O período da regência – Brasil Império

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

 

II — O período da regência

Se, nas páginas seguintes, incluímos também na órbita de nossas considerações o período da regência, período tão moderno da história brasileira, não pretendemos, nem nos é possível, fazer a respeito uma narração concatenada e acabada; o nosso propósito é, apenas, para tornar possível um golpe de vista histórico, apresentar em ligação as mais importantes datas.

Primeiro que tudo, quanto à feição geral de todo esse período, já o designamos nos preliminares deste capítulo como uma quadra de desenfreadas lutas parlamentares e de perturbações provinciais regionais; e, ao primeiro relancear de olhos, pode parecer que todos esses acontecimentos não tivessem estreita ligação entre si, como se a vida histórica do Brasil, na diversidade de seus aspectos, agora livre de toda pressão de cima, se dispersasse completamente.

Todavia, reconhece-se o fio vermelho que percorre todo o emaranhado, sem dúvida nem sempre inteiramente claro, freqüentemente muito escuro; pois, de um lado, acrescem nas diferentes províncias os mais diversos fatores regionais, e, por outro lado, dada a vasta extensão do império, a falta de fácil comunicação, quando começava um acontecimento a repercutir no extremo Norte, no extremo Ocidente, já havia esgotado de todo o seu efeito aqui no centro e no Sul.

E esse fio vermelho é a luta entre os dois partidos: o da centralização e o da descentralização, dois partidos que, diante de todo o desenvolvimento e da formação histórico-geográfica do Brasil, eram ambos naturais, assim como justificados, — luta que se concentrou na assembléia geral no Rio de Janeiro, porém depois se declarou também, sob diversas formas, nas diferentes províncias, e que, embora já fosse felizmente resolvida, em princípio, por meio do ato adicional à constituição, de 12 de agosto de 1834, precisou, todavia, de quase um decênio, para apaziguar-se completamente.

A organização dos partidos, por ocasião da abdicação de d. Pedro I, era mais ou menos a seguinte: o a que até então se costumava chamar partido português ou partido absolutista, — constando, na maioria, de antigos funcionários, muitos dos quais portugueses natos, criados nas tradições do absolutismo, que nelas perseveravam rigorosamente e, além disso, ligados ao imperador por pessoal afeição, — estava de fato alquebrado, sobretudo porque já começava a fazer-se sentir uma radical mudança da mentalidade no sentido brasileiro nativista; e se, daí em diante, ainda se falava muitas vezes em tramas subversivos dos chamados Pedristas, sobretudo em favor da reentronização do imperador exilado, todavia nos círculos bem informados ninguém lhes dava seriamente crédito.

Não restava a esses homens isolados do passado outro alvitre, senão se associarem ao partido conservador, que ao menos queria manter imutável a existente situação política, com a mínima alteração possível; e, com isto, desfez-se o partido denominado da restauração ou, como se costumava chamar-lhe, o partido Caramuru, pelo nome de seu órgão principal.

Fazia frente a esse partido a antiga oposição, que, com a abdicação de d. Pedro I, alcançara o triunfo, o poderio. Como se sabe, esse partido queria fazer reformas diversas na constituição existente, e para ela apresentava-se a constituição dos Estados Unidos da América do Norte como modelo preferido; portanto, uma reforma no sentido democrático e federalista; no seio desse partido, porém, cindiam-se os moderados dos exaltados, principalmente porque estes últimos demonstravam tendências para forçar a mudança de regime e adotar a organização republicana, ao passo que os moderados, cujo órgão dirigente continuou sempre sendo a Aurora Fluminense, queriam a conservação do governo monárquico e as reformas por via constitucional.

Embora hostilizados da direita e da esquerda, conservaram estes últimos em geral o predomínio; e assim como eles, por um lado, determinaram legalmente a descentralização e autonomia das províncias, foi por outro lado com o seu auxílio que o governo do país conseguiu evitar o perigo ameaçador da completa desagregação e conservar a unidade do império.

Feitas estas observações gerais de introdução, volvamo-nos diretamente à própria questão.

