Biografia de Alexandre o Grande – Plutarco – Vidas Paralelas

SUMÁRIO (RESUMO) DA VIDA DE ALEXANDRE,
O GRANDE

I. Plutarco propõe-se escolher na vida de Alexandre
e César os traços mais próprios para permitirem o julgamento do espírito e da
coragem de ambos.
II. Diversas tradições sobre
o nascimento de Alexandre.V. Alexandre vem ao mundo
no dia do incêndio do templo de Diana de Éfeso. VI. Constituição física de
Alexandre.VII. Qualidades morais por ele
reveladas na infância.VIII. Dos que se encarregaram
de sua educação. IX. Alexandre domina o
cavalo chamado Bucéfalo. X. Felipe contrata.
Aristóteles para educar o filho.XI. As ciências que
Alexandre aprendeu de Aristóteles. XII. Sua predileção pela
Ilíada de Homero.XIII. Primeiras façanhas de
Alexandre.XIV. Desinteligência com
Felipe. XV. Demarato induz Felipe a reconciliar-se
com o filho. XVI. Felipe impede que ele se
case com a filha de Pexodoro, príncipe da Caria. XVII. Pausânias assassina Felipe. XVIII. Conduta de Alexandre ao
subir ao trono.

XIX. Saqueia
a cidade de Tebas. XX. Generosidade
de Timocles. XXI. Alexandre
arrepende-se da maneira cruel como tratou os tebanos. XXII. Entrevista de Alexandre e
Diógenes. XXIII.
Presságios
que precedem a expedição de Alexandre contra a Ásia. XXIV. Estado das forças de
Alexandre por ocasião de sua partida. XXV. Vai a Ílion sacrificar a Diana e aos heróis gregos mortos
no sítio de Tróia. XXVI. Empreende
a travessia do Granico diante
do exército de Dário, que o esperava na margem oposta. XXVII.
Clito
salva-lhe a vida. XXVIII. Alexandre alcança a vitória. XXIX. Felizes
resultados desse triunfo. XXX. Alexandre submete a Cilicia,
a Fenícia, a Panfília. XXXI. Corta o nó Górdio. XXXII. Sonho
de Dário. XXXIII.
Alexandre
cai doente. XXXIV. Confiança de Alexandre no seu médico Felipe. Cura-se. XXXV. Conversação de Dário com Amintas. XXXVI. Batalha de Isso. XXXVII. Bom humor de Alexandre à
vista do luxo de Dário. XXXVIII. Conduta de Alexandre para com a mãe, a mulher e as
filhas de Dário. XXXIX. Continência de Alexandre. XL. Sua sobriedade. XLI. Sua maneira
cotidiana de viver. XLII. Gostava de gabar-se e de ser elogiado. XLIII. Gastos
com a mesa. XLIV. Ambiciona a posse das riquezas que os persas tinham
depositado em Damasco. XLV. Sitia a cidade de Tiro. XLVI. Durante o sítio, vai
fazer a guerra aos árabes. XLVII. Toma Tiro. XLVIII. Toma a cidade de Gaza.
XLIX. Coloca a Ilíada de Homero dentro de um magnífico relicário. L. Edifica
Alexandria. LI. Vai consultar o oráculo de Júpiter Âmon. LII. Resposta do
oráculo. LIII. O que o próprio Alexandre pensava de sua filiação divina. LIV.
Festas e jogos que Alexandre faz celebrar. LV. Recusa as propostas de aliança
de Dário. LVI. Relato que o eunuco Tireu faz a Dário sobre a maneira como
Alexandre tratara as princesas prisioneiras. LVII. Combate entre dois valetes
do exército de Alexandre, sob os nomes de Alexandre e Dário. LVIII. A última
batalha foi travada perto de Gausamelos e não de Arbelos. LIX. Alexandre recusa
o conselho que lhe dão para combater à noite. LX. Longo e tranquilo sono de
