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XCIV. Continuando este assunto, Caies de Mitilene deixou
escrito que um dia num festim, Alexandre, depois de ter bebido, apresentou sua
taça a um de seus amigos, o qual tomou-a e levantando-se, de pé, bebeu também;
voltando-se depois para o altar doméstico, fazendo primeiro uma grande
reverência, foi beijar Alexandre e depois voltou à mesa: o mesmo fizeram então
os demais convidados um após outro, até que Calístenes tomou a taça, por sua
vez, sem que o rei o notasse, pois estava conversando com Heféstio e depois de
ter bebido, aproximou-se para beijá-lo como os outros haviam feito; mas, um
certo Demétrio, apelidado Fidon, disse ao rei: "Não o beijes, Sire, pois ele
foi o único que não te fez reverência": Alexandre voltou então o rosto
para o outro lado a fim de não beijá-lo e então Calístenes exclamou bem alto:
"Ora, com efeito, eu me vou embora, tendo um beijo a menos que os
outros". Assim começou a malevolência contra ele a penetrar no
coração de Alexandre, primeiro, porque ele acreditou no que disse Heféstio,
isto é, que Calístenes lhe tinha prometido adorar e fazer a reverência a
Alexandre, mas que faltara com a palavra; depois, um certo Lisímaco e um
tal Agnon, bem como outros, deram ainda mais força à roda, dizendo que
aquele filósofo partira, glorificando-se e vangloriando-se, como se tivesse
derrubado e vencido um governo e todos os moços o seguiam, reuniam-se em torno
dele, para honrá-lo, como o único dentre milhares de soldados, que tinha a alma
franca e nobre. Por isso quando se revelou a Alexandre a conjuração de
Hermolau contra ele, achou-se que a calúnia era verossímil, isto é, a que
alguns falsos acusadores haviam lançado sobre Calístenes, que ele havia
respondido a Hermolau, o qual lhe perguntara como se poderia tornar o homem
mais célebre do mundo: "Matando aquele que é o mais célebre", e
para incitá-lo a executar a conspiração tinha~lhe dito que ele não devia ter
medo de um leito de ouro, mas lembrar-se de que tinha que se haver com um
homem, que também como os outros às vezes ficava doente e às vezes era fendo,
como qualquer outro.

XCV, Todavia, jamais um só dos cúmplices de
Hermolau, por mais tormentos que os fizessem sofrer, para que dissessem quem
eram seus companheiros, acusou a Calístenes; o mesmo Alexandre, narrando esse
fato, logo depois, a Crátero, a Átalo e a Alcetas, disse que os servos
torturados tinham sempre se obstinado em dizer que somente eles haviam
conspirado e que nenhum outro havia tomado parte na conjuração. Mas depois, em
outra carta que escreveu a Antípater, acusou também a Calístenes, dizendo:
"Seus servidores foram lapidados pelos macedônios, mas eu castigarei o
chefe, em seguida e os que mo mandaram e receberam e deram abrigo aos
assassinos em suas cidades, os quais vinham de propósito, para me matar".
Nela ele manifesta a má vontade que tinha contra Aristóteles, porque Calístenes
tinha sido educado em sua casa; por causa do parentesco que havia entre eles,
sendo Calístenes filho de Hero, sobrinha de Aristóteles. Dizem alguns que
Alexandre o mandou enforcar e outros, que ele morreu de doença na prisão;
todavia Cares escreve que ele foi conservado prisioneiro por sete meses, a fim
de ser julgado em pleno conselho, estando presente o mesmo Aristóteles: mas,
tornando-se muito gordo, morreu, por fim, da doença dos piolhos, mais ou menos
no mesmo tempo em que Alexandre fora ferido, combatendo contra os mahos
oxídracos, na conquista das índias, o que se deu algum tempo depois. Demarato,
Coríntio, estando já no declínio da sua vida, adiantado em anos, teve desejo de
ir ver Alexandre e tendo-o visto, disse que os gregos que haviam morrido antes,
haviam sido privados de um singular prazer, isto é, o de não terem
visto Alexandre sentado no trono real de Dário. Todavia não gozou por muito
tempo da benevolência do rei, porque morreu de enfermidade, logo que chegou ao
acampamento e foram-lhe prestadas magníficas honras fúnebres; todo o exército,
em armas, levantou-lhe um montículo de terra, em forma de túmulo, cujo
perímetro era bem grande, da altura de oitenta côvados. Suas cinzas logo depois
foram levadas até a costa marítima sobre um carro puxado por quatro cavalos,
equipado e adornado suntuosamente.

