vencendo, como
êle; e Cássio não esperou
Bruto, pensando que também estava perdido, como êle; e que é verdade que a
vitória esteve do lado dele, Messala
o mostra, porque eles
conquistaram três águias e várias outras
insígnias dos seus inimigos e seus inimigos nem uma sequer, deles.
LIII. Mas Bruto voltando da
caça, depois de ter batido, pilhado e saqueado o campo de César, admirou^se
quando não viu a tenda de Cássio, preparada
e erguida como de costume, nem as outras
tendas e pavilhões em seu campo, adornados como sempre, porque tudo estava por
terra e fora destruído por mãos dos inimigos; mas os que estavam com ele
e tinham melhor vista disseram que viam grande número de armas reluzentes e
vários escudos prateados que iam e vinham pelo campo de Cássio, mas que não eram, na sua
opinião, nem as armas, nem o número de homens que tinham sido deixados e
determinados para a guarda do campo, e, no entretanto, eles não viam além um
grande número de mortos nem a desordem que deveria haver, se tantas legiões ah tinham sido destruídas .
LIV. Isso começou a
despertar em Bruto a desconfiança do que havia acontecido; ordenou então a
alguns homens que guardassem o campo do seu inimigo, que ele tinha tomado, e
mandou voltar seus homens que ainda perseguiam os fugitivos; or-ganizou-os para
irem em auxílio de Cássio, ao
qual as coisas tinham-se passado deste modo: primeiramente, ficou êle muito contristado, por ver que os soldados de
Bruto atacavam os inimigos, sem esperar a palavra da batalha, nem a ordem de
atacar, e menos ainda, agradou-lhe, depois de terem vencido, eles se
entregarem logo ao saque, sem se preocupar de envolver o resto dos inimigos
pela retaguarda: mas também, por muito esperar e por muito diferir, mais do
que pela previdência ou valentia dos comandantes adversários, êle se encontrou
envolvido pela ala direita do exército dos inimigos: de tal modo que seus
cavaleiros debandaram incon-tinenti fugindo a toda brida, para os lados do mar: e vendo que
seus soldados de infantaria estavam indecisos e recuavam também, êle se
esforçou por retê-los, e tirou, de um porta-insígnias que fugia a que êle
levava, a qual fincou em terra diante dele, embora com grande dificuldade já êle pudesse conter reunidos
somente seus guardas. Afinal êle também foi obrigado a se retirar com uma pequena tropa de seus soldados
a um pequeno outeiro, de onde
se podia ver claramente e observar o que se fazia na planície, mas êle não via
nada, porque linha a vista fraca; o que viu, porém, com grande dificuldade, foi que os inimigos saqueavam o seu acampamento, diante de seus
próprios olhos. Ele
viu também uma grande tropa de cavalaria
que Bruto mandava em seu auxílio, e pensou que eram os inimigos que o
perseguiam e, então, mandou a um certo Titínio, que era dos seus, para ver o
que na verdade estava acontecendo. Estes cavaleiros perceberam-no de longe: e logo
que reconheceram nele um dos melhores e dos mais fiéis amigos de Cássio,
lançaram gritos de alegria e os que lhe eram mais íntimos saltaram em terra para saudá-lo e abraçá-lo: outros
rodearam-no a cavalo, com cânticos de vitória e grande rumor de armas, com que fanam ressoar o campo, pela excessiva
alegria que mcntiam:
mas foi isto que lhe causou mais mal, do
que todo o resto: pois Cássio pensou
que Titínio, na verdade, havia sido aprisionado pelos inimigos, e disse então estas palavras: "Por ter muito desejado
viver, eu esperei até ver, por amor de mim mesmo, perder-se diante de meus
olhos, um de meus melhores amigos". E dizendo isto retirou-se para uma
tenda onde não havia ninguém e chamou a si um de seus
servos libertos, de nome Píndaro, que
sempre conservara junto de si para tal necessidade, depois da expedição infeliz
contra os partos, na qual Crasso morreu: todavia, ele salvou-se daquela
derrota, mas então envolvendo seu manto em redor da cabeça, e estendendo-lhe o
pescoço descoberto, ordenou-lhe que lhe cortasse a cabeça (pois a encontraram
separada do corpo) ; nunca mais, porém, viram a esse homem, Píndaro, por isso alguns ousaram dizer que ele havia matado seu amo sem sua
ordem.