Alexandre antes da batalha. LXI. Resposta ao pedido de Parmênion no sentido de
lhe ser enviado reforço para defender a bagagem. LXII. Põe as tropas em ordem
de batalha. LXIII. Vitória completa de Alexandre. LXIV. Manda reconstruir a
cidade de Pláteas. LXV. Do desfiladeiro de Nafta, perto de Ecbátanos. LXVIII. Alexandre
apodera-se de Susa. LXIX. Torna-se senhor da Pérsia. LXX. O palácio de Xerxes
incendiado por instigação de Taís. LXXI. Liberalidades de Alexandre. LXXIII. Repreende os oficiais por seu luxo excessivo. LXXIV. Amizade afe-tuosa de
Alexandre, cordialidade testemunhada aos amigos. LXXVI. Persegue Dário com
grande celeridade. LXXVII. Morte de Dário. LXXVIII. Bucéfalo perdido e
recuperado. LXXIX. Alexandre bate os citas. LXXX. Da lenda das Amazonas. LXXXI. Em arenga às tropas, concita-as a prosseguir na conquista da Ásia. LXXXII.
Desposa Roxana. LXXXIII. Dirime uma divergência entre Heféstio e Crátero. LXXXIV. Pilotas torna-se suspeito a Alexandre. LXXXV. Ele oculta a conjuração
formada por Limno (Dimno) contra Alexandre. LXXXVI. Morte de Pilotas e de Parmênion.
LXXXVII. Assassínio de Clito. XC. Desgosto de Alexandre. XCI. Consola-o
Anaxarco. XCII. Altercação entre Anaxarco e Calístenes. XCIII. Indiscrição de Calístenes,
que se torna odioso aos macedônios e a Alexandre. XCIV.
Os cortesãos de Alexandre o indispõem contra Calístenes. XCV. Morte de
Calístenes e Bemarato. XCVI. Alexandre, prestes a partir para a índia, manda
queimar os despojos e as bagagens inúteis. XCVII. Diversos presságios sobre o
bom. êxito de sua expedição. XCVIII. Toma a rocha de Sisímetres. XCIX.
Como recebe os embaixadores das cidades do país. C. Entrevista de
Alexandre com Táxilo. CI. Pérfida crueldade de Alexandre para com uma tropa de
bravos indianos. CII. Atravessa o Hidaspes para atacar Poro. CIII. Triunfa. CIV. Como trata Poro. CV. Os macedónios recusam-se a penetrar mais na índia. CVI.
Monumentos que Alexandre deixa de sua expedição. CVII. Tomada da
cidade dos malianos. CVIII. Presenteia os sábios do país chamados
gimnosofistas. CIX. Envia Onesícrito aos brâmanes, CX. . Vai ver
o Oceano. CXI. Pompa báquica de Alexandre. CXII. Sublevações e
desordens no império de Alexandre. CXIII. Manda matar aquele que
violara o túmulo de Ciro. CXIV. Morte do brâmane Calano. CXV. Alexandre
desposa Estatira. CXVI. Licencia com grandes presentes os macedônios tornados
inúteis para a guerra. CXVII. Morte e sepultura de Hefestio. CXVIII. Presságios
que advertem Alexandre a não entrar na Babilónia. Entra. CXIX. Novos presságios
de infortúnio. CXX. Alexandre torna-se triste e desconfiado. CXXI. Superstição
de Alexandre. CXXII. Cai doente. CXXIII. Morre. CXXIV. Se é verdade que teria
sido envenenado. CXXV. Roxana manda matar Estatira.

Desde
o primeiro ano da 106.ª
olimpíada até ao primeiro ano da 114.ª; antes de Jesus Cristo, 324.

Vida de Alexandre
Plutarco –
Capítulo de Vidas Paralelas

Tradução Brasileira de Carlos Chaves com base na edição francesa de Amyot. Notas e observações de Brotier, Vaulliers e Clavier. Fonte: Ed. Edameris.

