Substância e Substrato

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    Como entender e como conceituar a substância e o substrato em Aristóteles, diferenciado-os?

    A substância (ousia) contém matéria (hylé, palavra que quer dizer também madeira) e forma (morphé)
    O substrato é o hypokeimenon, palavra que é traduzida por sujeito.

    O substrato seria a substância no contexto da mudança (kinésis), ou o elemento imóvel da mudança.

    Abaixo segue o verbete substrato do Ferrater Mora:

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    Literalmente, substrato significa “o que está debaixo de (sub) um estrato” (uma capa, uma massa etc). O substrato, é pois, um suporte, algo que consiste em suportar (sub-portare) outra coisa. Existem vários suportes que podem considerar-se como formas ou variedades de substratods: a substância (sub-stantia), o sujeito (sub-iectum), o suposto (sub-positum). A cada um deles pode se dar o nome de substrato, de maneira que este nome pode ser usado para designar qualquer um deles. Substrato pode ser usado, pois, como nome comum de tudo que está “debaixo de”.

    A voz latina substratum traduz o termo grego to hypokeimenon, que tem sido usado para designar o “sujeito” em seus vários sentidos. Alguns destes sentidos aparecem em Aristóteles, que propôs uma série de questões que podem ser chamadas “questões acerca do substrato”.

    O que aqui chamamos de “substrato” é uma certa realidade acerca da qual se pode dizer algo. A realidade da qual se diz que algo é uma realidade natural, que se caracteriza por ser 'tal' e 'qual'. A mudança em questão é a passagem da privação de uma forma à sua possessão (por exemplo a passagem de X, que é frio, portanto não-quente, a X quente e não-frio). Ao falar de tal passo não falamos propriamente dos contrários, mas dizemos que os contrários são contrários de “algo”. Este 'algo' é precisamente o substrato. Logicamente, o substrato é aquilo do qual se predica algo, e 'materialmente' é o X predicado.

    Este X foi examinado antes de Aristóteles sob vários pontos de vista, que o estagirita examina com detalhes na Fïsica. Alguns consideram que X é uno, outros, que há mais de um. Alguns pensaram que o X é uno e imóvel, outros, que é uno e móvel, outros, que é mais de um e muda em sentido da mudança local que chamamos movimento.

    Aristóteles refutou que X seja uno e imóvel, pois se fosse assim não poderia se explicar a existência de mudanças. Refutou, também que seja Uno e móvel, pois, se é uno, deverá ser contínuo e não poderá mudar, se é contínuo, é imóvel, é imóvel e se não é contínio não é uno. Disso se deriva que o substrato não pode ser uma só matéria ou substância, tem que ser mais de uma. Conclui-se então que a mudança é o que tem lugar quando um substrato dado pasa de l' para ser “qual”. Sem dúvida, o “ser tal” e o “ser qual” por si mesmo não explicam a mudança, se são tal e qual deverão sê-lo em algo que fazem parte. Isto é o substrato, de modo que temos 3 elementos: o substrato, o ser “tal” e o ser “qual” (os quais são contrários)

    Tudo isto leva Aristóteles a conceber, em última instância, o substrato como substância. É substância porque os contrários (as qualidades) se inserem em ela e pode ser identificado com exempos como “o homem”(música, não músico) , a junção (branco, não branco) etc. Mas isto acarreta também certasd dificuldades. Com efeito, a substância não pode ser reduzida à matéria somente. Assim, o substrato não é, exatamente falando, substância, porque é o indestrutível e imperecível em cada mudança. Daí se conclui que o substrato é uma espécie de matriz da realidade natural.

    Por aí se vê que as questões acerca do substrato são difíceis. Pode-se afrontar que o substrato é sempre singular, ou seja, indivíduo real. Tal foi o significado que se deu à voz substratum quando foi introduzida por alguns escolásticos. Mas aí parece que o conceito perde utilidade, já que pode ser substituído pelo conceito de substância. Tem que dar-lhe sempre o sentido de algo “indeterminado” ou o sentido de suporte (real) em geral. Pode-se afrontar assim mesmo recorrendo ao uso referido no começo do artigo, de substrato como diversos tipos de suporte, e especialmente no seguinte: a substância como suporte dos acidentes, a substância na qual tem lugar as mudanças,; a causa material ou potência subjetiva (no sentido escolástico) passiva; a matéria primeira, a matéria a respeito da forma; ao sujeito lógico a respeito de seus predicados etc. Então temos um elemento comum a diversos tipos de 'suporte', mas que não designa nenhuma realidade espcífica. Isto é o que tem concluído vários autores, entre os quais se destaca Locke, que ao introduzir o termo 'subtrato' relevou que se o entendermos como 'substância pura' ou suporte de qualidades capazes de produzir em nós idéias simples (ou seja, acidentes) não podemos dizer mais de que não sabemos o que seja, do que se trata. (Essay, II, xxii, 2) (…)