A regência provisória de três membros (marquês de Caravelas, senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e general Francisco de Lima e Silva), que a 7 de abril de 1831 assumira as rédeas do governo, abriu no dia próprio, 3 de maio, a sexta assembléia geral ordinária; e esta elegeu então, a 17 de junho, a regência permanente, igualmente de três membros, que foram, além do mesmo general Lima, José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz; ao mesmo tempo, foi confirmado no seu cargo o tutor da família imperial, nomeado pelo imperador quando da abdicação, José Bonifácio de Andrada, pois que não se reconhecera a validade dessa nomeação.

Com isso, ficava restabelecido um governo regular; todavia, a princípio, ele não estava bastante seguro, nem da sua própria capital, ainda sempre febrilmente agitada, como, por exemplo, logo a 14 de julho e nos dois dias seguintes, foi a tranqüilidade seriamente perturbada por um conflito entre a guarda nacional recém-constituída e a tropa de linha, e, de novo, a 7 de outubro, pela sedição dos soldados e presos na ilha das Cobras, situada na baía do Rio de Janeiro, que, todavia, a guarda nacional subjugou prontamente, com o sacrifício somente de uma vida.

Nisto, surgiu a discórdia nos próprios círculos do governo. Parecia como se o espírito dominador dos irmãos Andradas, que agora novamente tomavam parte saliente em todas as atividades parlamentares, sofresse impaciente o não terem também agora, como haviam tido dez anos atrás, o principal papel no Estado; na verdade, o mais velho era tutor do imperador; o segundo, Martim Francisco, ocupou pouco tempo, de 17 de junho até 16 de julho de 1831, o cargo de ministro da Fazenda; e o terceiro, Antônio Carlos, na sexta assembléia, foi presidente da Câmara dos Deputados; porém, em suma, eles foram em todo caso eclipsados, o seu nome foi ofuscado pelo esplendor ascendente da família Lima. Começaram eles então, — ou pelo menos disso foram acusados, — a intrigar contra a regência, e dizem que especialmente José Bonifácio deu ocasião a que irrompesse uma nova revolta no Rio de Janeiro, a 3 de abril de 1832.

Um bando de soldados e vadios, sob a chefia de um oficial alemão licenciado, Hoiser (barão von Bülow?), levantou no campo de SanfAna o funesto brado de:

"Abaixo a regência!"; foi, porém, dispersado, depois de uma troca de algumas salvas com a guarda permanente e a guarda nacional,92.

Perante a sessão da sétima assembléia ordinária, julho de 1832, o então ministro da Justiça, Diogo Antônio Feijó, acusou José Bonifácio publicamente de cumplicidade nessa revolta, e a Câmara dos Deputados resolveu, sem mais investigação, a exoneração dele; resolução que, todavia, não chegou a ser realizada, porque o senado recusou o necessário assentimento.

Ferido com isso, ofereceu à regência a sua demissão; porém, deixou-se facilmente convencer para continuar no cargo; e assim subsistiram brigas e ciúmes entre os regentes, de um lado, e o tutor do imperador, do outro lado, ao modo de até então. Finalmente, foi vencido José Bonifácio; a 15 de dezembro de 1833, foi exonerado do cargo (faleceu no Rio a 5 de abril de 1838) e a tutoria da família imperial entregue ao marquês de Itanhaém, — medida que firmou sobremodo o poder da regência, embora também conservassem os Andradas grande prestígio na assembléia.

 

O ano de 1833 é também de importância, pois justamente então o medo das veleidades de restauração de d. Pedro I estava no auge. Já alguns levantes regionais (o mais importante deles, a guerra denominada dos Cabanos, em Alagoas e Pernambuco, 1832, que se prolongou pelos anos seguintes), embora originados por outros motivos, quais fossem queixas e dissídios de partidos, tudo de caráter local, traziam pelo menos nas suas bandeiras o nome do ilustre exilado; e, agora, a 7 de junho de 1833, o ministro dos estrangeiros, Bento da Silva Lisboa, ao receber os avisos dos seus agentes acreditados na Europa sobre planos de restauração e de conjuras, recentemente descobertos, teve que dar parte oficial à assembléia, ao que sem dúvida acrescentou que pouca importância ligava aos fatos.

