Determinismo ou livre-arbitrio?

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  • #73578

    Os lances possíveis do xadrez são estimados em 10 elevado a 120, ou seja, virtualmente infinitos.

    O xadrez obedece àquele ideal matemático de que tanto falam os filósofos, a relação de idéias independente do mundo objetivo. É um universo fechado, com regras próprias, que pode se manter inalterado mesmo que não haja nenhum correspondente no mundo. É o que ilustra bem o poema de Pessoa (Ricardo Reis), que colo abaixo:

    Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
    Tinha não sei qual guerra,
    Quando a invasão ardia na Cidade
    E as mulheres gritavam,
    Dois jogadores de xadrez jogavam
    O seu jogo contínuo.

    À sombra de ampla árvore fitavam
    O tabuleiro antigo,
    E, ao lado de cada um, esperando os seus
    Momentos mais folgados,
    Quando havia movido a pedra, e agora
    Esperava o adversário.
    Um púcaro com vinho refrescava
    Sobriamente a sua sede.

    Ardiam casas, saqueadas eram
    As arcas e as paredes,
    Violadas, as mulheres eram postas
    Contra os muros caídos,
    Traspassadas de lanças, as crianças
    Eram sangue nas ruas…
    Mas onde estavam, perto da cidade,
    E longe do seu ruído,
    Os jogadores de xadrez jogavam
    O jogo de xadrez.

    Inda que nas mensagens do ermo vento
    Lhes viessem os gritos,
    E, ao refletir, soubessem desde a alma
    Que por certo as mulheres
    E as tenras filhas violadas eram
    Nessa distância próxima,
    Inda que, no momento que o pensavam,
    Uma sombra ligeira
    Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
    Breve seus olhos calmos
    Volviam sua atenta confiança
    Ao tabuleiro velho.

    Quando o rei de marfim está em perigo,
    Que importa a carne e o osso
    Das irmãs e das mães e das crianças?
    Quando a torre não cobre
    A retirada da rainha branca,
    O saque pouco importa.
    E quando a mão confiada leva o xeque
    Ao rei do adversário,
    Pouco pesa na alma que lá longe
    Estejam morrendo filhos.

    Mesmo que, de repente, sobre o muro
    Surja a sanhuda face
    Dum guerreiro invasor, e breve deva
    Em sangue ali cair
    O jogador solene de xadrez,
    O momento antes desse
    (É ainda dado ao cálculo dum lance
    Pra a efeito horas depois)
    É ainda entregue ao jogo predileto
    Dos grandes indif'rentes.

    Caiam cidades, sofram povos, cesse
    A liberdade e a vida.
    Os haveres tranqüilos e avitos
    Ardem e que se arranquem,
    Mas quando a guerra os jogos interrompa,
    Esteja o rei sem xeque,
    E o de marfim peão mais avançado
    Pronto a comprar a torre.

    Meus irmãos em amarmos Epicuro
    E o entendermos mais
    De acordo com nós-próprios que com ele,
    Aprendamos na história
    Dos calmos jogadores de xadrez
    Como passar a vida.

    Tudo o que é sério pouco nos importe,
    O grave pouco pese,
    O natural impulso dos instintos
    Que ceda ao inútil gozo
    (Sob a sombra tranqüila do arvoredo)
    De jogar um bom jogo.

    O que levamos desta vida inútil
    Tanto vale se é
    A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
    Como se fosse apenas
    A memória de um jogo bem jogado
    E uma partida ganha
    A um jogador melhor.

    A glória pesa como um fardo rico,
    A fama como a febre,
    O amor cansa, porque é a sério e busca,
    A ciência nunca encontra,
    E a vida passa e dói porque o conhece…
    O jogo do xadrez
    Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
    Pesa, pois não é nada.

    Ah! sob as sombras que sem qu'rer nos amam,
    Com um púcaro de vinho
    Ao lado, e atentos só à inútil faina
    Do jogo do xadrez
    Mesmo que o jogo seja apenas sonho
    E não haja parceiro,
    Imitemos os persas desta história,
    E, enquanto lá fora,
    Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
    Chamam por nós, deixemos
    Que em vão nos chamem, cada um de nós
    Sob as sombras amigas
    Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
    A sua indiferença.

