A colônia e o reino absoluto | História do Brasil

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

 

CAPÍTULO XIII

A colônia e o reino absoluto

Ficaram concluídas as duas primeiras seções de nossa narração histórica; descreveu a primeira a luta de um século e meio, na qual a nacionalidade portuguesa conservou a posse do Brasil contra os mais diversos ataques (1500-1660); a segunda narrou como, pouco a pouco, se espalhou geograficamente a colonização brasileira, até cerca de 1750, e como, nos cem anos daí em diante, ela se foi desenvolvendo interiormente.

Passaremos agora para a nossa terceira seção, que essencialmente servirá de complemento necessário à segunda. Se essa assinalou o desenvolvimento do povo e do país, a presente seção vai ocupar-se com o desenvolvimento da constituição política; vai explanar como um estado colonial se transformou num reino autônomo c num império independente, como a monarquia absoluta se desenvolveu em constitucional e em federativa, e como, assim, se firmou na ordem.

Isto sucedeu no decorrer dos anos de 1808 até 1844, e, para tanto (nós já o observamos diversas vezes), especialmente concorreram três províncias, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, ao passo que as restantes só de quando em quando procuraram intervir; portanto, a nossa narração histórica somente de passagem deitará, às vezes, um pouco de luz sobre estas últimas; as três províncias citadas, sobretudo a cidade do Rio de Janeiro, apresentam-se sempre, decididamente, no primeiro plano.

O Brasil foi, durante três séculos, desde o seu descobrimento, uma colônia do reino de Portugal, e como tal foi governado (1500-1807). O que isto significa é coisa em geral assaz conhecida; uma colônia, naquela época, devia não somente ser conservada em sujeição política, devia também — e era isto o principal — servir para enriquecer a mãe-pátria, e diante deste ponto de vista deviam recuar todas as considerações da justiça e da eqüidade; não satisfeita com as receitas diretas que hauria dos impostos e contribuições do domínio, e com as quais, já se vê, primeiro que tudo devia custear as despesas da administração, alcançava ela ainda rendimento indireto, submetendo o Estado-filho ao duplo monopólio do comércio e da fabricação em favor da mãe-pátria, para isso isolando-o de todo tráfico estrangeiro.

Assim fez Portugal com o Brasil. Muitos fatos particulares, referentes a essa orientação, acham-se já espalhados na nossa narração precedente: tanto mais é oportuno aqui um resumo sinótico, um retrospecto histórico nesse sentido.

Nos primeiros tempos da tomada de posse portuguesa, imediatamente após o descobrimento, todo o Brasil era um domínio régio; a totalidade do comércio costeiro foi declarada monopólio da coroa e como tal arrendado, em primeiro lugar, a um armador português, Fernando de Noronha (24 de janeiro de 1504). Quem ousasse fazer concorrência a esses monopolizadores era considerado fora da lei e passível dos mais severos castigos, fosse ele português ou estrangeiro.

Esse estado inicial de direito, que, de resto, nunca se podia executar estritamente, deixou de existir logo que, com a criação das capitanias hereditárias portuguesas, começou a verdadeira colonização do Brasil (1532): a coroa renunciou ao seu monopólio; em compensação, reservou para si, como contribuição e imposto do patrimônio, os direitos aduaneiros de importação e exportação, o quinto de todos os metais e pedras preciosas, finalmente, o dízimo de todos os produtos; e estas três formas de impostos passaram, então, a ser todo o tempo a sua principal, mesmo quase única fonte de receita. Todavia, já podia isso parecer dura pressão de impostos numa terra nova; deve-se ponderar, entretanto, que o governo da mãe-pátria daí tinha que prover não só os gastos da administração civil da colônia, porém, contratualmente, tirava também do dízimo toda a dotação e manutenção da Igreja católica do Estado, e que o dito quinto real, enquanto não se descobria metal precioso algum, portanto, durante os primeiros dois séculos, nada rendeu. Além disso, havia as despesas da colonização das ditas capitanias reais, as da defesa geral do país, sobretudo durante a demorada guerra holandesa, o sucessivo resgate dos feudos, etc; e, assim, pode-se certamente afirmar, de modo geral, que a princípio o Brasil consumia a maior parte da renda que pagava à coroa, e só muito pequena parte dela podia tocar à mãe-pátria. Somente do princípio do século XVIII em diante mudaram as coisas; com o descobrimento da riqueza em ouro de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, o quinto real do ouro produzia vultosas quantias; de menor monta, todavia bastante grande, era o rendimento do quinto real dos diamantes, e depois o monopólio dos mesmos; entrementes, havia naturalmente subido muito a renda dos outros impostos, ao passo que agora, em plena paz, as despesas diminuíam. Assim tornou-se o Brasil para a coroa de Portugal uma verdadeira mina de ouro; anualmente seguiam os avultados excedentes que, sobretudo durante a primeira metade do século XVIII, passaram em fabulosa cópia do tesouro brasileiro para a corte de Lisboa, onde eram esbanjados por uma administração financeira imprudente~ê perdulária.

