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LXXIX. Saindo dali, entrou na província dos partos, onde, estando
à vontade, passou a se trajar à maneira dos bárbaros, quer porque queria
acostumar-se aos usos e costumes do país, julgando não haver melhor meio para
conquistar o coração daqueles homens, do que habituar-se à sua maneira de
viver, quer porque queria sondar e experimentar; a vontade e o ânimo dos
macedônios, a fim de saber como eles aceitariam a mudança que ele queria
introduzir, da adoração, isto é, reverenciar inclinando-se diante do rei,
acostumando-os assim, pouco a pouco, a tolerar a modificação e a mudança de sua
maneira de viver, embora, logo no princípio ele não tivesse tomado as vestes
dos medas, que eram excessivamente esquisitas e de todo bárbaras; pois ele não
usava calções, nem vestes com cauda arrastando pelo chão, nem chapéu alto e
pontudo. mas tomou um hábito misto, entre o dos medas e o dos persas, mais modesto do que
aquele e mais pomposo do que este; e no princípio só o usava quando tinha que falar com algum bárbaro ou
na intimidade desua família, com amigos: mas ao
depois, apresen-tou-se em público com esse vestuário, passando pelo
acampamento, pelos campos e mesmo dando audiência pública, o que causou grande
desagrado aos macedônios: eles, porém, tinham sua virtude em tão grande
admiração, que julgavam razoável, se lhe concedesse poder também fazer outras
coisas, para seu prazer e segundo sua vontade; num dos choques sustentados por
ele anteriormente, recebera um golpe de flecha, que lhe fraturou o osso da
perna e de outra feita, recebeu uma pedrada na nuca que lhe causou um
enfraquecimento da vista, durante muito tempo e, no entretanto, ele não deixou
de se expor ainda a todos os perigos, sem se poupar, absolutamente: passou
ainda o no de Orexartes, que ele julgava ser o Tanais, derrotou os citas, expulsou-os,
perseguindo-os por mais de cinco léguas, embora estivesse sofrendo de uma forte
diarréia.

LXXX. Foi então que disseram que a rainha das
Amazonas veio ter com ele; assim o escreveram a maior parte dos historiadores,
como CHtar-co, Polícrito, Onesícrito, Antigenes e Hister: mas Caies, o Introdutor,
Ptolomeu, Anticlides e Filon, o Tebano, Felipe, o Introdutor (76), e além
destes ecateu, Eretriano, Felipe
Calcidio e Duris, o Samio, dizem que tudo isso é falso e inventado, para
passatempo apenas e parece que Alexandre mesmo, disso dá o seu testemunho:
porque, escrevendo detalhadamente tudo a Antípater, segundo as coisas se
passavam, ele lhe diz que o rei da Cítia lhe queria dar a filha em casamento,
mas ele não faz menção alguma de Amazonas: e diz-se que muito tempo depois, Onesícrito
leu a Lisímaco, que já era rei, o quarto livro da sua história, onde está
narrado este conto das Amazonas e que Lisímaco, sorrindo, disse-lhe: "E
eu, onde estava naquele tempo?" Por esse motivo, porém, não se
terá maior estima de Alexandre, acreditando nesse fato, nem por não se
acreditar sua estima ficará diminuída.

(76) Há, no grego um erro de cópia, ocasionado pela se-irihança dos
nomes. Felipe é um historiador cuja época não é conhecida. Ele escreveu sobre a
história da Caria, sua pátria; porque ele era da cidade de Teangelo,
Plutarco chama-o de Teangeliano, Teangueleús, nome que os copistas trocaram
por eisangueleús, lsen gelo, epíteto dado, duas linhas acima, a Cares e que
designa entre os
reis a
função de introdutor.