XCVI. Por fim, Alexandre estando para partir para a
conquista das índias, percebeu que seu exército estava vagaroso, para se
locomover, por causa da enorme quantidade de bagagem e despojos que levava consigo:
por isso, certa manhã, quando os carros já estavam carregados, ele queimou
antes os seus e depois os de seus amigos; em seguida ordenou que lançassem ao
fogo também os dos soldados macedônios, cujo conselho pareceu mais perigoso de
se resolver, do que a execução, que não foi difícil, porque mui poucos havia
que estavam descontentes e a maior parte, como impelida e impulsionada por uma
força invisível e divina, inspirados pelos deuses, com um clamor e um cântico
de alegria, trocaram entre si, os objetos mais necessários, dos quais não se
pode prescindir e depois queimaram e destruíram eles mesmos o resto. Isso
animou e encorajou ainda mais a Alexandre, além de que ele já se havia tornado um
tanto severo e castigava asperamente, sem perdoar, aos que cometiam alguma
falta, tendo ordenado a Menandro, um de seus familiares, que reservasse para
ele uma fortaleza, mandou matá-lo porque não quis ficar lá e matou também ele
mesmo, a golpes de dardo, a Orsodate um oficial bárbaro, que se havia revoltado
contra ele.

XCVII. Por aquele mesmo tempo, uma ovelha teve um
cordeirinho, o qual nasceu com uma mancha parecida, na forma e na cor, com a
coroa real, no alto da testa, coroa persa a que chamam Tiara, aos lados do qual
havia dois testículos. Alexandre, recebeu este presságio com abominação e
horror a ponto mesmo de se fazer purificar por alguns sacerdotes babilónios que
ele costumava ter sempre junto de si para esse fim e disse aos seus amigos que
tal presságio não o impressionava tanto por ele mesmo quanto pelos outros,
temendo que os deuses, depois da sua morte, tivessem deliberado deixar cair o
poder do seu império nas mãos de algum covarde e pusilânime. Todavia, um outro
sinal e presságio, que sucedeu logo depois, tirou-lhe este temor e esta dúvida.
Um macedónio chamado Proxeno, que cuidava dos bens reais, quando fazia umas
escavações num lugar perto do rio de Oxo (93), para aí levantar a tenda e os
aposentos do rei, descobriu uma fonte de um líquido grosso e oleoso; depois de
a terem secado, surgiu ainda uma segunda, que em nada se diferenciava da
primeira tanto no cheiro, no gosto e no sabor de óleo natural, com o brilho e a
densidade tao semelhantes que não se podia encontrar diferença: o que mais
ainda era de se admirar é que naquela região não havia oliveiras. Dizem ainda
que a mesma água do rio de Oxo é muito leve, e deixa gordurosa a pele, daqueles
que nele se banham ou nela se molham, todavia, pelo que Alexandre escreveu a
Antípater vê-se que com isso muito ele se alegrou, consideran-do-o como um dos
maiores sinais que os deuses lhe enviaram. Os adivinhos interpretaram-lhe esse
presságio como sendo um sinal de que sua viagem seria gloriosa, mas difícil e
árdua, porque os deuses, diziam eles, haviam dado óleo aos homens, para um
revigoramento em suas atividades.

(93) Na Hircânia

XCVIII. Também correu ele alguns graves perigos e foi
ferido várias vezes seriamente, combatendo, durante essa viagem. Mas as maiores
perdas que ele sofreu em seus homens foi pela falta de víveres e pelo ar
mefítico; ele, porém, esforçando-se por superar a sorte, com a ousadia e seu
poder, com a virtude, nada julgava impossível a uma alma varonil e ousada, nem
demasiado forte para uma coragem firme e segura. A este respeito diz-se que quando ele foi cercar a rocha de
Sisímetro (94), que parecia inteiramente inacessível, de sorte que os mesmos
soldados se desesperavam, ele perguntou a Oxiartes, qual o ânimo desse
Sisímetro. Respondeu-lhe Oxiartes que ele era o homem mais covarde do mundo.
"Está bem — retorquiu Alexandre — pois então a praça é expugnável, se for
verdade o que tu dizes, porquanto aquele que a defende, não é homem de
coragem", e de fato tomou-a pelo medo que causou a Sisímetro: depois
sitiou uma outra, tão íngreme e difícil como esta; fazendo atacá-la por seus soldados
macedônios, ele chamou um deles que tinha o nome de Alexandre, como ele e
disse-lhe: "Hoje é preciso que te mostres homem de bem, pelo menos pelo
nome que trazes". O moço não falhou, pois combateu com tanta coragem, que
lá foi morto, o que muito entristeceu a Alexandre.