Não só ficavam inteiramente perdidos para a colônia, também a mãe-pátria deles não tirava verdadeira vantagem; eram aplicados em ostentação pomposa, em edifícios magníficos e outros empreendimentos, que somente lisonjeavam a ambição e o fausto da casa real, e para a verdadeira utilidade da nação nada restava.

Quando no reinado de d. João V fora recolhida a mais rica messe de ouro do Brasil, estava Portugal em profunda miséria e na mais completa decadência, e somente depois dos maiores esforços conseguiu a mão de ferro do marquês de Pombal restituir-lhe uma pequena parte da sua antiga prosperidade.

Além desses rendimentos diretos, ainda obtinha Portugal indiretos lucros de sua colônia, reservando para si certas vantagens comerciais. Era então um hábito geral; costumava-se mesmo reivindicar para a mãe-pátria o exclusivo comércio com os seus Estados-filhos; Portugal era, portanto, relativamente liberal, quando, sob certas condições, também admitia nele os estrangeiros.

Os forasteiros — assim ditavam os princípios fundamentais dos primeiros tempos — podiam viajar no Brasil como negociantes, podiam mesmo, quando católicos, estabelecer-se ali; porém tinham que pagar 1096 do valor de suas mercadorias, como imposto extraordinário de entrada, e não podiam em circunstância alguma, nem de sociedade com súditos portugueses, negociar com os índios.

Estas restrições, que punham o negociante estrangeiro em tão grande desvantagem, comparado ao nacional, deviam, naturalmente, operar como medida proibitiva e quase garantir todo o comércio brasileiro aos negociantes portugueses; não obstante, alguns estrangeiros arriscavam a concorrência; soubemos de residentes italianos e espanhóis e, além destes, de ingleses e franceses; e uma ocasião estabeleceu-se mesmo um intercâmbio comercial direto entre as cidades de Santos (São Paulo) e Londres (1579), ao qual as complicações de guerra dos anos seguintes logo puseram termo.

Porém, quando o Brasil ficou sob a dominação espanhola (1580), foram aqui aplicadas as normas mais severas da política colonial espanhola; um decreto do rei d. Filipe II, cerca de 1600, renovado em 1627, proibia expressamente a todo estrangeiro viajar e comerciar nas suas colônias, e mesmo os residentes já estabelecidos foram expulsos em muitos lugares, sem a menor contemplação, cerca de 1607.

Somente a dinastia real de Bragança, desde 1640, fez voltar o antigo costume, e, como estavam as condições européias, teve mesmo que conceder a duas nações direito expresso de comerciar no Brasil. Nos tratados com a Inglaterra, de 10 de julho de 1654 e 18 de maio de 1661, e no da paz, em Haia, 6 de agosto de 1661, foi concedido, de um lado aos ingleses, de outro aos holandeses, negociarem no Brasil, excetuando algumas mercadorias especificadas; todavia — e aqui está o principal — não direta, porém indiretamente; os seus navios não deviam seguir da pátria diretamente ao Brasil, nem regressar dali diretamente, porém deviam primeiro, no caminho de ida e no de volta, aportar em Portugal e ali pagar pela sua carga os regulamentares direitos de alfândega.