Tomou-se, todavia, a coisa muito a sério, e em conseqüência foram interrompidas de modo bastante descortês as relações diplomáticas com Portugal (somente reatadas depois da morte de d. Pedro) e a Câmara deliberou também acerca de medidas legais e outras providências de precaução, e em todas as províncias publicou-se a ordem de estar alerta, e, sobretudo, de não perder de vista os portugueses residentes. E este aviso deu motivo, por sua vez, a muitas perturbações de ordem, regionais, ou lhes deu, pelo menos, a mais decidida feição de hostilidade contra os portugueses; lembramos aqui somente a matança geral de portugueses numa revolta em Mato Grosso (maio a setembro de 1834).

Aliás, não teria sido necessário tal incitamento; como antes, em diferentes épocas e lugares, e ultimamente, ainda em 1831, também de novo no ano antecedente, a 17 de abril de 1833, deram-se semelhantes cenas de assassínios e roubo contra os portugueses, em Belém (Pará)!

O ano de 1834 foi o da reforma constitucional do Brasil. A Câmara dos Deputados, por determinação de uma lei de 13 de outubro de 1832, devidamente autorizada a fazer a reforma da constituição, encarregou uma comissão de elaborar o projeto respectivo; e esse projeto, que resultou no sentido moderado federalista, rejeitado um contra-projeto 193 mais tendente à centralização, recebeu a aprovação da Câmara (4 de agosto de 1834), pelo que foi o mesmo sancionado, a 12 de agosto, pela regência, e publicado como lei do império.

 

 

Esta reforma, denominada geralmente Ato Adicional à Constituição do Império (Lei da Reforma Constitucional), trouxe três mudanças. Primeiro, os artigos 1 a 25 diziam respeito à nova organização das representações provinciais; em vez dos conselhos gerais, de até então, simplesmente consultivos, cujas decisões, só depois da sanção do parlamento e do imperador, tinham força de lei, estabeleceram-se dora em diante, em cada província, assembléias legislativas, às quais, dentro dos limites das atribuições que lhes eram conferidas, cabia o direito de resolverem por si mesmas livremente sobre as questões puramente provinciais e cujas resoluções precisavam simplesmente da sanção do presidente provincial; somente em conflitos sobre atribuições e usurpações, reservava-se o governo imperial, isto é, o imperador e a assembléia nacional, o direito de intervir. E estas assembléias legislativas provinciais deviam constar, nas cinco províncias mais populosas, Rio, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, provisoriamente de 36 membros; no Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e São Pedro, de 28; e de 20 membros em todas as outras províncias; eram todos eleitos por dois anos, e constituíam só uma câmara; contudo, podia o governo imperial decretar, a pedido da assembléia legislativa local, a criação de segunda câmara para qualquer província, devendo esta ter maior duração do que a primeira (até aqui não se aplicou).

De um modo geral, portanto, com isso recebia cada província, para o seu governo regional e administração, em relação ao governo imperial brasileiro, ao gabinete imperial do Rio de Janeiro, uma autonomia e independência semelhantes às de que gozavam os Estados da União Norte-Americana em relação ao poder central (o gabinete de Washington), — modelo que, aliás, os autores dessa lei de reforma tinham tido em mira; quanto a particularidades, voltaremos ao assunto na apreciação geral sobre as condições da constituição brasileira .

193 O contra-projeto, redigido apenas em esboço, compreendendo dez breves artigos, que foi apresentado em 22 de julho de 1834 ao parlamento, coincidia plenamente com a noção triunfante, quanto à abolição do Conselho de Estado; porém, quanto a ambas as outras reformas, divergia do seguinte modo.

Primeiro: os conselhos gerais das províncias deviam, tais quais, transformar-se em assembléias legislativas provinciais, e às suas atribuições acrescentar-se-ia a da criação de impostos para fins provinciais; todavia, as suas decisões deviam depender da sanção do imperador (poder moderador) e também deviam, como as leis do império, ser publicadas em nome do imperador; além disso, na administração das finanças da província, devia também o parlamento exercer, ao lado da assembléia provincial, uma espécie de fiscalização, sem que, todavia, esse projeto exprimisse bem claramente quais eram as relações mútuas.

Segundo: o regente devia ser eleito para o período da legislatura (quatro anos) e isso no parlamento e pela maioria absoluta das províncias, tendo cada província só um voto (portanto, como nos Estados Unidos, para a eventural eleição presidencial pela casa dos representantes); do mesmo modo o vice-regente.

