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A LEITURA DAS BOAS OBRAS

A Mademoiselle * * *

Delicias, perto de Genebra, 20 de Junho de 1756.

Não passo, Mademoiselle, de um velho doente, e é preciso que o meu estado seja bem lamentável para não haver respondido há mais tempo à carta com que me honrastes e enviar-vos somente alguma prosa pelos vossos lindos versos. Pedistes-me conselhos; não precisais de outros que os de

18 Personagem famosa do Bourgeois gentilhomme, de Molière.

vosso próprio gosto. O estudo que fizestes da língua italiana deve fortalecer ainda mais esse gosto com que nascestes e que ninguém pode dar. Tasso e Ariosto vos prestarão mais serviços do que eu, e a leitura dos nossos melhores poetas vale mais do que todas as lições; mas, já que vos dignais, de tão longe, me consultar, convido-vos a não ler senão as obras que gozam há muito tempo da preferência do público e cuja reputação já não é duvidosa. São poucas, mas lucra-se muito mais lendo-as do que folheando todos os maus livrinhos de que vivemos inundados. Os bons autores não possuem espírito senão na medida do necessário, não o procuram jamais, pensam com bom senso e exprimem-se com clareza. Hoje, parece que só se escreve em enigmas. Nada é simples, tudo é afectado; afastamo-nos em tudo da natureza; temos a infelicidade de querer fazer melhor do que os nossos mestres.

Atenhai-vos, Mademoiselle, a tudo o que neles agrada. A afectação, por menor que seja, é um vício. Os Italianos degeneraram depois de Tasso e Ariosto porque quiseram ter muito espírito; e os Franceses estão no mesmo caso. Vede com que naturalidade Mme. de Sévigné e outras damas escrevem; comparai esse estilo com o de frases retorcidas dos nossos romancetes. Cito as heroínas do vosso sexo, porque pareceis feita para a elas assemelhar-se. Existem peças de Mme. Deshoulières como nenhum autor dos nossos dias faria jamais. Se quiserdes que eu cite os homens, vede com que clareza, com que simplicidade nosso Racine sempre se exprime. Cada um de nós, lendo-o, julga-se capaz de dizer em prosa o que Racine diz em verso. Podeis crer que tudo que não for assim claro, simples e elegante, não valerá nada.

Vossas reflexões, Mademoiselle, vos ensinarão cem vezes mais do que o que eu vos poderia dizer. Vereis como os nossos bons escritores, Fénelon, Bossuet, Racine, Despréaux, empregavam sempre a palavra exacta. Acostumamo-nos a bem falar lendo sempre os que escreveram bem; torna-se

hábito exprimir o pensamento simplesmente e nobremente, sem esforço. Não é de forma alguma um estudo, nenhum trabalho dá ler o que é bom e não ler senão isso. Para que outro mestre, além do prazer e do bom gosto?

Perdoai, Mademoiselle, estas longas reflexões; elas devem ser atribuídas à minha obediência às vossas ordens.

Tenho a honra de ser, com respeito, etc.

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