XCIX. Outra vez, como seus homens tivessem receio
de se aproximar da cidade de Nise (95), porque perto dela corre um rio mui
profundo, ele apareceu na margem e disse: "Ó covarde que eu sou, que não
aprendi a nadar?" E tentou atravessar g rio a nado, sobre seu escudo:
depois de ter feito cessar o assalto, vieram a ele alguns embaixadores das
cidades sitiadas, para lhe pedir perdão, os quais ficaram muito admirados por
ver o exército, de todas as armas, sem cerimonia, em redor de sua pessoa; mais,
ainda, porém, quando, sendo-lhe trazido uma almofada, ele mandou ao mais velho
dentre eles que se chamava Acufis, que a tomasse e se sentasse. Acufis,
admirado por mais esta grande gentileza e cortesia, perguntou-lhe o que queria
que eles fizessem, para sempre, para serem bons amigos. "Eu quero — disse
ele — que aqueles em nome dos quais tu vens, em embaixada para mim te escolham
como príncipe e que eles me mandem como reféns cem dos melhores homens dentre
eles" . Acufis se pôs a rir por esta ordem, e replicou-lhe: "Na verdade, Sire, eu os
governarei, bem melhor e mais facilmente mandando-te os piores, que não os
melhores" .

(94)Não é ela
conhecida com outro nome. Foi aí que Alexandre desposou Roxana.
Estava na Bactriana.
(95)Há várias cidades com
esse nome. Esta é nas Índias, entre os rios Cofene e Indo.

C. Havia também um rei de nome Táxilo, que governava um
país nas índias de não menor extensão, ao que se diz, que todo o Egito, rico em
pastagens e abundante em toda a espécie de frutos, dos quais não pode haver
melhores no mundo e era um homem sensato, o qual depois de ter saudado
Alexandre disse-lhe: "Que necessidade temos nós de nos combatermos e
guerrearmo-nos mutuamente, Alexandre, se tu não vens para nos tirar a água nem
o resto do que nos é necessário para nossa alimentação? Por estas coisas
unicamente, os homens de bom senso devem lutar: quanto aos outros bens e riquezas, se os
tenho mais que tu, estou pronto para reparti-los contigo, e se eu tiver menos,
não deixarei de te agradecer se me quiseres dar dos teus". Alexandre
sentiu prazer ao ouvir falar deste modo, tão sensatamente, abraçou-o e
disse-lhe: "Julgas que esta nossa entrevista vai terminar sem combate, não
obstante todas estas boas palavras e tão amáveis gentilezas? Não, não! Nada
ganhaste: pois eu quero combater-te e combater-te com a cortesia e a
honestidade, a fim de que não me superes em beneficência e bondade".
Assim, recebendo dele vários e valiosos presentes e dando-lhes ainda maiores,
finalmente, num banquete, bebendo à sua saúde, disse-lhe: "Eu bebo, por
ti, mil talentos (96) de ouro cunhados em moedas". Esse presente aborreceu
muito aos seus familiares, mas em compensação granjeou-lhe os corações de
vários príncipes e senhores bárbaros do país.

CI. Havia alguns homens, soldados da índia, os
mais belicosos do país, que vivendo do soldo ordinário, punham-se a serviço de
boas cidades livres e as defendiam valentemente, causando muitos prejuízos e
obstáculos em vários lugares a Alexandre, o qual marcou uma entrevista com eles
numa cidade, onde eles se haviam reunido; quando saíam, sob a garantia do
acordo que haviam realizado, ele os encontrou pelo caminho, quando se
retiravam e passou-os todos a fio de espada. Encontramos apenas esta mácula em
todos os grandes feitos de armas, de Alexandre, que diminuem um tanto a sua
honra: pois, afinal, ele sempre e em tudo procedeu de maneira justa e digna de
um rei em todas as outras guerras. Finalmente, os filósofos e homens de letras
dos indianos não lhe davam menos trabalho, porque censuravam e incitavam os
príncipes e reis que se entregavam a ele e faziam as cidades livres tomar as
armas contra ele e por essa razão mandou enforcar a vários deles.