Uma restrição desta espécie tirava naturalmente grande parte do valor do privilégio; a ser sempre preciso fazer uma tal volta, desse comércio pouco lucro se devia esperar; e não tinham absoluta necessidade do mesmo, pois cada uma de ambas essas potências marítimas podia abastecer-se, nas suas próprias colônias, dos artigos coloniais de que necessitassem.

Alguns espíritos empreendedores sempre se animaram a passar ao Brasil; no ano de 1699, por exemplo, o viajante Dampier encontrou na Bahia um negociante e cônsul inglês; porém, em geral, não fizeram uso algum desse direito contratual, nem a Inglaterra nem a Holanda, e ficou à exclusiva disposição do comércio português a navegação para o Brasil. E bem a podiam dispensar, porque os negociantes portugueses não eram senão os seus intermediários; Portugal empobrecido, sob a dominação espanhola, e sem indústria alguma, tinha que comprar desses dois povos comerciantes as mercadorias fabricadas, que levava ao Brasil, sobretudo os artigos das fábricas inglesas em Lisboa, e na maioria a crédito; assim, sem dúvida, o comércio para o Brasil era feito sob bandeira portuguesa, porém quase todo com dinheiro inglês e mercadorias inglesas; e, por outro lado, os produtos, o ouro do Brasil, iam pelas mãos dos portugueses enriquecer a Inglaterra. Assim continuou durante os séculos XVII e XVIII, até que as providências do marquês de Pombal criaram de novo certa independência para o comércio português.

A navegação estrangeira e as viagens de estrangeiros para o Brasii, embora sancionadas por decretos, leis e costumes, caíram cada vez mais em declínio, durante o século XVII; somente em raríssimas ocasiões se perdia um estrangeiro nestas inóspitas plagas. Porém em breve ainda pioraram as coisas. Quando o Brasil, depois do descobrimento do ouro nos fins do século XVII, assumiu particular importância para a mãe-pátria, a corte portuguesa julgou necessário modificar as velhas máximas liberais da sua política comercial colonial, no sentido de um completo e severo exclusivismo. Fez-se, primeiramente, empenho por manter os distritos das minas e sua imediata vizinhança isentos de todo contato estrangeiro; um decreto real, de 25 de fevereiro de 1711, ordenava expulsar das Minas Gerais todos os estrangeiros, mesmo quando eles já houvessem adquirido o direito de cidadania portuguesa; somente ingleses e holandeses deviam ser tolerados, em consideração dos tratados subsistentes; exceção que dificilmente fora feita a sério, nem se tomou em especial consideração na execução.

Um pouco mais suave foi o texto do segundo decreto, 7 de abril de 1713: colono estrangeiro, que não fosse negociante, se casado com portuguesa e que dela tivesse filhos, podia permanecer; porém os estrangeiros residentes, negociantes, deviam ser afastados, não somente do distrito das minas, mas de todo o Brasil, deportados com todos os seus bens, com mulher e filhos, para Lisboa. Somente essas medidas não podiam, contudo, contribuir para esse fim, enquanto vigorassem os compromissos internacionais de 1661, a respeito do comércio do Brasil; assim, os embaixadores portugueses no Congresso da Paz, dessa mesma época, em Utrecht (1712 e seguintes), procuraram forçar a Inglaterra e a Holanda à formal renúncia de seus direitos convencionados por tratado; mas a isso não conseguiu convencê-las; mesmo a França, que, por causa de sua colônia, Caiena, tivera justamente então que renunciar formalmente à navegação do Amazonas e ao tráfico com o Pará e o Maranhão, mostrou tenções de obter o direito de freqüentar os restantes portos brasileiros.