Na falta de ambos, devia a assembléia eleger um regente interino, e, até à sua nomeação, o presidente do Senado ou o presidente da Câmara dos Deputados ou também o presidente do Senado da Câmara Municipal, devia guiar o leme do Estado. (Nota do autor.)

* Evidentemente, há exagero, por parte do autor, nesta aproximação com o regime norte-americano da situação criada com a reforma constitucional de 1834. Esta marcou apenas o primeiro passo para uma maior autonomia das províncias. Mas praticamente ficou nisso. Mais não concedeu o Império, embora houvesse sempre forte empenho de alguns defensores do sistema federativo em pleitear uma situação, senão igual, pelo menos semelhante à dos Estados Unidos. Toda a obra de Tavares Bastos, notadamente A Província (aparecida em 1870), desenvolve-se nesse sentido. Mas só com a instituição do regime republicano foi o sistema federativo introduzido no Brasil. (O.N.M.).

A segunda parte do Ato Adicional, artigos 26 a 31, era no momento de importância ainda maior que a primeira, pelo fato de impor uma alteração na regência. Segundo a constituição (artigo 123), à falta de príncipe com os requisitos exigidos, devia governar uma regência, composta de três membros eleitos pela assembléia geral, conforme existia desde 1831; haviam-se, porém, verificado já os inconvenientes de uma tal autoridade de muitas cabeças, e foi então determinado que dora cm diante subsistiria um só regente. Sobre a duração do cargo e modo de eleição, foram adotados, quase sem alteração, os preceitos da constituição da Confederação Norte-Americana, no que diz respeito ao presidente.

Essa eleição seria feita pelos eleitores da respectiva legislatura, — e em todas as partes do país, no mesmo dia, — os quais, reunidos nos seus colégios, votariam por escrutínio secreto em dois cidadãos, dos quais um não nascido na província a que pertencessem os colégios, e nenhum deles seria cidadão naturalizado, somente elegíveis brasileiros natos. Apurados os votos, e verificada a votação, devia-se lavrar uma ata em três vias e enviá-las, uma à câmara municipal a que pertencesse o colégio, a segunda ao governo central, por intermédio do presidente da província, e a terceira diretamente ao presidente do senado.

Este último, recebidas as atas de todos os colégios, abri-las-ia em sessão conjunta, de ambas as câmaras reunidas, e faria contar os votos; o cidadão, que obtivesse o maior número destes, seria o regente (portanto, simples maioria); porém, se houvesse empate de dois ou mais cidadãos, entre eles decidiria a sorte.

O regente ficaria no cargo somente quatro anos, e, então, far-se-ia nova eleição, não havendo nenhum impedimento a uma possível reeleição.

A falta ou impedimento do regente, governará provisoriamente o ministro do Império, e, na falta deste, o ministro da Justiça; todavia, por esta vez, como era natural, foi conservada a atual regência, até que fosse eleito e empossado o primeiro regente, de conformidade com a nova prescrição.

Finalmente, em terceiro lugar: o artigo 32 do ato adicional suprimia o Conselho de Estado, de dez membros vitalícios, nomeados pelo imperador (colégio que, entretanto, mais tarde foi restabelecido).

Ê isso o que diz respeito ao texto da reforma da constituição, realizada pela câmara dos deputados de 1834 e que, por causa das inúmeras afinidades com a forma republicana, foi acolhida com grandes manifestações de júbilo pela imprensa e pela população da capital c também em geral nas províncias. De todo não achou aprovação unânime no senado, onde o velho elemento conservador era mais fortemente representado, nem na regência, na qual, mais que todos, Lima via de má vontade encurtar-se desse modo o seu mandato; e é pouco provável que fosse sincera a regência, quando, à sanção do Ato, exprimiu a esperança de que "esta reforma sem dúvida promoveria a concórdia, a felicidade e futura grandeza do império".

E, de fato, por esse lado se procurou embaraçar de muitos modos a execução da nova lei, especialmente no que dizia respeito à organização da regência; depois de chegadas já todas as atas da eleição, ainda adiou o senado, durante meses, a verificação dos votos, até, em vez disso, pediu a cooperação da câmara dos deputados, para eleger, pelo sistema antigo, novo membro da regência trina atual, em substituição de João Bráulio Muniz, que, entretanto, havia morrido. E a câmara dos deputados declarou-se pronta para isso, caso o senado assumisse toda a responsabilidade de semelhante quebra da lei e declarasse publicamente que a apuração dos votos era de todo impraticável, — responsabilidade gravíssima, da qual, o senado, todavia, recuou.