(96) Seiscentos rnil escudos.
— Arayot. 4.668.775 libras francesas.

CII. Com relação ao rei Poro, o mesmo Alexandre em suas cartas
descreve detalhadamente o que fez contra ele: como o rio Hidaspes corria entre
os dois exércitos, Poro conservava sempre seus elefantes na outra margem, em
fila, com a cabeça voltada para os inimigos, para cortar-lhes a passagem, e ele (97) fazia todos os dias grande barulho e grande tumulto no acampamento a fim
de acostumar os bárbaros a não se admirarem com isso; tendo escolhido uma noite
muito escura, quando a lua não brilhava, tomou uma parte de seus homens de
infantaria e a fina flor da sua cavalaria e foi para bem longe dos inimigos,
passou a uma ilha que não era muito grande; apenas lá havia chegado,
levantou-se horrível tempestade, com chuva raios, trovões,
que caíam sem cessar, em seu campo, de tal sorte que ele viu, diante de seus
olhos, muitos dos seus soldados e fulminados pelo raio, naquela ilha; mas nem
por isso desistiu de chegar de qualquer modo à outra margem. Ora, o rio tendo
crescido por causa das chuvas da noite precedente, abriu uma enorme brecha por
onde grande parte da água se escoou; assim ele encontrou-se, depois que passou
para a outra margem do rio, entre duas águas mal seguras, não tendo pé firme,
porque a terra enxarcada, escorregava, e a impetuosidade das águas do rio minava-a
e a rompia de um lado e outro. Foi aí que, segundo está escrito, ele disse: Ó
atenienses, vós não podeis imaginar quantas tribulações e perigos eu passo,
para ser louvado polvos?" Onesícrito, é que assim narra, ele mesmo, porém,
escreve, que lá deixaram as jangadas, sobre as quais tinham passado o grande
leito do no e o haviam atravessado com as armas às costas, passando os braços
pela abertura, mergulhados dentro dágua até o peito e tendo-o passado, por fim,
ele percorreu com sua cavalaria mais ou menos cinco quartos de légua antes da
batalha de sua infantaria, imaginando que, se os inimigos viessem a se chocar
com seus soldados, ele seria muito mais forte e se eles mandassem adiante os
soldados de infantaria, os seus poderiam chegar em tempo. Uma das duas hipóteses aconteceu como ele havia imaginado: mil cavalos e sessenta
carros armados dos inimigos lançaram-se diante de sua tropa e ele os derrotou,
tomou todos os carros e dos soldados, ficaram uns quatrocentos mortos no campo.

(97) Alexandre.

CIII. Por isso Poro, sabendo por esses indícios que
Alexandre viera em pessoa, foi ao seu encontro, com todo o exército, excetuada
a parte que ele deixou atrás, para fazer frente ao resto dos ma-cedômos, se
tentassem passar o rio. Alexandre temendo, porém, a grande multidão dos
inimigos e a violência dos elefantes, não ofereceu combate no meio, mas
comandando a ala esquerda de sua linha de batalha, atacou um lado da dos
inimigos, (98) ordenando aos que estavam à sua direita que fizessem o mesmo por
seu lado ao mesmo tempo: assim foram derrotadas as duas extremidades do
exército dos inimigos, e postas em fuga, mas os que tinham sido atacados,
retiraram-se para junto dos elefantes e se reuniram em torno deles (99) .
Travada a batalha, foi longa a luta, de tal modo que os bárbaros só foram
derrotados completamente, às três horas depois de meio-dia. Assim o descreve em
suas cartas aquele mesmo que obteve a vitória. A maior parte dos historiadores
está de acordo em escrever, que Poro tinha quatro côvados e um palmo de altura
e quando sentava em cima de seu elefante, nada havia que o igualasse em altura,
tamanho e estatura, proporcionados a sua montaria, pois era um elefante bem
grande, o qual mostrou nesse combate uma extraordinária prudência natural e um
grande cuidado em salvar o rei, seu amo: enquanto percebeu que se sentia forte,
combateu sempre corajosamente, e repeliu os que vinham contra ele: mas quando
percebeu que pelos golpes de dardos e outros ferimentos que ele tinha recebido,
as forças lhe começaram a faltar, temendo que ele caísse por terra, abaixou-se
devagar, dobrando os joelhos e foi tirando delicadamente com a tromba os dardos
e as flechas que ele tinha em seu corpo, arrancando-os um a um.