Em conseqüência, ficou em inalterada validade o antigo direito; fez-se, apesar disso, a desejada mudança, de fato; aos direitos e reclamações dos holandeses opôs-se pública resistência; ao contrário, a Inglaterra pouca importância deu à coisa, pois, indiretamente, tinha em suas mãos o comércio brasileiro; assim, pôde Portugal prosseguir, sem ser estorvado, no caminho adotado.

Esse sistema de severo exclusivismo contra todos os estrangeiros, que primeiro havia começado nos distritos das minas, foi-se apurando sempre e estendendo também às outras regiões da América do Sul portuguesa; residentes estrangeiros e imigrantes foram afugentados e não mais admitidos; navios mercantes estrangeiros, quando surpreendidos em contrabando, eram confiscados, o navio e a carga, e mesmo as embarcações, às quais por causa de avarias sofridas não se pudesse negar acolhimento, tinham que se submeter à mais severa vigilância e, logo que se concluíam os mais imprescindíveis reparos, deviam fazer-se de vela imediatamente.

Somente subsistia o antigo habitual comércio de contrabando, explorado pelos colonos portugueses, de um lado, e, por outro lado, pelos colonos espanhóis do Rio da Prata; porém, também, esse não devia mais tocar no Brasil propriamente dito e tinha que se substituir as suas tradicionais praças de comércio, Santos e Rio de Janeiro, pela remota colônia do Sacramento.

Daí em diante, até ao fim da dominação colonial portuguesa, ficou o Brasil completamente fechado ao comércio mundial, à imigração e mesmo à simples visita de estrangeiros, certamente para grande infelicidade desta colônia! Porém, não devemos por isso julgar com demasiada severidade o procedimento do governo português; pois ele não procedia pior do que era o costume geral então.

Todas as potências européias usavam, naquela época, de um sistema colonial mesquinho, interesseiro; elas fechavam, por princípio, as suas possessões transatlânticas ao comércio estrangeiro; e, quando o toleravam (como a Inglaterra, na América do Norte) deveras, e à imigração estrangeira, ou mesmo a promoviam, era sempre considerado com suspeita o elemento popular estrangeiro. Justamente, então, a época era de pouca segurança de direito internacional; o direito legítimo de posse não valia nada; cada Estado tinha que vigiar as fronteiras de suas terras, quanto mais as de suas colônias de além-mar, com incansável precaução, para que não acontecesse, quando menos esperasse, ser esbulhado por um assalto inimigo.

Ora, Portugal era, entre os Estados europeus, um dos mais fracos; já muitas vezes havia sofrido da avidez de rapina dos mais fortes; o seu império colonial das índias Orientais já estava até perdido, com exceção de alguns destroços; o próprio Brasil, quando era ainda simples país do açúcar, havia corrido grande risco; quanto mais não se tinha que recear por ele, desde que se tornara uma mina de ouro! Não devemos, portanto, tomar a mal à corte de Lisboa, que lançasse mão de medidas de precaução muito extensas e mesmo demasiado extensas, e que, durante todo o século XVIII, tratasse de conservar longe de todo contato estrangeiro as suas terras coloniais produtoras de ouro, e procurasse ocultá-las com impenetrável véu aos olhares cobiçosos do estrangeiro.

Por outro lado, não se justifica de modo algum que a coroa de Portugal, como aconteceu mais tarde, ainda levasse mais longe os manejos secretos e mesmo pusesse embaraços ao comércio de seus próprios súditos, ao comércio entre a mãe-pá-tria e o Estado-filho. Dessa espécie foram, por exemplo, as leis de 20 de março de 1730, 14 de abril de 1732 e 20 de fevereiro de 1733; não somente reiteravam a proibição a todo estrangeiro de entrar no Brasil, mas também os portugueses, só por nomeação régia ou com um passaporte do governo, podiam embarcar para ali; as mulheres, só acompanhando os maridos ou com uma licença especial do rei, etc. Estritamente, jamais foram estas leis executadas; porém, sempre dão a medida de uma mesquinhez, a que não chegou a política colonial de nenhum outro povo.