    #73579

    Onofre, poderíamos marcar uma partidinha…
    Realmente, virtualmente infinito, porém determinadamente seu fim é o xeque-mate (empate tbm há). Há muitas jogadas, todas nos levam a montar um novo tabuleiro, começar um novo jogo determinado pelo seu fim, limitado com sua virtual infinitude de jogadas.
    Cada jogada determina a próxima do oponente, reduzindo sua possibilidade de escolha e assim vai.
    Abs

    (Mensagem editada por mceus em Abril 23, 2002)

    #73580

    Karein

    de certo que há um entrelaçamento entre o consciente e o inconsciente…como há tb na comunicação através das palavras faladas, internet, gestos, etc, uma comunicação oculta/inconsciente que está além das palavras ditas-escritas-gesticuladas… poderíamos tomar como exemplo o impressionismo(já que falou-se em arte) que não se preocupa com o plano meramente físico… é, portanto, um caminho que nos mostra não as partes, mas o todo… um instante…. um momento…a significação…sou da opinião que o erro está em encarar a realidade de forma simplista… uma espécie de cópia do todo com partes que compõem outros todos e que podem viver independentes… como dizem os artistas o todo é o todo-impressão… isto é vida, ou seja, as pessoas não olham para algo em seus pormenores, ninguém!…. as pessoas guardam impressões das coisas…

    márcio

    o mundo dos sonhos é interpretado por fenômenos… o mundo dos sonhos não pode ser repetido…o mundo dos sonhos não é ensinado, ele é encontrado e compreendido.

    isabel

    interessante a metáfora do jogo de xadrez…é uma metáfora dentro de outra….

    falou-se sobre calma, paciência, limitação das peças e tabuleiro(objetos, universo e suas regras?), jogadas finitas e infinitas, bem como novos jogos…estaríamos a descrever um universo onde estamos contidos… seríamos jogadores de um universo possível e ao mesmo tempo peças do jogo de um universo que existe em torno de nós… somos as peças que tb jogam… uma metáfora dentro de outra… e se houvesse entrelaçamento entre jogador e peças nos mesmos moldes daquilo que eu e a karein falamos acima, o jogador de forma consciente e as peças inconscientemente… as peças jogam um outro jogo, mas influenciam tb o jogador….no jogo há um objetivo, cada passo visa um objetivo…objeto e sujeito se fundem, mas não se confundem…eckhart

    abs.

    #73581

    Alex,

    ref. – isto é a vida, as pessoas não olham para os pormenores ….

    Celônio : há sempre um vento passando pelos cantos.

    Orto : Os cantos …. isso é coisa de Agda. Também te fala dos cantos das paredes ? Da pena que sente quando vê um canto ? Um canto de parede, isso mesmo. Ela me disse : não percebes que ninguém vê esse canto ? que ele está aí e a gente passa por ele como se ele nunca tivesse existido ? Claro que eu começei a rir. E antes de entrar no quarto me pegou pelo braço e disse assim : Orto, se a gente olha tudo, , de um jeito vagaroso, tudo é sagrado.

    Kalau : nem parece que falamos da mesma mulher.

    ( extraído Ficções (Agda) de Hilda Hilst).

    ninguém ! Hilda Hilst dentre outros olham ….

    ref. sonhos

    se tidos como fenômenos, Freud os racionalizou transferindo-os para a vigília ao analisar seus
    pacientes, um bocejo e tanto … ! tudo bem que o manifesto nunca vai ser o correlato do latente mas esse fato tb contribiu para pensar a cientificidade da psicanalise.

    abs.

    #73582
    márcio
    Membro

    Varios temas … A Determinacao do Infinito.
    Estamos deslumbrados com o numero de possibilidades de movimentos em um mero tabuleiro 8×8 … Basta um tabuleiro de 10×10 para ver que o tabuleiro de 8×8 é pequeno. E um tabuleiro de 1000x1000x1000 ? Nos temos uma limitacao incrivel para tratar o muito grande (e do muito pequeno).

    Pormenores ? Fundamental.
    Infinito ? Tabuleiro de Pormenores.

    Alex: Sonhos ? Nao entendi (nao me lembro de ter mencionado sonhos …)

    #73583

    Alex:
    “seríamos jogadores de um universo possível e ao mesmo tempo peças do jogo de um universo que existe em torno de nós… somos as peças que tb jogam… uma metáfora dentro de outra…”, ou seja, somos jogados quando julgamos jogar..julgamos controlar o que está definido-determinismo…julgamos jogar-livre arbítrio? Julgarmos jogar faz parte do jogo do universo…questionarmos as regras do jogo é, ainda assim, ser jogado…

    abs.