LXXXI. De resto, temendo que os macedônios, enervados por essa longa
guerra, não quisessem ir adiante, deixou para trás o resto dos homens do seu
exército e tomou consigo somente vinte mil soldados de infantaria e três mil de
cavalaria, que constituíam a fina flor do seu exército, com os quais entrou no
país da Hircânia e lá fez-lhes um discurso, no qual lhes disse que as nações
bárbara da Ásia só os tinham visto em sonho, por assim dizer e se eles se
retirassem para a Macedónia, de pois de ter apenas agitado e não dominado
completamente e subjugado a Ásia, os
povos irritados iriam contra eles à sua volta, como as mulheres; todavia, ele
dava a permissão de se irem aos que desejavam se retirar, protestando, no
entretanto, contra aqueles que o fizessem, preferindo abandoná-lo numa
alternativa difícil, a ele, aos seus amigos e a todos os que eram animados de
coragem, antes de segui-lo em tão gloriosa empresa, na qual se tratava de
submeter toda a terra habitável no império dos macedônios. Isso também está
relatado, quase nos mesmos termos na carta que Alexandre escreveu a Antípater,
onde ele diz além do mais que, tendo-lhes falado desse modo, eles se puseram a
gritar em voz alta, que os levasse para onde muito bem entendesse. Quando estes
aderiram à sua iniciativa foi-lhe, ao depois, muito fácil conquistar o resto do
povo, que seguiu sem dificuldade o exemplo dos maiores.

LXXXII. Por isso, ele conformou-se ainda mais com a
maneira de viver dos do país e reciprocamente, também os costumes dos do país
com os da Macedónia, estando persuadido de que por meio dessa mistura e por
essa adaptação de modos de viver e de agir, as coisas se encaminhariam melhor e
em boa paz, união e concórdia, mais pela amizade que pela força, quando ele
estivesse longe do território da Pérsia. Por esse motivo mandou escolher trinta
mil crianças do país, às quais fez ensinar a língua grega, educar e exercitar
nas armas segundo a disciplina da Macedónia, dando-lhes vários mestres para as instruir,
numa e noutra. O casamento com Roxana, foi obra de namoricos, porque dela se
apaixonou num banquete (77) onde a viu, achou-a bela, segundo o seu
gosto e de fácil conquista: mas julgou-se conveniente para o bem de seus
negócios que fosse ele feito após prudente deliberação do conselho, porque
os bárbaros teriam mais confiança nele, quando vissem que com eles contraía
aliança de matrimônio e o teriam amado muito mais do que antes, que, tendo-se
mostrado sempre muito continente em tais coisas, não quisera tocar naquela
jovem senhora, por cujo amor somente ele se tinha declarado vencido, senão
depois de legítimo casamento.

LXXXIII. Acontecia, porém, que, dos dois aos quais ele amava com mais
afeto, Heféstio, achava bom o que ele fazia a esse respeito e que se vestisse
como ele, mas Crátero, ao contrário, conservava sempre as maneiras de viver de
seu país; Alexandre tratava de seus negócios e comerciava com os bárbaros, por
meio daquele e com os gregos e os macedônios, por meio deste: em suma, ele
amava mais a um e honrava mais ao outro, dizendo mesmo que Heféstio amava
Alexandre e Crátero amava o rei. Por esse motivo, estes dois indivíduos não se
davam um cem o outro e viviam constantemente em rixas, a ponto de, certa vez,
na índia chegarem a lançar mas das espadas e a desembainhá-las, um contra o
outro, obrigando seus amigos a acorrerem em auxílio, de ambos os lados;
Alexandre, porém, em público, diante de todos, recriminou asperamente a
Heféstio, chamando-o de louco e insensato, de não saber que se Alexandre o
destituísse ele não seria mais nada: mas em particular, à parte, repreendeu
também severamente a Crátero e reunindo a ambos, fê-los fazer as pazes, jurando
por Júpiter Âmon e por todos os quatro deuses, que eles eram os dois homens aos
quais ele estimava, mas, no entretanto, avisava-os de que se soubesse que ainda
andavam de rusgas, mataria a ambos, ou pelo menos, àquele que começara a
questão: e assim, desde aquele instante, narra-se, que nada mais fizeram nem
disseram um ao outro, nem mesmo por gracejo.

(77) Veja as Observações.