Procedeu-se então à apuração dos votos e resultou a vitória do padre Diogo Antônio Feijó, bispo de Mariana (província de Minas Gerais), outrora deputado por São Paulo, depois durante algum tempo (1832) ministro da Justiça e desde 1833 membro do senado pelo Rio de Janeiro, com uma maioria de 575 votos sobre o seu concorrente mais votado, Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti, de Pernambuco; foi Feijó, portanto, instalado como único regente do império, a 12 de outubro de 1835*.

Homem, sem dúvida, de grande energia e rígida inflexibilidade de espírito, desenvolveu Feijó, apesar da insuficiência dos meios que a parcimônia da assembléia lhe concedia, em todos os sentidos, viva operosidade, embora nem sempre bem sucedida; em breve, porém, tocou-lhe a mesma sorte dos governantes brasileiros seus antecessores: perdeu a popularidade, entrou em conflito com a assembléia e, incapaz de impor a sua vontade, porém, orgulhoso demais para ceder, preferiu, como antes dom Pedro, demitir-se, e, a 19 de setembro de 1837 apresentou a sua demissão.

No dia anterior, 18 de setembro, havia ele nomeado, das fileiras da oposição parlamentar, para ministro do império, a Pedro de Araújo Lima, de Pernambuco (mais tarde marquês de Olinda), que, segundo a letra da lei, assumiu a regência interina; e este, em resultado da nova eleição e apuração de votos, foi instalado regente efetivo, em outubro de 1838, com a determinação de que o seu mandato se estenderia até a maioridade constitucional do jovem imperador, portanto até 2 de dezembro de 1843.

O período de ambos esses regentes únicos foi perturbado, do mesmo modo que o de seus predecessores, por muitas revoltas nas províncias; entretanto, aquela esperança de que a reforma federalista da legislação (de 1834) promoveria a concórdia do império, começou em breve, de certo modo ao menos, a realizar-se.

Até ali, fora a capital, onde, desde 1833, não mais se deu perturbação séria da ordem, haviam estreitado a sua adesão ao governo imperial somente as províncias vizinhas: — a de igual nome, Minas Gerais e São Paulo. E bem merece ser lembrado de passagem, a este respeito, que, imediatamente depois da abdicação de d. Pedro I, entrou no Rio de Janeiro um esquadrão de São Paulo, de cavaleiros voluntários, equipados à sua custa, para sustentar o direito do imperador menino ao trono (abril de 1831); igualmente que, estalando, a 24 de março de 1833, na capital de Minas Gerais, Ouro Preto, uma revolução que terminou com a destituição e encarceramento do presidente provincial e alguns outros funcionários odiados, alegou-se que, em consideração ao sentimento inteiramente monárquico do povo, isso se fizera, porque aqueles homens haviam querido expulsar do trono o jovem monarca e proclamar a república.

Também as grandes províncias centrais, cujo orgulho arrogante havia até então ameaçado tantas vezes com a separação, agora, pouco a pouco, melhor se iam adaptando com a união ao império; parece mesmo que a reforma da constituição, concedendo-lhes governo autônomo, quase republicano, para os seus negócios regionais lhes dava satisfação plena ao sentimento da própria dignidade. A província de Pernambuco, antes tão irrequieta, não demonstrou daí em diante mais nenhuma agitação revolucionária, digna de menção; e, se na Bahia uns exaltados promotores de desordens conseguiram um levante revolucionário, procuraram e acharam exclusivamente apoio na população de cor, e, embora a revolução se apoderasse da capital da província (novembro de 1837 até março de 1838). fora de seus muros ela não conseguiu propagar-se.

Revoluções verdadeiramente perigosas, embora impotentes para derribar o império, porém que ameaçaram mutilar o seu conjunto geográfico, são as ocorridas então nos extremos confins do império. Assim, a guerra civil no Pará, a qual. a 7 de janeiro de 1835, começou com uma sedição militar e morticínio de funcionários e portugueses residentes, porém depois, quando os cabeças chamaram a população índia às armas, tomou feição de formal guerra de raças; foi proclamada a separação do império, todavia provisória, até à maioridade do jovem imperador; conseguiu, porém, a regência, já a 13 de julho de 1836, submeter a capital, Belém, e, até fins de 1837, todas as povoações mais importantes ao longo do Amazonas: e, cerca de 1839, extinguiram-se também ali as últimas convulsões revolucionárias.