Resumamos, numa palavra, o que até aqui ficou dito: na sua totalidade, ficou o comércio brasileiro, continuamente, durante o período colonial, nas mãos dos negociantes portugueses; somente navios portugueses podiam freqüentar, ou freqüentaram, os portos do Brasil, e, por outro lado, — o que, todavia, pouco entra em conta, pois, enquanto o Brasil foi colônia, nunca teve armadores, — os navios brasileiros só podiam destinar-se exclusivamente aos portos portugueses.

Indaguemos, agora, como se fazia esse comércio. A princípio, logo após o descobrimento, no Brasil, durante curto período, vigorou o "monopólio da coroa" (1504-1532); mudou depois para mais suave forma, o "monopólio da mãe-pátria", de modo que qualquer cidadão português podia ali comerciar; e, de fato, cada qual se fazia de vela e negociava por si mesmo e por sua própria conta, com o que a concorrência entre os negociantes favorecia os produtores brasileiros. Assim, era o costume geral durante o século XVI; porém, no século XVII, modificou-se o sistema de comerciar: por toda parte surgiram agora, segundo o exemplo holandês, grandes companhias de comércio, nas quais grande número de acionistas reuniam avultados capitais, para atividades em comum.

Estas poderosas companhias tinham as suas próprias possessões além-mar, as suas próprias esquadras de guerra, e podiam ser consideradas como potências marítimas e coloniais. Ê fato bem conhecido como uma delas, a Companhia Holandesa das índias Ocidentais, durante trinta anos (1624-1654), combateu contra a coroa de Portugal pelo Brasil, e teve muito tempo em sua posse uma parte dele; ao mesmo tempo dominavam as suas frotas o oceano Atlântico, e os navios mercantes portugueses, que navegavam, cada um por si mesmo no seu roteiro, eram fácil presa dela; o comércio do Brasil parecia destinado à decadência.

A fim de conjurar esse perigo, foi necessário que Portugal recorresse às mesmas armas que o inimigo, opusesse à potência naval da Companhia uma esquadra igual; assim, fundou-se em Lisboa, a 8 de março de 1649, uma Companhia Geral de Comércio, privilegiada, e a ela era concedido o exclusivo comércio com o Brasil; todo o tráfico para ali devia ser feito, daí em diante, pela frota dessa companhia, que partia anualmente, ao passo que era estritamente proibida toda navegação isolada, por própria conta.

Como essa medida foi eficaz para a proteção e o restabelecimento do comércio português, isso foi relatado no seu lugar; as numerosas frotas anuais, bem armadas, da nova companhia, resistiram a todos os ataques dos holandeses; elas restabeleceram as comunicações regulares entre a mãe-pátria e a colônia e uma delas concorreu, decisivamente, como se sabe, para a final expulsão dos holandeses de Pernambuco.

Porém, se para Portugal foi vantajosa a nova medida, por outro lado, trouxe consigo para o Brasil alguns inconvenientes; a colônia passava de uma forma de monopólio mais suave para outra mais estrita, pois, em lugar do "monopólio geral da mãe-pátria", vigorava agora o "monopólio de uma companhia particular"; cessava com isso a concorrência dos diversos negociantes entre si, e o produtor brasileiro se achava para com a gente do comércio portuguesa constrangido à maior dependência; não havia, por assim dizer, outro alvitre senão vender à companhia. Os inconvenientes do sistema logo se fizeram sentir; parece, entretanto, que, no fim de contas, a Companhia Geral de Comércio do Brasil operou com moderação e discernimento e também respeitou os interesses recíprocos.

Não foi tão feliz a sua irmã mais moça, a Companhia do Maranhão, fundada no ano de 1682, em Lisboa, e privilegiada com o exclusivo comércio das províncias brasileiras do Norte; em breve se tornou tão malquista que, em São Luís do Maranhão, se chegou à formal revolução; e embora fosse logo restabelecida a ordem, julgou o governo conveniente anular o odioso monopólio, o privilégio da Companhia do Maranhão (1687).

Ao contrário, a Companhia Geral do Comércio do Brasil subsistiu em paz, mais de setenta anos, até que, a l9 de fevereiro de 1721, também a carta de privilégio lhe foi cassada.