    Pode-se dizer, sem dúvida, que substância tem um sentido mais forte que substrato e que se pode falar de “puro substrato” ou “substrato nú” de forma mais simples do que de “pura substância” ou “substância nua”.
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    Como o autor já aponta, o problema é de difícil tratamento.
    Alguns links:
    Resumo dos conceitos da Metafísica pela Marilena
    http://geocities.yahoo.com.br/mcrost02/convite_a_filosofia_28.htm
    A noção de substância em Locke:
    http://www.cfh.ufsc.br/~mafkfil/yolton.htm
    http://www.consciencia.org/antiga/aristmeta.shtml

    #79554

    Há muito não verso sobre matérias filosóficas; se erro, por favor, corrija-me.

    Creio eu que assim poderíamos entender o substrato:

    Só podemos entender o movimento a partir da intuição de uma certa estabilidade essencial do ser. Tal estabilidade é dada pelo princípio – que mora na forma – , e que é a espécie, considerando-se a matéria como não determinada. O princípio da forma vai determinar as relações entretidas pela substância, inclusive as acidentais. Podemos concluir daí que os acidentes são metafisicamente pré-determinados (um campo de possibilidades acidentais + acidentes necessários à própria função essencial do ser; p. ex.: todo homem tem cor – dado essencial – mas a cor pode ser qualquer uma – dado acidental), mas em si mesmos não são necessários, ou seja, estaríamos diante de uma relação determinada pela forma, e não de uma forma com várias substâncias (o que seria absurdo).

    Logo, o substrato seria uma capacidade da substância, uma tensão entre o essencial e o acidental, que permitirá dizer que algo é à medida que se movimenta, seja qual for o seu estado, enquanto não se destrua a forma.

    Concluindo: a especificidade da forma é dada pelo princípio (a humanidade); o substrato é o princípio enquanto agente dos atos da substância.

    OBS.: estou inscrito neste site, mas já faz tanto tempo que não entro aqui que me esqueci o login e a senha.

    #79555

    A linguagem foi convertida em problema para Aristóteles uma vez que, no sistema aristotélico, ela assume uma função de representação das coisas.

    Antes de continuar, talvez valeria a pena lembrar o que Heidegger resgatou acerca do conceito de logos na tradição platônico-aristotélica: “Se dissermos que a significação fundamental de logos é 'fala', esta traduçao literal terá pleno valor unicamente depois de determinarmos o que quer dizer 'fala'. (…) Logos se 'traduz', ou seja, se interpreta, como razao, juizo, conceito, definicao, razao de ser ou fundamento, proposiçao. Mas, como poder-se-á modificar 'fala' para que logos signifique tudo o que se acabou de enumerar, e o signifique dentro de uma linguagem científica? (…) o logos é o que permite ver algo, a saber, aquilo de que se fala, e o permite ver ao que fala ou a os que falam uns com os outros. A fala permite ver…” [O Ser e o Tempo, Heidegger]

    O problema da linguagem, portanto, assume em Aristóteles um lugar de destaque diretamente ligado com a passagem da lógica para a ontologia. Em Platão o propriamente “real” se localizava na “idéia”, que se manifestava no discurso no jogo da dialética, em que ia se revelando, e no qual a reminiscência tinha um papel. Aristóteles, ao “dissolver” o mundo das idéias, se depara então com um novo problema: como o “real” pode ser trazido para o discurso? Em outros termos, como logos pode continuar sendo entendido como era e qual a ligação entre o “real” e a “fala”?

    A linguagem, se não “traz” exatamente as coisas para o discurso, tem uma função de representaçao delas, a linguagem transmite as coisas. “Das coisas que se dizem (twn legoménon), umas são feitas com conexão (symplokén), com liame, outras, sem qualquer espécie de correlação. A correlação está em indicar um estado posicional (ele se encontra sentado), uma possessão (ele porta uma caneta), uma açao (ele escreve), e outras categorias mais.” [cf Dorion, “A despersonalizaçao da dialética em Aristóteles”]

    O importante é a ligação que Aristóteles faz entre os termos de um discurso. Para ele, a simples elocução de um termo isolado, descontextualizado, não permite significar: dizer simplesmente “caneta” sem uma contextualizaçao nao permite perceber logicamente nenhum estado, possessao ou qualquer outro atributo.