Tendo-me proposto escrever neste
livro as vidas do rei Alexandre, o Grande, e de Júlio César, que derrotou
Pompeu, pelo número infinito de coisas que se apresentam diante de mim, não
usarei de outro prólogo senão o de pedir aos leitores que não me repreendam por
não expor tudo amplamente e por miúdo, mas sumariamente, abreviando muitas
coisas, mesmo nos seus principais atos e feitos mais memoráveis ; pois é
preciso que se lembrem de que não me pus a escrever histórias, mas vidas
somente; e as mais altas e gloriosas proezas nem sempre são aquelas que mostram
melhor o vício e a virtude do homem; ao contrário, muitas vezes uma ligeira
coisa, uma palavra ou uma brincadeira põem com mais clareza em evidência o
natural das pessoas do que derrotas onde tenham morrido dez mil homens, ou
grandes batalhas, ou tomadas de cidades por sítio ou assalto. Portanto,
exatamente como os pintores que retratam ao vivo procuram as semelhanças só ou
principalmente na face e nos traços do rosto, nos quais se vê como que a imagem
impressa dos costumes e do natural dos homens, sem preocupar-se com outras
partes do corpo, assim também nos deve ser concedido que procuremos sobretudo
os sinais da alma e formemos desse modo um retrato natural da vida e dos
costumes de cada um, deixando que os historiadores descrevam as guerras,
batalhas e outras grandezas tais.

É coisa tida como inteiramente certa que Alexandre, o Grande, pelo lado
paterno, descendia da raça de Hércules através de Carano, e pelo lado materno
provinha do sangue dos Eácidas, por Neoptólemo. E dizem que o rei Felipe, seu
pai, quando adolescente, enamorara-se de sua mãe Olímpia, também ainda menina e
órfã de pai e mãe, na ilha de Samotrácia, onde foram ambos recebidos na
confraria da religião do lugar, e que depois ele a pediu em casamento a um
irmão, Arimbas, que consentiu; mas, na noite anterior àquela em que se
encerraram juntos dentro do quarto nupcial, a esposa sonhou que um raio lhe
caíra no ventre e que do golpe surgira um grande fogo, o qual se desfez em
várias chamas que se espalharam por toda parte; e Felipe, seu marido, sonhou
também, mais tarde, que selava o ventre da mulher, sendo a gravura da sela a
figura de um leão. Interpretaram os adivinhos que tal sonho o admoestava de que
devia zelar cuidadosamente a mulher; mas Aristandro de Telmesso (1) achou que isso
significava que a mulher estava grávida: "Porque, disse ele, não se sela
um vaso onde não há nada dentro, e assim ela estava grávida de um filho que
teria coração leonino". Dizem também que uma vez, quando ela dormia,
apareceu-lhe no leito uma grande serpente que se lhe estendeu toda ao lado e
foi causa principal, pelo que se presume, de arrefecer o amor que lhe dedicava
e as carícias que lhe fazia o marido, de maneira que ele, ao contrário do que
antes se acostumara, já não ia com tanta frequência deitar-se com ela, ou
porque receasse que a mulher o enfeitiçasse, ou porque se reputasse indigno de
sua companhia, julgando-a amada e gozada por algum deus.

Isso é ainda contado de outra maneira: é que as
mulheres dessa geração em toda a antiguidade são ordinariamente tomadas pelo
espírito de Orfeu e pelo furor divino de Baco, sendo por isso chamadas Clódones
e Mimálones, Como quem diz furiosas e belicosas, e fazem várias coisas
semelhantes às mulheres Edômas e Trácias, que habitam ao longo da montanha de
Emo; de modo que parece que essa palavra Trescevino (2) que em língua grega
significa curiosa e supersticiosamente dedicar-se às cerimônias do serviço dos
deuses, derivou-se delas; e Olímpia, amando tais inspirações
e furores divinos, exercendo-os mais barbaresca e excessivamente do que as
outras, atraía para si em suas danças grandes serpentes, as quais, deslizando
muitas vezes por entre as heras com que as mulheres se cobrem em tais
cerimonias, e fora das cirandas sagradas que transportam, e enrodilhando-se à
volta dos dardos que seguram nas mãos e dos chapéus que trazem à cabeça,
espantavam os homens.

