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SOBRE O CÓMICO DE MOLIÈRE

Ao Sr. de Vauvenargues

Versalhes, 7 de Janeiro de 1745.

A última obra que houvestes por bem enviar-me, senhor, é mais uma prova do vosso excelente gosto num século em que tudo parece tão pequeno e o falso talento se coloca no lugar do génio.

Creio que, se se utilizou o termo instinto para caracterizar La Fontaine, essa palavra instinto significava génio. O carácter desse bom homem era tão simples que, na palestra, ele não se mostrava acima dos animais aos quais fazia falar; mas como poeta, possuía um instinto divino, tanto mais instinto quanto nisso consistia o seu talento. A abelha é admirável, mas na sua colmeia; fora daí, não passa de uma mosca.

Teria muita coisa a dizer-vos sobre Boileau e Molière. Concordo, sem dúvida, que Molière não era uniforme no verso; não julgo, porém, houvesse ele escolhido personagens

e assuntos vis. Os ridículos finos e subtis de que falais não são interessantes senão para um pequeno número de espí-ritos delicados. Para o público, são necessários traços mais acentuados. Além disso, os ridículos subtis quase não podem fornecer personagens de teatro. Um defeito quase imper-ceptível pouco interessa; o que convém são traços fortes, impertinências, nas quais entre a paixão e sejam próprias à intriga. É preciso que no tema figure um jogador, um avaro, um ciumento, etc. Estou tanto mais inteirado disso quanto, encontrando-me actualmente ocupado com a festa do casamento do Delfim, na qual figura uma comédia, tenho observado, mais do que nunca, que a finura, a subtileza, a delicadeza, embora fazendo o encanto da palestra, pouco convêm ao teatro. É essa festa que me impede de entrar convosco, senhor, em maiores detalhes e submeter à vossa apreciação as minhas ideias; nada, porém, me impede de experimentar o prazer que sempre me causam as vossas.

. .. Vosso estado preocupa-me à medida que vejo as produções do vosso espírito, tão exacto, tão natural, tão fácil e, por vezes, tão sublime. Sirva ele para consolar-vos, como tem servido para encantar-me. Conservai esta amizade, devida à que me inspirastes.

Adeus, senhor; abraço-o afectuosamente.

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