    Das coisas que são (tnm óntwn), por sua vez, podemos enumerar algumas espécies:
    1) algumas sao ditas de um sujeito, mas nao se encontram em nenhum sujeito (“homem”);
    2) algumas nao sao ditas de um sujeito, mas estao em um sujeito (“branco”);
    3) algumas sao ditas de um sujeito e estao em um sujeito (“ciencia”);
    4) algumas nao estao em nenhum sujeito e nao sao ditas de nenhum sujeito (“certo homem”).

    O que vale é destacar a importancia da correlaçao entre o sujeito/predicado, uma vez que, onde nao há predicaçao, correlaçao entre termos, há somente termos isolados que nao permitem a formaçao dos juizos do falso e do verdadeiro. Onde nao há correlaçao, nao existe nem falso nem verdadeiro.

    As formas de predicaçao do sujeito e da atribuiçao a este de modos especificos de “ser” e “estar” sao um mínimo de 10 (as dez categorias: substancia, quantidade, qualidade, relaçao, lugar, tempo, posicao, ter, agir, sofrer).

    Em Aristoteles, “aquilo que é” não se confunde com “aquilo que se diz”, e, na análise do discurso, destaca-se o conceito de ousia, que, na perspectiva do discurso é substancialmente (1) aquilo que é passivel de atribuiçao ou (2) aquilo que é atribuivel e predicavel.

    É a partir dessa dupla conceituaçao que Aristoteles diferencia a “substancia primeira” (1) da “substancia segunda” (2). Portanto, o termo “substancia” (ousia) nao é univoco, e, em sentido primeiro e próprio, corresponde somente à substancia primeira (correspondendo à substancia segunda somente por via indireta).

    A substancia primeira é, na funçao discursiva, o sujeito (ypokéimenon) para o qual convergem as atribuiçoes predicativas; mas um sujeito, ao ser predicado de algo, tem, por predicaçao indireta (por atraçao), atribuidas a si todas as caracteristicas abrangidas pelo predicado.

    Por exemplo: ao se afirmar “Platão é homem”, pode-se significar que este sujeito em particular (Platao) participa de todos os predicativos que possam existir para o termo “homem” (animal, racional, discursivo, etc). Esse tipo de fenomeno ocorre na predicaçao por derivaçao e coloca em relaçao um elemento (substancia primeira) com as caracteristica do que é proprio do genero (substancia segunda).

    Mas nem toda predicaçao é por derivaçao. Por exemplo: ao se afirmar “Isto é branco”, a definiçao de “branco” não será predicada ao sujeito por derivaçao, como ocorreu no caso anterior. A cor se manifesta somente em um corpo e nunca separada. Após as substancias primeiras, somente os generos e as espécies sao as substancias segundas, porque, das coisas predicadas, sao estas as únicas que manifestam a substancia primeira.

    Resumindo: se nao existissem as substancias primeiras, seria impossivel que existissem as demais coisas, pois as outras ou predicam das primeiras ou estao nelas. Todas as categorias existem em funçao da substancia primeira, e somente as substancias primeiras sao substancia (ousia) em sentido próprio, pois podem ser “substrato” de todas as demais coisas.

    E, se isso não complicou mais, talvez ajude um pouco :-)

    #79556

    Só sei que, no final, a hypokeimenon de Aristóteles foi associada pelos filósofos contemporâneos à linguagem e ao sujeito do inconsciente.

    #79557

    Bom, obrigado pelas mensagens. Luiz, quem sabe um novo registro? Eu posso verificar na administração o status do seu login, e alterar a senha se for o caso. Você lembra do nome de usuário ou algum outro dado?

    #79558

    Pra onde vai a potência da semente de árvore quando eu a isolo num copo de vidro? A semente, isoladamente, é potência do quê?

    E, no ser humano, o que é hypokeimenon quando tanto o eu quanto o corpo estão sujeitos à kinésis?

    #79559

    A semente continuará sendo potência de árvore, onde quer que esteja.

    …………………………………………..

    #79560

    A semente continuará sendo potência de árvore, onde quer que esteja.

    Será? Mas ela poderá desenvolver essa potência sózinha?

    A estátua de Hermes está em potência na madeira, diria Aristóteles…

    …mas e se a humanidade acabasse? Ainda estaria lá em potência?

    (Mensagem editada por Mike em Julho 19, 2005)

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