LXXXIV. Filotas, filho
de Parmênion, tinha grande prestígio entre os macedônios, porque era homem
valente, paciente, liberal e amava os seus súditos, mais que qualquer outro
senhor, depois de Alexandre. A este propósito conta-se, que certa vez um de
seus amigos pediu-lhe dinheiro: ele ordenou logo ao seu tesoureiro que lho
entregasse O tesoureiro respondeu-lhe que não havia mais: ele então replicou:
"Que estás dizendo? Não há mais? Não há nem baixelas, nem vestes, que se
possam vender ou trocar, para obtê-lo?" Mas, de resto, era Ião altivo e
tão importuno em fazer ostentação de suas riquezas, vestindo-se com
muito luxo e apresentando-se com muito mais opulência e fausto, do que convinha
a um homem particular, que se tornava odioso, porque imitava com falsas insígnias
o grande e o magnífico, com pouco senso e graça, pelo que, por sua estultície
tornou-se suspeito e invejado, por todos, a tal ponto que seu próprio pai lhe
disse um dia: "Meu filho, faze-te menor" . Ele já havia sido, há
algum tempo, acusado perante Alexandre: de fato, quando a bagagem do exército
de Dano, que estava na cidade de Damas, foi tomada, depois da batalha da
Cilicia, vários prisioneiros foram também levados ao campo de Alexandre e
dentre estes, uma jovem da corte, natural da cidade de Pidna (78), de lindo
rosto, chamada Antígona. Filotas conseguiu apoderar-se dela e dela também se
apaixonou; banqueteando-se, em sua companhia, deixou escapar da boca muitas
vezes palavras de louvor e de vanglória, atribuindo a si mesmo e a seu pai a
maior parte dos feitos de armas, realizados naquela guerra, chamando a todo
memento a Alexandre de, esse moço, e dizendo que por meio deles, é que ele
possuía o título e o nome de rei. Tal mulher contou este fato a um de seus
familiares e este, como acontece sempre, a um terceiro, até que chegou aos
ouvidos de Crátero, o qual tomou a mulher e a levou à presença de Alexandre, que a
ouviu, e ordenou-lhe que continuasse a frequentar a casa de Filotas, a fim de
poder informá-lo de tudo que ele dizia. Filotas, nada sabendo da cilada, tinha
Antígona sempre junto de si e continuava a dizer as mesmas palavras tolas e
indiscretas, contra o rei, às vezes por raiva e às vezes por vanglória: mas
Alexandre, embora tivesse essa prova convincente e a acusação contra Filotas, dissimulou
no momento, não dando demonstração alguma, quer pela certeza que tinha do amor
e da benevolência que o Parmênion lhe consagrava, quer pelo temor que tinha de
seu poder e grande autoridade.

(78) Cidade da Macedónia.

LXXXV. Por esse mesmo tempo, um certo macedónio
de nome Limno (79), nascido na cidade de Calestra (80), desejava com grande
solicitude matar a Alexandre; ele nutria grande afeto por um jovem de nome
Nicômaco, ao qual rogou, o ajudasse a levar adiante a sua empresa: o moço
recusou-se e manifestou a tentativa de suborno ao próprio irmão, que se chamava
Balino (81) o qual foi ter com Filotas, para que o levasse à presença de
Alexandre, porque tinha algo de grande importância e muito urgente a lhe
relatar. Filotas não os deixou falar com o rei, não se sabe porque, dizendo que
ele estava ocupado, com alguns assuntos de urgência; por essa razão eles
dingiram-se a um outro (82), que os levou ao rei, ao qual expuseram antes o
fato da conspiração de Limno e depois, que se tinham também dirigido a Filotas,
por duas vezes e que ele não se interessara em introduzi-los nos aposentos
reais, para que lhe pudessem falar. Esse fato deixou Alexandre muito irritado,
e ainda mais porque aquele que ele mandara prender Limno, matou-o, quando ele
quis defender-se para não se deixar agarrar, pois teria perdido uma grande
oportunidade de desvendar totalmente toda a conspiração .