Com isso desapareceram os monopólios das companhias particulares e de novo vigorou o antigo monopólio da mãe-pátria; de novo, como antes, qualquer português podia comerciar livremente com o Brasil. Somente a forma de manejar as transações, como as companhias o haviam feito, ainda vigorou muito tempo depois da sua queda; tanto como antes, ficou proibida a navegação mercante isolada; quem queria ir ao Brasil tinha que se associar à grande frota que, anualmente, uma só vez, partia de Lisboa para ali. Comboiada por segura escolta, essa esquadra transpunha o equador; então, dispersavam-se as diferentes divisões em demanda do seu porto particular, Pará, Pernambuco, Bahia, Rio, e, assim que aí chegavam, começava em toda parte a grande feira.

Já antecipadamente os negociantes dos portos, que, quase exclusivamente, agiam como comissários e intermediários, haviam ajuntado os produtos da terra; por esses produtos eles trocavam, então, os artigos de importação européia, a fim de os vender no interior. Ao cabo de algumas semanas, estavam concluídas as transações, haviam os navios mercantes recebido a sua carga, e os navios reais de comboio o imposto da coroa em ouro e pedras preciosas; de todos os lados, as unidades faziam rumo para a Bahia e dali regressava a frota anual, reunida, para Lisboa.

Nesse estado de coisas, o ministério do marquês de Pombal, empenhado em dar grande impulso às atividades comerciais de Portugal, interveio radicalmente. Por um lado, concedeu, pela lei de 10 de setembro de 1765, mais liberdade de ação ao comércio brasileiro; a antiquada instituição da frota anual privilegiada, na qual, ‘de resto, se haviam introduzido múltiplos abusos e fraudes, foi agora suprimida, e, como nos tempos antigos, de novo qualquer navio mercante português podia, desimpedido, navegar quando e para onde lhe aprouvesse. Porém, por outro lado, recorreu de novo Pombal, ao menos em algumas partes do Brasil, à rigorosa forma do monopólio, ao "monopólio de companhias particulares".

A 6 de junho de 1755, fundou-se em Lisboa uma Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, do mesmo modo, a 30 de julho de 1759, uma Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, privilegiadas com o monopólio do comércio das referidas províncias. Isto se fez na exclusiva consideração da conveniência de Portugal; já mencionamos que a gente do comércio português caíra em quase exclusiva dependência da Inglaterra, e especialmente fazia o comércio do Brasil quase só com mercadorias inglesas e dinheiro inglês; o marquês de Pombal tencionava agora, ao passo que englobava os pequenos capitais portugueses em unidades de maior vulto, emancipar a sua gente do jugo de até então, e isto ele conseguiu realizar até certo ponto; a indústria inglesa em Lisboa melindrou-se com a fundação das companhias e fez repetidas reclamações, contudo baldadas.

Porém, quanto à conveniência do Brasil nessa medida, não foi tomada em consideração; e, assim, ao menos Pernambuco foi prejudicado com o monopólio da nova Companhia, ao passo que, por outro lado, agiu beneficamente esse mesmo monopólio no Pará e Maranhão.

Imediatamente depois da queda do marquês de Pombal, seu fundador, foram ambas as companhias de comércio de novo abolidas ( 1777), e daí em diante, até ao fim do tempo colonial, ficou, como antigamente, em todo o Brasil, o "monopólio da mãe-pátria" em inalterada validade.

A par disso, no que diz respeito a alguns ramos particulares de comércio e indústria, ainda subsistia a forma rigorosa do "monopólio da coroa"; reivindicava, assim, a coroa, desde 1740, a exclusiva exploração dos diamantes e o monopólio do comércio com essas pedras preciosas. De igual modo conservava ela, desde os primeiros tempos, o exclusivo direito de abastecer os brasileiros com o sal português e, de fato, costumava ser arrendado esse monopólio régio do sal a empresários portugueses.