Menos feliz foi a regência na província de São Pedro; ali, depois de uma primeira sedição malograda (outubro de 1834) deu-se segunda revolta, bem sucedida, a 20 de setembro de 1835, e, se a capital da província, Porto Alegre, já a 15 de julho de 1836, voltava ao dever, estabeleceram, porém, os rebeldes, na vila de Piratinim, um governo provisório, declararam mesmo afinal a completa separação do império, a república, em 16 de dezembro de 1837, e continuou a sedição, a guerra civil, com alternativas de sucesso, apesar de todos os esforços da regência.

De resto, eram de novo reclamadas no Norte as suas reduzidas forças militares por uma nova revolução: foi a denominada guerra dos Bem-te-vis, na província do Maranhão, e que começou com o saque da pequena cidade de Caxias (julho de 1839), e depois se espalhou longe pelo interior. Por felicidade, a navegação a vapor, costeira, justamente então organizada, permitiu à regência conseguir que ela não se propagasse na costa e nos portos, por meio de rápida remessa de tropas, e a revolta com isso se foi restringindo, e, já no correr do ano seguinte, 1840. era subjugada pelo general Luís Alves de Lima, mais tarde barão, visconde e conde de Caxias.

Assim, pois, aparece pela primeira vez, nesta ocasião, o fator que agora e no futuro se apresentará de incalculável importância para manter a união do império: a regular navegação a vapor, costeira.

Ao passo que até aqui, pelas dificuldades de comunicações por terra e pelos mais diversos obstáculos naturais, que se opunham, durante certas estações do ano. à comunicação pelo mar (ventos e correntes marítimos, etc), as revoltas regionais tinham tempo de propagar-se e tomar alento, antes que o governo do império tivesse mesmo conhecimento do fato; ele ficava agora em posição de marchar com pequeno exército, quase num momento, contra a perturbação da ordem; e com isso conservou-se a integridade do império mais fortemente do que antes.

Entretanto, havia-se também formado, pouco a pouco, uma poderosa oposição parlamentar contra o regente Pedro de Araújo Lima, na qual se salientavam ambos os irmãos Andradas sobreviventes, de seu lado cobiçosos de empunhar de novo o leme do Estado.

Não satisfeita a oposição com censurar do modo mais violento as ações do regente, sobretudo a mal sucedida guerra em São Pedro, atacava de um modo geral toda a situação do regente; especialmente o privilégio monárquico da irresponsabilidade, que a constituição assegurava à regência e que a reforma da constituição lhe deixara, era agora apresentado como perigoso, tanto para a liberdade do povo, como para a segurança do trono, e sofreu na imprensa e no parlamento incessantes ataques.

O único recurso, — assim argumentava a oposição, já desde alguns anos, — era, logo que fosse possível, declarar, antes do tempo legal, a maioridade do imperador e investi-lo pessoalmente no governo; no qual caso eles naturalmente alimentavam em seu íntimo a esperança de alcançar o poder no ministério. Finalmente (julho de 1840), esta oposição julgou-se bastante forte para apresentar uma correspondente moção, para a declaração antecipada da maioridade de d. Pedro II, na câmara dos deputados, moção contrária à constituição, e que, por esse motivo, sofreu vivos protestos da parte do governo e do partido conservador, tanto que, a princípio, quase não se lhe augurava êxito. Todavia, os audazes e calorosos discursos de justificação da moção, o seu ataque pessoal e a acusação contra o regente, acenderam as paixões do povo da capital, sequioso de novidades; e, quando, a 21 de julho, no meio dos debates, um membro da oposição, Navarro, de Mato Grosso, deu um viva à "maioridade de sua majestade imperial", apoiaram-no com vivas os ouvintes nas galerias e o povo na rua, reunido junto da casa da assembléia, com altas e incessantes manifestações de júbilo, e propagou-se essa cena da incipiente revolução parlamentar pelas ruas do Rio de Janeiro.