(79)Dimno em Quinto Cúrcio e em Diodoro da Sicília.
(80)Cidade da Macedónia.
(81)Quinto Ciircio o chama
de Cebalino.

LXXXVI. Por mais que ele mostrasse mau rosto a Filotas, este continuava
a incitar a todos os que há muito tempo lhe queriam mal, os quais (83),
começaram a dizer abertamente, que já tinham esperado demais por um rei, porque
não se devia crer que esse Limno Calestriano, jamais tivera a ousadia de
empreender tal conspiração, que ele apenas era o ministro, ou, melhor, o
instrumento manejado por um poder muito maior do que o dele e que se devia
indagar da conjuração, daqueles que tinham tão grande interesse em ocultá-la. Tendo Alexandre prestado ouvido a estas palavras e acreditando nestas acusações,
surgiram também mil calúnias contra Filotas, de modo que ele foi preso e torturado na
presença de outros familiares do rei, aos quais ele confiou a incumbência de
instaurar o processo, estando, porém, ele, escondido por trás de uma cortina,
para escutar tudo o que se dizia; contasse que então, ouvindo as palavras
covardes que ele dirigiu a Heféstio, suplicando-lhe que tivesse pena dele e os
rogos vis e baixos que lhe fez, disse consigo mesmo: "Cáspite! Tendo um
ânimo tão frouxo e tão cobarde, Filotas, como ousaste empreender tão grandes
coisas?" E assim foi Filotas condenado à morte: logo depois da execução,
Alexandre mandou com urgência ao reino da Média, alguns homens para que
matassem também a Parmênion, que era seu lugar-tenente, e havia auxiliado a
Felipe, na maior parte dos seus principais afazeres, e que sozinho ou mais que
qualquer outro dos antigos servidores de seu pai, tinha incitado Alexandre a
empreender a viagem da conquista da Ásia e dos três filhos que havia levado
consigo, tinha visto morrer dois na sua presença e depois foi morto com o
terceiro. Esta execução, tornou Alexandre temível a vários dos seus amigos,
mesmo a Antípater, ao qual mandou secretamente aos etólios tratar de uma
aliança com eles, os quais também temiam a Alexandre, por terem destruído os
oeniades (84) : Alexandre, tendo sabido disto, disse que não seriam os filhos dos
oeniades, mas ele mesmo, que se vingaria dos etólios.

(.82)
Chamado Metron, segundo Quinto Cúrcio,
(83) Leia-se: foram dizendo tudo às claras. C.
(84) Povo da Acarnânia, vizinho dos
etólios.

LXXXVII. Não muito tempo depois, deu-se também o
assassínio de Clito, o qual ouvmdo-o narrar pura e simplesmente, parece-nos
ainda mais cruel que o de Filotas; considerando-se ao mesmo tempo, a causa e o
tempo em que sucedeu, veremos que não foi de propósito deliberado, mas por
acaso e por desgraça, tendo Alexandre sido levado pela ira e pelo vinho a
causar a infelicidade de Clito: eis como o fato sucedeu: haviam chegado alguns
homens do país do sul, da parte marítima, trazendo alguns frutos da Grécia,
para Alexandre. Alegran-do-se por vê-los tão belos e frescos, chamou a Clito
para mostrá-los e presenteá-lo também com alguns. Por acaso, naquele instante,
Clito fazia sacrifícios aos deuses; deixou o sacrifício para lá ir: havia três
carneiros sobre os quais já haviam sido feitas as costumeiras efusões, para
serem imolados; estes segui-ranvno; Alexandre vendo isso, consultou os
adivinhos, Aristandro e Cleomante Lacônio, os quai? disseram que era um mau
presságio. Por isso ele ordenou que se sacrificasse imediatamente para a
salvação de Clito, mesmo porque, três dias antes ele tivera, à noite, durante o
sono, uma estranha visão, na qual vira Clito vestido de preto, sentaclt entre
os filhos de Parmênion que já haviam morrido: no entretanto, Clito não terminou
o sacrifício
mas foi jantar no palácio do
rei, que naquele dia tinha sacrificado a Castor e Pólux.