    #73584

    karein

    hilda “guarda a impressão” de que tudo é sagrado, daí a sua atenção nos objetos… de um certo modo tudo é parte…tudo é pormenor…depende do referencial…. não era disto que falava, mas sim da visão “simplista” que não corresponde ao fatos da vida…

    ninguém!: autoengano/posições insustentáveis, todos temos impressões das coisas…isto me faz lembrar o crente dentro da igreja a repetir(“vã repetiçao”) textos sagrados…ele tem conhecimento perfeito das escrituras…e diz ser temente e respeitador dos mandamentos, afinal esta postura irá lhe garantir paz depois da morte ou uma respeitada postura dentro do universo cativo…é um asceta…mas o seu coração está cheio dos desejos do mundo…cazuza tem uma frase para isto: “as suas idéias não correspodem aos fatos”…a pergunta que faço é: pq é bonito parecer científico? é o parecer/ser que hamlet esclarece a sua mãe…em um trecho sua mãe lhe pergunta pq parece desanimado/triste…ele responde que parecer não é ser…parecer são exterioridades e o que ele sentia o tocava no mais íntimo: ” atavios e galas de dor”

    mantenho meu voto: as pessoas tem impressões…não somos eletrons, equações ou blocos de construção…o nosso entendimento de algo é sempre mais profundo do que a simples descrição de determinado enunciado…já falara outrora sobre isto…(Popper comenta Fries)…em 1905 um suiço de 26 anos teve uma impressão que posteriormente explicitou no papel em termos de equação…tenho para mim que a equação é simplesmente uma forma de morder coisas concretas…este calabouço deixa inevitavelmente algo de fora(as vezes a parte humana)…não nego as equações, apenas me recuso a torná-las os novos deuses…este é o entendimento da incompletude matemática…que já era evidente no comum sentir muito-muito antes de godel…

    márcio

    galileu diria que “aquilo que não pode ser medido e quantificado não é científico” ou seja, dentro da atual ciência não há espaço para valores, experiências ou ética – repressa que está à ruir.

    Humm. Acho que isso esta mudando. Nos vamos para o mundo virtual. E vamos ter a ciencia do Mundo Virtual. E ela vai estar alinhada com a Ciencia do Mundo Real. É apenas uma questao de tempo.
    Mundo Virtual ~= Mundo dos Sonhos ? … pode ser.

    aproveitando o gancho da karein….acredito que freud desenvolve a tecnologia para analise dos sonhos…ele coloca os óculos da modernidade no antigo..depois dele outros estão a desenvolver esta tecnologia…racionaliza e não equaciona….falo sobre a impossibilidade de equacionar este universo onírico…vc pode estudar profundamente freud e não resolver o problema do paciente, isto acontece pq o analista não “encontra” aquilo que só pode ser encontrado …um ex simples o filme: “gênio indomável” temos uma lição de psicanalise…entrelaçamento paciente-médico…um universo mítico…onde ambos aprendem…sem isso a tecnologia da mente de nada serveria naquele caso(“ouvir e não escutar”)….

    isabel

    dentro de sua metáfora…e acredito ser perigoso nos alongarmos nela ou tentarmos dissecá-la, pois ela como qualquer outra metáfora não é completa…serve apenas para satisfazer a alma das personalidades que necessitam construir um universo onde se possa morder coisas concretas..

    o tabuleiro é a matriz de interações

    temos o jogador

    as peças

    o universo que imaginamos seria um universo onde as peças estão influenciando o jogador inconscientemente nas suas decisões…as peças sabem que estão no tabuleiro jogando…a relação entre um e outro seria a do consciente cheio de coisas do inconsciente…as decisões que tomamos são apenas nossas, no sentido de isoladas(?)…haveria o inconsciente coletivo tb a nos influênciar além do inconsciente individual, das decisões conscientes e das inúmeras experiências particulares de cada indivíduo…a idéia caminharia no sentido de que temos livre arbítrio e ao mesmo tempo não o temos…

    abs.

