epistolografia – Padre Vieira e D. FRANCISCO MANUEL DE MELO

Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

LIÇÃO XXVI

epistolografia

O PADRE ANTÔNIO VIEIRA

O padre Antônio Vieira, a quem já classificamos como primeiro orador português, é também o principal epistológrafo de sua época. Sua correspondência com diversas pessoas da corte, com seus superiores eclesiásticos, ou com seus íntimos amigos, constitui um dos padrões da nossa literatura, e que será com proveito consultado enquanto houver quem entenda a língua de Camões e João de Barros. Percorrendo porém a coleção das cartas de Vieira conhece-se que as contrariedades de sua vida e os desgostos que o conhecimento dos homens e das coisas lhe deveram ter produzido tornam-no às vezes um tanto cáustico, e fazem-no perder a graça e naturalidade tão necessárias neste gênero de composição.

Procedendo ao inventário das belezas epistolares do padre Vieira somos obrigado a resumir o seu número em atenção à estreiteza do nosso plano.

Recomenda-se a 40ª carta do tomo III dirigida a D. Rodrigo de Menezes não só pela gravidade do seu estilo, como porque nela Vieira parece dar a entender que vira a luz entre nós, o que animou o nosso distinto amigo o Sr. Joaquim Norberto de Souza e Silva a propor ao Instituto Histórico o exame desta matéria, que foi amplamente desenvolvida pelo sábio arcebispo marquês de Santa Cruz, ficando exuberantemente

provado que a Lisboa e não a Bahia cabe a glória da naturalidade do exímio jesuíta. Em razão da sua importância e perfeição, copiá-la-emos integralmente:

Senhor: — No correio passado escrevi a V. S. e não supondo fazê-lo neste, sou obrigado a isto por um aviso que tive do Brasil. Em müm é atributo da natureza, em V. S. obra de caridade e em S. Alteza, se for servido fazer-nos a mercê que se pede, ação de sua real grandeza.

É o caso que uma irmã que ainda tinha sem tomar estado, em que outras vezes falei a V. S., está casada na Bahia com Jerônimo Sodré Pereira, que servia a S. Alteza com satisfação em Alentejo. Pretende o posto de mestre de campo, que ali está vago, e segundo sou informado, excede na qualidade a alguns dos seus antecessores, e os iguala nos procedimentos, posto que não na antiguidade dos serviços. El-Rei, que está no céu, sem eu lhe pedir (como nunca lhe pedi nada) me fez mercê (ainda quando o tinha servido menos) mandar passar, e registrar uma portaria, em que diz: que nos requerimentos de meus parentes se haverá respeito aos meus serviços. Fui duas vezes a Holanda, duas a França, uma a Itália em serviço de S. Majestade, passando também a Inglaterra, e havendo de chegar à Dieta de Munster com negócios de tanta importância e tanto risco, como pode dizer o bispo de Leiria, e d’algum teve também notícia o senhor marquês de Marialva. Se no governo da rainha que está no céu, desejei servir a S. A. e quanto me custou este desejo, a V. S. é bem presente; mas não trago isto à memória mais que para significar a V. S. que o não quero alegar, para dever-lhe toda a mercê, que de S. A. espero nesta ocasião, só a sua grandeza e afeto de, que V. S. tanto me assegura. E para que diga tudo a V. S., com sinceridade que devo, e costumo, toda a razão deste meu empenho é querer que este parente tenha posto raízes na Bahia para que fique nela, e não se resolva a vir a Portugal com o perigo que já experimentou outro cunhado, e irmã com cinco filhos, que ficaram sepultados no mar. A cabana em que nasci não tem outra esperança de ter sucessor legítimo senão esta; e posto que o afeto do sangue está em mim tão morto como outros, vive ainda nos que pedem isto com as maiores instâncias, e eu não tenho onde as remeter senão à proteção de V. S.

Vejo quão importuno sou, e quanto molesto a V. S., mas a benignidade tão experimentada de V. S. me anima a que passe dos seus limites. Deus guarde a V. S. muitos anos, como desejo, e os .criados de V. S. havemos mister. — Roma, 1 d’agosto de 1671. — Criado de V. s. — Antônio Vieira.