Em todo caso, havia províncias que a natureza dotara com lagunas de sal e fontes de águas salinas, cujo uso não se lhes podia proibir; porém era severamente vedado a seus habitantes levar sal além de suas fronteiras, às províncias vizinhas; assim, os territórios do Brasil, destituídos de sal, eram forçados a comprar o sal português a preços exagerados — um inconveniente ao qual só o comércio de contrabando de certo modo remediou, e que especialmente muito prejudicou à criação de gado, assim como não menos estorvou o desenvolvimento da pesca.

Mais tarde, foi também monopolizado pela coroa um importante ramo da pescaria brasileira. Já desde muito tempo era especialmente nas costas do Brasil explorada a pescaria não pouco considerável da baleia; em primeiro lugar, parece que na Bahia; em seguida, estabeleceram-se pescarias também na baía do Rio de Janeiro e em Santos (São Paulo), finalmente, na ilha e costas de Santa Catarina, que dentro em breve excederam a todas as outras. A pesca era deixada primitivamente à exploração particular; porém, no tempo do ministério Pombal, declarou a coroa que esta alta exploração do mar passava à sua soberania,.e o monopólio da mesma foi concedido a arrendadores temporários; assim, em primeiro lugar, a l9 de abril de 1765, por doze anos; a esse arrendamento das pescarias foi associado, então, ao mesmo tempo, o monopólio do sal. A princípio faziam os arrendatários bastante negócio; a pesca era muito produtiva; por exemplo, uma vez, numa só estação de pesca da ilha de Santa Catarina, foram colhidas, no ano, 523 baleias; e, assim, rendeu-lhes o primeiro período de doze anos o lucro líquido de quatro milhões de cruzados. Com o tempo, reduziu-se a colheita de ano para ano, até que, afinal, não se achava mais candidato algum para contratar os dois monopólios reunidos; franqueou, então, o governo ambos, a pesca da baleia e o negócio do sal, de novo à concorrência de todos os súditos (4 de abril de 1801).

Ao monopólio do comércio, que Portugal exercia sobre o Brasil, acrescia, como necessário complemento, o "monopólio de fabricação", ou, para nos exprimirmos mais exatamente, de certos ramos de produção. Para que não sofresse prejuízo algum o comércio de importação da mãe-pátria, era preciso que a colônia não produzisse de todo ou produzisse o menos possível dos artigos que aquela lhe podia ou queria fornecer.

Medidas proibitivas desta ordem parece que desde o princípio feriram certos ramos da agricultura brasileira. Conta-se, por exemplo, que, logo após o descobrimento do Brasil, foram ali cultivadas as especiarias das índias Orientais, as quais, porém, o governo português mandou arrancar, e proibir, sob pena de morte, a continuação do seu cultivo. Esta notícia é pouco fidedigna; de resto, se fosse verdadeira, é que com essa providência se tinha em consideração mais a Europa do que o Brasil; o que se queria impedir que a produção demasiadamente grande fizesse baixar o preço das tais especiarias no mercado europeu. Em breve, porém, se revelou o verdadeiro ciúme da mãe-pátria numa idêntica proibição. Ura dos principais artigos de importação do comércio de Portugal era o vinho; havia sido então introduzida em São Paulo a videira, e desenvolveu-se tão esplendidamente, que esta província, em poucos decênios, não só produzia para o seu próprio gasto, como começava a abastecer as províncias irmãs do Norte. Para pôr termo a essa prejudicial concorrência, houve por bem o governo português, nos fins do século XVI, suprimir de todo o cultivo da videira em São Paulo. De igual modo foi, segundo informações, também proibido o cultivo da oliveira e da amoreira, a fim de que só ao azeite português e à seda portuguesa fosse garantido o mercado brasileiro.

Com o tempo, demonstrou o governo da mãe-pátria mais alguma moderação: concedeu a produção do sal para uso no país e proibiu somente a sua exportação para as terras vizinhas; de igual modo, ao trigo da província de São Pedro, cerca de 1780, como ele fazia concorrência ao trigo proveniente de Portugal, foram fechados os restantes mercados brasileiros.