LV. Logo depois, eles
reconheceram aqueles cavaleiros e Titínio, coroado com uma grinalda de triunfo que vinha na frente
com pressa, para encontrar-se com Cássio: mas quando êle compreendeu, pelos gritos, choros e
lamentações de seus amigos, que se desesperavam, o erro e a desgraça que havia
acontecido por ignorância do seu comandante, êle desembainhou sua espada e, dizendo mil
injúrias a si mesmo, por ter-se demorado tanto, matou-se ali mesmo; Bruto, no
entretanto, aproximava-se cada vez mais, tendo já sabido que Cássio tinha sido derrotado: mas de sua
morte só soube quando já estava bem perto do acampamento: depois de tê-lo
chorado e lastimado, chamando-o o último dos romanos, como se ao depois fosse
impossível nascer cm Roma alguém de tanta coragem como êle, e fez sepultar o
seu corpo, mandando-o para a cidade de Tassos, de medo de que, se se fizesse o funeral no acampamento, isso fosse causa de desordem; depois,
reuniu seus soldados e os consolou: e vendo que
tinham perdido toda sua bagagem, sem a qual não podiam passar, prometeu a cada
um duas mil dracmas (39)
como recompensa. Consolaram-se os soldados depois de tê-lo ouvido falar,
admirando-se muito de sua liberdade, e o seguiram com aclamações quando êle se
retirou, exaltando-o como o único dos quatro generais que não tinha sido
vencido na batalha. Também, para se dizer a verdade, o eleito mostrou que, não
sem causa, êle tinha tido esperança de ser vencedor: porque com poucas legiões
êle tinha vencido e derrotado todos os que diante dele se haviam apresentado,
e, ainda, se todos os seus tivessem combatido e a maior parte deles não tinha ultrapassado os inimigos, para ir saquear seus bens, é verdade que êle os derrotou a todos, I não ficou um só deles. Morreram, do seu lado, uns oito mil
homens, contando-se também os servidores dos soldados, que Bruto chamava de brigas,
e, da parte dos inimigos, Messala escreve que, secundo a sua opinião, morreram
mais duas vezes esse número: por esse motivo eles estavam muito mais
desanimados e aborrecidos do que êle, até que à tarde, já horas adiantadas, um
servo de Cássio, de nome Demétrio, foi ter com Antônio e lhe levou as vestes de
que haviam há pouco despojado o corpo de seu senhor e também sua espada.
(30) 556 libras, 5 s. de nossa
moeda.
LVI. Isso animou os inimigos de Bruto e lhes deu tal
coragem, que no dia seguinte de manha eles se apresentaram no campo de batalha; mas do lado de
Bruto os dois acampamentos estavam em alvoroço, não sem grande perigo, pois o
seu, estando cheio de prisioneiros, tinha necessidade de guarda numerosa e
atenta, e o de Cássio, suportava com impaciência a mudança de seu general, e
havia ainda uma inveja surda dos que haviam sido batidos, contra os que tinham
vencido: por isso Bruto os reteve bem preparados com armas, mas evitou, no
entretanto, de lhes dar combate. Quanto aos prisioneiros servos, dos quais havia um
grande número, que não sem suspeita iam e vinham por entre os soldados
armados, mandou que os matassem; os livres despediu-os, dizendo
que seriam melhores prisioneiros com seus inimigos do que com êle: com eles eram servos e escravos e com êle, livres e cidadãos:
e vendo que seus amigos e seus oficiais tinham, a alguns, tão grande ódio que
não lhes queriam de nenhum modo perdoar, êle mesmo os escondeu e mandou
ocultamente embora sãos e salvos.