Ninguém ignora a dificuldade de escrever-se uma carta de pêsames sem cair nas trivialidades que o uso tem consagrado. Apartando-se da vereda ordinária, escreveu o P. Vieira algumas notáveis pela concisão de palavras e abundância de pensamentos, distinguindo-se entre estas a seguinte escrita a certo fidalgo:

Meu Senhor: — Uma das máximas que deviam evitar entre os políticos, é esta, que mais serve de renovar a dor, que de diminuir a pena; principalmente quando o sentimento, por grande e justo, pare-ce não admite alívio. Nem eu me atrevo a intimá-b a V. S.; pois conheço não pode a minha persuasão ser poderosa para desvanecer a que V. S. por todas as razões deve sentir. Deus, admirável sempre em suas dispôs’ções guarde a V. S. por muitos anos, e lhe dê na mais designada conformidade o mais justificado merecimento.

Na carta mandada à rainha da Grã-Bretanha, filha de D. João IV, formula Vieira as suas queixas acerca da ingratidão que para com ele praticara o príncipe D. Pedro, regente de Portugal, e onde, apenas de profundo ser o seu ressentimento, nenhuma expressão desrespeitosa escapa de sua pena. Pensando que o leitor não deixará de lê-la com suma satisfação, transcrevemo-la em sua íntegra.

Senhora: — Tem V. M. a seus reais pés a Antônio Vieira neste papel, porque é tal a sua fortuna que o não pôde fazer em pessoa por mais que o desejou e procurou. A quem me queixarei do prínc pe D. Pedro, meu senhor, senão a V. Majestade? Por sua causa, depois do primeiro desterro, padeci as indignidades que me não atrevo a referir, e quando para o reparo delas esperava o escudo de sua proteção, nenhuma foiha de papel para o seu embaixador pude conseguir, em que lhe encomendasse me assistisse nesta cúria.

A Companhia do Comércio do Brasil, que restaurou Pernambuco e Angola, e deu cabedal ao reino para se defender, por ser invento e e arbítrio meu, me tem trazido à presente fortuna, quando se pudera prometer uma muito avantajada e honrada a quem tivesse feilo ao seu rei e à sua pátria um tal serviço scbre tantos outros, em que tantas vezes, e com tão úteis efeitos arrisquei, sem nenhum interesse, a vida. Mas permite Deus que nos príncipes da terra se experimentem semelhantes galardões, para que só de sua grandeza e verdade se esperem os que não hão de ter fim.

Quiz fazer a minha viagem a Roma por Inglaterra, para antes de morrer ter a consolação de ver a rainha da Grã-Bretarha, minha senhora (como anda espero), e comunicar a V. Majestade de palavras muitos particulares, que se não podem fiar de papel; e só porque os N. N. N. não imaginassem que S. Alteza por este rodeio consentia no fim da jornada, me não concedeu que passasse, uma vez por amor de mim, aquele mesmo canal de Inglaterra, em que se+e vezes me vi perdido pela conservação de sua coroa. Mágoa é ma or que toda a paciência e consderação de que experimente estes rigores em um fi ho d’El-rei D. João IV e da rainha D. Luísa d’imortal memória, um crado tão favorecido de ambos que um o nomeou por mestre e outro por confessor do mesmo senhor. V. Majestade por sua c1emênc’a perdoe a indecência destas queixas, que a dor não tem juízo, e nenhuma é maior que a do amor ofendido.

Ranha e senhora minha, Deus guarde a real pessoa de V. Majestade, como a Igreja universal, e os vassalos e criados de V. M. havemos mister.

De grande tino político deu Vieira provas em várias cartas suas, como v. g. na que enviou a Duarte Ribeiro de Macedo, advogando a utilidade da cultura no Brasil das plantas e drogas da índia, como meio indireto de arruinar o comércio holandês. Extratemos dela a parte que mais notável julgamos:

Quando li esta carta de V. S. de 4 de janeiro, me resolvi que V. S. e eu éramos os verdadeiros químicos de Portugal, porque me parece temos descoberto a pedra filosofal; e químicos porque ambos medramos pouco.

Para prova da primeira parte desta proposição, há muitos anos sei se dá no Brasil a pimenta e quase todas as outras drogas da índia, como se experimentou no primeiro descobrimento, e el-rei D. Manuel, por conservar a conquista d’Orienté, mandou arrancar todas as plantas indiáticas, eom lei capital que ninguém as cultivasse; e assim executou ficando somente o gingivre, que, como raiz, dizem no Brasil, se meteu pela terra dentro, mas ainda se conserva a proibição e se toma por perdido.