LXXXVIII. Beberam à saciedade nesse festim, durante o
qual cantaram-se versos de um poeta de nome Pranico, ou como dizem outros,
Pierion, compostos contra alguns generais macedônios, que há pouco tinham sido
vencidos pelos bárbaros, para sua ignomínia e para manter a alegria entre os
convivas; os velhos, porém, ficaram descontentes com isso e ofenderam o poeta
que havia composto os versos e o músico que os cantara. Alexandre ao invés, e
seus favoritos, muito se divertiram, ordenando ao cantor que prosseguisse:
Clito, porém, que já estava um tanto tocado pelo vinho e era ainda por natureza
um tanto irascível, arrogante e soberbo, irritou-se ainda mais, dizendo que não
era justo nem decente injuriar-se assim, mesmo entre bárbaros e inimigos, aos
infelizes generais macedônios, que valiam muito mais do que aqueles que se riam
e zombavam deles, embora por infelicidade, lhes tivesse mesmo sucedido uma
desgraça. Alexandre então, respondeu-lhe que, falando assim, advogava em seu favor,
chamando covardia e pusilanimidade, infelicidade. Clito então, pondo-se de pé,
replicou: "Mas esta minha covardia salvou-te a vida, a ti, que te dizes
filho dos deuses, quando já havias voltado as costas à espada de Espitridates e
o sangue que esses pobres macedônios derramaram por ti e as feridas que
receberam combatendo por ti, fizeram-te tão grande, que não reconheces o rei
Felipe por teu pai e queres a todo custo te fazeres filho de Júpiter Âmon"
. Alexandre ferido no íntimo por essas palavras, replicou incontinenti:
"Caramba! Infeliz, que és! Pensas ficar impune pelas palavras que proferes
continuamente contra mim, amotinando os macedònios " Clito replicou:
"Nós, Alexandre, já somos bastante castigados, pois recebemos tal
recompensa por nossos trabalhos e sacrifícios, que temos por bem felizes
aqueles que morreram antes de ver os macedònios vergastados pelos azorragues
dos medas e obrigados a rogar aos persas para ter acesso e entrada perante o
rei.

LXXXIX. Clito continuava a proferir de cabeça alta, tais
palavras e Alexandre, ao contrário, irritara-se e dizia-lhe injúrias; os mais
idosos procuravam acalmar o tumulto; Alexandre voltando-se para Xenodoco Cardio
e Artemio Colofonio per-guntou-lhes: "Parece-vos que os gregos, entre os
macedònios, são como semideuses, passeando entre animais selvagens" Mas
Clito não cedia, nem diminuía a sua temeridade e continuava pedindo que
Alexandre dissesse alto e publicamente o que tinha a dizer ou então não
convidasse a ceiar com ele homens livres, que estavam acostumados a falar com
franqueza, mas ficasse então com os bárbaros escravos, que adorariam o seu
cinto persa e sua longa túnica branca. Alexandre, então, não podendo mais conter a cólera, tomou uma maçã
que havia sido servida à mesa e arremessou-lha à cabeça e procurou a espada,
que Aristófanes (85), da sua guarda pessoal, havia-lhe propositalmente tirado;
todos os outros se lhe puseram em redor para detê-lo, rogando-lhe que se
acalmasse; mas ele precipitou-se para fora da mesa, chamando seus guardas em
língua macedônica, o que era sinal de grande perturbação e ordenou a um
trombeteiro que tocasse alarme; como ele se recusasse e parecesse não querer
obedecê-lo, deu-lhe um violento soco; por essa razão o soldado ficou depois
muito estimado, porquanto havia impedido que todo o acampamento se amotinasse.
Clito, porém, não cedia e seus amigos com dificuldade o arrastaram para fora da
sala: mas ele lá entrou por outra porta, pronunciando irreverentemente e com
muita ousadia este verso da tragédia de Andrômaco, do poeta Eurípides: (86).

Deixa que os costumes da Grécia
se corrompam!

