De Colombo e da América – Voltaire

VOLTAIRE – DO ENSAIO SOBRE OS COSTUMES E O ESPÍRITO DAS NAÇÕES

CAPÍTULO CXLV

De Colombo e da América

Colombo, impressionado com os empreendimentos dos Portugueses, achou que se podia fazer algo de maior, e pelo simples exame de um mapa do mundo concluiu pela existência de um outro, que poderia ser encontrado vogando-se sempre na direcção do Ocidente. Sua coragem igualou sua fortaleza de espírito, tanto maiores quanto teve ele de combater os preconceitos de todos os seus contemporâneos e enfrentar a recusa de todos os príncipes a quem recorria para a execução do seu projecto. Génova, sua cidade natal, que o tachou de visionário, perdeu a oportunidade única que se lhe oferecia para engrandecer-se por intermédio dele. Henrique VII, rei da Inglaterra, mais ávido de dinheiro do que capaz de aventurar-se em tão nobre empresa, não deu ouvidos ao irmão de Colombo, que viu também seus planos repelidos em Portugal, por D. João II, cujas vistas estavam inteiramente voltadas para as costas da África. Colombo não podia dirigir-se à França, onde a marinha havia sido negligenciada e a desordem dos negócios era maior do que nunca sob o governo de menoridade de Carlos VIII. O imperador Maximiliano não possuía nem porto para abrigar uma frota, nem dinheiro para equipá-la, nem coragem suficiente para tal projecto. Veneza teria podido empreendê-la, mas, fosse porque a aversão dos Genoveses pelos Venezianos impedisse Colombo de dirigir-se à rival de sua terra, ou porque Veneza só visse grandes vantagens no seu comércio com Alexandria e o Levante, não houve ali entusiasmo pelo empreendimento, e o navegador compreendeu que só poderia esperar alguma coisa da corte de Espanha.

Fernando, rei de Aragão, e Isabel, rainha de Castela, haviam reunido, pelo casamento, toda a Espanha, com excepção do reino de Granada, que os Maometanos conservavam ainda, mas que Fernando lhes arrebatou logo depois. A união de Fernando e Isabel preparou a grandeza da Espanha, que teve seu verdadeiro início com Colombo. Mas foi somente depois de oito anos de solicitações que a corte espanhola consentiu no bem que o genovês queria fazer-lhe.

O que leva ao fracasso os grandes projectos é quase sempre a falta de dinheiro para realizá-los. A corte de Espanha era pobre. Foi preciso que o prior Perez e dois negociantes de nome Pinzone adiantassem dezessete mil ducados para as despesas de equipagem (23 de Agosto de 1492). Colombo obteve da corte uma carta de patente e partiu, afinal, do porto de Paios, na Andaluzia, com três pequenos navios e o título simbólico de almirante.

Das ilhas Canárias, onde fez escala, não levou mais que trinta dias para descobrir a primeira ilha da América, e durante esse curto trajecto teve que suportar da tripulação mais protestos e murmúrios do que já havia sofrido em recusas dos príncipes europeus. A essa ilha, cerca de mil léguas distante das Canárias, foi dado o nome de São Salvador. Logo depois, descobria ele as outras ilhas Lucaias, Cuba e Hispaniola, hoje denominada São Domingos. Fernando e Isabel ficaram grandemente surpreendidos ao vê-lo retornar, ao cabo de sete meses (15 de Março de 1493), com alguns nativos de Hispaniola, muitas raridades da região, e sobretudo com o ouro que lhes foi apresentado. Os soberanos fizeram-no sentar-se e cobrir-se como um grande de Espanha, e concederam-lhe o título de almirante e vice-rei do novo mundo descoberto.