Com esta notícia aconselhei el-rei, que está no céu, mandasse do Brasil à índia, ou da índia fosse ao Brasil, um navio carregado das ditas plantas já nascidas, e acompanhadas de pessoas práticas da dita cultura, e que em diversos lugares em tempos do ano as fossem transplantando, ou semeando, para que a experiência mostrasse em qual clima daquele vastíssimo Estado se davam melhor. Donde se seguiria de uma vez que tivéssemos abundância das ditas drogas, conduzidas elas a Portugal com viagem e despesa tanto menor que as que navegam os Holandeses, vendendo-as nós a muito menos preço, ficavam eles perdidos e a índia restaurada sem guerra. O mesmo representei ao príncipe, que Deus guarde, e não sei se a algum des seus ministros; mas o efeito foi, como V. S. e eu temos experimentado em outras muitas advertências, que mais pode perceber, como convém, quem nunca saiu daquele canto do mundo, nem cuida que há outro.

Modelo da paciência e resignação evangélicas é a seguinte carta endereçada ao duque de Cadaval:

Excelmo. Sr. — Conheço quanto devo à grandeza e piedade de V. Ex., e quanto ela poderia valer, se os decretos da Previdência divina se poderiam impedir com diligências humanas.

Os homens escreveram a sentença, o céu a ditou, e eu a aceitei com paciência e conformidade que se deve às suas ordens. Sobre tanto desengano do mundo estava e estou resoluto a o tratar como ele me tem tratado, e não aparecer mais onde me veja. Debaixo desta condição, que não pode deixar de parecer bem a V. Ex.; irei para onde me mandarem; pois assim V. Ex. o manda, cuja obediência para mim foi sempre o mais seguro acerto, ainda antes dos meus erres estarem tão conhecidos e condenados.

Eu, Sr., fico sempre aos pés de V. Ex., sem discurso, sem juízo; e hoje mais rendido que nunca, porque hoje mais obrigado. Deus guarde a V. Ex.

Sumamente tocantes são as suas despedidas do mundo dirigidas ao padre Baltasar Duarte, da Companhia de Jesus:

Meu padre: — Há perto de quinze anos como tenho escrito em outras, que estou sustentando à capa nesta quinta a grande tempes-tade de catarros, que com pleurizes, e sem outra febre mais que a sua natural, ouço que fazem grande destroço em todas as sortes de vidas e idades. Enfim me resolvo a deixar este deserto e ir para o Colégio, ou para sarar, como homem, com os remédios da medicina, ou para morrer como religioso, entre as orações e braços de meus padres e irmãos. A Deus Tanque, não vou buscar saúde, nem vida senão um gênero de morte mais sossegado e quieto que é memorial mais frequente, que de muitas anos a esta parte trago diante de Deus; não se o que será, mas no que for peço a V. Reverência se conforme com a vontade divina, tão indiferentemente, como se a vida, ou a morte, fora de ambos. Vale.

Pomos aqui fim às nossas citações antepondo ao próprio juízo o que a respeito destas tão célebres missivas emite o seu erudito coletor o Sr. cónego Roquete:

"As cartas, posto que não tenham as graças das de Cícero, nem o delicado gosto das de Sévigné, são a umas e a outras pouco inferiores na elegância e nobreza de linguagem; e porventura superiores na qualidade e importância dos assuntos. São modelos de estilo epistolar, e não se encontram nelas aqueles defeitos tão freqüentes nos sermões, de que tanto adoecia o seu século; por isso foram sempre tidas pelos portugueses entendidos em subida estimação".1

D. FRANCISCO MANUEL DE MELO

D. Francisco Manuel de Melo, que como epistológrafo ocupa o lugar imediato a Vieira, nasceu em Lisboa, a 23 de novembro de 1611, de pais nobres. Fez o seu curso de preparatórios no colégio de S. Antão, pertencente aos jesuítas, avan-tajando-se no estudo da filosofia, bem como no das ciências teológicas, para as quais mostrava grande predileção. Perdendo seu pai na idade de 17 anos, determinou de seguir a carreira militar, e passando à Espanha serviu-a com distinção em várias guerras, como a de Flandres e Catalunha, pelo que chegou ao posto de mestre de campo. Proclamada a independência de Portugal, foi recolhido a uma prisão, mas obtendo pouco depois a liberdade, passou-se à Holanda e daí a Lisboa. Três anos somente gozou da privança do monarca, por cuja ordem foi depois encarcerado na Torre Velha, onde permaneceu nove anos, sendo depois degradado temporariamente para o Brasil. São incertos os motivos dessa prisão; parecendo mais provável o que diz o bispo do Pará, D. Frei João de S. José Queiroz nas suas Memórias, isto é, que foi ter ele prometido seguir o partido de Espanha, mas para lisonjear uma condessa a quem amava. Findo este exílio, que resignadamente pareceu suportar, volveu à Europa, onde percorreu diversos países, assistindo por alguns anos em Roma. Aí empreendeu uma edição completa das suas obras, projeto este que infelizmente só teve um começo de execução. Faleceu este distinto literato no lugar do seu nascimento a 13 de outubro de 1666.