(1) Telmesso é uma cidade da
Lícia onde a arte dos arúspices estava muito florescente.
(2) Treskeyein, imitar os
trácios, e daí exercer o seu culto supersticioso.

IV. Não obstante, depois que teve essa visão, Felipe enviou
Queronte de Megalópolis ao oráculo de Apolo em Delfos, para indagar o que seria
aquilo e o que devia fazer; e ali lhe foi respondido que sacrificasse a Júpiter
Âmon e o reverenciasse acima de todos os outros deuses"; mas perdeu um dos
olhos, aquele que pusera no buraco da fechadura do quarto, quando viu esse deus
em forma de serpente deitado junto com sua mulher. E Olímpia, segundo escreve
Eratóstenes, dizendo adeus ao filho, quando este partiu para a conquista da
Ásia, depois de lhe ter revelado, a ele somente em segredo, de quem e como o
concebera, pediu-lhe e aconselhou-lhe que tivesse coragem digna daquele que o
gerara. Dizem outros, ao contrário, que ela detestou essa história, falando:
"Não cessará Alexandre de tornar-me suspeita à deusa Juno, fazendo-a ter
ciúmes de mim?"

V. Como quer que seja, nasceu Alexandre no sexto dia de junho,
que os Macedônios chamam de Lous (3): exatamente no dia em que se incendiou o
templo de Diana na cidade de Éfeso, como o testemunha Hegésias de Magnésia, que
faz disso uma ocorrência tão fria que teria sido suficiente para extinguir o
incêndio do templo. "Não admira — diz ele — que Diana tenha deixado
incendiar-se seu templo, porque ela estava impedida, como parteira, pelo
nascimento de Alexandre"; mas a verdade é que todos os presbíteros,
adivinhos e profetas que então se achavam em Éfeso, estimando que o incêndio do
templo era presságio certo de algum outro inconveniente, correram como
possessos para a cidade batendo nos próprios rostos, gritando que naquele dia
tinha nascido alguma grande desgraça e alguma grande peste para a Ásia. E,
pouco depois de haver Felipe tomado a cidade de Potidéia, recebeu ele ao mesmo
tempo três grandes notícias: uma, que Parmênion derrotara os Esclavônios numa
grande batalha; outra, que ele ganhara o prémio de corrida singular de cavalos
nos jogos Olímpicos; e a terceira, que sua mulher lhe dera um filho, que era
Alexandre; e, tendo ficado muito contente com esta última notícia, os adivinhos
aumentaram-lhe ainda mais a alegria, prometendo que esse filho assim nascido,
com três vitórias anunciadas ao mesmo tempo, seria no futuro invencível.

(3) Vide as Observações.

VI. Ora, quanto à forma de toda a
sua pessoa, as imagens feitas pela mão de Lisipo são as que a representam
melhor ao natural. Por isso, não quis que outro estatuário o esculpisse senão ele
(4), pois vários dos seus sucessores e amigos o imitaram muito mais tarde, mas
esse artista foi, acima de todos os outros, aquele que lhe observou com
perfeição e representou a maneira de inclinar o pescoço um pouco para o lado
esquerdo, e também a doçura do olhar e dos olhos. Mas, quando Apeles o pintou
segurando o raio na mão, não lhe representou a cor ingénua, mas o fez mais
moreno e mais escuro do que era de rosto; pois ele era naturalmente branco, e a
brancura da pele se misturava com uma vermelhidão que lhe aparecia
principalmente na face e no estômago. E lembro-me de ter lido nos comentários
de Aristóxeno que sua carne cheirava bem e que o seu hálito era muito doce, e
lhe saía de toda a pessoa um odor muito suave, de tal modo que as roupas que
lhe tocavam a carne eram como que todas perfumadas, do que a causa possível era
a temperatura e compleição do seu corpo muito cálido e queimante como fogo,
porque o doce olor resulta do calor que coze e digere a umidade, segundo estima
Teofrasto: daí vem que as regiões mais secas e partes da terra mais queimadas pelo calor do sol são
as que dão mais e melhores especiarias, porque o sol tira a umidade supérflua
dos corpos, como matéria própria de putrefação: e parece que esse calor natural
tornava Alexandre sujeito a beber e também corajoso.