Todas essas proibições da produção, ou, pelo menos, da exportação interpro-vincial, referem-se somente a produtos da natureza; indústria não precisava Portugal defender, pois não possuía nenhuma, e no Brasil nesse sentido nenhuma tentativa se fazia. Por isso, se uma ou outra indústria era hostilizada por parte do governo, tratava-se não tanto de medida comercial, mas de policiamento.

Assim, por exemplo, quando, em 1715 e mais tarde, em Minas Gerais, as destilações de aguardente de cana foram limitadas a determinado número, era o intento refrear com isso os excessos da bebedice; igualmente, foi ali mesmo, e em outras províncias de solo aurífero, repetidas vezes proibido rigorosamente (por último ainda a 30 de julho de 1766) o ofício de ourivesaria; isto se fez, porque os ourives costumavam fundir e trabalhar com o pó de ouro sem pagamento de imposto, lesando, deste modo, as rendas reais. A par disso, essas medidas de polícia, como se depreende, sempre proporcionavam alguma vantagem aos operários da mãe-pátria. Monopólio regular de fabrico reivindicou Portugal, somente quando o ministério Pombal fez de.novo reviver as suas indústrias; os representantes da coroa receberam, nessa época, instruções para suprimir todas as indústrias incipientes no Brasil.

Particularmente a tecelagem à mão, que havia pouco se começava a exercer em Minas Gerais, não devia mais ser tolerada; depois, uma lei de 5 de janeiro de 1785 concedeu, porém, ao menos, a fabricação de um pano grosseiro de algodão para o vestuário dos escravos, ao passo que no mais foi rigorosamente proibido o uso do tear; e, de fato, em cumprimento da lei, foram ainda, no princípio do século XIX, destruídos os teares na praça pública, e os seus donos deportados para Lisboa, a fim de sofrerem o castigo legal.

Deste modo, foi criado o jugo da sujeição colonial, que Portugal impôs a seu Estado-filho sul-americano; certamente, um jugo pesado, e muitas vezes o Brasil suportou penosamente a sua compressão, porém não devemos acusar a política colonial portuguesa com exagerado rigor. Comparemo-la, por exemplo, com a antiga inglesa; restrições inteiramente análogas do comércio e da indústria, ainda muito mais severas, vigoraram como lei na América do Norte, até à declaração de sua independência, e pesaram ali, sobre o povo, em extremo industrioso, adiantado, intelectual e materialmente, muito mais do que no Brasil, onde a população, em todos os sentidos muito mais atrasada, jazia em completa indolência.

Aqui ainda não se havia desenvolvido, como lá, a indústria; a gente do comércio, destituída de todo espírito de iniciativa, continuava sempre a fazer os usuais negócios de simples comissão; até a indústria principal, a lavoura, permanecia na mesma rotina; e, se alguma vez era acrescentado um novo artigo de comércio aos tradicionais do Brasil, quase sempre a iniciativa partia de cima.

Além disso, a importante contribuição para a coroa, o quinto real de todos os metais preciosos, era cobrado tanto pela coroa de Portugal como pela coroa da Inglaterra (nos decretos de fundação de Virgínia, Maryland). O fato de esse tributo haver sido na América do Norte uma simples flor de retórica, ao passo que o Brasil, por motivo do mesmo, avultadas quantias perdeu, foi motivado exclusivamente pelas condições naturais, não pela vontade dos homens.

Finalmente, é verdade que a coroa da Inglaterra não impôs contribuição alguma direta às suas colônias norte-americanas, porém, por outro lado, não pagava as despesas de administração do Estado nem as do culto, como acontecia por parte do governo português no Brasil, mas as colônias inglesas tudo tinham que pagar, em particular, dos seus próprios recursos. Portanto, comparativamente, não havia exagerada opressão material, nem exploração do Brasil especialmente cobiçosa; com justiça só se pode acusar o sistema colonial português por seu exclusivismo tacanho; porém a desconfiança, que o determinava, é erro desculpável de fraco.

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