(98)Leia-se: tendo ordenado a Ceno que fizesse o mesmo à
direita, assim, etc. Veja as Observações. C.
(99)Leia-se: a batalha tendo começado de manhã, os bárbaros
foram vencidos, com dificuldade, à oitava hora do dia. Veja as Observações.
C.

CIV. Tendo Poro sido aprisionado, Alexandre
perguntou-lhe como o haveria de tratar. Poro respondeu que o tratasse de
maneira real. Alexandre então insistiu, se ele queria dizer mais alguma coisa e
ele retorquiu que tudo estava compendiado naquela palavra, real. Por isso,
Alexandre não somente deixou-lhe as províncias de que antes já ele era rei,
para dali por diante governá-las como sátrapa, mas também acrescentou-lhe ainda
muitos outros territórios. E (100) tendo também submetido povos livres, dos
quais contava quase quinze nações, cinco mil cidades, um sem-número infinito de
aldeias e ainda três vezes tanto de outro país, lá colocou como governador e
sátrapa um de seus familiares, que se chamava Felipe. Nessa batalha morreu seu
bom cavalo Bucéfalo, não no combate, mas depois, quando o curavam dos
ferimentos recebidos, ou como diz Onesícrito, de velhice, por ter trabalhado
demais, pela sua idade, pois tinha trinta anos quando morreu: Alexandre ficou
muito sentido, como se tivesse perdido um familiar e amigo, tanto que fez
construir uma grande cidade no lugar onde ele fora enterrado, à margem do rio
de Hidaspes, à qual chamou Bucefália. Diz-se também que tendo perdido um cão de
nome Peritas, que ele havia criado e que estimava, mandou, do mesmo modo,
construir uma cidade à qual deu-lhe o nome. Socion (101) escreve que soubera a
mesma coisa de Potamon, o Lesbiano.

(100) Veja as Observações.

CV. Esta última batalha contra o rei Poro
satisfez os macedônios de modo que não tinham ânimo de continuar a conquista do
resto das índias; considerando que haviam suportado tantas fadigas na árdua
empresa, embora Alexandre ainda tivesse vinte mil soldados de infantaria e dois
mil de cavalaria, eles se opuseram firme e fortemente ao rei, quando os quis
forçar a atravessar o rio Ganges, porque ouviram habitantes da
região dizer que o mesmo tinha duas léguas de largura e cem braças de
profundidade e a margem do outro lado estava toda coberta de guerreiros, de
cavalos e de elefantes, porque diziam que os reis dos gangandas (102) e dos
presianos os esperavam com oitenta mil combatentes a cavalo e duzentos mil de
infantaria, oito mil canos de guerra bem armados, seis mil elefantes, muito
aguerridos. Tudo isso não era falso, nem exagerado e imaginado, porque um certo
rei, de nome Androcoto, que reinou pouco tempo depois, deu a Selêuco quinhentos
elefantes por uma taça e com um exército de seiscentos mil combatentes
atravessou, conquistou e submeteu toda a Índia.

(101) Potamon, o Lesbiano, ensinou em Roma no tempo de
Tibério o que marca também a época de Socion, o Historiador, que não deve .ser
confundido com Socion, o Filósofo, que vivia no tempo de Ptolomeu Filometor,
sexto sucessor de Alexandre.
(102) Plutarco os chama gandaritas, bem como Estrabão. Os
presianos são chamados tabresianos por Diodoro da Sicília.