(4) Ler: "Esse artista, com efeito, observou
perfeitamente bem e representou o que vários dos seus amigos e sucessores
procuraram imitar depois, a saber, sua maneira de apresentar-se, etc."
Vide a Vida de Pirro, cap. XV. C.

VII Desde quando era ainda menino, tornou-se evidente
que seria continente quanto às mulheres: pois que, sendo impetuoso e veemente
em todas as outras coisas, era difícil de se comover com os prazeres do corpo,
aos quais se entregava com muita sobriedade; mas, ao contrário, sua cobiça de
honra era acompanhada de firmeza de coragem e magnanimidade mais constantes do
que a idade aparentava; pois não lhe apetecia toda espécie de glória,
procedente de todas as coisas indiferentemente, como fazia o pai, o qual
gostava de mostrar eloquência, como teria feito um retórico, e gravava em
moedas as vitórias obtidas nas corridas de cavalos e carros nos jogos
Olímpicos: antes, como alguns, um dia, lhe perguntassem se desejaria aparecer
na festa dos jogos Olímpicos, para tentar ganhar ali o prêmio da corrida,
porque era muito disposto e maravilhosamente ágil: "Sim, respondeu, se os
que correm fossem reis"; segundo universalmente se diz, ele detestava
todos esses combatentes em jogos de prémios: pois que, tendo por várias vezes
promovido festas onde conferia prémios aos atores de tragédias e de comédias,
aos cantores, músicos, tocadores de flautas e de cítaras, e até aos poetas, e
onde semelhantemente mandava fazer caças
diversas de todo género de animais, e combates de bastão, nunca teve prazer em
ordenar a esgrima de punhos nem outra esgrima (5) em que os combatentes se
ajudam com tudo quanto podem. Recebeu uma vez embaixadores do rei (6) da
Pérsia, enquanto o pai tinha saído para qualquer viagem fora do reino, e,
privando com eles, os conquistou pela cortesia de que usou e pela boa
hospedagem que lhes proporcionou; e, como não lhes perguntasse nada de pueril
nem de insignificante, mas os interrogasse sobre as distâncias existentes entre
um lugar e outro, e sobre a maneira pela qual se ia mais depressa às altas
províncias da Ásia, e sobre o próprio rei da Pérsia, como ele se portava com os
inimigos, e que forças e poderio tinha, ficaram eles grandemente satisfeitos e
mais ainda maravilhados; de maneira que não estimaram mais a eloquência e a
vivacidade de espírito de Felipe, da qual se fazia tanta conta, em comparação
com o instinto para todas as altas empresas e grandes feitos que prometia o
natural de seu filho. Assim, todas as vezes que chegavam notícias de que o pai
tomara alguma cidade importante ou ganhara alguma grande batalha, ele não
gostava muito de ouvi-las, mas dizia a seus iguais em idade: "Meu pai
tomará tudo, meninos, e não deixará para mim nada de belo nem de magnífico que fazer e conquistar
convosco". Não amando a volúpia nem o dinheiro, antes a virtude e a
glória, achava que quanto mais o pai lhe deixasse de grandes e gloriosas
conquistas, tanto menos lhe ficaria de bom para fazer por si mesmo; e,
portanto, vendo que o estado de seu pai e seu império ia crescendo todos os
dias cada vez mais, cuidava que tudo o que havia de belo para fazer no mundo se
deveria consumar inteiramente nele, e preferia receber dele uma senhoria onde
houvesse ocasiões de grandes guerras, grandes batalhas e muita matéria que
proporcionassem honra, era lugar de grandes tesouros, delícias ou meios de
viver confortavelmente.

