NOÇÃO E DIVISÃO DA LITERATURA – LIÇÃO do CURSO DE LITERATURA NACIONAL

Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

I

LIÇÃO II

NOÇÃO E DIVISÃO DA LITERATURA

Deriva-se a palavra literatura do vocábulo latino, littera, que, como se sabe, significa letra. Na sua mais ampla acepção é a literatura, na frase do Sr. de Lamartine, a expressão memorável do homem transmitida ao homem por meio da palavra escrita. Tomada porém em sentido restrito é a expressão dos conceitos, sentimentos e paixões do espírito humano feita por modo agradável. É nesta última acepção que lhe cabe o epíteto de belas letras, humanidades ou boas letras, como também lhe chamavam os nossos clássicos.

Intuitiva é a sua importância e utilidade. Seriam apenas conhecidos por alguns entes privilegiados as admiráveis descobertas das ciências se não se encarregasse a literatura de popularizá-las dando-lhes agradável forma. Realizando o preceito de Horácio miscuit utile dulci, instrui deleitando.

Nenhuma classe há que possa dispensar o seu auxílio, porque todas necessitam derramar encantos sobre os seus escritos e conversações, e para que, à semelhança da taça figurada pelo cantor da Jerusalém libertada, lhe circunde o mel das letras as bordas.

Não se segue do que acabamos de dizer que a literatura seja unicamente um delicioso passatempo, como pensam alguns: é antes poderoso elemento de civilização, alavanca de Arquimedes com que se pode abalar qualquer sistema político por mais sólidas que sejam as suas bases. Entregue a mãos mercenárias, dominada por maléficas intenções, pode causar tantos males quanto bens dela se colhe quando bem dirigida. São os seus diversos ramos outras tantas artérias por onde pode infiltrar-se o erro na alma do povo.

Dividem os críticos a literatura em duas grandes seções: a clássica que imita os modelos que nos legou a antiguidade grega e romana, e a romântica, filha da inspiração cristã, fiel intérprete das idéias que dominam as modernas sociedades.

A denominação clássica procede do costume geralmente adotado de se estudarem nas aulas (classes) os livros que de maior nomeada gozam, principalmente os dos autores gregos e romanos: e deriva-se o nome de romântica da língua romana ou romance, em que escreveram os trovadores as suas primeiras poesias ditadas pelo cristianismo, e em que celebravam as lendas dos santos, e as façanhas dos cavaleiros.

Além desta divisão, acerca da qual ainda hoje se litiga, subdivide-se a literatura conforme os países a que pertencem os seus autores, ou conforme as idéias de que se fazem órgãos. Se o clima, a religião, a forma de governo, os usos e os costumes atuassem sempre poderosamente sobre as literaturas dos povos seria fora de dúvida que cada país devera contar uma que lhe fosse especial. Infelizmente porém assim não acontece; e numerosos são os exemplos de nações independentes que não possuem literatura própria, como v. g. a Suíça.

Em compensação pode um povo estar sujeito a estranho domínio, haver perdido a sua autonomia, e ser contudo diverso no ponto de vista literário. Sirvam de exemplo a Polônia e a Hungria que, submetidas à Rússia e à Áustria, conta cada uma delas sua literatura nacional.

Vê-se pois que não é a língua que serve de divisão as literaturas. Silvestre Pinheiro Ferreira escreveu em francês, o bispo Jerônimo Osório em latim, mas não pertencem suas obras nem à literatura francesa, nem ao espólio literário da antiga senhora do mundo.

Fazendo aplicação dos princípios que acabamos de estabelecer julgamos, bem que pese ao nosso patriotismo, que nas faixas infantis ainda se acha envolta a literatura brasileira. Tê-la-emos brevemente, como já a possuem os Estados Unidos e quiçá o Chile; numerosos são os elementos que se aglomeram para a sua constituição, e o movimento impresso em 1836 pelo Sr. Magalhães vai produzindo brilhantes resultados.

Discordamos porém da opinião dos que pretendem enxergar uma nacionalidade, um cunho particular nos escritos de alguns ilustres brasileiros, compostos durante o regime colonial, ou ao crepúsculo da aurora boreal da independência, quando as preocupações políticas absorviam todas as atenções. Não passam de gloriosos precursores Durão, Basílio da Gama, os dous Caldas, S. Carlos, os dous Alvarenga, Cláudio Manuel da Costa e alguns outros belos engenhos que faziam ouvir seus cantos no meio da servidão da pátria. Não descobrimos porém em seus versos uma idéia verdadeiramente brasileira, um pensamento que não fosse comum aos poetas de além-mar. Para isso é certo que poderosamente contribuía a educação que então se dava à juventude, e para brasileiros e portugueses era infalível o oráculo de Coimbra. Impossível é pedir originalidade a quem não tem idéias suas. Se p:r empregarem alguns nomes indígenas devem esses autores ser classificados na literatura brasileira, injusto fora excluir da indostânica Camões, Barros e Castanheda.

Reservando para mais tarde o desenvolvimento desta proposição, procedamos à divisão das épocas da literatura portuguesa, que, por não termos uma exclusivamente nossa, clamaremos de nacional.

Segundo o Sr. Borges de Figueiredopor cinco fases, ou épocas, passou a literatura portuguesa, às quais denominou de infância, adolescência, virilidade, velhice e renascimento. Acrescentaremos outra com o nome de reforma, inaugurada em Portugal pelo exímio poeta visconde de Almeida Garrett, e no Brasil pelo Sr. Dr. J. Gonçalves de Magalhães.

Abrange a primeira época (infância) um período de cento e trinta e nove anos, isto é, desde a fundação da monarquia em 1140 até o reinado de D. Diniz, que começou em 1279.

Compreende a segunda (adolescência) duzentos e dezesseis anos, isto é, desde 1279 até 1495, servindo-lhe de marcos miliários os reinados de D. Diniz e D. Manoel.

A terceira (virilidade) dura oitenta e cinco anos (de 1495—1580), que tantos se contam desde o reinado de D. Manoel até o começo do reinado de D. Filipe II. É este o século áureo da literatura portuguesa.

A quarta (velhice) tem de duração cento e setenta anos (de 1580—1750) e servem-lhe de limites os reinados de D. Filipe II e o de D. João V. É um período de decadência a que os escritores chamaram idade de ferro.

J Bosq. hist, da Lit. class, greg. lat. e port., pág. 152.

 

A quinta (renascimento) é de mais curta duração; pois apenas abrange o intervalo de setenta e seis anos (1750—1826), compreendidos nos reinados de D. José I ao de D. João VI. Pode ser denominada idade de prata, pelos grandes engenhos que nela viveram.

A sexta (reforma) é a contemporânea, felizmente estreada em ambos os hemisférios por dois ilustres poetas (Garrett e Magalhães).

Falaremos mais de espaço sobre a natureza desta reforma que introduziu em Portugal e no Brasil a escola romântica, ilustrada por tão grandes talentos em França, Alemanha, Inglaterra e Itália.

Como era de esperar, trouxe a reforma do Sr. Magalhães o gosto pelas cousas pátrias, e do estudo que delas fizeram os nossos poetas e prosadores pode-se datar a aparição da nova escola, que apelidaremos de brasílico-romântica.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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