1 Epítome da vida do padre Antônio Vieira.

 

Foi D. Francisco Manuel de Melo abalizado escritor, ostentando imensa variedade e profusão de conhecimentos. Arrastado pela moda, ou quiçá pela sua prolongada residência em Castela, compôs quase tanto no seu como no vizinho idioma, enriquecendo simultaneamente ambas as literaturas.

Suas Cartas Familiares, cuja primeira edição foi feita em Roma no ano de 1664, por indústria de Antônio Luís de Azevedo, que as dividiu em cinco centúrias, e a segunda em Lisboa em 1752, podem ser apontadas como modelos de elegância e delicadeza no estilo familiar, levando algumas vezes a palma ao grande Vieira pela naturalidade com que exprime os seus pensamentos, e pela arte com que sabe interessar em assuntos que disso pouco susceptíveis pareciam. Vítima da mais negra imputação, na incerteza do seu destino, e vendo escoarem-se nos cárceres os últimos dias da sua existência, nenhum impropério escapa de sua pena; queixa-se com dignidade, e encontra sempre ditos chistosos para dirigir aos seus correspondentes, a quem foge de enfadar com a minuciosa e contínua narrativa dos seus infortúnios. Grande cópia de frases familiares, usadas em seu tempo, oferecem-nos as Cartas de D. Francisco Manuel, que, grande sabedor da nossa língua, descaía por vezes nos arcaísmos e palavras afetadas, o que com razão lhe exprobram os críticos.

Entrando na enumeração das passagens mais seletas do ilustre epistológrafo, não podemos deixar de mencionar com louvor a seguinte carta por ele dirigida a D. Francisco de Almeida, dando-lhe pêsames pela morte de uma sua filha religiosa:

Ainda ontem soube do desgosto de V. Mce. em que eu tenho tão grande parte, como a que tenho de servidor dessa casa. Mas, Senhor, pois V. Mce. havia dado aquela filha a Deus, não tem agora que se sentir, de que ele haja cobrado o que era seu. Quer nosso Senhor levar os moços para mostrar aos velhos, que lhes não faz agravo, quando os chama; e aos moços também lhes faz mercê, socorrendo-os

com sua mão, e tirando-os dos perigos de tão ruim mundo. No juízo e cristandade de V. Mce. creio eu que estão víivos de sorte estes discursos, que não há que advertir de novo deles: antes espero, que V. Mce. com sua grande constância nos dê a todos exemplo, de como nos haveremos em nossas adversidade. Sobretudo guarde Deus a V. Mce. como desejo.

Em estilo jocoso intercede a um ministro por um seu sócio na desdita; deixando-nos destarte mais um documento da benevolência que o caracteriza. Ei-lo:

V. Mce. por amor, e eu por medo, todos temos obrigação aos valentes.

N. Valente, da companhia da justiça está preso, e eu sou o que pago a sua prisão, e o será V. Mce. também brevemente, porque o não deixarei eu com rogos e importunações até que mo não solte. Não peço a V. Mce. que o livre dos ferros do padre. N., seu procurador e meu amigo, e que se livre V. Mce. de mim, que sou mais pesado que os próprios ferros, e mais importuno que os ferros mesmos nestes meus requerimentos. Veja agora, Senhor, se vai desculpado o meu excesso, procurando o que lhe toca a V. Mce. a mim, ao preso, e ao amigo.