Entre estes prisioneiros estava Volúmnio, um ator, e Sacúho,
farsante, dos quais Bruto não fazia caso algum: mas seus familiares os levaram à
sua presença, acusando-os de que, embora prisioneiros, não cessavam de zombar
deles e de injuriá-los atrevidamente. Bruto a isto nada
respondeu, estando preocupado com outras coisas, e Messala Corvino diz que
seria coisa muito conveniente fazê-los chicotear sobre um estrado, e depois de
açoitados mandá-los, nus, aos generais de seus inimigos, para mostrar-lhes a
sua vergonha, pois era necessário que eles tivessem tais indivíduos como eles, estando no campo, para fazê-los rir, e diverti-los à mesa. Alguns dos assistentes riram-se desta
proposta mas Públio Casca, aquele que deu o primeiro golpe em César, quando êle
foi morto, disse então: "Nós não cumprimos o dever, como deveríamos, nos
funerais de Cássio, de nos divertirmos e rirmo-nos, neste ponto: quanto a ti,
Bruto, mostrarás que lembrança conservas de um tal chefe, teu igual e
companheiro, fazendo morrer ou salvando estes palhaços, que depois zombarão dêíe e difamarão a sua memória".
Bruto, então, respondeu com grande cólera: "Por que então vindes falar
comigo. Casca, e não fazeis vós mesmo o que achais que vos parece bem?" Ouvindo
estas palavras, eles tomaram a resposta como um consentimento, contra aqueles pobres infelizes, e uma permissão para fazer o
que quisessem: levaram-nos, então e os mataram.
LVII. Feito isto, Bruto deu aos soldados o que lhes havia
prometido, e depois de lhes ter, por primeiro, feito algumas recomendações, e
repreendido também, porque não tendo esperado a palavra de ordem para a
batalha, tinham ido atabalhoadamente atacar o inimigo naquele primeiro
encontro, prometeu-lhes que, se uma segunda vez eles cumprissem o dever com o
mesmo valor, ele lhes daria para pilhagem e saque duas cidades, a saber:
Tes-salônica e Lacedemônia. Em toda a vida de Bruto não encontramos senão esta
única falta, para a qual não há resposta; embora César e Antônio tenham depois
dado a seus homens muito pior recompensa pela vitória, expulsando da Itália
inteira, ou quase inteira, os habitantes naturais e verdadeiros proprietários,
para dar as terras e as cidades aos seus soldados, nas quais eles nada possuíam: mas aqueles jamais haviam tido em mente outro
objetivo nessa guerra senão vencer para dominar: por isso, tinha-se em grande
conta a virtude de Bruto, que a voz comum e a opinião do mundo não lhe
permitiam, nem vencer, nem se salvar, se não fosse justo e honesto, mesmo
depois da morte de Cássio, ao
qual se acusava e se acreditava, mesmo, de ler algumas vezes induzido Bruto a
praticar atos de violência. E assim como, no mar, quando se quebra ou se desarranja o leme do navio, no ardor da
tempestade, os marinheiros procuram logo consertá-lo ou substituí-lo,
reparando o mal de todos os modos possíveis: assim, Bruto, tendo que reger um tão
grande poder e suas empresas estando em grave risco, não tendo mais generais
que gozassem da mesma dignidade e autoridade que êle, foi obrigado a se servir
necessariamente dos que êle ainda possuía, e, conseqüentemente, a fazer muitas coisas, de acordo com o parecer e a opinião deles, e
era êle mesmo da opinião de que se lhes facultasse tudo aquilo que êle julgava
servir, para fazer que se mostrassem homens de bem, segundo a necessidade: pois
os homens de Cássio eram muito difíceis de se tratar e mostravam-se
altivos e corajosos no campo,
porque n ão tinham chefe, nem quem os governasse, mas eram fracos e covardes com
os inimigos, porque já tinham sido por eles derrotados.