Passou Colombo a ser encarado por todos como um homem excepcional, enviado do céu. Não faltou então quem se interessasse pelos seus empreendimentos e quem quisesse embarcar sob as suas ordens. Tornou ele a partir com uma frota de dezessete navios (1493), descobrindo novas ilhas, entre as quais as Antilhas e a Jamaica. A dúvida com que antes o encaravam transformou-se em admiração, depois da primeira viagem; mas a admiração converteu-se em inveja, na segunda. Ele era agora almirante e vice-rei, e podia acrescentar a esses títulos o de benfeitor de Fernando e Isabel. Entretanto, os juízes enviados nos seus navios para vigiar-lhe a conduta reconduziram-no à Espanha. O povo, ao çer notícia de que ele estava novamente de regresso, foi ao seu encontro, como ao de um génio tutelar da Espanha. Retiraram Colombo do navio; ele apareceu diante de todos, mas com as mãos e os pés agrilhoados32. Tão ultrajante tratamento lhe havia sido imposto por ordem de Fonseca, bispo de Burgos e intendente das armas. A ingratidão era tão grande quanto os serviços prestados pelo grande descobridor. Isabel sentiu-se envergonhada com a afronta e tudo fez para repará-la; mas Colombo ficou detido durante quatro anos, fosse por temor de que ele se apoderasse do que havia descoberto, fosse para dar tempo de se informarem sobre a sua conduta. Afinal, deixaram-no voltar novamente ao seu novo mundo (1498). Foi nessa terceira viagem que ele deu com o continente, a dez graus do Equador, e avistou a costa onde se construiu a cidade de Cartagena.

Quando Colombo prometera descobrir um novo hemisfério, replicaram-lhe que esse hemisfério não podia existir, e quando ele o descobriu, pretenderam que tais regiões eram conhecidas desde muito tempo. Não venho falar aqui de um Martin Behem 33, de Nuremberg, que, segundo dizem, foi de Nuremberg ao estreito de Magalhães, em 1460, com carta de patente da duquesa de Borgonha, a qual, não estando a reinar na época em que teria tido lugar esse acontecimento, não podia conceder tais privilégios; nem tão pouco referir-me aos pretensos mapas desse mesmo Martin Behem e às contradições que desmentem essa fábula. Mas, de qualquer forma, esse tal Martin Behem não povoou a América. Atribuíam tal honra aos Cartagineses e citava-se a propósito um livro de Aristóteles, que ele não escreveu. Alguns julgaram encontrar semelhança entre os vocábulos Caraíbas e as palavras hebraicas, e não perderam a oportunidade de enveredar por esse caminho. Outros souberam que os filhos de Noé, tendo-se estabelecido na Sibéria, de lá passaram para o Canadá, através das geleiras, e, em seguida, seus descendentes nascidos no Canadá foram povoar o Peru. Segundo outros, os Chineses e os Japoneses enviaram colonos à América e dali receberam jaguares para com eles se divertirem, embora nem o Japão nem a China possuam jaguares. É assim que os sábios frequentemente raciocinam sobre o que os homens de génio inventam ou descobrem. Pergunta-se: quem colocou homens na América? Poder-se-ia responder: foi quem ali fez nascer as árvores e a relva.

A resposta de Colombo a esses invejosos é célebre. Colombo convidou-os a colocar um ovo em pé; e como ninguém o conseguisse, quebrou o ovo e o equilibrou. "Assim é fácil" — disseram os presentes. "Por que então não o fizeram?" Esta anedota é uma versão de Brunelleschi, grande artista, reformador da arquitectura em Florença, muito antes de Colombo existir. A maioria das frases célebres não é original.

As cinzas de Colombo já não interessam à glória por ele conquistada em vida, duplicando para a humanidade as obras da criação; mas os homens gostam de fazer justiça aos mortos, Ou porque se lisonjeiam com a esperança vã de fazê-la melhor aos vivos, ou por amarem naturalmente a verdade.

Américo Vespúcio, a quem chamamos Améric Vespuce, negociante florentino, desfrutou a glória de haver dado seu nome à nova metade do globo, na qual não possuía uma polegada de terra: pretendera ter sido o primeiro a descobrir o novo continente. Ainda que ele tivesse realmente feito essa descoberta, a glória não seria sua; ela pertence, incontestavelmente, ao que teve o génio e a coragem de empreender a primeira viagem. A glória, como disse Newton em suas polémicas com Leibnitz, não pertence senão ao inventor: os que vêm depois não são mais que discípulos.

32 Note-se a arte com que é manejada esta frase, que evoca um quadro de grande dramaticidade.

33 Trata-se de Martin Behaim, de Nuremberg, que se colocou a serviço de Portugal e efectuou uma viagem de descobrimentos em redor da África.

Fonte: Voltaire, Clássicos Jackson. Trad. Brito Broca.

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