CVI. Alexandre, irado com a recusa de seus
soldados, ficou alguns dias encerrado em sua tenda, deitado por terra, dizendo,
que não lhes seria grato pelo que eles tinham feito até então, se não passassem
o rio Ganges e que voltar atrás, outra coisa não era que confessar-se vencido.
Mas quando viu e considerou que havia grande sinceridade nas manifestações que
seus amigos lhe faziam, para reconfortá-lo e consolá-lo e que os soldados
vinham à sua porta clamar e lamentar-se, pedindo que os levasse adiante, sentiu
compaixão e convenceu-se em fazê-los voltar; todavia antes de partir, imaginou
alguns expedientes falsos e curiosos para perpetuar e aumentar a glória de seu
nome naquelas terras: mandou forjar armas maiores, manjedouras e coxos para os
cavalos, mais altos que os ordinários, freios mais pesados que os comuns e os
mandou espalhar cá e lá. Mandou também construir grandes altares em honra dos
deuses, que os reis dos preses ainda hoje têm em tanta veneração que
atravessando o rio, vêm ali fazer seus sacrifícios a maneira dos gregos. Androcoto
era então um belo moço; depois de ter visto Alexandre, disse que bem pouco
faltou para que ele tomasse e conquistasse todo o país, porque o rei que então
governava era desprezado e odiado por seus súditos por causa da sua maldade e
pela abjeção do lugar de onde ele era originário. Partindo dali, ele quis ir
ver o grande Oceano; mandou construir vários barcos de remos e diversas
jangadas nos quais navegou comodamente pelos rios: mas esta viagem, no
entretanto, não foi ociosa nem sem guerra, pois frequentemente ele vinha à
terra, atacava as cidades, conquistando tudo por onde passava.

CVII. Atacando a cidade dos malianos (103), os quais,
dizem, são os mais belicosos de toda a índia, pouco faltou que fosse morto e
feito em pedaços: tendo repelido a golpes de dardos os que defendiam as
muralhas, ele na frente, subiu à primeira delas, por uma escada, que se partiu,
quando ele lá chegou; os bárbaros então, reunindo-se junto da muralha,
desferiram-lhe, de baixo, vários golpes; poucos dos seus estavam perto dele e
então do alto para baixo ele lançou-se no meio dos inimigos, onde por sorte
caiu de pé; os bárbaros, porém, assustaram-se, porque suas armas retiniram com
a queda, imaginaram ver um fantasma que caminhava diante deles e então fugiram
desordenadamente, esparramando-se cá e lá, mas depois, voltando a si do
espanto, quando perceberam que apenas dois de seus escudeiros estavam perto
dele, atiraram-se todos na sua direção, uns com dardos outros com espadas,
chegando a feri-lo através de sua armadura: um deles, por trás desferiu-lhe um
golpe de flecha, tão violento e tão rápido que furou a couraça e entrou-lhe na
carne, na altura do peito. O golpe foi tão forte que ele, perdendo as forças,
caiu de joelhos: aquele que havia desferido o golpe, correu depressa com a
cimitarra desembainhada na mão, mas Peucestas e Limneu (104) lançaram-se à sua
frente e foram ambos feridos; Limneu morreu na hora e Peucestas enfrentou-os,
enquanto o próprio Alexandre matava o bárbaro com suas próprias mãos, depois de
ter recebido várias fendas pelo corpo todo. Finalmente desfenram-lhe
um golpe de cacete na nuca, deixando-o atordoado: ele apoiou-se na muralha,
olhando para os inimigos; no mesmo instante, porém, correram os macedônios, de
todos os lados e o levaram para sua tenda, fora de si, tendo mesmo quase
perdido o uso da razão: pelo que correu imediatamente a voz por todo
acampamento que ele tinha morrido. Houve grande dificuldade e muito trabalho
para se serrar a flecha que era de madeira; assim, com dificuldade, também
tiraram-lhe a couraça e foi preciso ainda arrancar o ferro (105) da flecha que
havia se fixado dentro de um osso e tinha quatro dedos de comprimento e três de
largura, ao que se diz: por isso, arrancando-a, ele ficou fora de si, e todos
pensaram que ia morrer: todavia, por fim, escapou desse perigo: mas sentindo-se
muito fraco ficou muito tempo convalescente, completando sua cura sem sair de
seu aposento; um dia ouviu os macedônios que gritavam e faziam grande alando
diante de sua tenda, pelo desejo que tinham de vê-lo. Tomou então uma longa
veste e saiu para fora: depois de ter sacrificado aos deuses, pelo seu
restabelecimento, retomou o caminho, durante o qual subjugou ainda vários
países, aliás grandes, e tomou muitas cidades importantes.

(103) Os malianos e os
oxídracos habitavam perto da confluência do Indo com o Hidaspes
(104) Quinto Cúrcio o chama de Timeu.
(105) O ferro da flecha: Plutarco não quis dizer que ela
não era guarnecida de ferro, mas que era de madeira, em vez de ser de caniço.