Por outro lado, as empresas de César e de Antônio não iam nada melhor: pois, primeiramente,
eles tinham falta de víveres e, estando acampados num lugar baixo, esperavam
um inverno duro e rigoroso, pois estavam alinhados ao longo dos pântanos, e,
depois da batalha, tinham caído grandes chuvas na estação do outono, pelo que todas as
tendas e pavilhões estavam cheios de lama e de água, que gelava imediatamente por causa do frio;
ainda, nesse ínterim, chegaram-lhes notícias da grande perda de homens que haviam
sofrido por mar: pois as galeras de Bruto encontraram na pas-sagem um grande
reforço de soldados, que lhes era enviado da Itália, e os derrotaram; de tal modo
que muito poucos se salvaram, os quais, ainda tão atormentados pela fome, foram
obrigados a comer até as velas e as cordas dos navios: desejavam muito travar
a batalha, novamente, antes que Bruto fosse cientificado destas notícias, boas,
para êle: aconteceu, então, por coincidência, que a batalha por mar se travou
no mesmo dia que a de terra; mais acidentalmente, porém, do que pela malícia ou
indolência dos comandantes, aconteceu que Bruto soube disso somente vinte dias
depois. Se êle o tivesse sabido antes, não se teria novamente encaminhado para
a batalha, visto que não estava provisto de
todas as coisas necessárias ao seu exercite), para um tempo assaz longo, e
estava acampado num lugar muito oportuno, de modo que seu campo não podia ser
gravemente atingido pelo inverno, nem também forçado pelos inimigos, e êle
era pacífico senhor vitorioso por mar, tendo ainda, por sua vez, vencido por
terra. Isso bem lhe devia levantar o ânimo e dar-lhe grande
esperança; mas, estando os negócios do império romano, ao que me parece reduzidos
a tal estado que não podiam mais ser dirigidos por vários senhores, mas tinham
necessidade de um soberano monarca, Deus querendo tirar aquele que era o único
a impedir a monarquia, a quem a ela devia unicamente ascender,
fêz que aquela vitória não chegasse ao conhecimento de Bruto, embora êle
estivesse a ponto de ser avisado de -tal acontecimento; pois no dia
anterior à última batalha, à noite, já bem alta, um de seus inimigos, Cláudio,
veio entregar-se em seu acampamento, o qual declarou que César tendo sabido da
derrota de seu exército, por mar, não procurava outra coisa que combater, antes que Bruto disso tivesse conhecimento:
mas, ninguém acreditou nas suas palavras e ele foi de tal modo desprezado, que
nem pelo menos se dignaram levá-lo à presença de Bruto, porque julgavam que
tudo não passava de uma mentira que êle havia inventado para ser recebido, como
tendo trazido boas notícias.
LIX. Naquela noite, diz-se que
o mesmo fantasma, que já uma vez havia aparecido a Bruto, novamente se lhe
apresentou sob a mesma forma e aparência, e depois desapareceu sem lhe dizer
uma palavra sequer: mas Públio Volúmnio, homem instruído e bom filósofo, que
desde o início desta guerra sempre estivera com Bruto, não faz menção desse fantasma: mas, diz êle, que a primeira e principal das águias
cobriu-se toda de abelhas,
e que um de seus generais teve um dos bra ços repentinamente lodo suado, o qual segregou óleo rosado e que várias vezes tentaram enxugá-lo, mas de nada valiam os esforços: e que,
antes do choque da batalha, duas águias combateram entre os dois exércitos e,
du-rante o combate, se fêz
grande silêncio, o que não é coisa natural,
em toda a planície, estando os dois exércitos um diante do outro, atentos em
vê-las combater, e que, finalmente, a do lado de Bruto cedeu e fugiu. Foi coisa
também notória e certa, que, quando se abriu a porta do acampamento, o primeiro
homem que encontrou o porta-insígnias que levava a águia foi um etíope, o qual os soldados fizeram em pedaços a golpes de espada, por causa do presságio. Depois que Bruto colocou no
campo seu exército pronto para a batalha e o
apresentou frente ao inimigo, demorou-se ainda bastante tempo para dar o sinal
da batalha; porque, indo inspecionar as companhias, teve no espírito várias
dúvidas a respeito de algumas delas, e vieram mesmo dizer-lhe certas coisas e fazer-lhe advertências: viam-se seus soldados de cavalaria
andar a esmo, sem vontade, mostrando francamente não estarem dispostos a
combater, nem a iniciar
o ataque, mas esperavam o que fariam os
soldados de infantaria: depois repentinamente, um dos melhores cavaleiros que
êle possuía no exército, e que até então tinha sido muito afamado pelas
suas proezas, chamado Camulá-cio, passou a cavalo perto de Bruto, e sob suas
vistas foi-se entregar aos inimigos.