    #73585

    Alex,

    re-lendo sua mensagem novamente e complementando com estas últimas ressalvas , percebi que de fato não tinha entendido o que havia sido dito, concordo em parte, para não correr o risco de ser generalista ; no que diz respeito a olhares simplistas : ver as partes fragmentadas para poder discernir um todo no plano do concreto, ao menos a sequência lógica vai ser essa …. resta saber o que esperam encontrar no final , a soma das partes ou um todo sinérgico … da mesma forma que no trabalho científico cada detalhe deve ser exposto de maneira inequívoca : não pode haver espaço para o mero acidente; a linguagem do sagrado relaciona-se mais de perto com a linguagem da poesia … para Agda o canto era canto sentindo o canto subjetivamente, para Orto o canto era a mesma coisa que nada, no entanto, Orto era objeto de Agda.

    o que parece ser não é .-

    a ciência mostra as partes pretendendo mostrar o todo, domínio do objetivo, tudo pode parecer que é ou ser afirmações da verdade dependendo do referencial que se observe, se se considera a verdade como valor ético ou valor verdade/falso .

    as equações tb lidam com níveis de abstrações, no entanto são utilizados na apreensão coerente de certos domínios, seria então o existir ” Deus ” uma abstração de um nível além do , de forma a facilitar nosso entendimento coerente do mundo ? Provalvemente não . Concordo em que as equações sejam formas de morder coisas concretas .

    (…)

    #73586

    Alex,

    (…)

    ref. Freud.-

    discordo da terminologia ” desenvolveu tecnologia “, não diria tecnologia, mas sim metapsicologia para lidar com instâncias psíquicas, o fato do psicanalista não conseguir lidar com o problema do paciente, é relativo, não assisti o filme em questão, mas conteúdos oníricos estão impregnados por simbologias de ordem diversas, a questão não seria essa, mas como lidar com esse material de forma a não racionalizar, mas transferir para o consciente de forma tal que o paciente consiga trazer à tona para o seu universo de forma a não desenvolver patologias.

    abs.

    #73587

    karein

    mas transferir para o consciente de forma tal que o paciente consiga trazer à tona para o seu universo de forma a não desenvolver patologias

    de fato falamos tb sobre metapsicologia, mas esta metapsicologia já não existia antes da própria psicologia na forma de mitos+sabedoria? refiro-me ao trazer a tona….algumas religiões poderiam servir como exemplo(xamãs????)..daí eu ter optado pelo termo tecnologia(algo que se desenvolve dentro dos padrões de sua época)…concordo com o termo metapsicologia….as discrepâncias são as minúcias das partes… quero dizer, não tão importantes…como diria o márcio : “estamos alinhados”.

    sobre equações apenas quero dizer que não existe na natureza( vida ) uma reta perfeita….

    abs

    #73588

    Alex,

    é vc tem razão nesse sentido, de existir bem antes da psicologia/psicanalise como ciência, os mitos e sabedorias implícitas, … tecnologia me assustou um pouco na medida em que trata-se com seres humanos, concordo com as tais minúcias, mas os detalhes são importantes , quando se trata de humanos.

    vida , retas, com certeza, há tudo menos retas.

    abs.

    #73589
    márcio
    Membro

    Onofre, este site parece interessante. Merece uma breve leitura. É sobre o proximo embate Homem versus SW/HW.

    http://www.brainsinbahrain.com

    #73590
    márcio
    Membro

    Ainda sobre xadrez: entendi que existe uma unidade para medir a performance de um jogador, chamada ELO. Aparentemente um ELO de 2700 me parece ser um possivel topo para a capacidade de processamento humana. O computador desafiante de Kramnik, tem (apenas) 8 processadores e um ELO estimado de 2800.

    Isso me deixa curioso, porque nao é tao dificil assim encontrar computadores com 64 (ou mais) processadores.

    #73591

    márcio

    não é a quantidade que importa, mas sim a capacidade de saltar para fora do sistema(processar uma matemática do tipo 1+1= ao nº que vc quer)…uma máquina que fazia isto: Hall9000 influênciado pelos Monolitos é claro!….

    abs

    #73592

    Márcio…não resisti à curiosidade e fui dar uma olhada no link e, de facto, chamou-me a atenção um aspecto que efectivamente é fundamental e curioso: a capacidade intuitiva e a criatividade humanas. Fala-se na luta entre a criatividade e o mostruoso poder de cálculo, na noção de dignidade humana…achei interessante!Até que ponto a criatividade e a intuição não conduzirão mais depressa ao “abismo”??!!!É a dignidade humana “jogada” nesse limite?….

    abs.

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