Apesar de envidarem todas as suas forças, não puderam os conservadores por mais tempo conter a torrente, e a câmara dos deputados nomeou uma comissão para dar formalmente o parecer sobre a moção.

Toda a noite permaneceram ambos os partidos em grande excitação e atividade: de um lado, o regente, com os seus ministros e amigos, por outro lado, as facções parlamentares e clubes políticos, reuniam-se em consultas e conferências; também a comissão cuidou dos seus trabalhos, mas, na manhã seguinte (22 de julho), quando a câmara dos deputados de novo se reuniu, diante da sala apinhada de povo, o parecer ainda não estava concluído.

Prescindiu a oposição também dessa formalidade; Navarro, acoimando a demora, da parte da comissão, de propositada e traiçoeira, insistiu em que se declarasse imediatamente, sem mais formalidades, a maioridade do imperador. Com isso, acendeu-se novo debate feroz, tumultuário, no qual a voz do presidente e os seus chamados à ordem do dia foram infrutíferos. Subitamente, apareceu uma mensagem do regente: era um decreto que adiava as câmaras por quatro meses, até ao próximo 20 de novembro.

No meio de silêncio absoluto, foi lida essa mensagem; porém, em seguida, recomeçou o tumulto, com redobrado furor. Enquanto o povo das galerias e da rua dava vivas frenéticos de aplausos, os oradores da oposição protestavam com veemência contra essa tresloucada violência, como eles diziam; quando o presidente quis pôr em prática o adiamento, viu-se impedido de fazê-lo.

Finalmente, tomou Antônio Carlos de Andrada a palavra e conclamou todos os amigos da pátria a que o acompanhassem ao palácio do senado; seguiram-no os seus partidários e uma multidão incontável de povo, que a cada passo ia engrossando mais, enquanto, por outro lado, nem a polícia, nem o exército, apareciam nas ruas.

Chegados ao paço do senado, reuniram-se as duas câmaras numa sessão conjunta e elegeram uma deputação, que, tendo como orador Antônio Carlos, se dirigiu à quinta imperial, a fim de saudar o imperador e pedir o seu consentimento para a declaração de maioridade; voltou em breve e informou que sua majestade, em consideração ao estado de coisas, havia concordado em assumir ele próprio o governo, e ordenara ao regente a retirada da ordem de adiamento.

Não é preciso descrever com que manifestações de júbilo este fácil e rápido triunfo do poder legislativo sobre o poder executivo foi acolhido na cidade e na assembléia; e, inebriados do triunfo, nem quiseram aceitar a última concessão, a retratação do ex-regente, como já lhe chamavam; declarou o presidente do senado, o marquês de Paranaguá, que nenhuma das duas câmaras funcionaria, porém ambas unidas formariam uma assembléia nacional soberana, que representaria a nação inteira e em cujo nome desejaria e exigiria a maioridade do seu imperador.

Ao mesmo tempo, foi resolvido que a assembléia se declarasse em sessão permanente e continuasse reunida, até que o imperador se apresentasse no seu seio, para prestar o juramento constitucional. E, de conformidade com essa resolução, permaneceram os membros, deputados e senadores, toda a noite na sala das sessões, ao passo que fora, na rua, ficavam, para a sua proteção, um destacamento de guardas nacionais, os alunos da escola militar e inúmeros bandos de populares. Na manhã seguinte (23 de julho de 1840), cerca das dez horas, o presidente do senado declarou solenemente, em nome e delegação da representação nacional, que d. Pedro II, imperador constitucional e perpétuo defensor do Brasil, entrava desde esse momento em maioridade e no pleno exercício das suas prerrogativas constitucionais; à tarde, perto das quatro horas, dirigiu-se o jovem monarca, acompanhado por sua augusta irmã e o seu tutor, saudado em caminho por incessantes aclamações delirantes, mesmo ao interior do paço do senado, e prestou ali, na presença da assembléia ordinária reunida em sessão plena de ambas as câmaras do parlamento, assim como do corpo diplomático, conforme tudo era de lei, o juramento constitucional.

Uma proclamação, redigida por Antônio Carlos de Andrada, adotada pela assembléia, anunciou, logo em seguida, ao povo brasileiro, o importante acontecimento: e, assim como a capital, durante muitos dias, se entregou a abundantes manifestações de júbilo, também nas províncias a notícia foi, por toda parte, acolhida com aprovação e solenizada com festejos de toda espécie; em breve, de todos os lados chegaram, de longe e de perto, deputações e mensagens, à capital, para exprimirem ao trono as suas felicitações e esperanças.