LX. Bruto ficou muito desgostoso, parte, por raiva, e parte, por medo de uma
grande rebelião e traição, mandou então marchar, pois já era mais de três horas
depois de meio-dia: onde êle estava as coisas andaram
bem combatendo-se com valor, e êle
forçou a ala esquerda dos inimigos, e recuou diante dele, com o auxílio da cavalaria, a qual atacou juntamente
com a infantaria, quando viu os inimigos desbaratados: mas os da ala esquerda, quando os comandantes
os quiseram fazer marchar, tiveram medo de ser cercados por trás, porque eles eram em número menor que os inimigos e por isso, alargan-do-se, afastaram-se um
pouco do centro da batalha. Por essa razão, estando eles cansados, não puderam
sustentar o ataque dos inimigos, mas puseram-se
imediatamente em fuga; os que os
haviam desbaratado vieram logo envolver a Bruto pela retaguarda, o qual, no
mais forte da peleja, fez tudo o que poderia fazer um general valente e um soldado corajoso,
tanto com a inteligência, como com as armas, para obter a vitória: mas aquilo
mesmo, que na primeira vez lhe dera a vitória, fê-la perder, na segunda: na
primeira vez, os inimigos que foram desbaratados foram logo feitos em pedaços
e, nesta segunda, dos homens de Cássio que tinham sido postos em fuga, não
houve entre eles um morto, sequer, e os que se tinham salvado rapidamente, estando atônitos por
terem já sido vencidos, desencorajaram o resto do exército, vindo juntar-se a êle,
tudo encheram de desordem e de horror.
LXI. O filho de M. Catão morreu comba-tendo valorosamente,
entre os mais corajosos
soldados: embora êle estivesse bastante cansado e esgotado; jamais
quis recuar ou fugir: mas, combatendo persistentemente, corpo-a-corpo, e
declarando bem alto quem ele era pelo seu nome e pelo de seu pai, foi
finalmente abatido sobre vários corpos de inimigos que ele tinha matado, em
torno dele: e assim morreram na
batalha todos os nobres que estavam no exército e que se expuseram
corajosamente a todo perigo para salvar a pessoa de Bruto: entre os quais
estava um de seus familiares, de nome Lucílio, que, vendo um grupo de homens bárbaros, armados, nao fazendo caso de todos os outros que
encontravam pelo caminho, dirigiam-se todos diretamente a Bruto, deliberou
detê-los, com perigo de sua vida; tendo ficado para trás, disse-lhes que êle
era Bruto e, para que acreditassem, rogou-lhes que o levassem a Antônio,
porque, dizia êle, temia a César e confiava
mais em Antônio. Os bárbaros alegraram-se muito com este encontro, julgando ter encontrado realmente uma fortuna;
levaram-no quando já era noite, mandando alguns adiante para avisá-lo: muito
satisfeito êle ficou e compareceu à presença dos que o conduziam. Outros,
quando ouviram que se trazia a Bruto, como prisioneiro, correram de todas as partes, uns tendo compaixão da sua sorte, outros dizendo
que êle havia feito um ato indigno de sua reputação, porque, por medo de morrer, se deixara apanhar tão covardemente pelos bárbaros.