Alexandre
então, tirando à força o dardo de um dos guardas, quando Clito vinha-lhe ao
encontro (87), tendo já levantado a cortina que estava diante da porta, atravessou-lhe
o corpo com um golpe violento, ele caiu, ali mesmo, por terra, com um suspiro e
um grito, que lhe brotou dos lábios.

XC. A
cólera passou imediatamente e Alexandre ficou acabrunhado: vendo seus
familiares em redor de si, sem dizer palavra, retirou o dardo do corpo, para
ferir com ele a própria garganta; mas seus guardas imediatamente o agarraram,
tirando-lho das mãos e o levaram contra a vontade para seu quarto, onde ele
passou toda a noite e todo o dia seguinte chorando amargamente, até que, não
podendo mais gritar nem chorar, ficou estendido no leito, soltando apenas
profundos suspiros. Por esse motivo seus amigos, não lhe ouvindo mais a voz,
tiveram medo e entraram à força no quarto para reconfortá-lo: mas ele não quis
ouvir a ninguém, permitindo apenas que viesse Aristandro, o Adivinho, que lhe
recordou a visão que tivera em sonho, referente a Clito, como presságio, do que
tinha de acontecer; por isso devia-se pensar que aquilo era uma coisa fatal,
predeterminada, antes mesmo que ele tivesse nascido. Parece que ele se reanimou
ante essas palavras. Depois mandaram entrar também a Calístenes, o Filósofo, discípulo
de Aristóteles e Anaxarco, nativo da cidade de Abde-ra (88) ; Calístenes entrou
mansamente, acercou-se do leito, sem dizer palavras que pudessem magoá-lo,
procurando, cuidadosamente amenizar-lhe a tristeza.

(85) Ariston,
segundo Quinto Cúrcio e Arrieno.
(86)   Veja as Observações.
(87)   Quinto Cúrcio diz que
Alexandre saiu da mesa e foi se pôr no vestíbulo escuro, pelo qual todos os
convidados deveriam passar, à saída, e Clito saindo por último, ele o matou,
depois de lhe ter perguntado pelo nome.
(88) Cidade da Trácia.

XCI. Mas Anaxarco, que desde o princípio tinha sempre seguido um
caminho diferente, no estudo da filosofia e tinha granjeado fama de ser um
homem estouvado, desprezador de seus companheiros, entrando no quarto se pôs a
gritar da porta em voz alta: "Eis ali Alexandre, o Grande, aquele que todo
o mundo louva e teme agora. Ei-lo, por terra chorando como um escravo, do medo
que tem das leis e da censura dos homens; como se não fosse ele mesmo quem dá
as leis e lhes marca os limites no que é justo ou injusto, visto que ele
venceu, para ser senhor e amo e não para servir a uma vã opinião. Não sabes que os poetas dizem, que Júpiter tem Temis, isto é, o direito e a
justiça assentados a seu lado. Que significa isto senão que tudo o que o
príncipe faz é santo, reto e justo?" Estas palavras de Anaxarco aliviaram
no momento a dor do rei Alexandre, mas ao depois, tornaram seus costumes bem
mais dissolutos em muitas coisas e muito mais violentos; e como por esse meio ele
se insinuara maravilhosamente, ao depois, nas boas graças do rei, do mesmo
modo, tornou a convivência de Ca-lístenes, que por si mesmo não era muito
agradável por causa da sua austeridade, ainda mais odiosa do que até então.