Destarte, teve fim a regência, e começou o governo do segundo imperador do Brasil; todavia os primeiros anos desse novo período conservaram no essencial o caráter do anterior.

Em primeiro lugar, como não podia ser de outro modo, os chefes do denominado partido liberal, isto é, da oposição triunfante, empunharam o leme do Estado; primeiro que todos, ambos, os Andradas (Antônio Carlos como ministro do Império, Martim Francisco como ministro da Fazenda — 24 de julho de 1840;: contudo, não se puderam conservar muito tempo no poder, e já, a 23 de março de 1841, tiveram que cedê-lo de novo a seus adversários de outros tempos, os chamados conservadores, sob cuja administração foi logo solenizada, com grande pompa, a 18 dejulho de 1841, a coroação de d. Pedro II.

Além disso, sob esse mesmo governo se realizaram especialmente duas medidas, ambas destinadas a fortalecer o governo: a lei de 23 de novembro de 1841. que determinou o restabelecimento do Conselho de Estado, abolido pela reforma de 1834, e que logo foi criado com doze membros vitalícios ordinários, entre ele* o ex-regente, Pedro de Araújo Lima, e alguns de seus mais eminentes conselheiros: e uma reforma cia legislação criminal de 1829, que a desembaraçou das excentricidades mais perigosas para o Estado194 e 194-A.

Contudo, não se julgou esse ministério em condições de opor-se à assembléia geral do ano seguinte; as novas eleições, justamente realizadas para o começo do quinto período de legislatura, apesar do emprego de todos os meios do governo, haviam resultado com preponderante maioria no sentido oposicionista. Resolveram então os ministros tentar a dissolução e nova eleição; a câmara dos deputados, que se reuniu provisoriamente a 25 de abril de 1842 (alguns dias antes da abertura legal da sessão), para examinar os diplomas, foi dissolvida a l9 de maio, sem ter chegado mesmo a ser aberta formalmente com uma fala do trono, e foi logo em seguida convocada nova eleição.

Em conseqüência, a oposição levantou a bandeira da revolta, não contra o imperador, porém contra o ministério.

O primeiro rompimento deu-se em Sorocaba (província de São Paulo), a 14 de maio; mais ou menos ao mesmo tempo, deu-se outro na província de Minas Gerais; também mais para o norte, em Pernambuco e Ceará, declararam-se agitações revolucionárias idênticas; e mesmo nas ruas da capital, Rio de Janeiro, encontrou-se, a 17 de julho, afixada uma proclamação, que convocava o povo a libertar o monarca da tirania de seus conselheiros.

Não obstante, triunfou em breve o ministério, em todos os pontos, sem que as coisas chegassem propriamente à guerra. Merece somente menção o pequeno combate em Santa Luzia (Minas Gerais), onde o general do império, Luís Alves de Lima, barão de Caxias, subjugou os revoltosos (a 20 de agosto de 1842)19s. Dessa povoação tomou desde então o partido dos chamados "liberais" a alcunha de "os Santa Luzia", ao passo que os denominados conservadores adotaram a de "saqua-remas", de uma outra povoação da mesma província196.

Procederam-se então as novas eleições por toda parte, sem mais perturbações da ordem; novo parlamento extraordinário reuniu-se a l9 de janeiro de 1843; e daí em diante, embora não se calasse de modo algum a luta dos partidos, limitou-se ao campo de batalha parlamentar.

Somente no extremo Sul do império, na província de São Pedro, ardeu ainda mais tempo a chama da revolução regional, acesa desde 1835, até que o general barão de Caxias, o vencedor das revoluções provinciais do Maranhão, São Paulo e Minas Gerais, no correr dos anos 1843-1844, também aqui alcançou a vitória para a causa da ordem; então um decreto imperial, de 18 de dezembro de 1844, concedeu generosamente anistia plena, sem exceção, para todos os delitos políticos.

E, desde então, não mais perigaram a paz interior, a estabilidade geográfica, a organização monárquica constitucional do Brasil; terminara a era revolucionária e para o tão experimentado império começava um novo período de salutar desenvolvimento pacífico.

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