(5) O Pancrácio:
explicamos alhures em que consistia essa espécie de combate.
(6) Oco.

VIII. Ora, havia ao redor dele, como se pode imaginar, várias pessoas
habilitadas a orientá-lo e educá-lo: governadores, camaristas, mestres e
preceptores. Mas Leônidas era quem tinha a superintendência acima de todos os
outros, como homem austero por natureza e parente da rainha Olímpia, embora odiasse
o nome de mestre ou preceptor e conquanto seja esse belo e honroso cargo; de
modo que os outros o chamavam de governador e condutor de Alexandre, por causa
da dignidade de sua pessoa e porque ele era parente do príncipe.. Aquele que tinha o lugar e o título de mestre era Lisímaco, natural de
Acarnânia, o qual não tinha nada de bom nem de gentil em si mesmo; mas, porque a si mesmo desse o nome de (7)
Fénix, a Alexandre o de Aquiles e a Felipe o de Peleu, tinha o segundo posto
depois do governador.

IX. Como Filonico de Tessália tivesse levado ao rei Felipe o
cavalo Bucéfalo para lho vender, pedindo por ele treze talentos (8), desceram
eles às carreiras para experimentá-lo e picá-lo. Foi achado tão rebelde e tão
feroz que os escudeiros disseram que nunca se poderia obter dele nenhum
serviço, porque não permitia que o montassem, nem mesmo que com ele endurecesse
a voz e a palavra qualquer dos gentis-homens ao redor de Felipe, mas se
levantava contra todos, de modo que Felipe se aborreceu e mandou que o levassem
de volta como animal vicioso, selvagem e de todo inútil. E isso teria sido
feito se Alexandre, que estava presente, não tivesse dito: "Ó deuses! Que
cavalo rejeitam, não sabendo servir-se dele por falta de destreza e de
ousadia". Felipe, tendo ouvido essas palavras, a princípio se mostrou
indiferente; mas, como ele as fosse repetindo várias vezes entre os dentes ao
redor dele, mostrando-se desgostoso porque iam mandar o cavalo de volta,
disse-lhe afinal: "Repreendes os que têm mais idade e experiência do que
tu, como se entendesses disso mais do que -eles e soubesses melhor do que eles
conduzir um cavalo à razão". Alexandre respondeu-lhe:
"Pelo menos este eu manejaria melhor do que eles . "Mas, replicou
Felipe, se não puderes fazê-lo, como com eles aconteceu, que multa queres pagar
por tua temeridade?" "Ficarei contente, respondeu Alexandre, de
perder tanto quanto vale o cavalo". Todos puseram-se a rir dessa resposta,
e foi entre ambos apostada certa soma em dinheiro. E então Alexandre correu para o cavalo, tomou-o pela rédea e virou-lhe a cabeça para o sol, tendo percebido,
creio eu, que o cavalo se atormentava ao ver a própria sombra, a qual surgia e
movia-se diante dele à medida que marchava; depois, acariciando-o um pouco com
a voz e a mão, até o ver resfolegante de raiva, deixou enfim cair docemente o
manto no chão e, levantando-se rapidamente de um salto, montou com segurança e,
esticando a rédea sem a tocar nem fatigar, acalmou-o convenientemente; depois,
quando viu que ele abandonara seu furor e que apenas desejava correr, deixou-o
sair a toda a brida, apressando-o ainda com voz mais áspera que de ordinário e
estimulando-o com os calcanhares. Felipe, no começo, olhou-o com grande receio
de que ele se machucasse, mas sem dizer palavra. Todavia, quando o viu guiar
direito o cavalo até ao ponto de início da carreira, todo orgulhoso de se ter
saído bem, enquanto os outros assistentes gritavam de admiração, mas o pai em
lágrimas, segundo dizem, tamanha era a alegria de que se achava tomado, quando
ele desceu do cavalo, lhe
disse beijando-lhe a cabeça: "Ó meu filho, é preciso procurar-te um reino
que seja digno de ti,
pois a Macedônia não to poderia dar".

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