Quando se reuniram, Antônio esperou um pouco, refletindo como deveria proceder
diante de Bruto, e que atitude tomar para com ele: entretanto, Lucílio lhe foi apresentado e se pôs a
dizer com firmeza: "Antônio,
posso garantir-lhe que nenhum inimigo aprisionou, nem aprisionará vivo a Marco Bruto, e não praza a Deus que a fortuna tenha tanto poder sobre a virtude: mas, em qualquer parte em que ele se ache, quer vivo, quer morto, sempre o encontrarão num estado
digno dele; afinal, quanto a mim, venho à sua presença depois de ter enganado
a esses soldados, fazendo-lhes crer que eu era Bruto, e não me recuso a sofrer por este logro, todos os tormentos
que quiser". Ouvidas estas palavras de Lucílio, todos os presentes
quedaram-se pasmados, e Antônio, olhando para os que o haviam trazido,
disse-lhes: "Penso que estais bem aborrecidos por terdes falhado no vosso intento,
companheiros, e por ter este indivíduo vos causado um grande logro mas eu quero que saibas que fizestes uma presa muito melhor,
do que a que pretendíeis: pois,
em lugar de um inimigo, vós me trouxestes
um amigo: quanto a mim, se me tivésseis trazido Bruto, vivo, não sei
certamente o que eu lhe teria feito, pois eu prefiro que homens como ele sejam
meus amigos e não inimigos". Dizendo isso, abraçou Lucílio e entregou-o à
guarda de um de seus amigos, recomendando-o: Lucílio serviu-o fiel e lealmente até a morte.
LXII. Bruto tendo atravessado um pequeno rio, que tinha nas margens
algumas rochas, sombreado também
por grandes árvores, sendo noite muito escura, não continuou a caminhar, mas
parou num lugar baixo, sob uma rocha alta, com alguns oficiais e amigos que o
tinham seguido, e, olhando para o céu cheio de estrelas, disse, suspirando,
dois versos, dos quais Volúmnio anotou um, que é este:
(40) Ó Júpiter, que (41) aquele, cujo nascimento tem tantos males, não escape à tua
vingança.
Diz-se que ele tinha esquecido o outro. Um pouco depois,
nomeando os amigos que tinha visto morrer na batalha, diante de seus olhos,
suspirou mais forte do que o havia feito antes, quando citou Labeo e Flávio, dos quais um era seu
lugar-tenente e o outro, chefe dos operários do seu campo. Nesse ínterim,
alguém da comitiva tendo sede e vendo que Bruto também tinha, correu com um
capacete para o rio.
No mesmo instante ouviu-se um barulho do
outro lado: Volúmnio foi para lá com Dardano, o escudeiro de Bruto, para ver o que era, e, tendo
voltado logo depois, perguntaram se ainda havia mais, para beber. Bruto,
rindo-se, respondeu gentilmente: Bebemos tudo, mas vos daremos outra bebida: e mandou
ao rio aquele, que tinha ido antes, o qual esteve em perigo de ser apanhado
pelos inimigos, e salvou-se com dificuldades, ficando, porém, lerido. Bruto,
porém, julgava que não era grande
O número de
mortos na batalha e, para saber a verdade, um certo Statílio prometeu-lhe
passar entre os inimigos, para vê-lo, pois de outro modo não seria isso
possível; ia visitar o seu acampamento e, se lá visse que tudo andava bem, êle
acenderia um facho e o levantaria
no ar, e depois voltaria para êle. O facho foi levantado: Statílio foi até lá: e muito tempo depois, Bruto, vendo que êle não
voltava, disse: Se Statílio está vivo, êle há de voltar: mas aconteceu por
infelicidade que, voltando, êle caiu nas mãos dos inimigos, que o mataram.
(40)
Eurípides,
Médée,
v. 332.
(41) Appiano julga que se trata de Antônio.
— Amyot.
LXlll. Sendo já noite
adiantada, Bruto in-clinando-se para Clito, um dos seus domésticos, que estava sentado, disse-lhe
algumas palavras ao ouvido: o outro nada lhe respondeu, mas se pôs a chorar.