XCII. A este propósito, conta-se que um dia, à
ceia do rei, falou-se das estações do ano e da temperatura do ar e Calístenes,
era da opinião dos que sustentavam que a região onde então se encontravam, era
mais fria e que o inverno aí era mais rígido do que na Grécia. Anaxarco
afirmava o contrário e contestava obstinadamente a opinião, tanto que
Calístenes disse-lhe: "E bem que confesses, que faz mais frio aqui do que
lá, pois tu passavas lá todo o inverno com apenas uma capa pobre e simples
sobre as costas, e aqui, estás coberto com três mantos, um sobre o outro,
quando estás à mesa". Esta tirada feriu ao vivo a Anaxarco e o deixou
irritadíssimo: os outros homens de letras, retóricos e aduladores (89), também
o odiavam, porque viam-no muito estimado, seguido e honrado pelos moços, por
causa da sua eloquência e não menos amado pelos velhos, pela honestidade de sua
vida, que era grave, venerável e resignada com o que possuía, sem jamais pedir
coisa alguma. Sabia-se que a causa por ele alegada, pela qual seguia a
Alexandre nessa viagem, era verdadeira: pois ele dizia que era para impetrar do
rei, que os cidadãos exilados fossem recebidos novamente em sua pátria e sua
cidade, repovoada e restaurada. Mas embora a boa reputação que ele tinha, fosse
a causa principal da inveja que lhe votavam, ele mesmo também dava motivo aos
que o invejavam e lhe queriam mal de caluniá-lo, porque ele recusava
constantemente, o convite para jantar em casa do rei e se lá estava, não dizia
uma palavra sequer, mostrando, por seu modo de proceder, por sua
seriedade e taciturnidade, que tudo o que ali se fazia e se dizia não lhe
agradava, de sorte que Alexandre mesmo certa vez lhe disse:

Eu odeio
aquele que fez profissão de ser sábio.
E de fato não o foi, em seu proceder.

(89) Odiavam também a
Calístenes. C.

XCIII. A este respeito conta-se ainda, que
jantando um dia com o rei, alguns dos que também tinham sido convidados,
pediram-lhe que fizesse de improviso um discurso em louvor dos macedônios,
durante o jantar, e que ele falou sobre esse assunto, com tal eloquência que os
ouvintes levantaram-se da mesa e bateram palmas aplaudindo-o e atirando flores
e ramalhetes, sobre ele. Mas Alexandre, citou então os versos de Eurípides. (90)

Não é difícil falar bem e abundantemente,
Quando se tem um argumento belo e fértil.

"Mas,
mostra-nos, outrossim, a tua eloquência, disse ele, censurando os macedônios, a
fim de que, conhecendo seus erros, emendem-se e cuidem de melhorar para o
futuro". Então Calístenes, começou a dizer tudo ao contrário, expondo
francamente várias coisas, em grande desdouro dos macedônios mostrando como a divisão
e a dissensão dos gregos entre si, tinha sido causa do progresso de Felipe,
citando estes versos:

Quando a
discórdia reina numa cidade,
O mais mau ocupa o lugar da autoridade.

Por esse motivo ele suscitou contra si mesmo uma
grande e sentida malevolência dos macedônios, de tal modo que Alexandre mesmo
disse em seguida que jamais ele tinha dado tanta demonstração de sua eloquência
como de sua malignidade e da má vontade que tinha para com os macedônios.
Hermipo (91), historiador, escreve que um certo Estrebo, servidor de
Calístenes, que lia diante dele, o referiu a Aristóteles e que Calístenes,
vendo que Alexandre se tinha ofendido e lhe queria mal, repetiu duas ou três
vezes estes versos de Homero, ao sair: (92)

Patroclo, também morreu, o qual na virtude
Muito tinha te sobrepujado.

Pelo que se pode ver claramente, que Aristóteles julgou
bem, quando disse que Calístenes, que era homem eloquente, mas que não tinha
juízo. Na verdade, rejeitando forte e firmemente, como filósofo, a homenagem que se presta
com a inclinação e a genuflexão na reverência ao rei e dizendo alta e
claramente em público, o que os maiores homens de bem e os mais antigos
macedônios não ousavam dizer senão ao ouvido, embora estivessem todos mui
aflitos, ele livrou a Grécia de uma grande vergonha e a Alexandre, também, de
outra maior, impedindo que ele insistisse em tal maneira de reverenciar, mas
também perdeu-se a si mesmo, porque parecia que ele queria vencer o rei pela
audácia e forçá-lo, em vez de convencê-lo pela razão.

(90) Eurípides, Bacchantes,
v. 267.
(91)Da cidade de Esmima,
vivia no tempo de Ptolomeu Evergeto I.
(92)Ilíada, 1. XXI, v. 107. C.

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