CVIII. Aprisionou também
dez sábios do país dos que andam nus e são chamados de gimnosofistas; estes
haviam feito Sabas rebelar-se contra ele e causaram muito dano aos macedônios:
e como eram tidos como os mais sagazes, mais sutis e mais breves em suas
respostas, ele lhes propôs várias perguntas, que pareciam sem respostas,
ordenando-lhes que as respondessem do contrário mandaria matar o primeiro que
tivesse errado na resposta e todos os outros, depois: um, dos que parecia o
mais velho de todos foi o juiz das respostas. A pergunta que fez ao primeiro
foi: "Qual julgava ele seriam em maior número, os mortos ou os vivos? —-
Ele respondeu que eram os vivos: porque, disse, os mortos não existem mais.
Ao segundo, perguntou, quem alimenta maior número de animais, a terra
ou o mar? Ele respondeu que era a terra, porque o mar é uma parte dela. Ao
terceiro qual é o mais fino dos animais? Ele respondeu, que era aquele que o
homem ainda não conheceu. Ao quarto: por que havia feito Sabas revelar-se.
Para que, disse ele, vivesse honradamente ou morresse
desventuradamente (106). Ao quinto: o que existira primeiro, o dia ou a
noite. Ele respondeu: o dia antecedeu de um dia. E como o rei achasse que
esta resposta era estranha, ele acrescentou: A perguntas estranhas é necessário
que as respostas também sejam estranhas. Passando adiante, perguntou ao sexto:
qual o meio pelo qual o homem mais se poderia fazer amar. Sendo muito bom e não
se fazendo temer. Ao sétimo perguntou: como um homem poder-se-ia tornar deus.
Fazendo algo impossível ao homem, ele respondeu. Ao oitavo: qual era mais
forte, a vida ou a morte, ele respondeu que era a vida, porque suporta tantos
males. E ao último: até que idade é bem que o homem viva. Até que, respondeu
ele, não julgue o morrer melhor do que o viver". Ouvidas estas respostas,
vol-tou-se para o juiz ordenando que pronunciasse as sentenças. Este disse:
"Todos responderam cada qual, um pior do que o outro". Então
Alexandre retorquiu: "Tu morrerás por primeiro, tendo dado tal
sentença". "Não o farás, Sire, se não quiseres passar por mentiroso,
porque tu mesmo disseste que farias morrer por primeiro aquele que tivesse
respondido pior". Por fim ele os mandou a todos embora, dando-lhes ainda presentes.

(106)    
Eu
prefiro outra versão: que gloriosamente morresse.

CIX. Mandou também Onesícrito aos outros sábios
indianos, que eram dos mais apreciados e tidos como os mais honrados, e viviam
segregados, para pedir que viessem ter com ele. Onesícrito tinha sido discípulo
de Diógenes, o Cínico, ao qual, diz-se que Calano, um destes sábios, disse
altiva e arrogantemente que se despojasse de suas vestes para ouvir suas
palavras, nu, do contrário, não lhe falaria, nem mesmo que ele viesse da parte
de Júpiter; mas Dandâmio respondeu-lhe
mais gentilmente: e tendo-o ouvido falar das qualidades de Sócrates, Pitágoras
e Diógenes, ele disse que aqueles personagens lhe pareciam ter sido ilustres e
inteligentes, mas que tinham demasiadamente reverenciado as leis, em sua vida:
todavia, outros escrevem que Dandâmio somente lhe perguntou porque Alexandre
tinha feito tão longa viagem, para vir até às índias. Calano, porém, instado
pelo rei Táxíío, persuadiu-se a ir ter com Alexandre. Seu verdadeiro nome era
Esfines: mas, porque ele saudava aos que encontrava, na sua língua indiana,
dizendo Cale, que significa, deus vos guarde, os gregos o apelidaram de Calano:
diz-se, que ele apresentou a Alexandre uma imagem do seu império: jogou no
chão, diante dele, um couro seco e curtido, depois, colocou um pé sobre uma das
pontas. O couro, pisado naquela parte, levantou-se, em todos os outros lados;
andando em redor sobre as bordas do mesmo, fez-lhe ver que o couro pisado de um
lado, se levantava de todos os outros; depois colocou o pé no meio do couro:
então ele ficou, abaixado por igual. Queria dar a entender com essa semelhança
a Alexandre, que ele devia de modo especial fixar-se no meio do seu império e
lá ficar o mais tempo possível, sem se afastar demasiado do centro.

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