Chamou depois também para junto de si a Dardano, seu escudeiro, ao qual disse
também algumas palavras: e, por fim, falou também com Volúmnio, em língua
grega, rogando-o, em memória dos estudos de literatura e dos exercícios que
haviam feito juntamente, que o ajudasse a lançar mão da espada e dar o galpe,
para se matar. Volúmnio recusou-se a esse pedido e assim também fizeram todos os outros, um dos quais disse que não se deveria mais
ficar naquele lugar, mas fugir:
Bruto, então, levantando-se, disse: "É mesmo na verdade necessário fugir,
mas com as mãos e não com os pés". Tocando-lhes, depois na mão, a todos, disse-lhes estas
palavras com um rosto alegre: "Eu sinto no meu coração um grande
contentamento, por constatar que, de todos os meus amigos, nem um sequer me
faltou, no momento da necessidade: e não me queixo da sorte, senão no que diz
respeito ao meu país: pois, quanto a mim, eu me considero mais feliz do que os que venceram, não somente com
relação ao passado, mas também ao presente, visto que eu deixo uma glória
sempiterna de virtude, a qual nossos inimigos vitoriosos não poderiam jamais
conquistar, nem pelas armas, nem pelo dinheiro, nem deixar à posteridade, que
não se diga sempre, que eles sendo injustos e maus, derrotaram homens de bem,
para usurpar uma dominação tirânica, que absolutamente não lhes pertence". Dizendo isto, êle aconselhou-os e
rogou mesmo, a cada qual, que se salvasse: depois retirou-se um
pouco com dois ou três somente, um dos quais era
Straton, que êle conhecera durante o estudo da retórica. Aproximou-se muito
dele e, tomando (42) sua espada
com as duas m ãos, pelo cabo, deixou-se cair sobre ela com toda a força e matou-se. Outros
dizem que não foi êle quem segurou a espada, mas Straton, a pedido dele, voltando, porém, o rosto para o outro
lado, e Bruto precipitou-se rapidamente sobre ela, de modo que ficou
atravessado de lado a lado na altura do estômago e morreu imediatamente.
Messala, que fora um grande amigo de
Bruto, depois reconciliou-se com César, apresentou-lhe algum tempo depois a Straton, num dia em que estavam de
folga, e chorando disse-lhe: "César, eis aqui aquele que prestou o
último serviço a Bruto, meu amigo". César recebeu-o e, desde então, em
todas as suas empresas, foi por êle tão lealmente servido como nenhum outro
dos gregos, que viveram com êle, até a batalha de Actio. E diz-se que esse mesmo Messala
disse um dia a César que em sua presença o louvava muito, por ter combatido
valentemente e pela grande afeição que lhe tinha, na jornada de Áctio, embora
êle tivesse sido antes acérrimo inimigo,
na de Filipes, por amor de
Bruto: "Eu sempre quis estar do lado melhor e do mais justo".
(42) Em grego: Apoiando, com
ambas as mãos, o punho da sua espada no chão.
LXIV. Por fim, Antônio tendo
encontrado o corpo de Bruto, fê-lo envolver em uma das suas mais ricas
armaduras. E depois, tendo sido avisado de que a armadura tinha sido roubada,
mandou matar o ladrão que a tinha tomado e mandou as cinzas e relíquias do
corpo a Servília, mãe de
Bruto. Quanto a Pórcia, sua mulher, Nicolau, o Filósofo, e Valério Máximo (43) dizem que, tendo tomado a resolução de morrer, seus parentes quiseram
impedi-la e cuidaram atentamente em fazê-lo
e, por essa raz ão, ela tirou da
lareira carvões ardentes e os lançou dentro da boca, que conservou fechada
tão fortemente, que morreu asfixiada. Todavia, encontra-se uma
carta de Bruto aos seus amigos, pela qual êle se queixa do pouco caso e do
descuido para com a sua esposa, e que ela teria preferido morrer do que
definhar enferma, por tanto tempo. Assim parece que este filósofo não tinha conhecido bem o tempo: pois a
epístola, pelo menos, se fôr verdadeiramente de Bruto, dá bem a entender a
enfermidade e o amor dessa mulher e também a maneira de sua morte.
(43) L. IV. cap. 6. Êle vivia
sob Augusto e Tibério.
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