Acabamos de ver como D. Francisco Manuel de Melo sabia ser espirituoso sem perder a gravidade de seus anos e posição; provar-nos-á agora a infra-citada carta que escreveu a uma dama que tomando aço (ferro) lhe passara pela porta, que mui abalizado mestre era n’arte da galanteria:

Quem mais se queixa da ventura diz dela que nem lhe passa pela porta. Mas entrar-lhe pela porta e tornar a sair de casa este outro maior encarecimento de mofina. Não sei que novas aqui achei de certa romaria. Mas de que serve achar novas da romaria e perder a romeira? Veja-se como me trata a minha sorte, que me ameaça com o bem, só para me mostrar que lhe não falta; e para que eu o sinta mas quando me falta. Também podia ser que fosse um novo desprezo, pois nem de mim fez caso, nem para fugir de mim. Oh! como eu folgaria se soubesse que me lembrava de cousas passadas! Assim se lembrara alguém para que eu não fosse esquecido. Contudo de que servem memórias do que já não é, se aqui mesmo entre nós nos tratam, como que nunca fôramos? Não debalde as damas tomam o aço; porque a peitos de pedra só aço pode ser mesinha. Que melindre tanto seu, e que consciência tanto sua: matar a gente às mãos cheias e queixar-se dum ameaço de dor? Senhora minha, mal, ou bem, os seus males têm remédio, os meus não. Também eu havia de vencer uma vez Vm. das muitas que me vence. Resta-nos agora saber, se essas senhoras que tem assim condição de levar as cousas ao cabo, é só para deixarem no canto, ou para que? Bem visto está, que aonde há tantas perfeições não deixará de haver a da constância. Saiba enfim, se o não sabe, a senhora doente, que aãnda assim doente como está, pode dar saúde e vida, vendo e ouvindo a quem lho merecer.

Comunicando ao seu amigo Jacinto Freire de Andrade a notícia que tivera da sua soltura, legou-nos D. Francisco Manuel invejável modelo da simplicidade que deve reinar no estilo epistolar:

Tive, como tenho por mais barato não crer as esperanças que sofrê-las; e vim forrar assim, quando menos, as ânsias da tardança e acrescentar o contentamento quando se houverem cumprido. O negócio tomou melhor caminho. Nem sempre as epidemias dos mofinos acertam os aspectos dos poderosos. A razão talvez leve pelos cabelos o poder de quem tantas vezes é levado. Agora recebi um papel de N. em que me diz nome e pessoa, que pela minha fique. Veja Vm. quem ficará por um homem que sempre fica perdido? Se em negócios se pode crer (o que para mim é ainda maior superstição, que em agouros; porque tenho grande agouro nos negócios), poderia contudo cuidar ficasse este meu negócio amanhã acabado. Enfim, senhor, já tomei casas e na Ribeira, piores que na praça; e junto aos diamantes. Será porventura esta a pena, que me dessem por meus delitos: vê-los e desejá-los e escusá-los, a maneira daquela água, e daquelas maçãs de Tântalo. Mas é muito para considerar que estas casas se chamam igualmente dos Bicos que dos Diamantes, tudo deve ser uma mesma coisa, os diamantes e os bicos para os que têm, e para os que desejam. Ora ficamos em uma altura Vm. e eu mas eu quisera que o buscar a Vm. não me custasse pouco. Todavia sempre haverei de subir onde Vm. esteja.

Queixando-se do esquecimento e abandono em que o deixavam alguns dos seus amigos fazia-o sempre com a maior nobreza de alma, misturando seus remoques com ditos graciosos, como se depreende da seguinte carta dirigida a um prelado:

Se V. S. se atreve a não estar mal comigo, eu me atrevo a não estar mal com V. S. Já vim a Lisboa, já vi a todos, mas nada tenho feito enquanto não vi a V. S. O Estado dará licença; quanto mais que o que é de V. S. é seu estado; e de V. S. ninguém é mais do que eu, que só por isso sou muito. Meu senhor brspo N., eu não quero de V. S. mais do que poder chamar-lhe assim. O dar obediência isso é o que falta; o aceitá-la não, e tenha eu em V. S. aquele que foi sempre. Sobre tudo vida, felicidade.

Terá notado o leitor que, fiel na observância das regras epistolares, é D. Francisco Manuel de Melo de extrema concisão em sua carta, sem que por isso prejudique a clareza e a boa ordem das suas idéias. Não terá escapado tão-pouco a sua perspicácia a predileção que mostrava o nosso autor pelos trocadilhos, não perdendo oportuno ensejo para fazê-los, contrastando semelhante predileção com a naturalidade, que havemos elogiado, e que ele se esforçava em guardar na sua correspondência familiar.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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